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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNO CRISTIANO NEUENSCHWANDER LINS DE MORAIS

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNO

CRISTIANO NEUENSCHWANDER LINS DE MORAIS

COBRANÇA E RENEGOCIAÇÃO DE TRIBUTOS EM ATRASO NO BRASIL: ANÁLISE DA ESTRUTURA DE INCENTIVOS DO PROGRAMA DE TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA DA

LEI Nº 13.988, DE 2020

BRASÍLIA 2021

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CRISTIANO NEUENSCHWANDER LINS DE MORAIS

COBRANÇA E RENEGOCIAÇÃO DE TRIBUTOS EM ATRASO NO BRASIL: ANÁLISE DA ESTRUTURA DE INCENTIVOS DO PROGRAMA DE TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA DA

LEI Nº 13.988, DE 2020

Dissertação apresentada à Escola de Políti- cas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas para obtenção do título de mestre em Políticas Públicas e Governo.

Área de concentração: Políticas Públicas e Governo

Orientador: Prof. Dr. Gil Riella

BRASÍLIA 2021

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Morais, Cristiano Neuenschwander Lins de.

Cobrança e renegociação de tributos em atraso no Brasil : análise da estrutura de incentivos do programa de transação tributária da Lei nº 13.988, de 2020 / Cristiano Neuenschwander Lins de Morais. - 2021.

72 f.

Orientador: Gil Riella.

Dissertação (mestrado MPPG) – Fundação Getulio Vargas, Escola de Políticas Públicas e Governo.

1. Impostos - Brasil - Legislação. 2. Impostos - Arrecadação. 3. Dívida -

Renegociação. 4. Anistia fiscal. 5. Obrigação tributária. I. Riella, Gil. II. Dissertação (mestrado MPPG) – Escola de Políticas Públicas e Governo. III. Fundação Getulio Vargas. IV. Título.

CDU 336.2(81)

Ficha Catalográfica elaborada por: Isabele Oliveira dos Santos Garcia CRB SP-010191/O Biblioteca Karl A. Boedecker da Fundação Getulio Vargas - SP

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CRISTIANO NEUENSCHWANDER LINS DE MORAIS

COBRANÇA E RENEGOCIAÇÃO DE TRIBUTOS EM ATRASO NO BRASIL: ANÁLISE DA ESTRUTURA DE INCENTIVOS DO PROGRAMA DE TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA DA LEI

Nº 13.988, DE 2020

Dissertação apresentada à Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas para obtenção do título de mestre em Políticas Públicas e Governo.

Área de Concentração: Políticas Públicas e Governo.

Data de aprovação: 10/11/2021

Banca examinadora:

________________________________

Prof. Dr. Gil Riella FGV-EPPG

________________________________

Profa. Dra. Milene Takasago Universidade de Brasília - UNB

________________________________

Prof. Dr. Benjamin Miranda Tabak FGV-EPPG

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Agradecimentos

São muitas as pessoas a quem devo registrar a minha gratidão pela ajuda que me deram, sem o que não teria conseguido concluir o curso, nem muito menos a dissertação.

Começo agradecendo à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, instituição que integro com muito orgulho e motivação, por viabilizar a realização desse estudo.

Agradeço à minha esposa, Carolina, pelo suporte, parceria e compreensão.

Aos amigos de Adjuntoria de Gestão da Dívida Ativa, em especial João Grognet, Leonardo Lindoso e Theo Lucas, que“seguraram a onda” nas minhas ausências e o fizeram com a competência que lhes é peculiar.

Aos professores da FGV/EPPG, pelos ensinamentos proporcionados. Ao Professor Benjamin Tabak, pelas orientações e dicas de leitura e de softwaresrealizadas ao longo do curso.

Ao meu orientador, Professor Gil Riella, pela paciência, pelas orientações e tempo dedicados, e, sobretudo, pelos conhecimentos compartilhados.

Agradecimentos especiais para Cristiane Coelho, Daniel Sabóia e Rogério Campos, pelo apoio e incentivos de sempre, não só durante o curso, mas em variados momentos de minha trajetória profissional e vida pessoal.

Por fim, o meu muito obrigado para Natália Rodrigues, Clóvis Monteiro Neto e Carolina Navarro, pela revisão e pelas sugestões de aprimoramento do texto da dissertação.

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Resumo

Os governos utilizam vários instrumentos para compor as suas políticas de cobrança de tributos, dentre eles, a concessão de anistias fiscais. Programas mal concebidos podem trazer efeitos negativos à arrecadação e à conformidade tributária. No Brasil, ao longo dos últimos 20 anos, tornou-se frequente o lançamento de programas de anistia, conhecidos como “Refis”, cujos resultados não foram satisfatórios. Com declarado objetivo de mudar esse quadro, em 2019, foi editada a Medida Provisória nº 899, convertida na Lei nº 13.988, de 2020, instituindo um novo programa de renegociação de débitos tributários, com o uso do instituto da transação tributária. Este estudo visa a analisar se esse novo programa federal possui aptidão, sob a ótica da teoria econômica, para aumentar a arrecadação e melhorar o compliance futuro, com foco nos incentivos gerados aos contribuintes pelas regras estabelecidas. Os resultados indicam que o desenho da nova política pública possui aptidão teórica para melhorar a arrecadação e ocompliancetributários, criando os incentivos corretos aos agentes. Com a teoria dos jogos, evidenciou-se que a transação tributária, ao viabilizar acordos com concessões recíprocas, possibilita que Fisco e contribuintes com baixa capacidade de pagamento cheguem a um novo equilíbrio na relação de cobrança tributária, com aumento de eficiência econômica. A utilização do modelo Principal-Agente demonstrou que os problemas de seleção adversa e de risco moral foram endereçados pelo novo programa de transação tributária, dados os mecanismos de triagem, monitoramento e auditoria estabelecidos pelas regras do programa. Identificou-se, em adição, a importância do uso de abordagens comportamentais para a melhoria de efetividade das políticas de conformidade fiscal. A principal limitação da pesquisa refere-se à simplificação realizada nos modelos teóricos e aos poucos dados disponíveis em razão do reduzido tempo de execução do novo programa. Os resultados alcançados podem ser utilizados como referência para novos estudos e avaliações compreensivas do programa de transação tributária, em especial para a avaliação do seu impacto, mediante a realização de experimentos de campo, bem como podem contribuir para subsidiar os debates e decisões da classe política relacionadas aos recorrentes pleitos pela instituição de novos “Refis”.

Palavras-chave:Conformidade Fiscal. Cobrança de tributos. Transação tributária.

Teoria econômica. Seleção Adversa. Risco Moral

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Abstract

Governments use various instruments to set their tax collection policies, which includes, among them, granting amnesties. Poorly designed programs can bring negative effects to tax collection and tax compliance. In Brazil, over the last 20 years, a type of amnesty program known as “Refis” has become frequent, with unsatisfactory results. With the stated purpose of changing this situation, in 2019, Provisional Measure nº 899 was issued, and converted into Law nº 13,988, of 2020, which instituted a new program for pardoning tax debts, using the offer in compromise institute. This study aims to analyze whether this new federal program has the potential, according with economic theory, to increase tax collection and improve future compliance, focusing on the incentives generated for taxpayers by the established procedures. The results indicate that the design of the new public policy has theoretical aptitude to improve tax collection and compliance, generating the correct incentives to the agents. With game theory, it was evidenced that the tax compromise, by enabling agreements with reciprocal concessions, allows the tax authorities and taxpayers with low payment capacity to reach a new balance in the tax collection relationship, with an increase in economic efficiency. The use of the Principal-Agent model demonstrated that the adverse selection and moral hazard problems were addressed by the new debt compromise program, given the screening, monitoring and auditing mechanisms established by the program’s rules. In addition, the importance of using behavioral approaches to improve the effectiveness of tax compliance policies was identified. The main limitation of the research refers to the simplification carried out in the theoretical models and the limited data available due to the novelty of the program. The results achieved can be used as a reference for further studies and comprehensive evaluations of the tax-debt comprimise program, in particular for the assessment of its impact, through field experiments, as well as can contribute to subsidize the debates and decisions of the political class related to the recurring claims for establishing new “Refis” amnesties.

Keywords:Tax Compliance. Tax Collection. Offer In Compromise. Economic Theory.

Adverse selection. Moral hazard

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Lista de ilustrações

Figura 1 – o Triângulo do Compliance Fiscal . . . 21 Figura 2 – Atitudes, intenções e motivações quanto aocompliance . . . 45

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Sumário

1 INTRODUÇÃO . . . . 10

1.1 Contextualização . . . 10

1.2 O problema . . . 11

1.3 Objetivos . . . 14

1.4 Delimitação do estudo . . . 17

1.5 Justificativa do estudo. . . 18

2 REFERENCIAL TEÓRICO . . . . 20

2.1 Melhores práticas internacionais relacionadas à conformidade fiscal 20 2.1.1 Ocompliancetributário . . . 20

2.1.2 Programas de Anistia Fiscal . . . 22

2.1.3 Alternativas aos programas de anistia fiscal . . . 24

2.1.4 Os programas brasileiros de anistia fiscal . . . 26

2.1.5 O programa federal de transação tributária brasileiro: contexto e motivações 28 2.2 Teoria econômica aplicada aocompliancetributário . . . 31

2.2.1 Modelos econômicos teóricos sobrecompliancetributário . . . 31

2.2.2 Análise econômica das anistias fiscais e das renegociações de dívidas . 34 2.2.3 Experimentos sobrecompliance tributário . . . 36

3 METODOLOGIA . . . . 39

4 RESULTADOS . . . . 43

4.1 Tipos de devedores de tributos, ações e preferências da Agência Tributária e dos contribuintes . . . 43

4.2 Análise da atividade de cobrança de tributos não pagos sob a pers- pectiva da teoria dos jogos . . . 47

4.2.1 Definições e funções de utilidade da Agência Tributária e do devedor . . 47

4.2.2 Compliancede equilíbrio nas estratégias da Administração Tributária e dos devedores . . . 49

4.3 A teoria Principal-Agente e a renegociação de tributos em atraso . . 51

4.3.1 Definições . . . 51

4.3.2 Tipos Observáveis . . . 51

4.3.3 Tipos Não Observáveis . . . 52

4.3.4 Triagem (screening) . . . 53

4.3.5 Efeito Compromisso . . . 54

4.3.6 A oferta do acordo e o problema de seleção adversa . . . 57

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4.4 Análise comparativa da estrutura de incentivos do “Refis” e do pro- grama de Transação Tributária . . . 58 4.4.1 Transação Tributária, Refis e Seleção Adversa . . . 58 4.4.2 Transação Tributária, Refis e risco moral . . . 64 4.5 Uso deinsightscomportamentais para a melhoria da cobrança e do

programa de transação tributária. . . 65 5 CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS . . . . 67 REFERÊNCIAS . . . . 70

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1 INTRODUÇÃO 1.1 Contextualização

Para obter os recursos públicos necessários ao desempenho de suas atividades, o Estado se utiliza da tributação, estruturando as diversas políticas que compõem o seu sistema tributário.

Aspecto importante, especialmente em contextos marcados por crises econômicas e fiscais, é a atividade de cobrança dos tributos não pagos (BRONDOLO, 2009; OECD, 2014).

Essencial para a justiça do sistema tributário e para assegurar a arrecadação voluntária, a cobrança de tributos não pagos é atividade complexa.

As Agências Tributárias se utilizam de diversos mecanismos para induzir ou forçar os devedores ao pagamento das dívidas em atraso. As boas práticas internacionais preconizam que, mais do levar em consideração aspectos relacionados apenas ao débito em si, devem- se adotar as medidas de cobrança adequadas ao perfil do devedor (OECD, 2014).

Um dos instrumentos comumente utilizados é a concessão de anistias fiscais, com o perdão de parte dos valores devidos, visando a estimular o pagamento do valor da dívida remanescente e, assim, aumentar a arrecadação e proporcionar o futurocompliance (STELLA, 1989).

Ocorre que, ao implementar programas de anistia tributária, os Fiscos se deparam com dilemas relacionados à percepção de justiça pelos contribuintes que estão em dia e com possíveis estímulos à inadimplência. Caso esses programas não sejam cuidadosamente elaborados, com a sua estrutura de incentivos econômicos desenhada de forma a alinhar os interesses da Agência Tributária com o dos contribuintes, os resultados almejados podem ficar comprometidos (BAER; LE BORGNE, 2008).

No Brasil, a partir do ano 2000, a política de recuperação de débitos não pagos foi pautada pela reiterada instituição de programas de anistia fiscal, que ficaram conhecidos pelo nome “Refis”, como serão, doravante, denominados no presente trabalho.

Estudo divulgado pela Receita Federal do Brasil (RFB) revela que esses programas se caracterizaram pela sua amplitude, linearidade e ausência de avaliação individualizada quanto à situação econômica do contribuinte, o que permitiu que contribuintes com plena capacidade para pagar a dívida em sua integralidade também fossem contemplados com descontos e prazos alongados (RFB, 2017).

As avaliações dos resultados dessa política pública mostraram a inefetividade dos diversos programas, com resultados arrecadatórios negativos e evidências de alteração no comportamento de contribuintes, que passaram a incorporar a expectativa de reedição de programas de anistia como um dos elementos adotados para a decisão quanto ao pagamento dos tributos (PAES, 2012; FABER; SILVA, 2016).

Entretanto, no ano de 2019, houve uma mudança nessa política de anistias tributárias

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Capítulo 1. INTRODUÇÃO 11

gerais, com a edição de um novo programa, inspirado nas melhores práticas internacionais e noOffer in compromise, instituído peloInternal Revenue Service(IRS) - a Agência Tributária norte-americana – denominado “Contribuinte Legal”, por intermédio da Medida Provisória nº 899, daquele ano, posteriormente convertida na Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020 (BRASIL, 2020), regulamentando-se em nível federal o instituto da transação tributária, previsto no Código Tributário Nacional desde 1966.

1.2 O problema

O objetivo anunciado pelo programa federal de transação tributária brasileiro - re- tratado explicitamente na exposição de motivos da Medida Provisória nº 899, de 2019 - foi superar os efeitos negativos dos diversos Refis anteriores, com um novo desenho, que, no que diz respeito à cobrança de dívidas em atraso, passa a avaliar a capacidade de pagamento dos contribuintes, para fins de gradação dos descontos e prazos oferecidos em um contrato de renegociação de dívidas e, com isso, obter aumento de arrecadação e de conformidade tributária (BRASIL, 2019).

A presente dissertação pretende, fundamentalmente, responder à seguinte pergunta:

em que medida o programa de transação tributária federal tem a potencialidade de atender aos objetivos de aumento de arrecadação e de compliance fiscal, sob a ótica da teoria econômica?

Busca-se, portanto, verificar se o desenho da nova política de renegociação de tributos em atraso é, de fato, adequado sob o prisma dos incentivos econômicos gerados aos agentes, para que os objetivos de aumento de arrecadação e de compliance sejam de possível alcance.

A teoria econômica, ao estudar as relações que envolvem delegação, enfatiza o problema da assimetria de informações, criando modelos analíticos para retratar as situações em que um dos sujeitos da relação econômica, denominado Principal, contrata outro, chamado Agente, para executar determinada atividade (LAFFONT; MARTIMORT, 2002; BOLTON; DEWATRIPONT, 2005).

Esse modelo Principal-Agente, inicialmente utilizado para analisar casos envolvendo relações privadas comerciais ou empresariais, passou a ser adotado em diversos outros ra- mos do conhecimento, dentre eles, no estudo de políticas públicas (LAFFONT; MARTIMORT, 2002; BOLTON; DEWATRIPONT, 2005).

Ao dar ênfase nos incentivos criados para os agentes pelas regras estabelecidas nos contratos ou em leis, essa teoria possui pertinência e potencial para contribuir no campo das políticas públicas de uma forma geral, com aplicações no desenho da política, bem como em sua avaliação.

Outrossim, no relacionamento entre Principal e Agente, há espaço para interações e comportamentos estratégicos entre os sujeitos envolvidos, evidenciando-se que a troca de

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Capítulo 1. INTRODUÇÃO 12

informações sobre decisões ou ações possíveis de um deles, podem influenciar a decisão de um outro, sendo relevante a abordagem desenvolvida pela teoria dos jogos (GRAETZ;

REINGANUM; WILDE, 1986).

Igualmente relevante é considerar que os indivíduos possuem racionalidade limitada, de forma que o seu comportamento é resultado de uma série de fatores, não necessaria- mente econômicos, e que devem ser levados em consideração quando do desenho das políticas públicas (TABAK, 2015).

As boas práticas recomendam que as avaliações das políticas públicas sejam reali- zadas antes mesmo da intervenção estatal, mediante os instrumentos de análiseex ante (IPEA, 2018a). Assim, devem-se identificar os problemas a serem enfrentados e os objetivos a serem alcançados, sendo crucial considerar, no desenho da política, os incentivos gerados aos agentes econômicos que serão afetados pela política e as eventuais externalidades geradas a terceiros ou grupos não elegíveis (IPEA, 2018a).

Já a avaliaçãoex post, como ferramenta importante para a verificação da efetividade das políticas públicas e orientação para a tomada de decisão quanto à sua ampliação ou modificação, deve revisar o design dos programas, com a averiguação da existência de problemas de inadequada focalização ou em seu modelo lógico, com incentivos errados no tocante aos comportamentos que eram esperados dos beneficiários das políticas (IPEA, 2018b).

A título de ilustração, o programa de Financiamento do Ensino Superior (FIES) é apontado (IPEA, 2018b) como um exemplo em que a estrutura de incentivos do programa, em especial durante o período de 2010 a 2015, levou a situações indesejadas, dentre os quais, cita-se o da migração para o FIES de estudantes que possuíam renda suficiente e que já cursavam o ensino superior com recursos próprios.

Tabak (2015) ressalta a importância da utilização da teoria econômica como ferra- menta para análise de leis e políticas públicas, destacando que, ao alterar os incentivos aos quais os agentes econômicos estão sujeitos, é possível antever, em algum grau, o potencial efeito da introdução das referidas normas ou políticas.

Por sua vez, os insights comportamentais proporcionam ferramentas valiosas para a melhor compreensão de como contexto e outras influências de diversas origens impactam o processo decisório e influenciam o comportamento adotado pelos indivíduos e pelas organizações (OECD, 2019).

A utilização desses elementos no processo de formulação, implementação e avalia- ção das políticas públicas tem potencial para torná-las melhores e mais efetivas (TABAK;

AMARAL, 2018). Nesse sentido, é importante prospectar aspectos comportamentais en- volvidos na política tributária, na qual estão inseridas as atividades destinadas a obter a conformidade fiscal.

Sob a perspectiva da teoria dos incentivos, os programas de renegociação conhe- cidos como “Refis” incorrem em problemas de seleção adversa, dado que ofertaram uma

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Capítulo 1. INTRODUÇÃO 13

solução única e linear de contrato, permitindo que contribuintes com alta capacidade de pagamento gozem de condições adequadas aos de baixa capacidade de pagamento (RFB, 2017; PGFN, 2019).

Em acréscimo, com a instituição reiterada desses programas, os devedores passaram a incorporar a expectativa de uma nova reedição, gerando o problema de risco moral, tendo em vista o estímulo ao não cumprimento dos contratos de renegociação e ao não pagamento de tributos futuros (PAES, 2014; RFB, 2017).

O programa federal de transação tributária foi instituído com objetivo de superar esses problemas e, com isso, promover o aumento de arrecadação e docompliance futuro.

Com base nas regras implementadas pelo referido programa, o Fisco, atendendo às restrições de participação e de compatibilidade de incentivos, tem a possibilidade de desenhar ofertas de contratos diferentes com instrumentos que promovam a atração dos seus respectivos tipos de devedores de alta capacidade de pagamento e de baixa capacidade de pagamento, capazes de conter a seleção adversa, bem como de estruturar mecanismos de monitoramento eficazes para evitar o risco moral.

Em relação aos problemas de seleção adversa, para assegurar que cada tipo busque o contrato adequado e evitar que o tipo de alta capacidade de pagamento tente se passar por um tipo de baixa capacidade de pagamento para obter um contrato que lhe permita pagar menos imposto, o programa de transação tributária brasileiro prevê diversos mecanismos de triagem (screening) no contrato destinado ao tipo de devedor de baixa capacidade de pagamento, obrigando a realização de tarefas custosas e que trariam diminuição de utilidade ao tipo de alta capacidade de pagamento, de forma a tornar não vantajosa a tentativa de dissimulação.

Esses instrumentos descreening foram estruturados na lei e na regulamentação do programa, citando-se como exemplos: abertura de sigilo bancário, prestação de infor- mações amplas sobre a situação econômica e patrimonial do devedor e de seus sócios, declaração de veracidade das informações prestadas, sob as penas da lei criminal, sub- missão a auditorias frequentes e por prazo de até cinco anos após a quitação do acordo, obrigação de regularização de todo passivo tributário e decompliance futuro, possibilidade de cancelamento dos benefícios, caso constatado o descumprimento de alguma obrigação ou compromisso, ampla publicidade da celebração do acordo e de seus termos.

Essas exigências – inexistentes nos contratos ofertados nos programas conhecidos como “Refis” – tornam o contrato desinteressante para os devedores de alta capacidade de pagamento, tendo em vista que trariam uma diminuição na sua utilidade esperada, por permitirem que o Fisco identifique com maior facilidade o tipo do devedor envolvido e cancele o contrato, acarretando ainda consequências de ordem criminal e a retomada imediata da cobrança.

Para evitar o risco moral, os contratos ofertados devem ter ferramentas que induzam o agente, após a aceitação do contrato, a atuar no interesse do Principal, cumprindo o que

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Capítulo 1. INTRODUÇÃO 14

foi pactuado. Uma vez aceita a proposta de renegociação do débito tributário, o contrato deve prever instrumentos que induzam o agente a promover o nível de esforço necessário à entrega do resultado convencionado.

Os programas conhecidos como “Refis”, como foram reiterados periodicamente, fizeram com que essa expectativa fosse incorporada pelos contribuintes e, assim, criaram incentivos ao não pagamento dos tributos negociados anteriormente, bem como tributos ainda sequer vencidos.

No programa brasileiro de transação tributária, ao revés, há regras que exigem o compliance com todos os tributos passados e futuros e impedem a realização de um novo acordo por um período de dois anos, caso descumprido o acordo anterior, bem como prevêem monitoramento e auditoria dos contratos pelo Fisco.

Com isso, o risco de ação oculta de devedores oportunistas é debelado, já que o Fisco poderá facilmente cancelar o contrato caso o contribuinte volte a incidir em situação de inadimplência após a formalização da transação, o que incentiva o contribuinte a manter o nível de esforço necessário para gerar a capacidade de pagamento pactuada no contrato.

Desta feita, é relevante verificar, sob o prisma da teoria econômica, se as regras do programa de transação tributária brasileiro acima referidas possuem, de fato, aptidão para aumentar arrecadação e ocompliancefuturo, por gerarem os incentivos “corretos” aos agentes, evitando os problemas de seleção adversa e de risco moral que decorreram dos programas do tipo “Refis”.

1.3 Objetivos

Para responder à pergunta de pesquisa, o presente estudo tem por objetivo principal analisar se o programa federal de transação tributária possui, sob a perspectiva da teoria econômica, aptidão para gerar aumento de arrecadação e de compliance, a partir da análise da sua estrutura de incentivos, com base na literatura especializada e, em especial, nas ferramentas analíticas fornecidas pela teoria dos jogos e Modelo Principal-Agente, fazendo-se uma análise comparativa com o “Refis”.

Para tanto, as atividades de cobrança e renegociação de tributos em atraso são examinadas com apoio nos insumos trazidos pela teoria econômica aplicada ao compli- ance e sonegação fiscal, nos resultados de estudos empíricos e nas melhores práticas internacionalmente referendadas.

Com efeito, são abordados os diversos problemas relacionados a programas de anistia e as alternativas existentes para obter melhores resultados arrecadatórios e uma maior conformidade fiscal. Além de uma visão internacional da questão, confere-se foco à experiência brasileira, apresentando o panorama e resultados negativos dos diversos programas de anistia do tipo “Refis” lançados desde o ano 2000 até o advento da Lei de Transação Tributária, a Lei nº 13.988, de 2020 (BRASIL, 2020a).

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Capítulo 1. INTRODUÇÃO 15

Adicionalmente, é realizada uma breve revisão da literatura especializada com a abordagem econômica teórica docompliancetributário (tax compliance) e dos efeitos de anistias fiscais (tax amnesties).

A breve revisão de literatura realizada indica que os primeiros estudos e modelos teóricos realizados a partir do trabalho de Allingham e Sandmo (1972) analisaram a questão sob o ponto de vista da decisão racional do contribuinte. Estudos posteriores passaram a levar em consideração a interação entre a Agência Tributária e os contribuintes, valendo-se do modelo Principal-Agente e da teoria dos jogos.

Por derradeiro, os estudos passaram a dar ênfase na necessidade de incorpora- ção de elementos não financeiros, no que se convencionou chamar de moral tributária (tax morale), conceito amplo que abrange a influência de fatores não econômicos e da racionalidade limitada na decisão quanto ao pagamento dos tributos.

Também se constatou que a literatura econômica é farta quanto à análise da evasão e anistias fiscais, com foco na decisão do contribuinte quanto à sonegação, ou seja, na atividade de declarar ou não a existência do tributo ao Fisco, bem como sobre os efeitos da fiscalização realizada pela Administração Tributária e da concessão de anistias sobre essa decisão de declarar ao Fisco o valor devido.

No presente trabalho, seguindo a linha proposta por Hallsworth (2014) e tomando por base os principais aspectos abordados pela literatura pesquisada, a análise foi centrada em um momento posterior da relação entre o Estado e o contribuinte: o tributo devido já foi declarado pelo contribuinte ou descoberto pela fiscalização, mas, no entanto, não foi pago no prazo estabelecido.

Em outras palavras, estuda-se a inadimplência tributária e os efeitos das medidas disponíveis ao Fisco no âmbito da atividade de cobrança e renegociação desses débitos.

Enfatiza-se, desta feita, os aspectos econômicos inerentes à decisão do contribuinte quanto ao pagamento ou não de débitos tributários em atraso e à atividade de cobrança de tributos desenvolvida pelo Estado, buscando-se elementos na literatura especializada para identificar os principais parâmetros envolvidos nesse processo decisório, inclusive quanto à oferta e aceitação de acordos de renegociação dessas dívidas atrasadas.

As considerações teóricas acerca da atividade de cobrança de tributos em atrasos e sobre a renegociação de débitos tributários foram utilizadas para a construção de modelos formais simplificados para representar essa relação de cobrança e a de um contrato ótimo de renegociação de dívidas.

Na relação entre o contribuinte e a Administração Tributária, há interação estratégica e uma sequência de atos praticados, em que as ações disponíveis a uma das partes, são levadas em consideração pela outra, configurando-se assim um jogo sequencial e dinâmico, tal como abordado pela teoria dos jogos (GRAETZ; REINGANUM; WILDE, 1986).

Uma das ações disponíveis à Administração Tributária, é oferecer um acordo, com concessões recíprocas, dentre elas, a redução de parte da dívida, objetivando renegociar

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Capítulo 1. INTRODUÇÃO 16

o débito e encerrar o litígio. No Brasil, essa possibilidade de oferta de um acordo de renegociação de dívidas tributárias foi introduzida pelo programa de transação tributária, com o advento da Medida Provisória nº 899, de 2019 (BRASIL, 2019), convertida na Lei nº 13.988, de 2020 (BRASIL, 2020a).

No presente estudo, esse contrato de renegociação de dívidas tributárias ofertado com base no programa de transação tributária foi analisado sob a ótica da teoria Principal- Agente. Os problemas do Principal (Fisco) em relação à oferta de um contrato e do Agente (contribuinte) quanto ao pagamento de tributos em atraso, ou seja, quanto à aceitação desta oferta, foram abordados com foco na seleção adversa e no risco moral.

O problema do Fisco abordado neste trabalho reside, fundamentalmente, na assime- tria das informações necessárias para identificar exatamente qual a situação econômica que atravessa o contribuinte com débitos tributários em atraso, seja na atividade de cobrança forçada ou na de renegociação dos débitos tributários, para definir qual a melhor ação a ser tomada e formatar o contrato ótimo a ser oferecido a cada tipo de devedor.

Com base nos insumos fornecidos pela teoria econômica e pelos modelos formais básicos concebidos, foi realizada a análise da estrutura de incentivos do contrato de renegociação de dívidas ofertado pela Agência Tributária no âmbito do programa brasileiro de transação tributária, com ênfase em sua comparação com os programas de renegociação de débitos tributários anteriores do tipo “Refis”.

Por simplicidade, o presente estudo segmentou os contribuintes em dois tipos:

devedores com alta capacidade de pagamento e devedores com baixa capacidade de pagamento. Também por simplificação, a análise partiu da premissa de que o principal motivo para o não pagamento dos tributos em atraso está relacionado apenas às restrições de liquidez ou de solvência, não sendo abordadas questões relacionadas à justiça ou legalidade da cobrança.

De outra banda, estudos recentes de políticas públicas têm colocado em evidência a temática da racionalidade limitada, como um ponto a ser observado para a efetividade das políticas públicas (TABAK; AMARAL, 2018).

O presente estudo também ter por objetivo destacar a importância da estruturação de mecanismos capazes de tratar desse fenômeno, havendo amplo espaço tanto na atividade de cobrança de tributos, quanto na de oferta de acordos, com objetivo de minorar o problema informacional e buscar que cada tipo de devedor faça a adesão ao contrato direcionado ao seu tipo. Para tal finalidade, foi introduzido componente de natureza comportamental nos modelos.

Nas considerações finais do presente estudo, apontam-se as suas limitações e as suas potencialidades para utilização em avaliações mais compreensivas do programa brasileiro de transação de débitos tributários, bem como para estudos empíricos sobre o seu impacto no incremento da arrecadação e docompliancefiscal.

Chama-se, novamente, a atenção para a importância da estruturação dos mecanis-

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Capítulo 1. INTRODUÇÃO 17

mos de ordem comportamental, para tratar possíveis vieses e facilitar o processo decisório, diminuindo os custos cognitivos dos contribuintes, que têm a potencialidade de melhorar os resultados do programa e da cobrança de tributos, conforme evidências trazidas por experimentos realizados na área fiscal.

Ao final, propõe-se que os achados da pesquisa sejam utilizados para embasar estudos teóricos e empíricos sobre o programa de transação tributária, em especial a realização de uma avaliação de impacto, mediante um experimento de campo, em que as variáveis abordadas no estudo, inclusive as de ordem comportamental, poderão ser analisadas quanto aos seus efeitos causais nos resultados de aumento da arrecadação e docompliance, com vistas à melhoria da efetividade da política pública examinada.

1.4 Delimitação do estudo

O presente trabalho não pretende realizar uma avaliação formal compreensiva do programa de transação tributária brasileiro, seja sob o ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

Objetiva-se, ao revés, realizar uma análise da estrutura de incentivos derivada de suas regras, com base na teoria econômica, com o uso de insumos extraídos da literatura especializada emcompliancefiscal, da teoria dos jogos, do modelo Principal-Agente e da economia comportamental.

A revisão de literatura realizada, apesar de abrangente, não se pretende exaustiva ou sistemática. De igual modo, por ser uma contribuição no âmbito dos estudos de políticas públicas, optou-se pela simplicidade no uso das contribuições da teoria dos jogos e do modelo Principal-Agente e nos modelos formais construídos. O intuito foi o de realizar uma exposição simples e com destaque aos principais elementos-chave dos problemas em exame.

Pretende-se ofertar um ferramental analítico que poderá servir como referencial teórico e ponto de partida para novas pesquisas, bem como para avaliações de impacto do programa de transação tributária brasileiro, mediante realização de experimentos com incorporação de mecanismos de ordem comportamental.

Adverte-se, contudo, que apesar de terem sido incluídas algumas considerações com base em estudos de economia comportamental, uma análise com maior profundidade sobre esses aspectos foge ao escopo do presente estudo.

Este trabalho foi estruturado da seguinte forma. Após esta introdução, apresenta- se o referencial teórico utilizado. No ponto, faz-se uma exposição das melhores práticas internacionais relacionadas às políticas adotadas pelos diversos países com objetivo de melhorar a conformidade tributária (tax compliance), enfatizando-se as características e evidências nacionais e internacionais sobre programas de anistia fiscal (tax amnesties), bem como as melhores práticas alternativas recomendadas para estimular o cumprimento

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Capítulo 1. INTRODUÇÃO 18

das normas tributárias.

Em seguida, é realizada uma breve revisão da literatura econômica sobre ocom- pliance tributário e os efeitos das anistias fiscais e das renegociações de dívidas. Após, apresenta-se a metodologia utilizada e as premissas adotadas.

Passa-se, então, a expor os resultados da pesquisa, mediante a realização da análise econômica dos comportamentos dos contribuintes e da Administração Tributária no tocante à conformidade fiscal, aos efeitos das anistias fiscais e da oferta de um contrato de renegociação de débitos tributários no comportamento das partes, com a construção dos respectivos modelos formais básicos.

Com base nesses elementos, é realizada a avaliação da estrutura de incentivos do programa de transação tributária brasileiro, com foco na comparação com os programas de anistia fiscal anteriores, descrevendo-se os achados decorrentes do uso das ferramentas analíticas, que apontam para a adequação teórica do programa de transação tributária para alcance dos objetivos de aumento da arrecadação e do compliancetributário. Por fim, realiza-se a discussão dos resultados e as considerações finais.

1.5 Justificativa do estudo

A edição do programa federal de transação tributária brasileiro veio com o objetivo expresso de promover o alinhamento às boas práticas internacionais e de evitar os pro- blemas de desincentivo aocompliancetributário e prejuízos à arrecadação trazidos pelos diversos programas do tipo “Refis”.

Passados pouco mais de um ano de vigência da Lei nº 13.988, de 2020 (BRASIL, 2020a), os primeiros resultados anunciados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN, 2021) sugerem o êxito do programa.

Nada obstante, somente nos anos de 2020 e 2021 foram apresentados diversos projetos de lei com propostas legislativas para instituição de novos programas de anistia fiscal, as quais parecem ir na contramão do caminho que vinha sendo trilhado pelo Brasil, em especial em âmbito federal.

Deveras, em pesquisa não exaustiva, localizaram-se os seguintes projetos de lei:

• Projeto de Lei nº 2.735/2020 - Institui o Programa Extraordinário de Regularização Tributária da Secretaria da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, em decorrência do estado de calamidade pública pela pande- mia de COVID/19 - PERT-COVID/19, da Câmara dos Deputados (CAMARA DOS DEPUTADOS, 2020a);

• Projeto de Lei nº 3.788/2020 - Institui o Programa Especial de Regularização Tributá- ria da Pandemia do Coronavirus junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil e

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Capítulo 1. INTRODUÇÃO 19

à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Câmara dos Deputados (CAMARA DOS DEPUTADOS, 2020b);

• Projeto de Lei nº 4.728/2020 - Modifica o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), com novos prazos e condições para o pagamento de débitos com a União, do Senado Federal (SENADO FEDERAL, 2020a); e

• Projeto de Lei nº 5.493/2020 - Institui o Programa Emergencial de Regularização Tributária (PEMERT) para débitos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, do Senado Federal (SENADO FEDERAL, 2020b).

Esses eventos evidenciam a importância e atualidade de discussões e estudos sobre programas de anistias fiscais e suas alternativas, dentre as quais destaca-se o novo programa de transação tributária federal.

Na pesquisa realizada, não foram identificados estudos empíricos nem teóricos específicos sobre o novo programa de transação tributária federal que tenham utilizado as ferramentas da teoria econômica aqui referidas, em especial o modelo Principal-Agente, a teoria dos jogos e os mecanismos de ordem comportamental.

Assim, a produção de estudo teórico com a estrutura de incentivos aos agentes decorrentes das novas regras estabelecidas pelo programa é relevante para verificar a sua potencialidade para o aumento da arrecadação e docompliancetributário.

Essa matriz teórica, por sua vez, terá utilidade para embasar estudos teóricos, empíricos e avaliações de impacto do programa, objetivando a melhoria das suas regras e de sua prática.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo, são apresentados os referenciais teóricos utilizados, abordando-se as melhores práticas internacionais relacionadas ao compliancetributário, com foco nos programas de anistia fiscal e suas alternativas, traçando-se ainda um panorama sobre as práticas adotadas pelo Brasil. Adicionalmente, realiza-se uma breve revisão da literatura econômica relacionada ao tema da conformidade fiscal.

2.1 Melhores práticas internacionais relacionadas à conformidade fiscal 2.1.1 Ocompliance tributário

Um sistema tributário adequado deve por ter meta buscar o cumprimento voluntário das obrigações pelos contribuintes, mediante simplificação dos procedimentos, e prover mecanismos eficazes para a solução de disputas e o tratamento de situações de adversidade econômica (OECD, 2014; BAER; LE BORGNE, 2008).

O compliance ou conformidade fiscal envolve basicamente os seguintes blocos de obrigações direcionadas aos contribuintes: 1 - cadastrar-se tempestivamente como contribuinte; 2 - prestar as informações solicitadas no tempo previsto; 3 - prestar informações exatas; e, por último, 4 - pagar os tributos no prazo devido. Quando o contribuinte não cumpre uma das obrigações acima, estamos diante de uma situação de não conformidade (OECD, 2014).

O comportamento dos indivíduos, em geral, e dos contribuintes, em particular, é um fenômeno complexo. Diversos fatores ligados ao negócio, sociais, culturais, econômicos e psicológicos exercem influência na decisão quanto à conformidade fiscal.

Agências Tributárias modernas, seguindo recomendações de boas práticas dos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), estruturam um conjunto de medidas tributárias destinadas a tratar e segmentar os contribuin- tes com base em classificação de risco de seu comportamento quanto ao descumprimento das regras e suas possíveis motivações (OECD, 2014). Com isso, elaboram-se estratégias adequadas para a abordagem dos diferentes perfis de contribuintes.

O modelo adotado pela Administração Tributária Neozelandesa denominado“Prevent, Assist, Recover & Enforce (PARE)” (OECD, 2014), forte em tais diretrizes, representa bem essa matriz de risco, exposta na figura abaixo:

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Capítulo 2. REFERENCIAL TEÓRICO 21

Figura 1 – Triângulo doComplianceFiscal

Fonte: OECD, 2014

A figura acima tem a forma de um triângulo, cuja base, em tradução livre, é formada pelo grupo “Disposto a fazer a coisa certa”, onde se encontra a maioria dos contribuintes, que querem cumprir as regras tributárias, e a atitude da Agência Tributária, nesse caso, deve ser facilitar ao máximo o cumprimento das obrigações fiscais, com medidas de simplificação e redução de custo de conformidade ao menor nível possível.

Na sequência, encontra-se o grupo“Tenta, mas nem sempre consegue”, que corres- ponde aos contribuintes que gostariam de cumprir com suas obrigações, mas não logram êxito, seja pela dificuldade em acessar os serviços ou por não terem condições econômicas para o pagamento dos tributos devidos. Para esse grupo, as autoridades fiscais devem ajudar o contribuinte a cumprir a lei tributária e, de forma cooperativa, auxiliar na construção desse caminho para superação das adversidades.

De outro lado, há o grupo“Não deseja cumprir”, formado pelo conjunto de contribuin- tes que não querem cumprir as obrigações tributárias, mas assim o farão, se a Agência Tributária adotar medidas para dissuadir esse comportamento.

Por fim, no vértice superior do triângulo, encontram-se os contribuintes que decidiram, de forma consciente e deliberada, não cumprir suas obrigações fiscais. Para tal subconjunto, a Administração Tributária deve utilizar com rigor os mecanismos coercitivos disponíveis.

Quanto maior o nível em direção ao topo do triângulo, maior o custo da medida necessária a ser adotada.

A segmentação apresentada acima encontra respaldo nas evidências empíricas, que

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Capítulo 2. REFERENCIAL TEÓRICO 22

demonstram que a grande maioria dos contribuintes cumpre suas obrigações fiscais.

Com efeito, no Brasil, no que diz respeito à existência de débitos inscritos em dívida ativa, estudo divulgado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em 2019 informa que apenas 7,8% das empresas em atividade possuem débito inscrito em dívida ativa, enquanto somente 5,5% das pessoas físicas que auferem renda para fins de declaração de imposto de renda possuem débitos inscritos em dívida ativa (PGFN, 2019).

Nos quatro grupos de segmentação de contribuintes acima, há um largo campo para o uso de mecanismos pelas autoridades fiscais com objetivo de induzir o comportamento dos contribuintes na direção para a conformidade (base do triângulo).

Isto porque, por trás de uma situação de não conformidade fiscal existente em quaisquer das faixas, diversos fatores, inclusive de ordem comportamental, podem estar em atuação, influenciando na decisão do contribuinte em relação ao cumprimento da norma tributária.

Para a estruturação da política adequada de cobrança de débitos tributários, a OECD recomenda como boa prática o foco no devedor e em suas circunstâncias, e não isoladamente no débito, mediante a aplicação de técnicas analíticas, lastreadas em ciência de dados e informadas por insightscomportamentais. Com isso, pretende-se alcançar os devedores com a intervenção adequada, no tempo certo (OECD, 2014).

2.1.2 Programas de Anistia Fiscal

Andreoni, Erard e Feinstein (1998) apontam que problemas comcompliancetributário são tão antigos quanto os próprios tributos. A concessão de anistias fiscais é um instrumento usualmente adotado por diversos países, com o objetivo de promover ocompliancetributário e aumentar a arrecadação. Segundo Baer e Le Borgne (2008), registros históricos apontam que o primeiro programa de anistia fiscal remonta ao ano 200 AC no Egito Antigo.

A literatura existente sugere que tal instrumento, quando concebido de forma ade- quada e acompanhado de medidas estruturais de fortalecimento da cobrança, pode ser útil para obter a conformidade tributária, levando os contribuintes de volta à base do triângulo da conformidade fiscal (OECD, 2014).

Entretanto, caso não desenhada corretamente a política de anistia fiscal, além de resultados arrecadatórios líquidos negativos ou pouco expressivos, os incentivos gerados podem levar ao caminho inverso ao desejado, com o estímulo ao comportamento de não pagamento de tributos (BRONDOLO, 2009).

Pesquisa abrangente realizada por Baer e Le Borgne (2008) indica que os resulta- dos de diversos programas de anistia adotados pelos diferentes governos raramente são positivos. Por vezes, anúncios de êxito em programas do tipo costumam se basear apenas na arrecadação bruta obtida e, ainda assim, com a repetição dos programas, a tendência é que nem mesmo esta última apresente incrementos significativos. Além disso, os efei-

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Capítulo 2. REFERENCIAL TEÓRICO 23

tos negativos na conformidade futura podem até mesmo apagar esses efeitos positivos arrecadatórios imediatos.

Nada obstante, os programas de anistia permanecem sendo instituídos. A análise das justificativas utilizadas para a edição desses programas registram motivações relacionadas à necessidade de obtenção de receitas em curto prazo, a crises econômicas, a mudanças na política tributária ou de governo, à repatriação de capitais ou mesmo devido à pressão exercida por grupos de interesse (BAER; LE BORGNE, 2008;RODRIGUES, 2020).

No Brasil, por exemplo, foi noticiado que parlamentares devedores ou vinculados a doadores de campanha com pendências fiscais atuaram na aprovação de um programa de anistia fiscal (RODRIGUES, 2020).

De forma geral, além de resultados de arrecadação bruta inexpressivos ou abaixo do esperado, esses programas geram uma redução nos níveis de compliancefiscal, como decorrência da perda de credibilidade da administração tributária e dos incentivos à inadim- plência (STELLA, 1989).

Na avaliação desses programas, é importante levar em consideração os custos de implantação e o valor das receitas públicas perdoadas (renúncias fiscais), este último especialmente relevante quando as anistias alcançam débitos tributários já constituídos.

A literatura aponta que, quando considerados esse conjunto de fatores, os resultados arrecadatórios líquidos dos programas são, via de regra, negativos (BAER; LE BORGNE, 2008; BRONDOLO, 2009).

Os estudos empíricos realizados demonstram que o uso de anistias como ferramenta regular de arrecadação de impostos pode trazer consequências danosas para ocompliance e para a efetividade da atuação da administração tributária. Isso foi evidenciado por estudos realizados em diversos países, como, por exemplo, na Argentina, nas Filipinas e na Turquia, em que a repetição de programas de anistia levou à diminuição da arrecadação ao longo do tempo ou a prejuízos na performance da administração tributária (OECD, 2014; BAER; LE BORGNE, 2008).

Segundo Baer e Le Borgne (2008), há também evidências de prejuízos à reputação das autoridades fiscais, a ponto de gerar um descrédito quanto à afirmação de que um dado programa de anistia não teria previsão de reedição, o que, em última instância, acaba por impactar o próprio desempenho do programa editado.

Na modelagem das anistias fiscais, é importante distinguir programas que foram acompanhados por reformas estruturais dos que foram apenas anistias isoladas. A literatura sugere que, por si só, as anistias isoladas são incapazes de alterar a relação de custo benefício da sonegação e o nível decompliancede equilíbrio da economia (ALM; MCKEE;

BECK, 1990).

Neste sentido, a partir da análise da experiência em estados da federação norte- americana, Alm, McKee e Beck (1990) trazem evidências empíricas de que a repetição de programas isolados de anistias fiscais podem levar à erosão da arrecadação bruta de cada

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Capítulo 2. REFERENCIAL TEÓRICO 24

programa sucessivo de anistia e pode afetar a taxa de conformidade geral.

Ainda em relação ao desenho dos programas, as boas práticas recomendadas internacionalmente registram que perdões amplos e incondicionados de débitos tributários já identificados pelas autoridades fiscais (up-front write-offs) devem ser evitados, mesmo em períodos de crise econômica (BRONDOLO, 2009).

Esses programas de anistia fiscal estão fadados ao insucesso, por não atacarem estruturalmente as causas da não conformidade tributária, que decorre de um conjunto de fatores ligados a uma deficiente gestão da administração tributária, a um sistema de cobrança ineficiente e a um sistema tributário muito complexo ou considerado injusto, conforme constatado por missões do FMI em diversos países, em especial nos países em desenvolvimento (BAER; LE BORGNE, 2008; OECD, 2014).

Em última análise, essas recomendações sugerem que os programas de anistia somente apresentam alguma potencialidade para melhorar ocompliancee a credibilidade da administração apenas quando são acompanhados de reformas estruturais e administrativas.

2.1.3 Alternativas aos programas de anistia fiscal

A literatura especializada e as boas práticas referendadas por organizações inter- nacionais (OECD, 2014; BAER; LE BORGNE, 2008; BRONDOLO, 2009; HYBKA, 2015) apontam que, ao invés de programas de anistia isolados, os governos devem promover um conjunto que reformas destinadas a enfrentar os problemas que induzem à não conformi- dade fiscal. Em geral, aponta-se a necessidade de reestruturação das leis tributárias e das práticas de gestão administrativa das agências tributárias.

Com efeito, as sugestões para melhoria no nível de compliance fiscal envolvem alterações legais e administrativas capazes de introduzir modificações nos elementos constitutivos dos custos e dos benefícios da não conformidade para os contribuintes.

Do lado do custo, apontam-se medidas para aumento da capacidade de auditoria e de execução forçada pelas agências tributárias, bem como incremento nos custos financeiros e não financeiros decorrentes do não pagamento do tributo (OECD, 2014; BAER; LE BORGNE, 2008; BRONDOLO, 2009).

Por sua vez, para alterar os benefícios decorrentes da não conformidade, recomenda- se uma reforma do sistema tributário, com vistas a torná-lo mais simples, estabelecendo impostos mais baixos e reduzindo os custos de conformidade, e mais progressivo, objeti- vando aumentar a percepção de justiça do sistema (BAER; LE BORGNE, 2008).

No tocante às evoluções no marco legal-normativo para o incremento nocompliance, os estudos realizados, de forma geral, observaram os seguintes pontos de atenção a serem enfrentados por reformas: i) regimes de penalidades mal calibrados; ii) falta de poderes administrativos para exigir informações de terceiros e para realizar a cobrança forçada, com excessiva dependência da via judicial; iii) regras de parcelamentos inadequadas (tax

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Capítulo 2. REFERENCIAL TEÓRICO 25

installment); iv) ausência de poderes administrativos para dar baixa (write-off) nos débitos classificados pelos órgãos de cobrança como irrecuperáveis; e v) sistema de solução de disputas que incentiva o contencioso (OECD, 2014; BAER; LE BORGNE, 2008; BRONDOLO, 2009; HYBKA, 2015).

Além disso, em vários países, há deficiências na gestão nos órgãos de Administração Tributária, comprometendo o desempenho eficiente de suas funções típicas de registro de contribuintes, arrecadação, auditoria e cobrança forçada (OECD, 2014; BRONDOLO, 2009).

Para a promoção da melhoria dos níveis de arrecadação e decompliancetributário de forma sustentável, as boas práticas internacionalmente referendadas apontam para a necessidade de mudanças estruturais legislativas e administrativas, de forma a enfrentar as os problemas acima relatados.

As medidas legislativas recomendadas giram em torno de: i) conferir poderes admi- nistrativos para acesso à informação; ii) exigência de garantia para interposição de recursos;

iii) reorganização do regime de sanções pelo descumprimento das obrigações tributárias, fixando-as em patamares suficientes para punir os infratores, de forma proporcional à gravidade dos atos, sem, contudo, implicar caráter confiscatório; iv) fortalecer a cobrança administrativa dos débitos tributários, permitindo que a própria Administração Tributária rea- lize atos como bloqueio e alienção de bens dos devedores, sem necessidade de uso da via judicial; v) permitir que a Administração Tributária promova a baixa de débitos considerados irrecuperáveis; vi) estabelecer regras de parcelamentos que permitam aos contribuintes em situação de crise cumprirem as suas obrigações (OECD, 2014; BRONDOLO, 2009; HYBKA, 2015).

Do ponto de vista das alterações administrativas, devem-se aprimorar os processos de trabalho relacionados à cobrança, realizando-se, por exemplo, a depuração da carteira de débitos e das bases de dados cadastrais, bem como a classificação da carteira de créditos conforme o grau de recuperabilidade, de modo a estabelecer as estratégias de cobrança adequadas (OECD, 2014; BAER; LE BORGNE, 2008; BRONDOLO, 2009; HYBKA, 2015).

Um instrumento de recuperação de débitos tributários considerado alinhado a esse conjunto de recomendações é a Offer in Compromise, o programa de transação tributária utilizado pelo Internal Revenue Service (IRS), dos Estados Unidos da América, que é baseado nas condições econômicas de cada devedor e é considerado um exemplo bem- sucedido de boa prática em administração tributária (OECD, 2014).

Segundo Silva Neto (2021), o poder de transacionar dívidas tributárias remonta a uma lei norte-americana promulgada em 1868. Exigia-se que a Administração Tributária elaborasse um parecer público, com as justificativas e as quantias envolvidas. Até a década de 90, o instituto era pouco utilizado, praticamente restrito ao âmbito falimentar, seja pela pouca divulgação ou pelo desinteresse do próprio fisco. Alterações legislativas e atuação de órgãos de controle norte-americanos dinamizaram e ampliaram o uso do instituto, que atualmente é considerado uma alternativa a programas de anistia fiscal.

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Capítulo 2. REFERENCIAL TEÓRICO 26

Ainda conforme Silva Neto (2021), a lei não definiu o que significava transação (compromise), de forma que foi utilizado o sentido comum da palavra, abrangendo relações em que há concessões mútuas, definindo-se que os fundamentos para uma transação seriam: i) dúvida quanto à legalidade do crédito tributário; ou ii) dúvida quanto a sua recuperabilidade.

2.1.4 Os programas brasileiros de anistia fiscal

No Brasil, segundo estudo realizado pela Receita Federal do Brasil (RFB) em 2017, desde o ano 2000, foram lançados mais de quarenta programas de anistia fiscal, deno- minados “Refis”, sendo sete deles de amplo alcance e os demais destinados a setores econômicos específicos ou teses jurídicas definidas pelo Supremo Tribunal Federal em sentido contrário aos contribuintes, como, por exemplo, programas de parcelamento especial para instituições de ensino superior, entidades esportivas de futebol, para o uso indevido do

“crédito-prêmio” do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e instituições financeiras (RFB, 2017).

Esses programas de anistia fiscal brasileiros se caracterizaram por: i) concessão de perdões lineares nas multas, juros e demais encargos que incidem sobre os débitos tributários atrasados; ii) prazos alongados para pagamento, de cento e oitenta ou até duzentos e quarenta meses; iii) benefícios fiscais diversos, tais como uso de créditos apurados contabilmente para amortizar inclusive o valor principal das dívidas (RFB, 2017).

Essa prática é bem distinta do quanto observado em países desenvolvidos. Estudo realizado no âmbito da OCDE (2014) entre 27 países constatou que a maioria adota o prazo máximo de doze a vinte e quatro meses para pagamento parcelado de dívidas, em regra sem qualquer desconto, enquanto, no Brasil, além da frequente instituição de programas de anistia fiscal do tipo “Refis”, o prazo comum de parcelamento é de sessenta meses (RFB, 2017).

Os benefícios concedidos por esses programas de anistia fiscal brasileiros foram significativos. Ainda consoante o estudo realizado pela Receita Federal do Brasil (RFB, 2017), as facilidades oferecidas tornaram muito mais vantajoso para o contribuinte deixar de pagar os tributos para aplicar os recursos no mercado financeiro, no aguardo da instituição de um novo “Refis”, o que reforça os achados de Plutarco (2012) quanto aos incentivos ao uso da sonegação e da litigância tributárias como formas alternativas de financiamento.

Rodrigues (2020), após destacar a baixa transparência no processo de concessão das anistias fiscais por intermédio dos “Refis”, realizou avaliação de impacto de um programa de anistia fiscal lançado pelo governo brasileiro em 2014, encontrando evidências de que a maior parte das renúncias fiscais desse “Refis” não atenderam ao interesse público, com a ressalva de um pequeno efeito positivo no número de empregados em micro e pequenas empresas (MPEs), as quais, no entanto, foram responsáveis por apenas 8,2% das dívidas

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Capítulo 2. REFERENCIAL TEÓRICO 27

incluídas no programa.

Faber e Silva (2016) realizaram estudo econométrico demonstrando que a expecta- tiva de abertura de um novo Refis influencia negativamente a arrecadação espontânea de tributos. O referido estudo analisou o universo de empresas submetidas a acompanhamento diferenciado ou especial pela Receita Federal do Brasil, grupo formado pelos contribuintes de maior porte econômico do país, restando evidenciado que os parcelamentos de natureza tributária influenciam a decisão dos agentes econômicos no pagamento de suas obrigações tributárias correntes.

Concluem, ainda, Faber e Silva (2016) que essa influência negativa ocorre principal- mente na expectativa de abertura de novo parcelamento, reduzindo em 5,8% o incremento esperado da arrecadação as empresas optantes do “Refis”, comparativamente com as não optantes, bem como que, após a opção pelo parcelamento, um efeito colateral acarreta um decréscimo estimado de 1,5% na arrecadação estimada para os demais contribuintes.

Outros trabalhos também trouxeram indicativos de que muitos contribuintes passaram a utilizar esses programas como estratégia de rolagem do passivo tributário. Como efeito, historicamente, os dados administrativos evidenciam que poucos contribuintes optantes pelos “Refis” pagam efetivamente as dívidas incluídas nos programas. A maioria dos contribuintes é excluída por inadimplência ou opta por migrar a dívida para um programa subsequente de anistia fiscal (MORAIS; MACEDO; BORGES, 2011; RFB, 2017; PAES, 2014).

As evidências coletadas a partir da pesquisa à literatura e aos estudos produzidos pelos órgãos da Administração Tributária sugerem que a instituição de programas de anistias fiscais no Brasil, na forma de parcelamentos especiais do tipo “Refis”, com reduções de multa, juros, encargos e prazos alongados e benefícios diversos, não atingiram os objetivos deles esperados: incrementar a arrecadação e promover a regularidade fiscal dos devedores (compliancetributário) (RFB, 2017).

Outro aspecto negativo detectado foi a participação nos “Refis” de contribuintes com alta capacidade de pagamento, que teriam plenas condições financeiras para pagar a dívida na sua integralidade.

Deveras, o levantamento realizado pela Receita Federal do Brasil (RFB) em 2017 com um universo de 9.427 contribuintes com faturamento anual superior a R$ 150 milhões constatou que 2.023 deles participaram de 3 ou mais modalidades de “Refis”, incluindo dívidas cujo montante é próximo de R$ 100 bilhões (RFB, 2017).

Um outro estudo realizado em 2018 pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apontou que cerca de 83% do estoque da dívida ativa negociada em programas do tipo “Refis” é de responsabilidade de devedores com alta ou média capacidade de pagamento, concluindo que os maiores favorecidos por esses programas são indivíduos e empresas financeiramente equilibrados, com condições econômicas para pagar as dívidas pelos meios ordinários, sem necessidade de renúncia fiscal por parte do governo federal

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(PGFN, 2018).

Percebe-se que os programas de anistia fiscal brasileiros permitiram, sem maiores restrições, que contribuintes com débitos tributários já constituídos recebecem o perdão de parte substancial de suas dívidas. A consequência direta foi admitir que devedores com capacidade de pagamento e dispostos a pagar recebessem um benefício fiscal. Assim, conceder anistia a esse grupo de contribuintes implicou renúncia de receita pelo perdão das dívidas recuperáveis e antecipação de receitas orçamentárias de outros exercícios financeiros (RFB, 2017; PGFN, 2018).

2.1.5 O programa federal de transação tributária brasileiro: contexto e motivações

No Brasil, em um movimento paralelo aos mais de quarenta programas de anistia fis- cal do tipo “Refis” (RFB, 2017), observou-se, no que tange à cobrança de débitos tributários federais, especialmente a partir do ano de 2016, uma busca pelo alinhamento às melhores práticas internacionais, mediante diversas alterações legais e administrativas destinadas a melhorar a efetividade dessa atividade.

A cobrança dos débitos tributários no Brasil, bastante impactada pelos sucessivos programas “Refis” (MORAIS; MACEDO; BORGES, 2011), encontra no Poder Judiciário um cenário de alta taxa de congestionamento, em que os processos de execução fiscal, via pela qual se realiza a cobrança judicial da dívida ativa, figuram como os maiores responsáveis.

Conforme relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2019, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram apenas 13 foram baixados (CNJ, 2020).

Estudo divulgado em 2011 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre os processos de execução judicial da dívida ativa na Justiça Federal apontou que somente em cerca de 15% dos casos há penhora de bens de devedor e apenas 2,6% das ações de execução fiscal resultam em algum leilão judicial, com ou sem êxito. Do total de processos, o pregão gera recursos suficientes para satisfazer o débito em apenas 0,2% dos casos (IPEA, 2011).

Por sua vez, o mesmo estudo (IPEA, 2011) indica que a probabilidade de o executivo fiscal obter êxito ou fracassar absolutamente é quase a mesma: em 33,9% dos casos ocorre o pagamento integral da dívida, enquanto a extinção por prescrição ou decadência ocorre em 27,7% dos casos. Como resultante, aponta o estudo que o tempo médio total de tramitação do processo de execução fiscal na Justiça Federal calculado é de 8 anos, 2 meses e 9 dias.

Para enfrentar tal quadro e em linha com as recomendações de boas práticas sugeridas nos estudos promovidos pelas organizações internacionais (OECD, 2014; BAER;

LE BORGNE, 2008), foram realizadas diversas medidas administrativas e alterações legais na cobrança dos débitos tributários, em especial a partir do ano de 2016.

Deveras, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por intermédio da

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Capítulo 2. REFERENCIAL TEÓRICO 29

Portaria PGFN nº 396, de 2016, implantou o Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos (RDCC), com um conjunto de medidas de racionalização e eficiência na cobrança adminis- trativa e judicial da dívida ativa. Em tal regime, medidas de cobrança extrajudicial ganharam relevo, ao passo que processos judiciais com baixa perspectiva de êxito foram arquivados, priorizando-se as execuções fiscais em que localizados bens passíveis de expropriação (PGFN, 2016).

Na sequência, em 2017, outra medida administrativa implantada, igualmente fundada nas recomendações internacionais de boas práticas (BAER; LE BORGNE, 2008), foi a classificação do estoque da dívida ativa da União (MINISTERIO DA FAZENDA, 2017), permitindo, além de melhorias na contabilidade pública, a reestruturação completa das estratégias de cobrança da PGFN, que passaram a ser informadas pelo rating da dívida (XAVIER; MORAIS, 2017).

De outro lado, em âmbito legal, o novo marco normativo da cobrança da dívida ativa da União foi estabelecido pela Lei nº 13.606, de janeiro de 2018, que, além de inovar com os institutos da averbação pré-executória e do ajuizamento seletivo, reforçou os poderes administrativos da PGFN para imputação de responsabilidade tributária a terceiros e de requisição de informações.

De forma inédita e seguindo o padrão da maioria dos países integrantes da OECD, com a averbação pré-executória, a PGFN passou a dispor de poderes de decretar a indisponibilidade administrativa de bens de devedores, sem depender de prévio pedido ao Poder Judiciário (COELHO; MORAIS, 2020).

Por fim, em outubro de 2019, por intermédio da Medida Provisória nº 899 (BRASIL, 2019), posteriormente convertida na Lei nº 13.988, de 2020 (BRASIL, 2020), foi regula- mentada a transação tributária em âmbito federal, atribuindo-se à Administração Tributária poderes para negociar débitos tributários.

A introdução do instituto da transação tributária teve por objetivo evitar a concessão de novos programas de anistia fiscal do tipo “Refis” e teve por inspiração o programa norte-americano de transação tributária, conforme consta expressamente da Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 899, de 2019:

“A transação na cobrança da dívida ativa da União acarretará redução do estoque desses créditos, limitados àqueles classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, incrementará a arrecadação e esvaziará a prática comprovadamente nociva de criação periódica de parcelamentos especiais, com concessão de prazos e descontos excessivos a todos aqueles que se enquadram na norma (mesmo aqueles com plena capacidade de pagamento integral da dívida). O modelo ora proposto possui bastante similaridade com o instituto doOffer in Compromise, praticado peloInternal Revenue Service(IRS), dos Estados Unidos da América.

Em suma, afasta-se do modelo que considera exclusivamente o interesse privado, sem qualquer análise casuística do perfil de cada devedor e, consequentemente, aproxima-se de diretriz alinhada à justiça fiscal, pautando o instituto sob o viés da conveniência e da ótica do interesse da arrecadação e do interesse público”

(BRASIL, 2019).

(31)

Capítulo 2. REFERENCIAL TEÓRICO 30

O instituto da transação tributária é conceitualmente diferente do “Refis”. Deveras, diferentemente do “Refis”, a transação tributária é um instrumento de solução de conflitos por acordo envolvendo concessões recíprocas entre o contribuinte e o Fisco, a teor do art.

171, do CTN (BRASIL, 1966).

Conforme o delineamento que foi conferido pela lei federal brasileira, na transação tributária, busca-se, em suma, tratar dois grandes focos de litígios entre o Fisco e os contribuintes: i) o primeiro, é equacionar os conflitos que decorrem de divergência de interpretação da complexa legislação tributária, as chamadas “teses tributárias” (transação no contencioso de controvérsias relevantes e disseminadas); ii) o segundo, os conflitos que derivam da resistência relacionada à ausência de capacidade de pagamento dos contribuintes com pendências na dívida ativa.

Na primeira situação, como se trata de casos em discussão no âmbito administrativo ou judicial, em que há uma fundada e atual controvérsia, de resultado incerto, com risco de definição favorável ao contribuinte, não se pode considerar que a solução desse tipo de conflito por acordo entre as partes configure um perdão ou uma renúncia de receitas tributárias, da mesma forma que não se poderia afirmar que a decisão desse mesmo conflito por um terceiro (Poder Judiciário) configuraria renúncia de receitas.

Já na segunda hipótese, tem-se que as dívidas de contribuintes sem capacidade de pagamento são categorizadas como créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

Esses créditos não são aptos a gerar proveitos econômicos relevantes, razão pela qual não são considerados como ativos no Balanço Geral da União, conforme Portaria MF nº 293, de 2017 (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2017).

Releva notar que um “Refis” não leva em consideração nenhum dos aspectos e condicionantes citados. Em relação aos conflitos de “teses tributárias”, não há qualquer crivo para teses que de fato representem uma controvérsia jurídica indefinida e com risco atual de perda para ambas as partes. Ao revés, o que não raro se viu foram “Refis” instituídos com o objetivo de permitir o pagamento com descontos de créditos tributários logo após a definição da tese pelo Judiciário em prol do Fisco (RFB, 2017).

No que diz respeito à capacidade de pagamento, o “Refis” não faz qualquer distinção.

O que se verifica, a partir da análise dos optantes do último programa de parcelamento do tipo “Refis”, por exemplo, o chamado “Pert”, é que a grande maioria dos optantes possuíam capacidade de pagamento suficiente para quitar toda a dívida sem qualquer desconto ou alongamento (PGFN, 2018).

Enquanto isso, a grande massa de contribuintes com dívidas classificadas como irrecuperáveis ou de difícil recuperação sequer conseguiu cumprir as condições de entrada para validar a adesão ou, os que lograram êxito, terminaram sendo excluídos em curto período de tempo (PAES, 2014; PGFN, 2018).

Com a transação tributária, portanto, a Administração Tributária brasileira passou a ter a discricionariedade para, dentro das balizas legais, no âmbito de uma negociação, realizar

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