Cada livro da coleção conta com tabelas, algoritmos e figuras que auxiliam na fixação
volume 4
CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
Alexandre Bezerra dos Santos / Christi ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
dais ti nham um caráter “descendente”, e, com isso, criou-se uma classifi cação dos níveis linfonodais cervicais, tornando- -se a classifi cação-padrão uti lizada até hoje, a saber:
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Nível I: submandibular;-
Nível II: jugulocarotí deo alto;-
Nível III: jugulocarotí deo médio;-
Nível IV: jugulocarotí deo baixo;-
Nível V: posterior.Ressalte-se que o procedimento dito esvaziamento cer- vical radical clássico, tal como proposto inicialmente por Crille, consiste na ressecção em bloco de todos os 5 níveis linfonodais, em conjunto com o MECM, NCX e VJI.
No entanto, observou-se que os pacientes submeti dos a essas cirurgias apresentavam sequelas, principalmente de- vido à lesão do nervo espinal acessório (XI par craniano, res- ponsável por inervar o músculo trapézio), que acarretava uma “queda” do ombro ipsilateral, dor crônica pela disten- são muscular e difi culdade à elevação do membro superior, tornando os indivíduos incapacitados de realizarem ati vida- de profi ssional de carga, por exemplo. Esta observação as- sociada ao raciocínio de que o NCXI, a VJI e o MECM não são estruturas linfáti cas e, portanto, podem ser preservadas se não esti verem acometi das, levou ao desenvolvimento dos esvaziamentos cervicais modimodifi cados. Iniciou-se, então, o estudo de outras formas de esvaziamento cervi- cal que preservassem estruturas não linfonodais (MECM, NCXI e VJI), e estes esvaziamentos (esvaziamento cervical radical modifi cado ou “funcional”), em tese, preservariam a função do membro superior. Vale salientar que o esvazia- mento cervical radical modifi cado implica, por defi nição, a remoção de todos os 5 níveis linfonodais (por isso, radical), porém, com preservação de 1 ou mais das estruturas não linfonodais.
Com o avanço das outras modalidades terapêuti cas para esses tumores, no fi nal do século XX, foi observado que nem todos os pacientes teriam a necessidade de serem submeti dos à remoção de todos os 5 níveis linfonodais cer- vicais, em especial para casos mais precoces. Desta forma, criou-se outra modalidade de esvaziamento cervical, dessa vez com a preservação de estruturas linfáti cas, ou seja, re-
1. Introdução e histórico
Denomina-se esvaziamento cervical o procedimento cirúrgico por meio do qual é reti rado todo o tecido fi bro- conecti vo da região que compreende uma determinada cadeia linfonodal, com fi nalidade terapêuti ca. Passou a ter importância com o conhecimento da história natural dos tumores do segmento cervicofacial, uma vez que se obser- vavam metástases linfonodais para localizações específi cas apresentadas por determinados tumores, e que um tra- tamento cirúrgico completo se dá pela reti rada do tumor e seus possíveis síti os de metástases. Obviamente, todas essas considerações são válidas para tumores que têm, ca- racteristi camente, a capacidade de cursar com metástases linfáti cas.
Curiosamente, o 1º autor a descrever os vasos linfáti - cos foi Aselli, em 1622, ao dissecar cães após refeições e observar vasos linfáti cos mesentéricos. Porém, o 1º tratado moderno sobre o sistema linfáti co humano foi feito somen- te em 1932, por Rouvière, que classifi cou os linfonodos de acordo com a sua topografi a.
Até meados do século XIV, a presença de metástase cervical consti tuía sinônimo de incurabilidade, e algumas tentati vas de ressecção cirúrgica foram feitas sem sucesso.
Em 1888, foi realizada a 1ª publicação de um esvaziamen- to cervical, na Polônia. No entanto, o verdadeiro difusor do procedimento cirúrgico foi G. W. Crille, em 1905, que uti li- zou os conceitos de ressecção “em bloco”, propostos por Halsted para cirurgias de mama, e realizou uma grande sé- rie de esvaziamentos cervicais. A cirurgia consisti a na remo- ção de toda a cadeia linfonodal cervical, em conjunto com o músculo esternocleidomastóideo (MECM), o nervo espinal acessório (NCXI) e a Veia Jugular Interna (VJI), num procedi- mento até hoje denominado “esvaziamento cervical radical à Crille”. Esses conceitos foram amplamente sedimentados por Hayes Marti n, em 1951, com a publicação de 1.450 ca- sos operados, consolidando, defi niti vamente, as indicações e a técnica.
Na década de 1930, um importante estudo foi realizado no Memorial Hospital, em Nova Iorque, a parti r de tumores malignos de boca, onde se notou que as metástases linfono-
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ti rada apenas dos níveis linfonodais que são, em geral, os 3 primeiros níveis de drenagem, a depender da localização do tumor primário. São os chamados esvaziamentos cervicais seleti vos, ou parciais. Em outras palavras, são cirurgias mais econômicas, realizadas em pacientes que não têm evidên- cia de metástases linfonodais macroscópicas. Por exemplo:
em casos de carcinomas de cavidade oral, sem apresenta- rem sinais de metástases linfonodais, o esvaziamento com- preenderá apenas os níveis I, II e III, que são a 1ª estação de drenagem linfáti ca. Não são, portanto, esvaziamentos radicais, porque não implicam a remoção dos 5 níveis. É importante salientar que isso é válido para casos em que o pescoço é negati vo, ou seja, quando não há evidências de metástase, e que, se durante o ato operatório for detecta- da a presença de metástases, passa-se a ampliar o esvazia- mento, tornando-o radical.
Por meio dos conhecimentos de linfonodo senti nela e com o avanço dos tratamentos adjuvantes (quimioterapia e radioterapia), isso evoluiu para uma nova modalidade, os chamados esvaziamentos “superseleti vos”, em que é remo- vida apenas a 1ª estação de drenagem. Essa modalidade não obteve, até o momento, aceitação universal e não faz parte da maioria dos protocolos de conduta dos serviços nacionais. Mesmo porque, em cabeça e pescoço, a técnica de linfonodo senti nela não se aplica, uma vez que sempre o tecido inicialmente corado são os linfonodos intraparotí de- os, quase nunca doentes.
Figura 1 - Drenagem linfáti ca cervical
O esvaziamento cervical é um procedimento que exi- ge, por parte do cirurgião, grande conhecimento anatômi- co do pescoço, pois os limites entre os diversos níveis, e mesmo os limites da própria cirurgia, estão baseados em referências anatômicas. Na literatura de língua inglesa, o procedimento é denominado neck dissecti on, ou seja, dissecção cervical. Porém, também exige do cirurgião um conhecimento específi co das neoplasias das vias aerodi- gesti vas altas, com o propósito de saber quais são as in- dicações específi cas para cada tumor. Assim, trataremos do assunto de 2 maneiras: com base na anatomia e nos princípios oncológicos.
2. Anatomia do pescoço – níveis
Como dito, a parti r dos anos 1930, classifi caram-se os linfonodos cervicais em níveis de 1 a 5, de cada lado. Grosso modo, o nível I é o submandibular, os níveis II, III e IV são os jugulocarotí deos, e o nível V é o posterior.
Obviamente, cada nível tem seus limites anatômicos próprios, a saber:
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Nível I - submandibular:• Superior: borda inferior da mandíbula;
• Inferior: ventre anterior do músculo digástrico;
• Medial: linha média;
• Lateral: ventre posterior do músculo digástrico.
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Nível II - jugulocarotí deo alto:• Superior: base do crânio, forame jugular;
• Inferior: bulbo da caróti da;
• Posterior: borda posterior do MECM;
• Anterior: linha média.
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Nível III - jugulocarotí deo médio:• Superior: bulbo da caróti da;
• Posterior: borda posterior do MECM;
• Inferior: músculo omo-hióideo;
• Anterior: linha média.
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Nível IV - jugulocarotí deo baixo:• Superior: músculo omo-hióideo;
• Inferior: borda superior da clavícula;
• Posterior: borda posterior do MECM;
• Anterior: linha média.
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Nível V - trígono posterior:• Anterior: toda a borda anterior do MECM;
• Posterior: borda anterior do músculo trapézio;
• Superior: inserção do MECM no processo mastói- deo;
• Inferior: borda superior da clavícula (fossa supracla- vicular).
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Figura 2 - Anatomia cervical
Em 2006, o Committ ee for Head and Neck Surgery and American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery fez uma revisão dos níveis linfonodais, com subdivi- sões em 3 desses níveis:
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Nível I – passou a ser dividido pelo ventre anterior do digástrico:• IA: submentoniano;
• IB: submandibular.
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Nível II – passou a ser dividido pelo NCXI:• IIA: subdigástrico;
• IIB: suprarretroespinal.
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Nível III – passou a ser dividido, também, pelo NCXI:• VA: cervical transverso;
• VB: supraclavicular.
Figura 3 - Níveis cervicais
Deve-se notar que o nervo cervical XI, devido à sua im- portância funcional, passou a ser divisor de 2 níveis, uma vez que ele sai do crânio no forame jugular, junto com a VJI e a artéria caróti da interna, e cruza o pescoço nos senti dos lateral e inferior, até a sua inserção no trapézio. Ele cruza o nível II (em sua porção medial ao MECM), passa pelo in- terior do MECM, para então cruzar o nível V, posterior ao MECM, dividindo esses níveis.
Conforme o conceito de metástases linfonodais foi sen- do aplicado também para neoplasias malignas da glândula ti reoide, houve a inclusão de outros 2 níveis, a saber:
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Nível IV – recorrencial, devido à presença do nervo laríngeo recorrente, posterior à glândula ti reoide – li- mites:• Medial: traqueia;
• Lateral: caróti da;
• Superior: inserção da musculatura pré-ti reoidiana;
• Inferior: borda superior do esterno.
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Nível V – mediasti nal superior – limites:• Superior: borda superior do esterno;
• Inferior: vasos da base.
Esses 2 níveis também são chamados, em conjunto, de comparti mento central, já que estão na porção central infe- rior do pescoço.
Figura 4 - Comparti mento central
3. Classi fi cação
Podem-se classifi car os esvaziamentos cervicais de acor- do com 2 critérios: quanto à extensão e quanto à indicação.
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A - Quanto à extensão
a) Esvaziamentos radicais
Compreendem a reti rada de todos os 5 níveis linfono- dais e podem ser subdivididos em 3 ti pos:
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Radical clássico: reti rada dos 5 níveis linfonodais, em conjunto com a VJI, o NCX e o MECM;-
Radical modifi cado: reti rada dos 5 níveis linfonodais, porém com preservação de 4 ou mais estruturas ditas não linfonodais;-
Radical ampliado (ou estendido): implica a ressecção, além dos 5 níveis, de 1 ou mais estruturas que não são parte dos esvaziamentos convencionais, como pele cervical, musculatura do soalho da boca, nervo hipo- glosso ou vago etc.b) Esvaziamentos parciais ou seleti vos
Compreendem a reti rada de alguns níveis linfonodais es- pecífi cos, para pacientes com pescoço negati vo, por exemplo:
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Esvaziamento supraomo-hióideo: consiste na remo- ção dos níveis I, II e III, ou seja, acima do músculo omo- -hióideo, indicado para tumores de cavidade oral N0;-
Esvaziamento jugulocarotí deo: consiste na remoção dos níveis II, III e IV, ou seja, nas cadeias linfonodais da bainha jugulocarotí dea, indicada para tumores da laringe ou hipofaringe;-
Esvaziamento posterolateral: consiste na remoção do nível V, indicado para tumores de pele da face postero- lateral do escalpo;-
Esvaziamento do comparti mento central: consiste na remoção dos níveis VI e VII, para casos de tumores de ti reoide.B - Quanto à indicação
a) Esvaziamentos cervicais de necessidade ou terapêu- ti cos
Indicados a casos de pescoços positi vos, ou seja, quan- do o paciente apresenta metástases diagnosti cadas no pré-operatório. Eles, então, têm a necessidade de serem esvaziados, daí o nome. Serão, obviamente, sempre esva- ziamentos radicais.
b) Esvaziamentos cervicais de princípio ou profi láti cos Indicados a casos em que o pescoço é clinicamente ne- gati vo, mas, a depender da neoplasia inicial, sabe-se que a probabilidade de metástases ocultas gira em torno de até 30%. Isso porque alguns desses tumores são muito metasti - zantes, como na língua, orofaringe, supraglote ou hipofarin- ge, em que estará indicado o esvaziamento “de princípio”.
De maneira geral, será um esvaziamento seleti vo.
c) Esvaziamentos cervicais de oportunidade
Indicados a casos em que a fi nalidade inicial não é a re- moção dos linfonodos em si, mas um melhor acesso a de-
terminadas localizações do pescoço. Por exemplo, para tu- mores na musculatura do soalho da boca, pode-se fazer um esvaziamento do nível I para melhor abordagem da região.
Outro caso comum é o esvaziamento dito infraomo-hióideo (ou seja, nível IV) para a realização do tempo cervical de esofagectomias.
4. Estadiamento de metástases linfonodais – N
As chamadas neoplasias de vias aerodigesti vas altas, que compreendem todas as regiões da cabeça e do pesco- ço (cavidades oral e nasal, faringe – naso, oro e hipo – e laringe – supraglóti ca, glote e infraglóti ca), apresentam um estadiamento linfonodal em comum:
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NX - linfonodos não avaliáveis;-
N0 - ausência de metástases linfonodais;-
N1 - presença de um linfonodo acometi do, menor do que 3cm;-
N2A - presença de um linfonodo acometi do, entre 3 e 6cm;-
N2B - presença de mais de 1 linfonodo acometi do, ip- silateral ao tumor, menor do que 6cm;-
N2C - presença de linfonodos acometi dos bilaterais, ou contralaterais, menores do que 6cm;-
N3 - presença de linfonodo acometi do com mais de 6cm.As neoplasias da glândula ti reoide apresentam uma classifi cação linfonodal à parte:
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NX - linfonodos não avaliáveis;-
N0 - ausência de metástases linfonodais;-
N1A - presença de metástases linfonodais no nível cen- tral;-
N1B - presença de metástases linfonodais laterais (ju- gulocarotí deas e nível V).A - Condutas em linfonodomegalias
Os linfonodos são estruturas do sistema linfáti co e imu- nológico, e seu aumento, na grande maioria das vezes, refl ete uma reação do organismo a alguma agressão das vias aerodigesti vas, como infecções virais ou bacterianas, alergias etc. De maneira geral, apresentam história aguda, de até 2 semanas, com rápido crescimento, dolorosas, que tendem a regredir espontaneamente. A conduta inicial resi- de apenas na observação dos linfonodos, com pesquisa do foco infeccioso/infl amatório inicial.
Se houver linfonodomegalia persistente, deve-se fazer uma investi gação mais minuciosa, para pesquisar doenças linfonodais específi cas infecciosas (como tuberculose) ou neoplasias primárias de linfonodos (os linfomas), como ve- remos.
A maior preocupação, porém, acontece quando é pos- sível o linfonodo aumentado refl eti r uma metástase de car-
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cinoma. Deve-se fi car atento a algumas característi cas da história do paciente, como o tabagismo e o eti lismo, além do fato de serem linfonodos de crescimento progressivo, sem períodos de regressão, muitas vezes dolorosos, endu- recidos e arredondados, muitas vezes fi xos aos planos pro- fundos. Outros sintomas associados devem ser considera- dos, como disfagia, odinofagia, disfonia, otalgia refl exa, ou mesmo a presença de lesões ulceradas na cavidade oral, orofaringe. Ao exame fí sico, deve-se avaliar o número de linfonodos, seu tamanho, sua consistência e sua mobilidade (metástases maiores tendem a ser mais fi xas).
A avaliação complementar inicial pode ser feita com ul- trassonografi a cervical, que fornece dados adicionais, como limites irregulares e extensão extracapsular. Em casos de metástases linfonodais, a tomografi a é essencial para o pla- nejamento terapêuti co. Outros exames devem ser solicita- dos de acordo com a clínica, mas, para os casos específi cos de neoplasias, devem-se realizar, além da oroscopia e da laringoscopia indiretas, exames de nasofi brolaringoscopias diretas, além de endoscopias ou broncoscopias, para a pes- quisa do tumor primário.
Deve-se indicar a biópsia a casos suspeitos, que será ini- cialmente realizada com Punção Aspirati va por Agulha Fina (PAAF), fornecendo dados citológicos muitas vezes diagnós- ti cos. A realização de punção é importante por possibilitar o diagnósti co de metástases de carcinoma sem disseminação local da doença maligna. Quando um linfonodo metastáti - co é submeti do a uma biópsia incisional, pode haver disse- minação da doença localmente e piora do prognósti co do paciente. A PAAF de linfonodo é diagnósti ca em casos de metástases de carcinoma espinocelular e em casos de car- cinoma papilífero de ti reoide, ou em casos de linfonodos reacionais. Para linfomas, ou tuberculose linfonodal, a PAAF não costuma fechar o diagnósti co, porém pode sugeri-lo, sendo, por isso, exame fundamental na avaliação das linfo- nodomegalias.
A biópsia incisional ou excisional dos linfonodos estará indicada nos casos de suspeita de doenças linfoproliferati - vas (linfomas, em que idealmente se deve ter uma avaliação de toda a arquitetura linfonodal, além do fornecimento de material para exame imuno-histoquímico), ou em casos de doenças infecciosas específi cas, como tuberculose (em que se pode mandar material para cultura de micobactérias).
Existem também outras doenças, mais raras e, muitas ve- zes, de diagnósti co difí cil, como doenças granulomatosas (sarcoidose) ou linfoproliferati vas (doença de Kikushi, ou de Kawasaki), em que a biópsia tem o seu papel diagnósti co.
Porém, é importante atentar-se para o fato de que, nesses casos, outros métodos diagnósti cos (PAAF, sorologias) de- vem ser realizados previamente, ou seja, a biópsia de linfo- nodos não deve ser a 1ª abordagem diagnósti ca na práti ca clínica.
Supondo que seja feita uma biópsia incisional de uma metástase de carcinoma espinocelular, esse será um pro- cedimento que mudará o estadiamento linfonodal, acarre-
tando uma incisão cervical (que difi cultará o planejamen- to da incisão do próprio esvaziamento cervical), e fará um diagnósti co que poderia ter sido estabelecido por meio de uma PAAF. Assim, tal procedimento estará indicado ape- nas aos casos em que o diagnósti co é difí cil (às vezes, ne- cessitando de exame de imuno-histoquímica) ou a casos de metástases extremamente volumosas, por vezes irres- secáveis, para planejamento terapêuti co paliati vo. Muitas vezes, em metástases muito volumosas, ocorre necrose da porção central com supuração, e alguns profi ssionais menos avisados fazem o diagnósti co errôneo de abscesso cervical.
Figura 5 - Linfonodo com supuração central
No caso do diagnósti co de carcinoma de via aerodiges- ti va, estará indicado o esvaziamento cervical. Em cabeça e pescoço, costuma-se dividir o tratamento cirúrgico em 2 frentes simultâneas: o tratamento de tumor primário e o tratamento do pescoço, ou seja, o esvaziamento cervical.
Sempre que possível, o tratamento deve ser realizado com a ressecção em monobloco, ou seja, ressecção do tumor primário e do produto do esvaziamento cervical juntos. O tratamento do tumor primário consiste, obviamente, na
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ressecção deste com margens livres, e cada cirurgia esta- rá indicada a depender da localização do tumor. Em casos de pescoço negati vo, estará indicado o esvaziamento “de princípio” para casos de tumores primários de cavidade oral (em geral, a parti r do estadiamento T2 de língua, soa- lho, mucosa jugal), em que estará indicado o esvaziamento cervical seleti vo supraomo-hióideo. Aos casos de tumores de supraglote ou de hipofaringe, estará indicado o esvazia- mento “de princípio” dos níveis II, III e IV, chamados jugu- locarotí deos.
Figura 6 - Esvaziamento seleti vo supraomo-hióideo
Em casos de pescoço positi vo, o esvaziamento deverá ser radical. A presença de metástases linfonodais é o fator isolado de pior prognósti co na sobrevida desses doentes e sempre implicará a indicação de tratamento radioterápico complementar. Para metástases pequenas (N1, N2A), pode- -se indicar um esvaziamento cervical radical modifi cado.
Para metástases com extravasamento extracapsular e in- vasão de estruturas adjacentes, indica-se o esvaziamento radical clássico.
Figura 7 - Esvaziamento cervical radical clássico: laringe, caróti da comum e músculo trapézio
Alguns centros determinam que se realize um esva- ziamento radical clássico para estadios acima de N2B (in- cluindo, obviamente, N3), o que não é uma conduta unâ- nime, visto que se pode reti rar apenas a estrutura com- prometi da (por exemplo, reti rar o MECM e a VJI, acome- ti das, mas preservar o NCX se esti ver longe da metástase, mesmo em casos N3). Em casos de metástases bilaterais, a extensão do esvaziamento deverá ser considerada lado a lado (por exemplo, em um caso de carcinoma de seio piriforme T3N2B, deve-se indicar o esvaziamento radical do lado acometi do, e jugulocarotí deo do lado negati vo).
Importante exceção é a ocorrência de metástases volu- mosas bilaterais, com indicação de esvaziamento radical bilateral. A ligadura de uma veia jugular não causa ne- nhum ti po de prejuízo neurológico, mas a ligadura bilate- ral concomitante causa aumento signifi cati vo de pressão intracraniana, com risco de amaurose e edema craniano signifi cati vo, no qual o doente perde a estabilidade ao fi - car em pé. Se esti ver indicada a ligadura bilateral, o ideal será fazer o esvaziamento em 2 tempos diferentes, com in- tervalo de aproximadamente 2 semanas entre as cirurgias para haver compensação e abertura de shunts.
Um importante aspecto a observar em casos de esvazia- mento cervical é o planejamento da incisão. Existem diver- sos ti pos de incisão descritos, porém há 2 que são os mais uti lizados: uma incisão “em colar”, ou seja, da mastoide ip- silateral até a linha média (ou com extensão contralateral em casos de esvaziamento bilateral), e a incisão com uma trifurcação (uma incisão longitudinal superior em que, em seu ponto médio, se traça uma linha perpendicular até o nível da clavícula). A trifurcação permite um acesso melhor ao nível V, estando indicada a casos em que as metástases, nesse nível, são predominantes; além disso, é a incisão de escolha em alguns centros. Porém, cursa com uma grande incidência de isquemia de pele no ponto exato da trifur- cação, sendo frequentes as deiscências nesse ponto. Isso caracteriza quadros muito complicados em esvaziamentos radicais com ressecção do MECM, porque a deiscência total da cicatriz pode acarretar uma exposição total da caróti da,
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o que exigiria uma reabordagem cirúrgica para cobertura do defeito (muitas vezes, com rotação de retalhos locais ou regionais). Nos casos de esvaziamento pós-radioterapia, esse ti po de incisão deverá ser evitado. Outra difi culdade adicional do planejamento da incisão ocorre nos casos em que as metástases invadem a pele cervical, porque a incisão deverá compreender a área a ser removida, sendo necessá- ria a rotação de retalhos em muitos casos para cobertura do defeito.
Importante exceção é o caso dos carcinomas da rinofa- ringe, que tem altas incidências de metástases linfonodais.
Esses tumores, mesmo se pouco diferenciados, têm uma excelente resposta ao tratamento radioterápico, combi- nado ou não com quimioterapia. A resposta costuma ser muito boa também nos linfonodos cervicais, de forma que o esvaziamento cervical estará indicado apenas a casos de persistência (ou recidiva) pós-tratamento.
Todas essas considerações são válidas para os carcino- mas epidermoides da área de cabeça e pescoço. Porém, tais conceitos também são aplicados a outras neoplasias metastáticas cervicais, como tumores das glândulas sali- vares e da glândula tireoide. No caso das glândulas sali- vares, por exemplo, a maioria das neoplasias malignas é de baixo grau de malignidade, não cursando com metás- tases cervicais. Em casos de pescoço positivo, indica-se o esvaziamento radical e, no caso de pescoço negativo, apenas o esvaziamento seletivo de princípio em tumores com alto potencial de malignidade (como os carcinomas mucoepidermoides de alto grau). No caso específico da glândula tireoide, algumas diferenças básicas são ob- servadas. Não há indicação do esvaziamento seletivo na ausência de linfonodos metastáticos confirmados, pois, especificamente para o carcinoma papilífero, a presença de metástase microscópica não altera o prognóstico. Na presença de linfonodos acometidos no compartimento central, indica-se só o esvaziamento central. Apenas a ocorrência de metástases laterais (ou seja, jugulocaro- tídeas) justifica o esvaziamento “radical” na teoria es- vaziamento posterolateral (níveis II ao V). Esse proce- dimento, a rigor, não é radical em relação aos níveis e sim oncologicamente, porque o carcinoma papilífero de tireoide não causa metástases no nível I, que, então, não é esvaziado. Importante exceção é o carcinoma medular de tireoide, que pode causar metástases linfonodais (e hematogênicas), única situação em que está indicado o esvaziamento cervical radical bilateral de princípio. A ex- ceção é o tratamento do carcinoma medular da tireoide, que cursa frequentemente com metástases linfonodais, tendo como indicação de princípio o esvaziamento do compartimento central.
B - Primário oculto
Há uma enti dade muito peculiar na área da cabeça e pescoço que se chama primário oculto. Como o próprio
nome indica, é o caso de metástase linfonodal de carcino- ma espinocelular, porém sem que se diagnosti que o síti o primário após uma minuciosa investi gação de toda a via aerodigesti va alta (o que inclui exame fí sico, tomografi a computadorizada contrastada, nasofi brolaringoscopia, en- doscopia e broncoscopia). Isso ocorre pelo fato de que, em algumas regiões, o potencial de metástase do tumor é mui- to grande, e esta cresce muito rapidamente, antes que o tumor primário se manifeste.
Há 4 localizações onde essa ocorrência é muito co- mum: rinofaringe, loja tonsilar, supraglote e seio piriforme.
Obviamente, esses síti os devem ser avaliados muito aten- ciosamente, em busca do tumor primário. Recentemente, o uso do PET-CT scan tem sido indicado nesses casos.
O tratamento do tumor primário consiste no esvazia- mento cervical radical, seguido de radioterapia que deve ser feita não só no território cervical, mas em toda a via aerodigesti va alta, incluindo toda a rinofaringe. No segui- mento, deve-se conti nuar a avaliação de toda a região, uma vez que o primário pode “surgir” depois do tratamento, o que é fator de prognósti co desfavorável.
Isso, obviamente, é válido para os casos em que a histo- logia confi rma tratar-se de carcinoma epidermoide, porque, em geral, o síti o primário ocorre no território cervicofacial.
Exceção à regra é a presença do linfonodo supraclavicular- -metastáti co, porque geralmente implica outros tumores primários (em especial pulmões, mama, ou trato digesti vo como estômago ou cólon – linfonodo de Virchow quando à esquerda). Em casos de tumores metastáti cos distantes, com outros ti pos histológicos como adenocarcinoma, ou melanomas, deve-se procurar o primário de acordo com cada ti po. Nesses casos, consideram-se as metástases como metástases distantes, o que signifi ca que não estará indica- do o esvaziamento cervical, e sim o tratamento do tumor primário.
5. Conclusões
O esvaziamento cervical é um procedimento cirúrgico complexo, com indicações muito claras no tratamento das neoplasias do território cervicofacial. A metástase linfono- dal diminui muito as taxas de sobrevida, sendo importante fator de mau prognósti co.
O planejamento terapêuti co deve sempre considerar o tratamento do tumor primário e o tratamento do pescoço;
infelizmente, muitos pacientes apresentam desfecho mór- bido devido às condições do pescoço. O tratamento com- binado de quimioterapia com radioterapia, cada vez mais indicado, não tem resposta no pescoço de maneira tão efi caz como no tratamento do tumor primário, e é cada vez mais comum o esvaziamento cervical “de resgate”
(pós-radioterapia), o que aumentou consideravelmente a difi culdade do procedimento e o índice de complicações pós-operatórias.
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Tabela 1 - Caracterização dos linfonodos metastáti cos ou infl ama- tórios
Característi ca Metástase Lesão infl amatória Idade >40 anos Crianças e jovens Duração >15 dias <15 dias Lateralidade Unilateral Bilateral Consistência Endurecida Elásti ca Conformação Esférica Elípti ca Dimensão >1,5cm <1,5cm Localização FSC, jugular,
espinal
Jugular, occipital, subman- dibular
Dor Rara Frequente
Mobilidade Reduzida, fi xa Normal
Ulceração Possível Rara
Flutuação Possível Frequente
Supuração Rara Possível
Confl uência Frequente Rara
Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei / Christi ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
auditi vo externo é formado pela permanência da 1ª fenda branquial, a única que não se fecha.
Já as bolsas vão dar origem a tecidos importantes: 1ª bolsa – cavidade ti mpânica, 2ª bolsa – amígdalas faríngeas, 3ª bolsa – parati reoides inferiores e ti mo, 4ª bolsa – parati - reoides superiores e ti reoide.
O desenvolvimento e o desaparecimento dos arcos e fendas branquiais terminam por volta da 10ª semana.
Para facilitar o entendimento das anomalias congênitas cervicais, separamos os tumores em laterais e da linha mé- dia ou centrais.
4. Tumores laterais
A - Anomalias do aparelho branquial
Os tumores laterais podem ser divididos em 3 ti pos:
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Cistos: formados pelo desenvolvimento de células epi- teliais sequestradas na formação do seio cervical, pre- enchidos por conteúdo líquido na maioria;-
Fístulas incompletas ou sinus: formadas pela oblitera- ção incompleta de parte da fenda branquial, apresen- tam comunicação com a pele (mais comum) ou com a faringe, saída de conteúdo espesso, normalmente sem odor, a menos quando há infecção associada;-
Fístulas completas: formadas pela comunicação da pele (ectoderme) com a faringe (endoderme), muitas vezes com exteriorização de saliva e alimento.Os cistos geralmente não estão clinicamente presentes ao nascimento, manifestam-se durante a infância ou na vida adulta, muitas vezes durante o curso de uma infecção de vias aéreas superiores.
As fí stulas estão presentes desde o nascimento e, ao exame, apresentam-se como pequenos orifí cios situados na borda anterior do músculo esternocleidomastóideo.
1. Introdução
O pescoço, devido à sua anatomia peculiar, rica em es- truturas musculares, vasculares e nervosas, pode ser aco- meti do por inúmeros tumores, tanto benignos como malig- nos, originários nesses tecidos. Trataremos, neste capítulo, principalmente, dos tumores benignos e malformações.
Durante a anamnese e o exame fí sico, deve-se dar aten- ção especial à idade do paciente e à localização do tumor.
As crianças, geralmente, possuem tumores infl amatórios ou malformações congênitas, e, quando malignos, geralmente são linfomas. Em adultos, a suspeita de neoplasia maligna deve ser feita especialmente se o paciente é tabagista e eti - lista e tem antecedentes familiares. Atualmente, há grande relação com tumores de orofaringe com a presença do HPV (papilomavírus humano ti pos 16 e 18).
2. Malformações congênitas
Geralmente, as malformações estão presentes ao nas- cimento, mas podem manifestar-se durante a infância e até na idade adulta. As lesões podem permanecer latentes, tornando-se sintomáti cas após episódios infecciosos (IVAS, por exemplo). A história e a localização de cada ti po são pe- culiares e podem ser muito úteis no diagnósti co da massa cervical. Geralmente, são decorrentes dos arcos branquiais e da migração ti reoidiana.
3. Embriologia
A origem das malformações congênitas pode estar na endoderme, ectoderme ou mesoderme, o que leva à possi- bilidade de encontrar malformações compostas por tecidos ósseos, musculares, nervosos, carti laginosos ou vasculares.
Durante o desenvolvimento do embrião, durante a 3ª se- mana de vida temos o desenvolvimento de um aparelho composto de faixas de tecido misto, conhecido como apare- lho branquial por sua semelhança às brânquias dos peixes.
Temos, inicialmente, a formação do arco mandibular, seguido pelo arco hióideo e pelos 3º, 4º, 5º e 6º arcos.
Durante o desenvolvimento dos arcos branquiais, as fendas branquiais (espaço entre os arcos) são ocluídas. O conduto