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Sumário. Texto Integral. Tribunal da Relação do Porto Processo nº 124/10.6TBOAZ.P1

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 124/10.6TBOAZ.P1

Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA Sessão: 06 Fevereiro 2014

Número: RP20140206124/10.6TBOAZ.P1 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: REVOGADA

PARTILHA COMUNHÃO CONJUGAL BEM DOADO

Sumário

I - O artigo 1790.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, é aplicável a todos os casamentos celebrados segundo o regime de comunhão geral de bens, ainda que em data anterior à entrada em vigor da referida Lei (01.12.2008) mas que nesta data ainda subsistam.

II - O artigo 1790.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, não altera o regime de bens a que se encontra sujeito o casamento celebrado, pelo que a partilha continua a fazer-se tratando como bens comuns aqueles que de acordo com esse regime o são.

III - Para efectuar a partilha aplicando essa disposição, uma vez apurado o valor que corresponde ao quinhão (meação) de cada um dos cônjuges nos bens comuns a partilhar, tem de se comparar esse valor com aquele que resultaria da sua partilha como se o regime de bens fosse a comunhão de adquiridos;

para o efeito simula-se a partilha de acordo com este regime de bens, separando os bens que de acordo com esse regime seriam próprios e

encontrando a hipotética quota (meação) de cada um dos cônjuges nos bens que mesmo nesse regime seriam comuns; finalmente, comparando os valores apurados na partilha segundo o regime efectivo e na partilha segundo o regime hipotético, caso aquele valor exceda este, deverá ser reduzido a este valor, aumentando correspondentemente a quota do outro cônjuge,

procedendo-se então ao preenchimento dos quinhões.

Texto Integral

Recurso de Apelação

Processo n.º 124/10.6TBOAZ.P1 [Tribunal Judicial da Comarca de

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Oliveira de Azeméis]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

B…, divorciada, contribuinte n.º ………, residente em …, Oliveira de Azeméis, instaurou processo de inventário para partilha de bens comuns, por divórcio de seu ex-cônjuge, C…, divorciado, residente na mesma localidade.

Oportunamente foi proferido despacho determinativo da partilha, na sequência do qual foi elaborado mapa informativo e deste reclamou a requerente, não tendo a reclamação sido aceite com o fundamento de que apenas se pode reclamar do mapa de partilha. Foi elaborado mapa de partilha e posto em reclamação, tendo a requerente reiterado a sua reclamação antes apresentada, a qual não foi aceite com o fundamento de que os mapas

correspondem ao despacho proferido sobre o modo de proceder à partilha e este apenas pode ser impugnado no recurso da sentença da partilha. A seguir foi proferida sentença homologatória do mapa de partilha e adjudicação aos interessados dos respectivos quinhões.

Desta sentença, a requerente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:

1) O presente recurso, interposto da douta sentença que homologou os termos o mapa da partilha compreende o despacho que determinou a sua forma uma vez que o mesmo incorre em desacerto.

2) O despacho determinativo da forma à partilha traduz uma clara violação do disposto no Art. 1.790º do Cód. Civil e contraria, o sentido da decisão do mui douto acórdão desse Venerando Tribunal, proferido nos autos. (Apenso-A) 3) Nos autos consta que,

a) A cabeça-de-casal B… e o Interessado C…, casaram em 16 de Setembro de 1989, sob o regime da comunhão geral de bens.

b) Em 26 de Setembro de 1995, foi doado à C…, pelos seus pais, um terreno para construção urbana, inscrito na matriz sob o artigo 1.084º, por escritura lavrada no Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis.

c) A cabeça-de-casal b… e o Interessado C… divorciaram-se no âmbito do Processo de Divórcio por mutuo consentimento nº 67/2010, que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Oliveira de Azeméis, por decisão

proferida em 08/01/2010 e, transitada em julgado, nessa mesma data.

d) O valor do prédio doado à cabeça de casal (terreno - Art. 1.084º) ascende ao montante de €16.213,42 (dezasseis mil duzentos e treze euros e quarenta e dois cêntimos), conforme acordado entre os interessados na respectiva conferência.

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4) Com a entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, estabeleceu- se a abolição da declaração de culpa no divórcio, assistindo-se assim, a uma profunda mudança de paradigma do sistema jurídico do divórcio que,

necessariamente, teve reflexos no regime subsequente de partilhas.

5) Desde então, ao abrigo do disposto no artigo 1.790º do Código Civil, as partilhas subsequentes a divórcio - mesmo quando no casamento vigorava o regime de comunhão geral – obrigatoriamente, passaram a reger-se pelo regime de comunhão de adquiridos.

6) “In casu”, tendo o divórcio sido requerido e decretado em Janeiro de 2010, para o efeito de partilha, nenhum dos cônjuges podia receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos.

7) Tendo, a doação sido celebrada apenas a favor da cabeça-de-casal, por força do regime de comunhão de adquiridos, o valor (€16.213,42) do prédio doado (terreno - Art. 1.084º) pertence, unicamente, à cabeça-de-casal.

8) O valor da doação deve ser considerado de forma autónoma, tal como, a cabeça-de-casal o alegou quando ouvida sobre a forma à partilha, nos termos do disposto no nº 1, do Art. 1.373º do Cód. Proc. Civil, então em vigor.

9) Conforme mui douto Acórdão desse Venerando Tribunal, proferido nos presentes autos (Apenso-A), a regra do Art. 1.790º do Cód. Civil, estrutura a fase da partilha e, nessa fase, a mesma, deve efectuar-se de forma a que nenhum dos conjugues, independentemente da sua contribuição para dissolução do vinculo conjugal, receba mais do que o seu contributo patrimonial para a comunhão.

10) A douta sentença homologatória dos termos do mapa de partilha, incorre em desacerto, uma vez que, o douto despacho determinativo da forma à partilha e, consequentemente, o respectivo mapa, viola o disposto no Art.

1.790º do Cód. Civil

11) O tribunal “a quo”, em respeito pelo disposto no Art. 1.790º do Cód. Civil, no douto despacho determinativo da forma à partilha e, consequentemente, o mapa da partilha, devia ter tido em conta o valor (€ 16.213,42) do terreno (Art. 1.084º) que foi doado à cabeça-de-casal considerando que, o mesmo, pertence em exclusivo, àquela, por partilha subsequente a divórcio, segundo o regime de comunhão de adquiridos aplicável.

O recorrido não respondeu ao recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

As conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que resolva as seguintes questões:

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i) Se a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, é aplicável à partilha dos bens comuns do casamento dissolvido da requerente e do requerido.

ii) Como se deverá proceder à partilha fazendo aplicação do disposto no artigo 1790.º do Código Civil, na versão da citada lei.

III.

Os factos que relevam para a decisão a proferir e que resultam dos autos são os seguintes:

1. B… eC… casaram em 16 de Setembro de 1989, com convenção antenupcial em que estipularam o regime de comunhão geral de bens.

2. Por escritura de doação lavrada no Cartório Notarial de Oliveira de

Azeméis, em 26 de Setembro de 1995, D… e esposa E… declararam que, por conta da respectiva legítima, doam a B…, sua filha, o imóvel composto de

terreno para construção urbana com a área de 440 m2, sito no …, freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 0843/080995, inscrito na matriz sob o artigo 1084U, o que a mesma aceitou.

4. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis, sob o n.º 843119950908, da freguesia …, o prédio urbano composto por lote de terreno para construção, cujo direito de propriedade se encontra inscrito a favor de B… casada com C…, aí constando como causa de aquisição

“doação”.

5. Nesse lote de terreno o casal implantou, após a doação, uma casa de habitação composta de rés-do-chão com cozinha, duas casas de banho e garagem e andar com três quartos, sala, cozinha, casa de banho e despensa.

6. Por decisão proferida em 8 de Janeiro de 2010 e transitada em julgado, no âmbito do processo de divórcio por mutuo consentimento nº 67/2010, que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Oliveira de Azeméis, o casamento de B… e C… foi declarado dissolvido por divórcio.

7. Na conferência de interessados estes acordaram em atribuir ao terreno para construção doado à cabeça de casal o valor de €16.213,42 (dezasseis mil duzentos e treze euros e quarenta e dois cêntimos) e à casa de habitação aí implantada o valor de €69.971,58 (sessenta e nove mil, novecentos e setenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos).

8. No despacho determinativo da partilha, que se reflectiu no mapa elaborado e na sentença que o homologou, determinou-se que a partilha seja realizada do seguinte modo: “Somam-se os valores dos bens e abate-se o passivo. O resultado divide-se em duas partes iguais, correspondendo cada uma das partes à meação dos cônjuges”.

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IV.

Como resulta do que antecede, a única questão que cumpre decidir consiste no tratamento jurídico a dar na partilha dos bens comuns do dissolvido casal ao património (terreno para construção) que na pendência do casamento foi doado à cônjuge mulher pelos seus pais.

Resulta da matéria de facto que o casamento foi celebrado em 16 de Setembro de 1989, tendo os esposos fixado, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento da comunhão geral de bens (artigo 1698.º do Código Civil).

Nos termos do artigo 1732.º do Código Civil quando o regime de bens adoptado pelos cônjuges é o da comunhão geral, o património comum é

constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei.

Entre essas excepções contam-se “os bens doados ou deixados, ainda que por conta da legítima, com a cláusula de incomunicabilidade” e “ os bens doados ou deixados com a cláusula de reversão ou fideicomissária, a não ser que a cláusula tenha caducado” conforme previsto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1733.º do mesmo diploma.

Pois bem, na escritura pública de doação através da qual os pais da recorrente lhe fizeram doação do referido terreno, muito embora na identificação da donatária conste expressamente a referência à situação de casada e ao regime da comunhão geral de bens do seu casamento, não consta qualquer das

referidas cláusulas que poderiam ter gerado a incomunicabilidade do bem doado. Resulta assim inequívoco que o bem doado passou a ser um bem comum do casal.

Não cabe agora aqui discutir se apesar do divórcio esse bem conservou a natureza de bem comum e, portanto, bem a incluir na partilha do património do dissolvido casal. Essa questão foi correcta e definitivamente decidida no douto Acórdão proferido nos autos (apenso A) aquando do recurso da decisão sobre a reclamação da relação de bens em que estava em causa saber se esse bem devia ou não fazer parte da relação de bens por fazer parte dos bens (comuns) a partilhar.

Recordemos só, em parte, aquilo que ali se escreveu para fundamentar a decisão de mandar incluir o bem doado na relação de bens:

“Nesta fase processual, importa, primordialmente, determinar quais os bens a relacionar e, para tanto, é determinante o regime de bens em vigor no

casamento. Aquilo que os cônjuges podem receber integra uma fase posterior, estruturada em regras próprias, nomeadamente, o art. 1790 CC. In casu, assente que o regime de bens do casamento era o da comunhão geral,

preceitua o art. 1732 do CC que o património do casal é constituído por todos os bens dos cônjuges, exceptuados os casos previstos na lei. O caso sub judice

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não se integra em nenhuma situação excepcional, designadamente, as

previstas no art. 1733 do CC. (…) não pode confundir-se o regime de bens do casamento, imperativamente imposto, para o que ao caso importa, no art.

1732 do CC, com a parte que o cônjuge possa haver na sequência da partilha, conforme o preceituado no art. 1790 do CC. A norma do art. 1790 do CC, tal como sucedia anteriormente à redacção actual, não visa alterar o regime de bens do casamento. (…) Este preceito, tal como sucedia antes da alteração, não modifica o regime de bens pré-existente e que, no caso em apreço, estabelece, na forma apontada, a comunhão de todos os bens dos cônjuges, inclusive, os bens doados apenas a um deles na constância do casamento. A alteração legislativa … apenas rege os termos da partilha, sem colidir com o regime de bens existente na permanência do vínculo. (…) Esta norma apenas define o que o cônjuge pode receber na sequencia da partilha, estabelecendo

… que o cônjuge não pode haver mais do eu receberia se o casamento tivesse sido realizado segundo a comunhão de adquiridos. Contudo, não altera,

obviamente, o regime de bens existente, que se impõe ope legis. Não se alterando o regime de bens, impõe-se que, sem embargo da quota, subsequente à partilha, que o cônjuge possa haver, o bem, comum, ser relacionado, facultando-se, inclusive, a ambos os cônjuges, uma eventual licitação desse bem. O que o cônjuge não pode é receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido realizado segundo a comunhão de adquiridos. (…) Definida a comunicabilidade ou a comunhão, em função do regime de bens adoptado pelos cônjuges, a vigorar na pendência do

casamento, e definido, por imperativo legal, o regime de bens, este não se altera em virtude de ocorrer o divórcio. Apenas a partilha se efectuará no sentido de os cônjuges não receberem mais do que receberiam se o regime fosse o da comunhão de adquiridos. Até esta fase processual, e vigorando o regime da comunhão, os bens comuns devem ser relacionados. (…) Sem prejuízo da oportuna aplicação do preceituado no art. 1790 CC, o regime de comunhão geral de bens mantém-se. Consequentemente, o imóvel em causa nos presentes autos constitui um bem comum do dissolvido casal e, como tal, deve ser relacionado.”

Na verdade, uma vez que o divórcio tem como consequência a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, sendo o casamento celebrado sob o regime de comunhão de bens (seja a comunhão geral ou a comunhão de

adquiridos), torna-se necessário proceder à partilha dos bens comuns do casal que existam. Não assim no regime da separação de bens porque este se

caracteriza pela completa autonomia dos bens que cada um dos cônjuges leva para o casamento ou adquire na constância do matrimónio, não havendo bens comuns, mas apenas bens próprios de cada um dos cônjuges e, no máximo,

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bens em regime de compropriedade, sendo que mesmo neste caso a quotas de cada um dos cônjuges em tais bens integra o respectivo património próprio (artigo 1736.º do Código Civil).

Decidido em definitivo nos autos que o bem em causa é um bem comum e como tal devia fazer parte da relação de bens e das operações da partilha (era só essa a questão que o douto Acórdão tinha para decidir e que decidiu,

equacionando naturalmente o disposto no artigo 1790.º do Código Civil mas apenas para justificar que o mesmo não afastava a natureza comum do bem), o que agora está em discussão é a questão, subsequente, do modo de efectuar a partilha, tendo em atenção a origem do bem (a fonte que o tornou bem comum do casal) e o disposto no artigo 1790.º do Código Civil.

Este preceito tinha uma redacção que provinha já do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, nos termos da qual: “O cônjuge declarado único ou principal culpado não pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.”

A reforma do regime jurídico do divórcio operada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, alterou também este preceito que passou a dispor o seguinte:

“Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.”

Uma das notas essenciais desta reforma foi a eliminação da discussão ou averiguação da culpa no divórcio e das consequências patrimoniais e de natureza sancionatória para o cônjuge declarado único ou principal culpado.

Uma das normas onde essa preocupação transparece é precisamente o artigo 1790.º. Na redacção anterior, este preceito constituía uma penalização para o cônjuge declarado único ou principal culpado na sentença que decretasse o divórcio ou a separação de pessoas e bens.

A sanção era aplicada quando houvesse um cônjuge considerado único ou principal culpado pela ruptura do casamento, o regime de bens convencionado fosse o da comunhão geral e o cônjuge inocente tivesse levado mais bens para o casamento ou tivesse adquirido a título gratuito os bens de maior valor, isto é, quando a aplicação do regime de comunhão de adquiridos conduzisse a que a sua quota tivesse maior valor do que a resultante do regime efectivo de bens do casamento pois só então a redução da quota do cônjuge culpado ao valor que resultaria da comunhão de adquiridos o penalizaria.

Em anotação a este preceito, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume IV, 2.ª edição, pg. 562, acentuaram que “se, por exemplo, se convencionou entre os cônjuges o regime da comunhão geral e o cônjuge considerado único ou principal culpado tiver levado para o casal ou adquirido

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posteriormente, por sucessão ou doação, bens de valor superior aos do cônjuge inocente, não haverá lugar à aplicação das regras de comunhão de adquiridos, visto que elas só beneficiariam o culpado (único ou principal) do divórcio mas se, porém, ao invés da hipótese prefigurada, os bens próprios do cônjuge inocente forem de valor superior, haverá que aplicar o regime da comunhão de adquiridos e não o da comunhão geral”.

No dizer de Esperança Pereira Mealha, in Acordos Conjugais para Partilha de Bens Comuns, pág. 81, “quando o regime de bens do casamento tenha sido a comunhão geral de bens e, uma vez liquidado o regime matrimonial,

apurando-se um activo integrado por bens que seriam próprios do cônjuge inocente, se o regime escolhido tivesse sido a comunhão de adquiridos, caso em que a lei, para evitar o benefício do único ou principal culpado, determina que a partilha se faça de acordo com o regime da comunhão de adquiridos”.

Agora, com a nova redacção do artigo 1790.º do Código Civil, nenhum dos cônjuges pode, em caso de divórcio, receber na partilha valor superior ao que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de

comunhão de adquiridos. Na Exposição de Motivos do Projecto de Lei n.º 509/

X justifica-se essa opção dizendo que “em caso de divórcio, a partilha far-se-á como se os cônjuges tivessem estado casados em comunhão de adquiridos, ainda que o regime convencionado tivesse sido a comunhão geral, ou um outro regime misto mais próximo da comunhão geral do que da comunhão de

adquiridos; a partilha continuará a seguir o regime convencionado no caso de dissolução por morte (…) evita que o divórcio se torne um meio de adquirir bens, para além da justa partilha do que se adquiriu com o esforço comum na constância do matrimónio, e que resulta da partilha segundo a comunhão de adquiridos (…) abandonando-se o regime actual que aproveita o ensejo para premiar um inocente e castigar um culpado”.

No entanto, vários autores[1] logo chamaram a atenção que esta solução pode afinal causar prejuízo para o cônjuge que não foi o responsável pela dissolução e que não deu causa à ruptura do casamento. Com efeito, em resultado da alteração introduzida, caso o cônjuge que requereu o divórcio tenha sido quem violou os deveres conjugais e aquele que levou mais bens para o

casamento ou adquiriu mais bens a título gratuito ao longo do mesmo (isto é, se o regime de bens fosse a comunhão de adquiridos teria mais bens próprios), não só obtém o divórcio como fica beneficiado em relação ao outro, uma vez que como este também não pode receber mais do que receberia se o regime de bens fosse a comunhão de adquiridos irá acabar por receber na partilha bens de valor inferior à sua meação nos bens que na pendência do casamento tinham a natureza de bens comuns.

Por isso, a primeira questão que se coloca consiste em determinar a que

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situações se aplica a nova redacção do preceito e, mais concretamente, se o caso sub judice está ou não abrangido por essa redacção.

A Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, possui uma norma transitória de aplicação da lei no tempo. O artigo 9.º prescreve que o seu regime “não se aplica aos processos pendentes em tribunal”. Como é fácil de ver esta norma possui um interesse residual, pois apenas afasta a sua aplicação “aos

processos pendentes”, sem definir, pela positiva, a que situações jurídicas que não estejam ainda a ser discutidas em tribunal se aplica. Essa dimensão de exclusão ou negativa da disposição transitória foi já objecto de duas decisões do Tribunal Constitucional que nos Acórdãos nos. 153/2010 e 398/2011 se pronunciou no sentido da constitucionalidade da solução legal de não aplicação da Lei n.º 61/2008 aos processos já pendentes[2].

A questão que nos interessa é distinta e consiste em saber a que situações jurídicas, ainda não submetidas a decisão judicial, se aplica imediatamente a nova lei. A solução, face ao silencio da própria Lei n.º 61/2008, que, como vimos, não resolve essa questão no artigo 9.º, tem de se ir buscar à norma geral de aplicação das leis no tempo constante do artigo 12.º do Código Civil.

O princípio geral de aplicação das leis no tempo consagrado no artigo 12.º é o de que a lei só dispõe para o futuro e, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Todavia, quando a lei dispuser

directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que ela “abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.

O divórcio é uma das formas de extinção da relação jurídica do casamento. Ao alterar a regulamentação do divórcio e respectivas consequências o legislador dispõe directamente sobre o conteúdo da relação do casamento, abstraindo dos factos que lhe deram origem, isto é, regulando a extinção da relação de forma genérica e não definindo uma regra específica para um determinado facto causal em particular. Por conseguinte, não há como deixar de entender que em virtude do disposto no artigo 12.º do Código Civil o regime introduzido pela Lei n.º 61/2008 se aplica mesmo aos casamentos celebrados antes da sua data de entrada em vigor (01.12.2008) e que nessa data ainda subsistam[3], isto é, não tenham sido dissolvidos, como sucede no caso dos autos em que o divórcio apenas foi decretado (08.01.2010) já em plena vigência da referida lei [4].

Esta solução conduz a que na sua versão proveniente da referida Lei, o artigo 1790.º do Código Civil seja aplicável a todos os casamentos celebrados

segundo o regime de comunhão geral de bens, ainda que em data anterior à entrada em vigor da lei e, consequentemente, quando os cônjuges poderiam

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ter em mente a solução consagrada na lei em vigor aquando do seu casamento e em função dela ponderado a decisão de celebrarem convenção antenupcial a definir o seu regime de bens.

A modificação ex lege da situação jurídica da partilha subsequente ao seu divórcio e as respectivas consequências foram interpretadas por Rita Lobo Xavier, in Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das

Responsabilidades Parentais, pág. 34, como induzindo “uma transformação quanto ao próprio sistema do regime de bens do casamento, em que a divisão dos bens se faz segundo o regime de bens convencionado, quer se trate de divórcio, quer de dissolução por morte; e uma alteração do próprio regime da comunhão geral, que passa agora a ter uma disciplina para a vigência do casamento e para a dissolução no caso de morte, e outra para a hipótese de dissolução por divórcio. Um bem integrado no património comum, durante toda a vida conjugal, pode ser excluído desse património no momento da partilha. Dir-se-á que era o que já acontecia por força do antigo art.1790º.

Mas, neste caso, o objectivo era o de favorecer, ou de não prejudicar, o cônjuge que cumpriu o compromisso conjugal e não foi culpado no divórcio.

Este cônjuge pode sair agora prejudicado, e não podia com com este resultado no momento em que escolheu o regime de bens”. Nessa linha, esta autora (loc.

cit., pág. 35) defende que a modificação “não poderá afectar os bens que entraram no património comum até à entrada em vigor da lei; só pode aplicar- se àqueles que casaram segundo este regime depois da sua entrada em vigor e, quanto aos cônjuges que casaram anteriormente em tal regime, quando muito só poderá excluir do património comum a partilhar os bens que nele ingressaram após a data de início da vigência da lei”. Trata-se, no entanto, manifestamente, de uma opinião à margem do regime do artigo 12.º do Código Civil e que, como tal, não pode ser sustentada em termos de direito

constituído.

Acresce que o casamento e a definição do seu regime jurídico,

designadamente quanto à extinção por divórcio e respectivas consequências, assumem em qualquer sociedade uma dimensão extremamente relevante, constituindo mesmo uma das dimensões mais marcantes da definição da organização da vida familiar e dos objectivos que a comunidade entende atribuir-lhe. Daí que não se veja como deixar de reconhecer ao legislador – do seu e no seu tempo - a possibilidade de actualizar as suas concepções da organização do casamento e as fazer reflectir na ordem jurídica, ainda que alterando a situação jurídica dos cônjuges nos casamentos já existentes. O casamento, podendo embora ser visto como um contrato entre duas pessoas, possui características tais que são incompatíveis com a sua qualificação como relação contratual, em que houvesse de respeitar o âmbito do acordo

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contratual – pacta sunt servanda –, impedindo a sua modificação posterior à margem do consenso das partes, sob pena de frustração de legítimas

expectativas ou direitos. O que significa que as observações da citada autora são por certo criticas (pertinentes) à solução legal, mas não são razões válidas para impedir a aplicação da solução legal aos casamentos ainda não

dissolvidos na data em que a lei entrou em vigor.

Assente assim a sua aplicação ao caso sub judice, o que resta determinar é o modo como o artigo 1790.º do Código Civil, na versão da Lei n.º 61/2008, deve ser aplicado na partilha dos bens comuns. Conforme já se sublinhou está já decidido definitivamente nos autos que o referido preceito não determina uma alteração do regime de bens do casamento entre a recorrente e o recorrido.

Os bens que até ao momento do divórcio faziam parte da comunhão de bens, mantiveram essa natureza jurídica, não a alteraram ainda que se o regime de bens tivesse sido o da comunhão de adquiridos eles viessem a ser bens

próprios de um dos cônjuges e não bens comuns do casal. Como bens comuns estão sujeitos a partilha e a todas as operações próprias do processo de

inventário designadamente as licitações e o modo de compor os quinhões de cada um dos ex-cônjuges.

Nesse aspecto não se alterou a solução que vinha da legislação anterior e que segundo Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de direito da

família, vol. I, 2ª ed., pág. 660, se caracterizava por, nos casos em que o regime era o da comunhão geral, os bens comuns “entraram na comunhão e nela permanecem até à partilha; só depois desta poderá saber-se a quem ficarão a pertencer. A lei não exige que na partilha o cônjuge declarado inocente ou menos culpado seja encabeçado nos bens que levou para o

casamento ou depois lhe advieram por doação ou herança, como aconteceria se o regime de bens estipulado fosse o da comunhão de adquiridos; só quer que o outro cônjuge não receba na partilha mais do que receberia se tivesse sido convencionado esse regime. Não lhe importam os bens em espécie, mas só seu valor”. O que se alterou foi apenas a generalização da solução a todos os casos de divórcio, e não apenas aos casos em que um dos cônjuges viesse a ser declarado único ou principal culpado da ruptura da vida conjugal, e a ampliação do âmbito da restrição a ambos os cônjuges e não apenas ao cônjuge sobre o qual recaísse aquele juízo de culpa.

O que resulta do disposto no artigo 1790.º do Código Civil é assim o seguinte:

a partilha continua a fazer-se segundo o regime da comunhão de bens

aplicável ao casamento dissolvido; os bens comuns mantêm essa natureza e para efeitos de operações da partilha deverão ser tratados como tal; apurado o valor que corresponde ao quinhão (meação) de cada um dos cônjuges nos bens comuns a partilhar tem de se comparar esse valor com aquele que resultaria

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da sua partilha como se o regime de bens fosse a comunhão de adquiridos;

para o efeito tem de se simular a partilha de acordo com este regime de bens, separando os bens que de acordo com esse regime seriam próprios e

encontrando a hipotética quota (meação) de cada um dos cônjuges nos bens que mesmo nesse regime seriam comuns; finalmente, comparando os valores apurados na partilha segundo o regime efectivo e na partilha segundo o regime hipotético, caso aquele valor exceda este, deverá ser reduzido a este valor, aumentando correspondentemente a quota do outro cônjuge,

procedendo-se então ao preenchimento dos quinhões.

Nos autos verifica-se que este procedimento não foi adoptado quando é manifesto que um dos bens comuns a partilhar veio para o casal através de uma doação e, como tal, à luz das regras do regime da comunhão de

adquiridos seria um bem próprio do cônjuge donatário (artigo 1722.º, n.º 1, alínea b), parte final do Código Civil), razão pela qual era necessário comparar a partilha segundo ambos os regimes para respeitar o disposto no artigo

1790.º do Código Civil na determinação do valor a receber pelo cônjuge não beneficiário da doação.

Resulta assim que as conclusões de recurso procedem e o despacho

determinativo da partilha, a partilha e a respectiva sentença não podem ser mantidas e devem ser alteradas em conformidade com o ora decidido.

V.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dando provimento à apelação,

revogam o despacho determinativo da partilha, a partilha e a respectiva sentença, determinando a sua substituição, em 1.ª instância, por outros que operem a partilha nos termos acima assinalados.

Custas na proporção a fixar a final.

*

Porto, 6 de Fevereiro de 2014.

Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto114) José Amaral

Teles de Menezes ______________

[1] Cf. Cristina Araújo Dias, in Uma Análise do Novo Regime Jurídico do Divórcio, 2.ª edição, pg. 27; Rita Lobo Xavier, in Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, pg. 35;

Amadeu Colaço, in Novo Regime do Divórcio, 3.ª edição, pág. 75; Jorge Duarte

(13)

Pinheiro, in Ideologias e Ilusões no Regime Jurídico do Divórcio e das

Responsabilidades Parentais, no sitio http://www.csm.org.pt/ficheiros/eventos/

jduartepinheiro_ideologiasilusoes.pdf.

[2] Este último Acórdão foi proferido pelo Plenário do Tribunal na sequência de recurso interposto ao abrigo do artigo 79º-D da Lei do Tribunal

Constitucional, por existir contradição entre o Acórdão nº 153/2010, antes referido, e o Acórdão n.º 407/2010, que, contrariamente àqueles, se tinha pronunciado no sentido da inconstitucionalidade da não aplicação da nova lei aos processos pendentes. Observando este entendimento do Tribunal

Constitucional vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.05.2013 (Pereira da Silva) e do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.04.2013 (Teles Pereira), in www.dgsi.pt.

[3] Nesse sentido neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião, in O Divórcio e Questões Conexas, 3.ª edição, pág. 174. No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.10.2011 (Regina Rosa) numa situação que quanto a datas possui as características da que aqui nos ocupa (casamento anterior e divórcio posterior a 01.12.2008) sem, no entanto, abordar directamente a questão, fez- se aplicação da nova lei.

[4] Para a explicação e justificação desta solução veja-se Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Coimbra, 1982, pág. 231 e seguintes.

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