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Sumário. Texto Integral. Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 2563/2003-6

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Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 2563/2003-6

Relator: OLINDO GERALDES Sessão: 15 Maio 2003

Número: RL

Votação: MAIORIA COM * VOT VENC Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA.

CONTRATO-PROMESSA ARRENDAMENTO NULIDADE

Sumário

Invalidado um contrato-promessa de arrendamento, não há obrigação de pagar o valor da fruição, se esta, de acordo com o fim destinado, não se efectivou.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

J. Pereira instaurou, em 23 de Março de 2000, na Vara Mista do Funchal, contra J. Faria e mulher, S. Faria, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que fosse declarada a nulidade do contrato-promessa de arrendamento comercial, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma loja com o n.º -, no rés-do-chão do prédio denominado “Edifício Cecília”, sito na Rua Elias Garcia, n.º -, no Funchal, e se condenassem os RR. a restituir-lhe a quantia de 6 851 208$00, acrescida de juros, e a pagar-lhe a quantia de 10 000 000$00.

Para tanto, alegou, em síntese, que o arrendamento do imóvel se destinava à exploração de um snack-bar, não tendo podido celebrar-se o mesmo porque o regime de constituição da propriedade horizontal não permitia aquele destino, o que implicava a nulidade do referido contrato-promessa, com a restituição de tudo o que fora prestado e o pagamento de uma indemnização, a título de lucros cessantes.

Contestaram os Réus, por impugnação, concluindo pela sua absolvição do pedido, e deduziram ainda reconvenção, pedindo que o Autor fosse condenado a pagar-lhes a quantia de 4 236 630$00, acrescida dos juros legais, bem como

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no pagamento da quantia, a apurar em execução de sentença, pelos prejuízos causados no local. Para o efeito, alegaram a falta de pagamento de rendas e os prejuízos decorrentes de obras efectuadas pelo A. na referida fracção.

Replicou o A., alegando que não eram devidas quaisquer rendas, por falta da respectiva licença camarária, cuja obtenção era da responsabilidade dos RR., nem quaisquer outras quantias, por as obras efectuadas terem sido

autorizadas.

Na audiência preliminar, foi seleccionada a base instrutória, que não foi objecto de qualquer reclamação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, respondendo-se à base instrutória, nos termos do despacho de fls. 214 a 216, de que reclamaram, sem êxito, os RR.

Seguiu-se, então, a sentença, constante de fls. 223 a 231, que declarou nulo o contrato-promessa de arrendamento comercial, por erro no objecto, condenou os RR. a restituir ao A. as quantias de 3 000 000$00 (€ 14 963,94), 95 370$00 (€ 475,70) e 260 000$00 (€ 1 296,87) e absolveu nos restantes pedidos,

designadamente no reconvencional.

Não se conformando com a sentença, os RR. apelaram da mesma e, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões:

A declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.

Os RR. prestaram ao A. a posse e fruição da uma loja durante trinta meses.

Essa prestação, não podendo ser restituída em espécie, corresponde ao valor que as partes por acordo teriam arbitrado no contrato-promessa, isto é, à quantia de € 22 894,82.

Também o local deve ser restituído à sua forma inicial.

A deterioração e modificação levadas a efeito pelo A. nunca foi autorizada, quer a título contratual quer a qualquer outro.

O A. agiu com culpa ao proceder à deterioração e modificação da coisa porque não estava autorizado.

O valor correspondente desta restituição deve ser calculado em execução de sentença, como foi pedido na reconvenção.

Foi violado o disposto no n.º 1 do art.º 289.º do Código Civil (CC), devendo a sentença ser considerada nula com base na al. c) e 1.ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 668.º do Código de Processo Civil (CPC).

O A. não contra-alegou.

Ao abrigo do disposto no art.º 668.º, n.º 4, do CPC, o M. mo Juiz a quo exarou despacho, no sentido de nada ter a suprir.

Corridos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

Neste recurso, está, essencialmente, em discussão os efeitos da declaração de

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nulidade ou anulabilidade de um contrato, que permitira a um dos contraentes deter, temporariamente, certo imóvel e no qual realizara obras.

II. FUNDAMENTOS

2.1. Estão provados, designadamente, os seguintes factos:

A 3 de Fevereiro de 1998, entre o A. e os RR., estes representados por procurador, foi acordado, nos termos constantes de fls. 10 a 12, aquilo que denominaram por “contrato-promessa de arrendamento comercial”, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma loja com o n.º -, localizada no rés-do-chão do prédio urbano denominado

“Edifício Cecília”, sito na Rua Elias Garcia, n.º -, no Funchal.

Nesse acordo, os RR. prometeram dar de arrendamento ao A. e este prometeu tomar de arrendamento a identificada loja (cl. 2.ª).

A loja destinava-se a todo e qualquer ramo de comércio ou indústria (cl. 3.ª).

O prazo de arrendamento era de cinco anos e tinha o seu início no dia 9 de Fevereiro de 1998, data a partir da qual o A. tomaria posse efectiva do objecto arrendado (cl. 4.ª).

A renda mensal do local arrendado era de 153 000$00 (cl. 5.ª).

Os RR. autorizaram, desde logo, o A. a iniciar a realização das necessárias obras de adaptação do local arrendado, carecendo de autorização por escrito quaisquer obras que modificassem a estrutura do local (cl. 6.ª).

A escritura a titular o contrato seria realizada quando os RR. obtivessem a documentação necessária para o efeito (cl. 9.ª).

A 3 de Fevereiro de 1998, o A. entregou ao representante dos RR., pelas chaves, a quantia de 3 000 000$00.

O A. assinou o acordo referido no n.º 2, com a intenção única e exclusiva de proceder à exploração de um snack-bar.

Os RR. conheciam perfeitamente a vontade do A. em dedicar-se àquela actividade.

O A. nunca chegou a exercer a actividade de restauração no local referido.

O A. pagou as quantias de 95 370$00 e 260 000$00, a título de rendas.

Na escritura de constituição da propriedade horizontal, a fracção “A” tem como destino o comércio, o que era do conhecimento dos RR.

Nas várias reuniões de condóminos, que houve, não foi possível aprovar/

autorizar qualquer alteração ao título de constituição da propriedade.

O A. esteve na posse da referida fracção entre Fevereiro de 1998 e Julho de 2000.

O A. dividiu a casa de banho primitiva em três compartimentos e furou paredes.

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2.2. Delimitada a matéria de facto, com relevância para o conhecimento do objecto do presente recurso, importa agora entrar na sua análise, sendo certo que o mesmo se encontra circunscrito pelas respectivas conclusões.

Como se pode verificar pelo conteúdo do recurso, os apelantes limitaram-se a impugnar a parte da sentença que julgou improcedente a reconvenção, pelo que, quanto à acção, a mesma transitou em julgado.

2.3. Na conclusão das alegações, os recorrentes declararam que a sentença devia ser considerada nula, com base na al. c) e 1.ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC.

Todavia, nas respectivas alegações omite-se, por completo, qualquer

fundamentação no sentido da nulidade da sentença, o que bastaria para se concluir pela improcedência daquele vício.

De qualquer modo, sempre se dirá que a sentença recorrida não padece de nulidade, quer por oposição entre os fundamentos e a decisão, quer por omissão de pronúncia.

Com efeito, a sentença recorrida está harmoniosa nos seus termos, porquanto a decisão de absolvição do reconvindo está em conformidade com os

fundamentos jurídicos constantes da mesma, segundo os quais o pagamento das rendas era ilegítimo e contrário ao direito, ao passo que, quanto às obras realizadas, foi considerado que não ficara provado que as mesmas tivessem causado prejuízo na loja, nem que não tivessem sido autorizadas.

Por outro lado, pronunciando-se, expressamente, sobre as questões da

reconvenção que importava conhecer, como as referidas, a sentença recorrida não omitiu o dever de pronúncia resultante do disposto no n.º 2 do art.º 660.º do CPC.

Nestes termos, conclui-se que a sentença recorrida não enferma de nulidade.

2.4. De harmonia com o disposto no art.º 289.º, n.º 1, do Código Civil, “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

Desta norma resulta a obrigação de restituição de tudo o que tenha sido prestado pelas partes do negócio jurídico declarado nulo ou anulado.

Esse efeito jurídico opera retroactivamente de modo a ser restabelecida a situação anterior à do negócio jurídico, o que se revela compreensível, em virtude da invalidade resultar de um vício intrínseco do negócio e, como tal, contemporâneo da sua formação.

Assim, cada sujeito está obrigado a restituir tudo o que tenha recebido do outro por efeito do negócio invalidado, de modo a repristinar-se à situação

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anterior daquele.

Por aplicação do referido princípio, os apelantes argumentam que têm direito a receber o valor das rendas acordadas enquanto o apelado esteve na posse da loja, que foi objecto do contrato que foi invalidado, bem como o valor daquilo que é necessário para a restituição da loja na forma como fora recebida pelo apelado.

Na verdade, entre os apelantes e o apelado foi celebrado um contrato-

promessa de arrendamento urbano, destinando-se a loja à exploração de um snack-bar.

Não obstante não tivesse sido formalizado o contrato prometido de

arrendamento, o certo é que, como decorre da respectiva factualidade, alguns dos seus efeitos foram antecipados, designadamente a entrega da loja ao promitente arrendatário.

Segundo a sentença, que nessa parte não foi impugnada, o referido contrato- promessa foi considerado inválido, por erro sobre o objecto, nos termos do art.º 251.º do CC, em virtude do prédio que constituía o seu objecto não poder dispor de licença de utilização para a exploração de um estabelecimento de snack-bar, única finalidade pretendida pelo apelado e que os apelantes conheciam perfeitamente.

Da declaração de invalidade do contrato emerge, como efeito nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 289.º do CC, a obrigação de restituir tudo o que tiver sido prestado.

É, nesse âmbito, que se coloca a questão do pagamento do valor da fruição do prédio enquanto o mesmo esteve na posse do apelado.

Está firmada jurisprudência no sentido de que, no caso de nulidade do

contrato de arrendamento, a obrigação do locatário de restituir abrange, para além da entrega da coisa, o pagamento do valor correspondente à sua

utilização, equivalente ao valor da retribuição acordada pela respectiva cedência (cfr., entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 28 de

Novembro de 1996 e de 26 de Junho de 1997, publicados, respectivamente, na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXI, t. 5, pág. 113, e Ano XXII, t. 3, pág.

126).

Todavia, essa obrigação pressupõe que a coisa tivesse sido fruída ou, então, com possibilidades de ter sido, designadamente para o fim a que fora

destinada.

Se, não obstante a detenção da coisa, não for possível a sua fruição, não há obrigação de restituir, porquanto, nesse contexto, falta a prestação da outra parte, justificativa daquela.

No caso vertente, como ficou provado, o apelante nunca chegou a exercer a actividade de restauração no prédio referido, por falta da respectiva licença

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de utilização, que os apelantes, como lhes competia, não lograram obter da Administração Pública.

Sendo o exercício da referida actividade o único fim pretendido para a fruição do prédio, como os próprios apelantes bem sabiam, não pode deixar de se entender que, nesta situação, apesar da sua detenção, não houve fruição do prédio por parte do apelado.

Na verdade, não bastava, para o efeito, a cedência da detenção do prédio, era também indispensável que a mesma fosse acompanhada da possibilidade de ser utilizado para o fim previsto, nomeadamente da específica licença de utilização.

Nestas condições, tem de se concluir que, faltando a prestação dos apelantes, nada há a restituir por parte do apelado.

Assim sendo, não assiste aos apelantes o direito à restituição do valor equivalente ao das rendas acordadas, isto é, da quantia de € 22 894,82.

Entendem, ainda, os apelantes que têm direito ao valor das obras, a liquidar em execução de sentença, para repor o prédio no estado em que se

encontrava quando foi entregue ao apelado, em virtude das obras que este, entretanto, realizou.

Este pedido, não resultando já da obrigação de restituição prevista no n.º 1 do art.º 289.º do CC, teria de assentar na responsabilidade civil por facto ilícito, imputável ao apelado.

Esta forma de responsabilidade pressupõe, todavia, a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Se bem que a verificação de alguns desses requisitos no caso presente não esteja em causa, o mesmo já não sucede com outros, nomeadamente os da ilicitude e do dano.

Podendo a ilicitude corresponder, designadamente, à violação de um direito subjectivo, como, por exemplo, o direito real de propriedade, a matéria de facto apurada nos autos não revela, contudo, que o apelado tenha violado tal direito dos apelantes, nomeadamente que tenha realizado as obras contra a sua vontade.

Por outro lado, também não emerge da mesma factualidade que os apelantes tenham sofrido qualquer dano ou prejuízo no prédio com as obras realizadas pelo apelado, sendo certo que o quesito 27.º, no qual se questionava se para que o local pudesse ser objecto de novo arrendamento era necessário realizar obras, obteve uma resposta negativa (cfr. fls. 214 a 216).

Neste contexto, não estando reunidos todos os requisitos legais, não é possível imputar, ao apelado, qualquer responsabilidade civil.

Tratando-se de factos constitutivos do direito invocado, competia aos

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apelantes a sua alegação e prova, de harmonia com o disposto na norma consagrada no n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil.

Nesta conformidade, somos levados a concluir que aos apelantes não assiste o aludido direito de crédito sobre o apelado.

Tendo a sentença recorrida decidido nestes termos, não se mostra que a

mesma tenha violado qualquer disposição legal, designadamente a prevista no n.º 1 do art.º 289.º do CC, não merecendo o recurso obter qualquer

provimento.

2.5. Os apelantes, ao ficarem vencidos por decaimento, estão obrigados ao pagamento das respectivas custas, em conformidade com a regra da

causalidade consagrada no art.º 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

2) Condenar os recorrentes no pagamento das custas.

Lisboa, 15 de Maio de 2003 Olindo Geraldes

Manuel Gonçalves Urbano Dias

_____________________________________________

Urbano Dias (vencido pelas razões que exponho em separado) Voto de vencido:

Salvo o sempre devido respeito por opinião contrária – e no caso mui é – não posso concordar com a solutio dada ao caso presente.

Em breves palavras, tentarei dizer das minhas razões.

Resulta da matéria de facto dada como provada o seguinte:

- A. e RR. celebraram um contrato que denominaram de contrato-promessa de arrendamento comercial;

- O prazo de arrendamento era de cinco anos e tinha início no dia 09 de

Fevereiro de 1998, data a partir da qual o A. tomaria posse efectiva do objecto arrendado;

- O A. assinou o acordo com a intenção única e exclusiva de proceder à exploração de um snack bar, o que era do conhecimento dos RR.;

- A renda mensal do local arrendado era de 153.000$00;

- Os RR. autorizaram, desde logo, o A. a iniciar a realização das necessárias obras de adaptação do local arrendado, carecendo de autorização por escrito

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quaisquer obras que modificassem a estrutura do local;

- O A. pagou as quantias de 95.370$00 e 260.000$00 a título de rendas;

- O A. dividiu a casa de banho primitiva em três compartimentos e furou paredes;

- O A. esteve na posse da referida fracção entre Fevereiro de 1998 e Julho de 2000.

Em face desta factualidade, é altura de nos interrogarmos sobre o verdadeiro contrato que as partes celebraram entre si.

O nome dado ao contrato pelas partes circunscreve-se, a par de outros elementos, num mero coadjuvante na interpretação do sentido das declarações de vontade produzidas pelas partes.

Como se escreveu no Proc. nº 8470/01, desta 6ª secção, relatado por Salvador da Costa e de que nós fomos 1º adjunto, “a inadequação da designação dada pelas partes ao módulo negocial em causa resulta, não raro, de equívoco, de ignorância, mas também é susceptível de derivar da intenção de defraudar a lei, para extrair disso consequências jurídicas incompatíveis com o regime do negócio jurídico efectivamente pretendido”.

Nessa hipótese, deve aplicar-se o regime jurídico que resultar da

interpretação das declarações negociais das partes, independentemente da designação que elas lhe atribuíram (cfr., neste sentido, Galvão Telles e Januário Gomes, in C.J., Ano XV, Tomo 2, pág. 23 e ss.).

À luz das considerações referidas, vejamos qual o verdadeiro enquadramento jurídico do contrato celebrado pelas partes.

A noção de contrato-promessa que resulta da lei traduz-se na

convenção pela qual as partes manifestaram a vontade de celebrar, de futuro, um determinado contrato (cfr. arts. 410º e 411º do C. Civil).

Segundo Abel Delgado, o contrato-promessa é a convenção pela qual as partes, ou apenas uma delas, se obrigam a celebrar um determinado contrato (in Do Contrato-Promessa, pág. 14).

Por sua vez, o contrato de arrendamento comercial consubstancia-se na convenção pela qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio par fins directamente relacionados com uma actividade comercial ou industrial, mediante retribuição a prestar pela última (cfr. art. 110º do R.A.U.).

Expostas estas considerações, analisemos o sentido jurídico que resulta da matéria de facto dada como provada.

Não há dúvidas que as partes apelidaram o contrato que celebraram como sendo contrato-promessa de arrendamento comercial.

Porém, seis dias após a celebração do dito contrato, o A. tomou posse do objecto arrendado, nela se mantendo desde Fevereiro de 1998 até Julho de

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2000, dividiu a casa de banho em três compartimentos e furou paredes (sendo certo que tinha ficado estipulado que as obras que implicassem alteração de estrutura do local careciam de autorização por escrito) e pagou rendas (embora não a totalidade): estamos perante um verdadeiro contrato de

arrendamento comercial, tal como ele é definido nos arts. 1º e 110º do R.A.U..

Ora, um declaratário normal, colocado na posição das partes aqui em disputa, facilmente concluiria que elas celebraram um verdadeiro contrato de arrendamento para o exercício do comércio.

À data em que o referido contrato foi celebrado (03 de Fevereiro de 1998) a lei exigia que o mesmo, para ser válido, fosse celebrado por escritura pública (ou seja, antes da entrada em vigor do D.-L. 64-A/2000, de 22 de Abril).

Esta lei, que dispensou de escritura pública a celebração de contratos de arrendamentos comerciais, não é uma lei interpretativa, mas uma lei nova, sem eficácia retroactiva, nos termos do art. 12º do C. Civil (vide, a este

respeito, Baptista Machado, in Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, pág. 70 e ss.).

Ora, o contrato de arrendamento celebrado pelas partes terá de ser considerado como nulo, dado que o vício da falta de escritura pública, até então considerada ad substanciam para as situações em causa, não é, assim, sanado pela entrada em vigor da nova lei que a dispensou, continuando, por isso, a ser possível discutir-se a sua nulidade (vide Aragão Seia, in

Arrendamento Urbano – 7ª edição -, pág. 179).

Na verdade, como é sabido, nos termos do art. 220º do C. Civil, o contrato de arrendamento celebrado pelas partes não foi celebrado mediante escritura pública, razão pela qual o mesmo é nulo por falta de forma (vide Januário Gomes, in Arrendamentos Comerciais – 2ª edição -, pág. 5).

Nos termos do Assento nº 4/95, de 28 de Março, quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado no

pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no nº 1 do artigo 289º do Código Civil (in D.R., I série, de

17/05/95).

Isto significa que o tribunal, in casu, teria mesmo de declarar a

nulidade do contrato de arrendamento, independentemente de as partes não o terem feito.

Estamos perante um contrato de execução continuada.

No caso de resolução do contrato de execução continuada a mesma não abrange as prestações já efectuadas nº 2 do art. 434º do C. Civil), sendo que a resolução é equiparada à nulidade (art. 433º).

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Não fazia sentido que outra fosse a solução: também aqui, na

declaração de nulidade do contrato de arrendamento comercial, sob pena de enriquecimento à custa alheia, a parte que entrou na posse da fracção tem de pagar o correspondente a tal ocupação.

E isto independentemente de o A. não ter conseguido montar o snack bar pretendido, uma vez que, de acordo com a factualidade dada como provada, não ficou estabelecido que o contrato era celebrado na condição de aqueles puderem estabelecer no locado aquele tipo de comércio.

Não fazia sentido que uma das partes estivesse sem a posse da

fracção, a favor de outrem, e não tivesse a contrapartida necessária e que foi clausulada.

A não ser assim, consumar-se-ia uma grave injustiça!

O facto de ser intenção do A. instalar no locado um snack bar tal ser do conhecimento dos próprios RR. em nada altera o já referido: estes últimos não se obrigaram a fazer diligências no sentido de aquele poder instalar no locado o referido estabelecimento comercial.

Mas, mesmo que assim fosse (e, repete-se, nada se provou nesse sentido), a verdade nua e crua é que as partes celebraram um verdadeiro contrato de arrendamento comercial que, por falta de forma, é nulo.

A nulidade decretada obriga, por isso, a que o arrendatário, no caso o A., a pagar as rendas durante o período de tempo que esteve na posse da fracção locada: assim decidiram, entre outros, os Acs. da Relação de Lisboa, de 28/11/1996, in B.M.J. 461- 504, de 08/06/89, in C.J., ano XIV, tomo 3, pág.

136, e da Relação de Coimbra, de 16/01/90, in C.J., ano XV, tomo 1, pág. 87.

Desta forma, os RR. têm direito a perceber a totalidade das rendas correspondentes ao tempo em que a fracção locada esteve na posse do A..

O próprio A. acabou por reconhecer que tinha de pagar rendas aos RR.

e tanto assim que chegou a pagar as quantias de 95.370$00 e 260.000$00 precisamente a título de rendas.

Por outro lado, o A. realizou obras no locado que modificaram a estrutura do local, concretamente na casa de banho, a qual foi dividida em três compartimentos e onde foram furadas as paredes.

Com a declaração da nulidade do contrato, compete ao A. a restituição do locado no estado em que lhe foi entregue ou, não sendo possível tal

restituição, terá de indemnizar os RR. pelos prejuízos causados até porque as mesmas deveriam merecer a autorização destes por escrito.

Com efeito, as obras realizadas modificaram a estrutura do local na medida em que colidem com a planificação a que o mesmo obedeceu.

Sem dúvida que o facto de dividir a casa de banho em três compartimentos e furar a parede é de considerar como alteração da estrutura interna do locado.

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Para efectuar tais obras, o A. tinha, de acordo com o previamente estabelecido, conseguir a autorização dos RR..

Não ficou provado que o A. tivesse obtido tal autorização, sendo que a ele competia o ónus de provar tal requisito.

Queremos com isto dizer que os RR. têm também direito a ver a fracção reposta, tal como foi entregue ao A. ou a serem devidamente

indemnizados em valor que não é possível, neste momento, apurar, pelo que terá de ser relegado para execução de sentença o seu apuramento.

Em conformidade com o que fica dito, entendo que assiste inteira razão aos RR., ora apelantes, razão pela qual a sentença deveria, s.m.j., ser revogada e, em consequência, o A. condenado a pagar aos RR. as rendas correspondentes ao tempo de ocupação da fracção, descontadas as supra referidas e, ainda, a pagar-lhes uma indemnização pelos danos causados na casa de banho, a liquidar em execução de sentença, assim julgando

procedente o pedido reconvencional.

(Urbano Dias)

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