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Rev. Estud. Fem. vol.13 número2

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Academic year: 2018

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Estudos Feministas, Florianópolis, 13(2): 256, maio--agosto/2005

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Copyright 2005 by Revista Estudos Feministas

1 COBO BEDIA, Rosa. “Género”. In: AMORÓS, Celia (Org.). 10 palabras clave sobre mujer. Navarra: EVD, 1995.

p. 55.

Dossiê

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GÊNERO E RELIGIÃO

MARIA JOSÉ ROSADO-NUNES

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Os estudos desenvolvidos nos últimos anos pelo grupo de pesquisa Gênero e Religião, na PUC de São Paulo, tornaram mais clara a consciência da necessidade de se interrogar o universo das religiões a partir de uma perspectiva feminista. Trabalhar a relação das mulheres com as religiões e destas com as mulheres é sempre estar sobre um campo minado. Dados estatísticos costumam confirmar a observação do senso comum de que as mulheres investem mais em religião do que os homens. Daí se conclui que elas seriam ‘mais religiosas’ do que eles. Tal visão esconde um enorme equívoco que as atuais formas fundamentalistas das religiões, no Ocidente como no Oriente, vêm desvendar. Na verdade, as religiões são um campo de investimento masculino por excelência. Historicamente, os homens dominam a produção do que é ‘sagrado’ nas diversas sociedades. Discursos e práticas religiosas têm a marca dessa dominação. Normas, regras, doutrinas são definidas por homens em praticamente todas as religiões conhecidas. As mulheres continuam ausentes dos espaços definidores das crenças e das políticas pastorais e organizacionais das instituições religiosas. O investimento da população feminina nas religiões dá-se no campo da prática religiosa, nos rituais, na transmissão, como guardiãs da memória do grupo religioso.

Este dossiê foi pensado e construído tendo-se em mente essa problemática complexa da construção social das religiões, atravessadas pelas relações de gênero, classe e raça. Desde a famosa afirmação de Simone de Beauvoir – “não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres” – muito se progrediu no campo dos estudos feministas e de gênero, tendo-se tendo-sempre em pauta a premissa fundamental de que ‘feminino’ e ‘masculino’ são menos fatos biológicos do que construções sociais e culturais. “O primeiro objetivo dos estudos de gênero é desconstruir o preconceito de que a biologia determina o feminino, enquanto

que a cultura ou a dimensão humana é uma criação masculina.”1 Essas linhas diretivas do

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reproduzem em seu discurso, sob o manto da revelação divina. O lugar das mulheres no discurso e na prática religiosa não foi, e freqüentemente ainda não é, dos mais felizes.

Daí nossas perguntas, cuja atualidade se mantém, diante da investida dos grupos fundamentalistas religiosos: Do ponto de vista das lutas feministas, como devemos compreender a intensa presença feminina nas igrejas, templos e terreiros? O que as mulheres buscam e o que encontram nas diferentes religiões?

Ao adentrarmos uma das muitas igrejas ou templos que se espraiam nesse Brasil de religiosidade plural e forçadamente ecumênico, notamos de imediato a forte presença feminina. As mulheres compõem, de fato, a maioria da população de fiéis. ‘Em nome de Deus’, tornam-se ativistas, freiras, obreiras, pastoras, bispas, mães-de-santo, políticas... Na sombra ou nos palcos e altares, grande parte das fiéis carrega para a igreja o marido, os filhos, a família, o círculo social e profissional onde atuam. Contudo, sua presença continua silenciosa e suas razões não ditas. Por que há tantas mulheres ‘em busca de Deus’? O que as religiões dão às mulheres e o que elas dão às religiões? Como explicar o forte apelo que o âmbito religioso provoca nas mulheres? Sua presença modifica o projeto religioso no qual se inserem? E de que forma isso ocorre?

O presente dossiê se propõe a buscar respostas para essas questões, com a apresentação de resultados de pesquisas que mostram como gênero e religião se entrecruzam, em uma teia complexa de experiências que, se incorporadas à reflexão feminista, podem promover um nova onda de engajamento, rumo ao avanço de uma visão sempre mais corporificada, diria Donna Haraway, do próprio pensamento feminista. Nosso primeiro projeto para este dossiê foi que pudesse refletir a variedade e riqueza do universo religioso brasileiro, incluindo também a reflexão afinada de algumas autoras estrangeiras. Enfrentamos então o desafio de encontrar autoras e pesquisadoras com consciência feminista que estivessem envolvidas pessoal ou academicamente com diversas denominações religiosas. Apesar de os estudos de gênero e religião terem aumentado em número e qualidade, ainda temos menos estudos críticos do que seria desejável. Além disso, nos deparamos com o uso ambíguo do conceito de gênero, às vezes significando relações sociais, às vezes utilizado como sinônimo de sexo. Os textos que compõem o dossiê refletem essa diversidade interpretativa do gênero. Optamos por mantê-lo assim, porque acreditamos que tais divergências são parte integrante da reflexão feminista contemporânea.

Ao mesmo tempo que organizávamos este dossiê, preparávamos também o próximo

número da revista eletrônica REVER, do Programa de Pós-Graduação de Ciências da

Religião da PUC/SP. Dos artigos que recebemos, sete compõem este dossiê; os demais

serão parte da REVER, a ser publicada proximamente.2 O presente dossiê inclui quatro

autoras estrangeiras e três brasileiras, abrangendo seis expressões religiosas: Budismo, Islamismo, Cristianismo antigo, Pentecostalismo, Catolicismo e Candomblé. Uma visão rápida dos textos convidará leitoras e leitores a entrarem nesse universo complexo.

A teóloga italiana Adriana Valerio resgata do silêncio da história algumas das mulheres que, desde o Renascimento, propuseram interpretações radicais e inovadoras de conceitos teológicos e de textos da Escritura, tradicionalmente lidos de forma androcêntrica.

Janine Mossuz-Lavau cruza sexualidade e religião em uma pesquisa com mulheres muçulmanas, migrantes, que vivem na França em situação de precariedade. O artigo confirma a alta correlação já apontada em outros estudos, entre níveis mais altos de escolaridade e tendência à adoção de idéias liberais. No caso da religião muçulmana,

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uma das mais restritivas no que diz respeito às mulheres, a detenção de um forte capital escolar tenderia a afastar as mulheres de uma observância estrita das práticas religiosas e a levá-las, ao mesmo tempo, a abandonar os preceitos em vigor em matéria de sexualidade. Os efeitos contraditórios da adesão religiosa ao Pentecostalismo sobre a vida das fiéis e os limites e possibilidades do processo de reconfiguração das subjetividades femininas e masculinas no interior dessas comunidades religiosas são estudados por Maria das Dores Campos Machado. Já Mónica Tarducci, pesquisadora e ativista feminista, mostra a dramática influência da Igreja Católica na Argentina, analisando sua atuação em dois momentos significativos: os Encontros Nacionais de Mulheres e as discussões em torno da possibilidade de mudanças legislativas em favor dos direitos humanos, em geral, e daqueles das mulheres, em particular.

Em “Transas e transes: sexo e gênero nos cultos afro-brasileiros, um sobrevôo”, Patricia Birman reflete sobre duas dificuldades recorrentes nos estudos sobre os cultos de possessão no Brasil: uma, ‘quase secular’, relativa ao próprio conceito de possessão; e outra, mais recente, mas não menos relevante, que diz respeito aos “embaraços provocados pelos comportamentos ‘pouco convencionais’ relativos ao gênero e à sexualidade dos médiuns”. É a partir daí que a autora problematiza as formas pelas quais questões de gênero são tratadas em alguns trabalhos antropológicos recentes sobre as religiões afro-brasileiras.

Rita M. Gross, pesquisadora e ativista feminista americana, praticante do Budismo Tibetano Vajrayana, afirmando que as práticas e instituições budistas não são neutras quanto ao gênero, defende a importância de se ter no Budismo mestras reconhecidas, professoras de dharma. No Catolicismo, são as sacerdotisas que faltam. Sílvia Fernandes, socióloga brasileira, discute a não-ordenação feminina na Igreja Católica, a partir de uma pesquisa com rapazes e moças ‘vocacionados/as’, isto é, jovens seminaristas e moças que desejam ingressar em conventos. As entrevistas trazem à tona a consciência, ora vaga, ora mais aguçada, das desigualdades de gênero no Catolicismo.

Organizar este dossiê foi uma experiência coletiva, particularmente gratificante e desafiadora. Ao final, esperamos que possa instigar novas interrogações e pesquisas que permitam avanços significativos nos estudos feministas das religiões.

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