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DESAFIOS DO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE EM FACE DO AQUECIMENTO GLOBAL

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(1)

MARTIM DE ALMEIDA SAMPAIO

DESAFIOS DO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL NA

CONTEMPORANEIDADE EM FACE DO AQUECIMENTO GLOBAL

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

PUC/SP SÃO PAULO

(2)

MARTIM DE ALMEIDA SAMPAIO

DESAFIOS DO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL NA

CONTEMPORANEIDADE EM FACE DO AQUECIMENTO GLOBAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Internacionais, sob a orientação do Professor Doutor Cláudio Finkelstein.

PUC/SP SÃO PAULO

(3)

Banca Examinadora

_________________________________________

_________________________________________

(4)

A Heidi, Eduardo e Cecília,

(5)

Agradeço

Ao Departamento de Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela acolhida e pelo pronto atendimento. Ao meu orientador, Prof. Dr. Cláudio Finkelstein, por sua generosidade intelectual e pessoal, que tornou possível a elaboração deste trabalho. Ao amigo Prof. Dr. Mauricio Scheimann, pela eterna amizade e pelos sábios conselhos. Ao amigo Prof. Dr. Jonathan Marcantonio, pela amizade e colaboração. Aos meus pais, Sérgio de Almeida Sampaio e Anna Lygia de Almeida Sampaio, e ao meu irmão,

(6)

Let the great gods That keep this dreadful puder o’er our heads Find out their enemies now. Tremble, thou wretch That hast within thee undivulged crimes Unwhipped of justice. Hide thee, thou bloody hand, Thou perjured, and thou similar virtue That art incestuous. Caitiffs, to pieces shake, That under covert and convenient seeming Has practiced on man’s life. Close pent-up guilts, Rive your concealing continents, and cry These dreadful summoners grace. I am a man More sinned against than sinning.

(7)

RESUMO

O conceito de soberania, ao longo dos séculos, tem adquirido dimensões diferenciadas. A partir do século XX, adquire um contorno eminentemente jurídico. Após 1945, com o surgimento de novos Estados no plano internacional, bem como o surgimento das denominadas organizações internacionais, o conceito tradicional de soberania foi profundamente alterado. Aliado a este fato, temos um novo fenômeno denominado globalização, que afetou drasticamente as relações humanas, políticas, jurídicas e sociais. O capitalismo experimentou um ciclo de expansão e com ele trouxe, transversalmente, um novo problema a ser enfrentado pela humanidade denominado aquecimento global. O presente trabalho visa analisar as diversas vertentes deste tema para, ao final, apresentar uma conclusão que transcende ao campo jurídico, superando os limites concernentes ao desenvolvimento sustentável, propondo uma abordagem multidisciplinar.

Palavras-chaves

(8)

ABSTRACT

The sovereignty concept, beyond the centuries had acquired different meanings. Since the 20th Century, its concept have changed into a juridical category. After 1945, news States have emerged in the international field, as well the international organizations, and its have caused a profound changing in the sovereignty concept. Added to this fact, a new phenomena, designed by globalization affected dramatically the human, political, juridical and social relationship. The capitalism had experienced a cycle of prosperity, bringing with it a new problem to be faced by the humanity named global warming. The present paper ash to analyze different views to conclude, at last that the solution of this problem is over the juridical boundaries, as well the sustainable development, proposing a new and multidisciplinary view

Key-words

(9)

LISTA DE SIGLAS

ADPIC – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPs ou Acordo ADPIC)

AELC – Associação Européia de Livre Comércio AGCS – Accord Général sur le Commerce des Services AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica ALADI – Associação Latino-Americana de Integração ALALC – Associação Latino-Americana de Livre Comércio ALCA – Acordo de Livre Comércio das Américas

BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento BM – Banco Mundial

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica CCI – Câmara de Comércio Internacional

CCMA – Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente

CCRVMA – Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica

CDS – Comitê de Desenvolvimento Sustentável CE – Comunidade Européia

CECA – Comunidade Européia do Carvão e do Aço CIA – Central Intelligence of America

CIMT – Convenção Internacional sobre Madeiras Tropicais CIPF – Acordo Internacional para a Proteção dos Vegetais

CITES – Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens em Perigo de Extinção

CMNUCC – Convenção sobre Mudanças Climáticas

CNUMAD – Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento DSB – Dispute Settlement Body

ECOSOC – United Nations Economic and Social Council EMIT – Environmental Measures and International Trade EUA – Estados Unidos da América

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FMI – Fundo Monetário Internacional

GATT – General Agreement on Tariffs and Trade

ICCAT – Convenção Internacional para Conservação do Atum no Atlântico ICSID – International Centre for Settlement of Investment Disputes

IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change IPGRI – Instituto Internacional de Recursos Fotogenéticos IUPN – International Union for the Protection of Nature IVA – Imposto sobre Valor Agregado

MAI – Acordo Multilateral sobre Investimentos MERCOSUL – Mercado Comum do Cone Sul MIGA – Multilateral Investment Guarantee Agency MIT – Massachusetts Institute of Technology

NAAEC – North American Agreement on Environmental Cooperation NAFTA – North America Free Trade Agreement

NATO – North-Atlantic Treatment Organization

OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico OIC – Organização Internacional do Comércio

OIMT – Organização Internacional de Madeiras Tropicais OMC – Organização Mundial do Comércio

OMI – Organização Marítima Internacional

OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectual OMS – Organização Mundial da Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas

ONUDI – Organização das Nações Unidas para Desenvolvimento Industrial OPA – Órgão Permanente de Apelação

OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo OSC – Órgão de Solução de Controvérsias

OSCE – Organization for Security and Co-operation in Europe PED – Países em Desenvolvimento

PIC – Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e Agrotóxicas Perigosas

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(11)

SEAFDEC – Southeast Asian Fisheries Development Center SELA – Sistema Econômico Latino-Americano

SGT – Subgrupo de Trabalho (Mercosul) TEC – Tarifa Externa Comum

TRIMs – Agreement on Trade-Related Investment Measures

TRIPs – Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights UE – União Européia

UN – United Nations

UNCCUR – United Nation’s Conference on Conservation and Use of Resources UNCED – United Nations Conference on Environment and Development UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development

UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization WHO – World Health Organization

(12)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...15

1 GLOBALIZAÇÃO – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES...17

1.1 Doutrina sobre a Globalização ...19

1.2 Estado-Nação...22

1.2.1 Paz de Westphalia ...23

1.2.2 A era das revoluções ...24

1.2.3 Da nova demanda legal ...26

1.3 Globalização e Direito...27

1.3.1 Empresas transnacionais e a soberania dos Estados ...29

1.4 A Era dos Blocos Econômicos ...30

1.5 Difusão do Fenômeno...34

1.6 Benefícios ...35

1.7 O outro lado...36

2 A FORMAÇÃO DO SISTEMA MULTILATERAL...40

2.1. Antecedentes Históricos ...42

2.1.1 O wilsonismo ...42

2.2 A Formação do Sistema Multilateral...46

2.2.1 Bretton Woods ...47

2.2.2 Fundo Monetário Internacional...49

2.2.3 Banco Mundial e OIC ...49

2.2.3.1 GATT 1947...50

2.3 Rumo à Organização Mundial do Comércio ...52

2.3.1 A Rodada do Uruguai e a formação da OMC ...54

2.3.1.1 A constituição da OMC ...57

2.3.1.2 O legado do GATT na OMC ...57

2.3.1.2.1 Nação mais favorecida – NMF (art. I) ...57

2.3.1.2.2 Listas de concessões (art. II) ...58

2.3.1.2.3 Tratamento nacional – igual tratamento para nacionais e estrangeiros (art. III)...58

2.3.1.2.4 Transparência (art. X)...58

2.3.1.2.5 Eliminação de restrições quantitativas (art. XI) ...59

2.4 Liberalização Comercial Gradual mediante Negociações...59

2.5 Natureza Jurídica ...59

2.6 Acordo Constitutivo e Demais Documentos ...61

2.7 Órgãos da OMC...62

2.7.1 Conferência Ministerial (Ministerial Conference)...62

2.7.2 Conselho Geral...62

2.7.3 Órgão de Solução de Controvérsias – OSC (Dispute Settlement Body – DSB)....63

2.7.4 Órgão Permanente de Apelação – OPA (Standing Appellate Body)...64

(13)

2.8 Outros Atores de Relevância no Comércio Mundial...67

2.8.1 União Européia...67

2.8.2 Mercosul...70

2.8.3 Rumo à integração...72

2.8.4 Nafta...77

3 MEIO AMBIENTE COMO DISCIPLINA JURÍDICA...81

3.1 Considerações Introdutórias ...81

3.2 Da Revolução Industrial a 1945 ...82

3.3 De 1945 a Estocolmo...87

3.4 De Estocolmo a Rio-92 ...89

3.4.1 Catástrofes ambientais ...95

3.4.2 Convenção da Biodiversidade...98

3.4.3 Agenda 21 ...99

3.4.4 O Protocolo de Kyoto...101

3.5 Fontes do Direito Ambiental Internacional ...103

3.5.1 Jus Scriptum...105

3.5.2 Costume internacional...105

3.5.3 Princípios gerais do Direito Ambiental Internacional...106

3.5.4 Doutrina internacional...108

3.6 Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas e Relatório Stern ...109

3.6.1 Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas ...109

3.6.2 Relatório Stern ...111

3.7 Outras Considerações ...111

4 AQUECIMENTO GLOBAL – HIER ÇA IRA MIEUX...113

4.1 Breve Digressão...113

4.2 Direito ao Desenvolvimento como Direito Humano Fundamental ...116

4.2.1 Direitos humanos de primeira e segunda dimensão...116

4.2.1.1 Uma visão particularizada do direito fundamental ao desenvolvimento econômico e social – direitos humanos de terceira dimensão. ...119

4.2.1.2 Dos direitos humanos de quarta dimensão ...121

4.3 A Constituição Federal de 1988 e a Proteção ao Meio Ambiente...122

4.4 A Nova Visão dos Direitos Humanos...126

4.5 Desenvolvimento, Recursos Naturais e Soberania...127

4.5.1 Princípio jurídico do desenvolvimento sustentável...127

4.5.2 Princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais ...130

4.5.2.1 Um necessário parêntese...133

4.6 Difusão Jurídica Internacional...135

4.7 Matriz das Medidas Comerciais Contidas nos Determinados Acordos Multilaterais sobre o Meio Ambiente ...135

4.7.1 Acordo Internacional para a Proteção dos Vegetais (CIPF) ...136

4.7.2 Convenção Internacional para Conservação do Atum no Atlântico (ICCAT) ...136

4.7.3 Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens em Perigo de Extinção (Convenção Cites) ...136

(14)

4.7.5 Convenção de Viena sobre a Camada de Ozônio e Protocolo de Montreal (PM)

sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio ...137

4.7.6 Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e Seu Depositário ...137

4.7.7 Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) ...138

4.7.8 Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança da Convenção sobre Diversidade Biológica...138

4.7.9 Convenção sobre Mudanças Climáticas (CMNUCC)...138

4.7.10 Protocolo de Kyoto ...139

4.7.11 Convenção Internacional sobre Madeiras Tropicais (CIMT) ...139

4.7.12 Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e Agrotóxicos Perigosos (PIC)...139

4.7.13 Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs)...139

4.7.14 A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar...141

4.8 Observações Ultimadas ...141

5 CONCLUSÃO...143

(15)

INTRODUÇÃO

O tema proposto visa uma análise da interação das questões do comércio internacional e do meio ambiente. Como é sabido, após a Revolução Industrial houve uma aceleração dos processos industriais e econômicos, ocorrendo uma interferência, em ampla escala, do homem no meio ambiente. Esse procedimento foi acelerado com a expansão do comércio internacional, notadamente após o período que se convencionou designar globalização.

Este tema, durante os séculos XVIII, XIX e parte do século XX, foi relegado, olvidando-se a humanidade dos efeitos danosos que a utilização incorreta dos recursos naturais poderia gerar.

A partir da Conferência do Clima em Estocolmo em 1972, o meio ambiente torna-se uma disciplina jurídica – embora possua caráter multidisciplinar – e vários são os acordos que vêm a ser firmados a seguir. Outro importante marco da historiografia ambiental diz respeito à ECO/92, conferência na qual houve diversas decisões e declarações de princípios, entre os quais das mais importantes foram a opção pelo desenvolvimento sustentável e a Agenda 21. Não menos importante, e como conseqüência desses eventos, foi a celebração do Protocolo de Kyoto, que estabeleceu metas para a redução da emissão de carbono na atmosfera.

Incidentalmente, a partir da Conferência de Nairóbi e da Carta de Paris, a comunidade mundial foi alertada pelo chamado aquecimento global. É, pois, a interconexão desses diversos elementos que nos propomos a examinar, verificando algumas hipóteses que, ao termo desta dissertação, serão sopesadas.

O presente trabalho analisa o Direito ao Desenvolvimento1 em suas dimensões

social, ambiental e institucional, e o que a terminologia jurídica correta denomina de

1 “DECLARAÇÃO SOBRE O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO (1986) – Art. 1 – 1. O direito ao

(16)

desenvolvimento sustentável visando garantir um mínimo de integridade e perspectivas às presentes e futuras gerações.

A hipótese central da tese consiste em analisar se o processo de globalização e sua mais recente problematização – o aquecimento global – têm o potencial de afetar os paradigmas jurídicos do Direito Internacional enquanto ciência autônoma, tal qual a importância outorgada ao conceito de soberania, o Direito aplicável às relações públicas e privadas, o equilíbrio entre o binômio desenvolvimento e preservação, entre outras implicações, para concluir ao seu final que, ou a ciência avança e supera de forma científica esse desafio, dispondo de alternativas que compatibilizem o desenvolvimento com a sustentabilidade, ou a humanidade será obrigada a modificar o seu modus vivendus, produzindo transformações radicais nas ciências, principalmente no campo do Direito.

(17)

1

GLOBALIZAÇÃO2 – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Com a crise do petróleo ocorrida a partir de 1973, originada pelo conflito bélico árabe-israelense, e artificialmente inflada pelo lobby da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), o modelo econômico de desenvolvimento começou a ser revisto.

Talvez, pela primeira vez no século XX a carência de recursos energéticos deixa de ser objeto de mera especulação acadêmica para se tornar, de fato, um desafio à continuidade da expansão econômica industrial e da sobrevivência das espécies em seu habitat. Os reflexos se espargem no vasto domínio da atividade da humanidade, que, debruçada no dilema da escassez versus desenvolvimento, procura uma resposta para uma conjuntura sem paralelo nos anais da história.

Kissinger3 narra os episódios ocorridos então:

“No limiar de 1972, a Texas Railroad Commission, organização que estabelecia os tetos da produção americana, viu-se obrigada a tomar fatídica decisão, embora, na ocasião, passasse despercebida. Como a demanda tinha chegado a um ponto que podia provocar uma explosão dos preços, a comissão autorizou a produção plena. E esta decisão, aparentemente técnica, sinalizou o fim da possibilidade de só EUA estabelecer o preço mundial. (...) Desta forma, o estabelecimento do preço mudou-se da Texas Railroad Commission para o local de reunião da OPEP – Organização dos Países Produtores de Petróleo. (...) O que fez o preço do petróleo subir não foi nem o embargo nem os cortes na produção. Foi puro e simples pânico.”4

Em conseqüência do panorama político-econômico,5 começa a se processar uma transformação tecnológica sem precedentes nas esferas política, social, industrial e cultural.

2 De forma pontual e para iniciar as discussões deste capítulo, uma boa definição sobre o tema pode ser

encontrada em Relatório da CIA: como será o mundo em 2020. Tradução de Cláudio Blanc e Marly Netto Peres. São Paulo: Ediouro, 2006. p. 102, quando estabelece como globalização a “crescente inter-relação refletida nos fluxos de informação, tecnologia, capital, bens, serviços e pessoas em todo o Mundo (...)”. 3 KISSINGER, Henry. Memórias. Tradução de Joubert de Oliveira Brízida. Rio de Janeiro: UniverCidade,

2001. 3 v., p. 686-687.

4 A Texas Railroad Commission aqui referida era a agência à época competente para estabelecer os tetos de produção do petróleo norte-americano.

5 O cenário internacional da década de 1970 foi dominado pela Guerra do Vietnã, que durou de 1958 a 1975. O

(18)

norte-Os ciclos econômicos, representados por uma concepção de administração verticalizada e concentradora, foram sendo alternados por modelos horizontais, com o claro propósito de redução dos custos de produção e maximização dos resultados. Daí resultam abordagens inovadoras no campo da ciência da administração, como a terceirização e a reestruturação dos negócios.

Esse ciclo acentua a necessidade de reorganizar os processos econômicos, o que se denominou reengenharia de processos, bem como a aplicação de elevada dose de tecnologia via informatização, por meio da redução de custos, da eliminação de etapas, especializando-se os processos, criando-se novos parâmetros e valores culturais e dispersando-se os meios de produção.

Nesse panorama, o Comércio Mundial experimentou um ciclo de expansão. É de rigor registrar que, com a alta do petróleo, houve um crescimento da oferta de dólares

(petrodólares), o que propiciou um incremento da corrente comercial, via exportação/importação.

A ocorrência desses fatores em conjunto deu início para o que a vulgata,6-7 atualmente, denomina globalização, embora ela possua designações plurívocas. As principais características da globalização são: a homogeneização dos centros urbanos; a expansão das corporações para regiões fora de seus núcleos geopolíticos criando novos vetores, ou seja, a formação das TNS;8 a revolução tecnológica nas comunicações e na eletrônica, com a convergências de mídias; a reorganização geopolítica do mundo em blocos comerciais regionais (não mais ideológicos como ao tempo da Guerra Fria); e a hibridização entre culturas populares locais e uma cultura de massa9supostamente universal, entre outros traços distintivos.

vietnamita aos seus navios USS Maddox e USS C. Turney Joy enquanto patrulhavam o golfo de Tonquim, em julho de 1964.

6 “… espalhado, propagado, que é de domínio público, prostituído, divulgado, publicado”. Conforme

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2884, verbete vulgata.

7 “A despeito das diversidades civilizatórias, culturais, religiosas, lingüísticas, históricas, filosóficas,

científicas, artísticas e outras, o inglês tem sido adotado como a vulgata da civilização.” IANNI, Octavio.

Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 22. 8 TNS – empresas transnacionais.

(19)

Importante e atualizada indagação nos lança Gasset, a teor de quase um século já ter transcorrido desde então:

“Em tais casos teríamos que dirigir nossa pergunta ‘Quem Manda no Mundo?’ a cada grupo de convivência. Mas desde o século XVI toda a humanidade entrou num gigantesco processo de unificação, que em nossos dias chegou a seu ponto insuperável. Já não há pedaço da humanidade que viva a parte – não há ilhas de humanidade. Portanto, desde aquele século pode-se dizer que quem manda no mundo exerce, de fato, sua influência autoritária sobre ele todo. Foi esse o papel do grupo homogêneo formado pelos povos europeus durante três séculos. A Europa mandava, e sob sua unidade de mando o mundo vivia com estilo unitário, ou pelo menos progressivamente unificado. Esse estilo de vida costuma denominar-se ‘Idade Moderna’, nome nebuloso e inexpressivo sob o qual se esconde esta realidade: época de hegemonia européia.”10

1.1 DOUTRINAS SOBRE A GLOBALIZAÇÃO

Ante o colocado, nota-se que o fenômeno trazido à tona com o nome de globalização denota características distintas, que oscilam conforme o enfoque e a preocupação com o seu teor. Dessa forma, sua conceituação e seus efeitos variam de autor para autor.

Neste sentido, um dos pareceres de relevo no cenário contemporâneo é o de Ianni,11 ao observar:

“A globalização tende a desenraizar as coisas, as gentes e as idéias. Sem prejuízo de suas origens, marcas de nascimento, determinações primordiais adquirem algo de descolado, genérico, indiferente. Tudo tende a desenraizar-se: mercadorias, mercado, moeda, capital, empresa, agência, gerência, know how, projeto, publicidade, tecnologia (...). Aos poucos, predomina o espaço global em tempo principalmente presente (...).”12

De outro prisma, o cientista político Huntington,13 considerado um apologético do

neocon14 norte-americano, entende a globalização como processo de expansão da cultura

10 Ibid., p. 162.

11 IANNI, Octavio. Desafios da globalização. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 45. 12 Esta é uma visão marcadamente antropológica do fenômeno.

13 HUNTINGTON, Samuel. El choque de civilizaciones y la reconfiguración del orden mundial. Tradução de José Pedro Tosaus Abadia. Barcelona: Paidós, 2005. p. 40.

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ocidental e do sistema capitalista sobre os demais modos de vida e de produção do mundo, o que conduziria inevitavelmente a um “choque de civilizações”. Dessa forma, ele assevera que:

“Contribuições de culturas imigrantes modificaram e enriqueceram a cultura anglo-protestante dos primeiros colonizadores. No entanto, pontos essenciais dessa cultura fundadora continuaram sendo como fundamento da identidade americana, pelo menos até as últimas décadas do século XX. Será que os Estados Unidos seriam o país que foram e que, em grande parte, são até hoje se tivessem sido colonizados, nos sécs. XVII e XVIII, não por protestantes ingleses, mas por católicos franceses, espanhóis ou portugueses? A resposta é não. Não seriam os Estados Unidos; seriam Quebec, o México ou o Brasil (...). A identidade nacional dos Estados Unidos, como a de outro Estado-nação, se vê desafiada pelas forças da globalização.”15

Afirma também que16 “A globalização é um fenômeno capitalista e complexo que começou na época dos descobrimentos e que se desenvolveu a partir da Revolução Industrial”. Ainda para o autor, o conteúdo desse fenômeno passou despercebido e, segundo ele, hoje alguns economistas analisam a globalização como resultado do pós-Segunda Guerra Mundial, ou como resultado da Revolução Tecnológica.

Ash,17 sobre essa questão, observou:

“Com o desaparecimento do Leste comunista e o fim da Guerra fria, o Ocidente vagarosamente descendeu em uma crise. Há vozes de discordância desde 1990, como uma tempestade, bem como uma especulação sem fim sobre uma nova ordem mundial. No início do Século XXI a tempestade acabou. Quando um grupo de terroristas islâmicos pilotou dois aviões nas torres gêmeas do World Trade Center em Nova York, pareceu que a mais influente predição do Pós Guerra Fria estava se tornando verdade. Aqui estava Huntington e o seu ‘choque de civilizações’. Que se denominava de Islã.”18

Em outra direção, o pensador italiano Negri19 defende que a nova realidade sociopolítica do mundo é definida por uma forma de organização diferente da hierarquia vertical ou das estruturas de poder “arborizadas” (ou seja, partindo de um tronco único para diversas ramificações ou galhos cada vez menores). Para Negri, essa nova dominação é

15 Essa concepção de cunho nitidamente cultural vem a justificar as seguidas intervenções bélicas

norte-americanas pelo mundo. 16 Ibid., p. 40.

17 ASH, Timothy Garton. Free word: why a crisis of the west reveals the opportunity of our time. London: Pingüim Book, 2004. p. 8.

18 “With the disappearance of the communist East at the end of the Cold War, this West slowly descended into

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assimétrica, e as relações de poder se dão mais por via cultural e econômica do que pelo uso coercitivo de força.

Vale registrar a importante observação de Villae Tostes de que,

“Desde a publicação da Paz Perpétua de Kant, em 1796, um tema recorrente tem sido o da democratização do sistema internacional. Mas o que isso significa realmente? É possível deduzir o funcionamento do sistema de Estados de princípios e práticas próprias das democracias nos Estados nacionais? Face ao fenômeno da globalização, colocam-se outras questões: qual é o locus territorial apropriado para a idéia de democracia como prática transnacional? Nos últimos 20 anos houve uma forte retomada dos enfoques que discutem as relações entre democracia e sistema internacional. Em uma primeira linha de argumentações podemos destacar os neo-idealistas, que têm retomado as teses da paz democrática em bases históricas contemporâneas – Michael Doyle (2000) tem-se transformado numa referência importante nessa linha de pesquisa. Uma segunda proposição, que oscila entre uma visão normativa e o comprometimento com um projeto de hegemonia global estadunidense, tem declarado o fim das ideologias, tendo a globalização da idéia democrática como ponto final das doutrinas políticas (Fukuyama, 1989). Finalmente, uma terceira linha de argumentações tem enfatizado as bases transnacionais da democracia nos efeitos da globalização e na institucionalização de um sistema democrático global de governança. Dahl (1994), Held (1998) e Falk (1995), entre outros, podem ser relacionados como autores que têm discutido esses três temas. E é nesse terceiro grupo que focamos a análise neste artigo. O objetivo é mostrar e tensionar os desconfortos, hipóteses fortes e teses otimistas e/ou pessimistas que perpassam os vínculos entre o modelo westphaliano internacional de soberania, a democratização do sistema internacional e a sociedade civil internacional.”20

A despeito das várias visões que se possa ter do mesmo fenômeno que varre o globo nas últimas décadas, uma nova formação econômica surgiu no panorama mundial e, como via de conseqüência, estruturas jurídicas foram elaboradas para dar conteúdo e forma a essa nova dinâmica internacional e criar uma moldura jurídica para essa fenomenologia, trazendo para a agenda mundial novos tópicos, que certamente ganharam ênfase, como direitos humanos, meio ambiente, competitividade internacional e principalmente soberania.

20 VILLA, Rafael Duarte; TOSTES, Ana Paula Baltasar. Cosmopolitan democracy versus international politics.

Lua Nova. [online]. 2006, n. 66 [cited 2007-04-26], p. 69-107. Disponível em:

(22)

1.2 ESTADO-NAÇÃO

A globalização se choca frontalmente com as idéias de soberania advogadas por Jean Bodin,21 como bem observa Martins Filho22 ao dizer que Bodin intenta uma postura política intermediária entre o realismo de Maquiavel23 e o idealismo de Hobbes,24 mantendo, no entanto, uma política desvinculada da ética.

Maquiavel, em sua obra Discursos sobre a primeira década de Tito Livio, demonstra claramente sua visão realista, embasada em um pragmatismo na política, apartando-se de uma visão idealista, consoante se denota do seguinte transcrito:

“A pátria deve ser defendida com ignomínia ou com glória, e de qualquer modo está bem defendida.

E, assim, foi seguido o seu conselho. E tal coisa é digna de nota e observância por qualquer cidadão a quem cumpra aconselhar sua pátria: porque, quando se delibera sobre a salvação da pátria, não se deve fazer consideração alguma sobre o que é justo ou injusto, piedoso ou cruel, louvável ou ignominioso; ao contrário, desprezando-se qualquer outra consideração, deve-se adotar plenamente a medida que lhe salve a vida e mantenha a liberdade. E isso é imitado, com ditos e feitos, pelos franceses, para defenderem a majestade de seu rei e o poder de seu reino; porque nada ouviram com mais impaciência do que palavras que disserem: ‘Esta decisão é ignominiosa para o rei’; pois dizem que seu rei não pode envergonhar-se de nenhuma deliberação sua, seja-lhe boa ou adversa a fortuna, pois dizem que, perdendo ou vencendo, tudo é obra de rei.”25

Em sua obra Six livres de la république (Os seis livros da república), publicada em 1576, quatro anos após a Noite de São Bartolomeu, em que milhares de huguenotes26 parisienses foram massacrados, Bodin elabora uma doutrina na qual há a supremacia do rei, determinando que a soberania é um poder perpétuo, ilimitado, absoluto, dentro dos limites estabelecidos por essas leis. Como observado, a visão de Bodin é sobretudo uma visão política de Estado, conforme a seguir:

21 Monge Carmelita que viveu de 1529-1596, e concebe a idéia de um Estado onde a soberania se exerce pelo

fato de ditar leis sem o consentimento do súdito.

22 MARTINS FILHO, Ives Gandra. Manual esquemático de filosofia. São Paulo: LTr, 2004. p. 131.

23 Niccolò di Bernardo dei Machiavelli foi uma das figuras mais proeminentes do Renascimento italiano. Sua

principal obra política é O príncipe.

24 Thomas Hobbes, político e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651) e Do cidadão (1651).

25 MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Livio. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 442 e segs.

26 Nos séculos XVI e XVII, os protestantes da França eram chamados huguenotes. A maioria dos huguenotes

(23)

“Respondi que nunca ocorrera tal fato, e que não ocorreria, nem mesmo poderia se imaginar que as marcas da soberania são sem submissão, pois aquele que terá o poder de fazer a lei a tudo, a qualquer um, sem que se possa apelar, nem mesmo se opor a seus mandos, ele proibirá a todos, respeitará de fazer a paz ou a guerra, ou bens, ou fé ou honras sem sua permissão, e a esse a quem ele lhe deverá obediência e mesmo o povo deverá obedecer a somente ele e mais ninguém, o quanto será necessário por ele lutar, até que a soberania permaneça apenas com apenas um príncipe ou com uma pequena parte do povo.”27

Bodin não pode ser classificado como um teórico da dimensão do contratualismo,28 como é o caso de Rousseau, porquanto, em sua concepção, o soberano exerce o poder ditando leis sem o consentimento dos súditos. Essa concepção baseia-se no

summa potestas,29 na ordem interna, e o poder independente na esfera externa. Tais idéias começam a ganhar forma a partir do século seguinte.

Compete confrontar o pensamento de Bodin com o de More,30 que adota um pensamento idealista, escrevendo a obra clássica Utopia, na qual idealiza uma ilha onde não haveria propriedade privada, governo, riquezas, e haveria igualdade entre todos e liberdade religiosa, por exemplo.

1.2.1 Paz de Westphalia

No século posterior teremos a chamada Paz de Westphalia, que findou a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), fruto de conflitos religiosos e políticos tendo, de um lado, o Imperador Frederico III Habsburgo do Sacro Império Romano-Germânico, e de outro, as cidades-Estado comerciais do norte da Alemanha, que eram autônomas.

27 “J’ai répondu qu'il ne s’en est jamais trouvé, et qu'il nesepeut faire, ni même imaginer attendu que les

marques de souveraineté sant inclivisible; car celui qui aura puissance de faire la loi à tout, n’importe qui, sans qu'on en puisse appeler, ni même s’opposer à ses mandements, il defendre aux autres de faire ni paix ni guerre, ni leventailles, ni rendre la foi et nommage sansson congé; et celui à qui sera due la foi et hommage lige obligera la noblesse et le peuple de ne prêten obéissance a autre qu'a lui, tellement qu'il faudra toujours veniz aux armes, jusqu’à ce que la souveraineté reste juste avec un prince ou à la moindre partie du peuple” (tradução livre). BODIN, Jean. Collection le Jardin du Luxembourg. Librairie de Medicis, 1949.

28 Para maiores esclarecimentos, veja: ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato social. São Paulo: Abril, 1973. 29 O poder supremo.

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A Paz de Westphalia31 reconheceu uma sociedade de Estados fundada nos princípios da soberania territorial, da não-intervenção em assuntos internos dos demais, e da independência dos Estados, detentores de direitos jurídicos equivalentes na esfera internacional a serem observados e respeitados pelos demais membros. Todas as formas de governo passam a ser legítimas e se estabelece o princípio de tolerância e da liberdade religiosa.

A Paz de Westphalia, assim, consubstancia o chamado Estado-nação, princípio que norteou nos séculos seguintes as relações interestatais.

Estabelece-se o trinômio “Soberania/Povo/Território” como definidor da expressão Estado, com as conhecidas conseqüências no altiplano jurídico.

1.2.2 A era das revoluções

Em 1689,32 na Inglaterra, após conflitos entre as classes dominantes representadas pela monarquia,33 é outorgada a Bill of Rights, que, entre outras providências, determina a garantia à liberdade, à vida e à propriedade privada,34 assegurando poderes à burguesia. No século seguinte, surge o Iluminismo,35 e teremos dois importantes eventos históricos.

De início, a Revolução Americana, surgida da excessiva cobrança de tributos por parte da Coroa inglesa,36 resultou na independência das 13 colônias norte-americanas37 e na elaboração da Declaração de Independência dos Estados Unidos.38-39

31 A Paz de Westphalia refere-se aos Tratados de Münster e de Osnabrück assinados em outubro e maio 1648

que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos. Posteriormente temos assinatura dos Tratados dos Pirineus em 1659, dando início ao que os historiadores denominaram “era moderna”.

32 Carta Constitucional assinado por Guilherme de Orange que pôs fim à Revolução Gloriosa em 1689. 33 Guilherme de Orange versus os lordes ingleses.

34 Entre outras determinações, que é ilegal toda a cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do

Parlamento, sob o pretexto de prerrogativa, ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio (tradução livre).

35 Período histórico demarcado pelo ressurgimento das idéias e do antropocentrismo. 36 A Revolução Americana de 1776 tem origem na Guerra dos Sete Anos.

37 As 13 colônias são Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, New Hampshire, Nova Jersey, Nova York,

Pensilvânia, Delaware, Virgínia, Maryland, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia.

38 A Constituição em 1787, vigente até hoje, institui o federalismo, a soberania da nação e a divisão tripartida

dos poderes.

39 “Quando, no Curso dos acontecimentos humanos, torna-se necessário a um povo dissolver os laços políticos

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Em 1789, teremos a Revolução Francesa,40 que derruba a monarquia e, em seu lugar, proclama a República. Sob o impacto das idéias iluministas, Montesquieu formula sua célebre teoria da separação dos poderes, ou tripartição dos poderes de Estado, desenvolvida no livro O espírito das leis.41

As idéias de Montesquieu remontam a cem anos anteriores, principalmente às teses desenvolvidas por John Locke,42 que construiu um pensamento jurídico baseado na noção de governo com o consentimento dos governados diante da autoridade constituída,43 e tendo como base a proteção da propriedade privada. Em seus dizeres:

“(...) o objetivo capital e principal da união dos homens em comunidades sociais e de sua submissão a governos é a preservação de sua propriedade. O estado de Natureza é carente de muitas condições.

Em primeiro lugar, ele carece de uma lei estabelecida, fixada, conhecida, aceita e reconhecida pelo consentimento geral, para ser o padrão do certo e do errado (...). Em segundo lugar, falta no estado de natureza um juiz conhecido e imparcial, com autoridade para dirimir todas as diferenças segundo a lei estabelecida (...).

Em terceiro lugar, no estado de natureza, freqüentemente falta poder para apoiar e manter a sentença quando ela é justa, assim como para impor sua devida execução (...).”44

A noção de tripartição dos poderes, ou, ainda, horizontalização dos poderes, uma vez que há uma relação horizontal de equivalência entre eles, perdura até o presente momento nas diversas Cartas Republicanas. Evidentemente, não podemos ignorar que o constitucionalismo moderno se adaptou às circunstâncias históricas, mas é certo que até o início do ciclo da globalização, que didaticamente apontamos para o despertar dos anos de 1970,45 tem criticamente mudado essa circunstância de Estado-nação e, por conseguinte, todo o seu aparato político institucional.

as Leis da natureza e de Deus, o correto respeito às opiniões dos homens exige que se declarem as causas que o levam a essa separação...” – preâmbulo da Declaração de Independência dos Estados Unidos. DRIVWER, Stephanie Schwartz. A Declaração de Independência dos Estados Unidos. Tradução de Mariluce Pessoa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 53.

40 Revolução Francesa é o nome dado aos acontecimentos de 1789, culminando com a queda do Ancien Régime e da autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana (1776).

41 MONTESQUIEU, Charles Luis de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

42 John Locke – Wringtown, 29 de agosto de 1632-Harlow, 28 de outubro de 1704 – foi um filósofo do

Iluminismo.

43 Teoria contratualista.

44 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 156-157, ou no original, na língua inglesa: Second treatise of government. C. B. Macpherson: Cambridge, 1690 (1. ed.).

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1.2.3 Da nova demanda legal

A idéia de Estado-nação, que integrou a formação de Estados independentes a partir do século XII na Europa, criou fortes vínculos no mundo jurídico, daí derivando um conceito de soberania segundo o qual ela seria o poder absoluto e permanente de um Estado, e oriundo do Direito Natural.

Essa concepção respondeu à demanda de uma doutrina por um longo período, sendo discutida e desenvolvida por outros juristas e filósofos, determinando que os elementos essenciais da soberania fossem “governos próprios”, “independência” e “território”.

É importante traçar um parêntese nessa narrativa, posto que não se pode deixar de citar a teoria da competência, sistematizada no início do século XX, segundo a qual a competência é aquela existente para determinar a competência sobre as demais competências em um determinado território, transmudando, assim, de político em jurídico o conceito de soberania.

Posteriormente, esse tema é abordado por Arendt em sua opus magnificus A origem do totalitarismo;46 embora a partir de um outro viés, a autora dedica um capítulo inteiro à crise do Estado-nação.

A este turno, citamos Castro, que preleciona:

“A chamada teoria da competência foi organizada em artigo publicado em 1906, a respeito de território, pelo jurista austríaco Ernest Radnizky, que realçou a competência para determinar a competência, ou competência sobre as competências (Kompetenz-Kompetenz, conforme a técnica Alemã); e este é o poder (competência) de definir todos os outros poderes (competências) e o conceito jurídico de soberania.”47

Podemos observar a interferência de um país na soberania do outro de diversas formas. No plano legislativo, a edição de atos legais que restrinjam ou regulamentem a prática de determinados atos além dos limites territoriais, como o caso, v.g., dos atos de concentração

46 ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. p. 300. Capítulo “O declínio do estado-nação e o fim dos direitos do homem”.

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disciplinados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)48 no Brasil; ou, por exemplo, leis de natureza fiscal que disciplinam os ganhos de empresas em operações em outras soberanias. Os exemplos são muitos, mas certo é que há uma interferência49 de um Estado sobre o outro, afastando a noção tradicional de soberania.

Novamente, vale registrar a observação de Villa e Tostes:

“Desde o fim do século XX, em especial, foram-se desenvolvendo, alternando e acumulando vários tipos novos de atores, forças de influência e de coerção no convívio internacional, tais como: forças religiosas, o mercado mundial, o capital internacional, as atividades industriais territorialmente dispersas, as organizações internacionais, os blocos econômicos, ONGs, enfim, instituições internacionais em geral que, muitas vezes, estabelecem limitações adicionais às opções práticas disponíveis à soberania dos Estados (Joseph & Falk, 1992, p. 252-253). Charles Tilly (1996, p. 48) inclui nesses casos, destacando certa continuidade histórica, a existência de organizações ou redes mundiais de negociantes de mercadorias caras e ilegais, como drogas e armas – forças marginais de influência que variam com a história, mas que, de fato, sempre existiram. O que disto se conclui, em primeiro lugar, é que os Estados dificilmente poderiam ser os únicos atores a ditar regras de convívio ou princípios valorativos na sociedade internacional, mas o sistema contemporâneo ainda está baseado em formalismos institucionais e jurídicos que deixam um espaço intocável para o poder dos Estados soberanos.”50

1.3 GLOBALIZAÇÃO E DIREITO

É evidente que a principiologia em que se assenta a normatividade internacional alterou seus fundamentos básicos, pois conceitos construídos cientificamente, tal qual a

soberania, passam a definir uma ordem jurídica, senão abstrata, ultrapassada.

Novas formações geopolíticas surgiram na sociedade internacional. A convergência dos temas recorrentes no Direito Internacional moderno obriga a uma investigação aprofundada para as indagações que diuturnamente vêm surgindo no cenário atual.

A renúncia deliberada de antigos cânones do Direito se apresenta como norma cogente, compreensível somente em razão da nova estrutura do comércio mundial, cujo

48 Para maiores informações sobre o tema, consulte: FRANCESCHINI, Jose Inácio Gonzaga. Direito da

concorrência – case law. São Paulo: Singular, 2000.

49 A interferência a que aqui se refere é de caráter abrangente, compreendendo a política, diplomática, cultural,

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resultado a obter deve-se mais a uma necessidade concreta do que à mera formulação acadêmica.

A corrente comercial nos últimos anos tem crescido de forma contínua, impulsionando os países da periferia para o centro do capitalismo, provocando um grau de exposição e abertura econômica cada vez mais acentuado.

Economias tradicionalmente avessas a um grau de exposição maior51 buscaram uma interatividade, criando um regramento jurídico, de modo a atrair capitais econômicos aproveitando o ciclo de prosperidade que a economia mundial vem apresentando.

O desafio da contemporaneidade reside na fragilidade do modelo estatal concebido e desenvolvido a partir do século XIV, com a Revolução do Porto, conforme relata Faoro:

“Na segunda metade do século XIV, uma velha camada, a aristocracia territorial, subitamente fortalecida, procurava afirmar, com exclusividade, seu domínio político. De outro lado, a categoria mais rica, a burguesia comercial, longamente associada à Coroa, sabia que sua hora havia soado, a hora de juntar a riqueza ao Poder Político. O dilaceramento das duas facções, ao ameaçar a própria existência da nação, provocou uma guerra externa, expressão tenaz, porfiada e autêntica luta intestina. Perece uma dinastia, a dinastia Afonsina, filha da infância do reino; em seu lugar, ergue-se a gloriosa dinastia de Avis (1385-1580) plataforma social e política da conquista do mundo desconhecido pelas audaciosas naus de Vasco da Gama.”52

O Estado patrimonialista e seu patriciado já não conseguem ou não podem mais dar curso a soluções para temas essenciais que envolvem a cidadania com o Estado, e este consigo próprio. Entre tais temas, vislumbra-se a erradicação da pobreza; a comoção social originada na desigualdade; a ausência de uma agenda a contemplar os direitos humanos de primeira e segunda dimensão, ou seja, aqueles que possuem um caráter tutelar de direitos e garantias de distintos proporções e âmbitos de alcance (direitos individuais, sociais, civis e políticos); avanço do crime organizado ocupando os vazios deixados pelo Poder Público; inexistência de uma política educacional de inclusão social de modo a garantir a sobrevivência digna da pessoa humana.

51 O Chile, país tradicionalmente conservador, ao final dos anos 1980 rumou para a abertura de sua economia,

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Em face da crescente internacionalização da economia, países se organizaram em blocos econômicos,53 arranjos regionais, de modo a expandir suas economias, inserindo-as em um novo contexto global. Esse fenômeno produzido na órbita das economias tem obrigado à construção de um pensamento jurídico tributário da aplicação dos princípios gerais do Direito, por suprir as lacunas do ordenamento jurídico, havendo de ser regido pela racionalidade que se aproxime dos postulados da legalidade, transmudando sua face originariamente autoritária (conforme indica Hobbes em Leviatã), em respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão.

Os antigos institutos do Direito consolidado ao longo dos tempos vão-se transformando com o avanço da modernidade. A supremacia do momento contemporâneo da humanidade exige uma meditação, posto que o homem encontra-se deslocado, parecendo acometido do que os alemães designam “Weltschemerz”,54 quanto às inúmeras e variadas funções do Estado.

As veementes e rápidas mudanças sociais, econômicas, religiosas, políticas, educacionais e tecnológicas que o mundo experimenta influem diretamente na estrutura das atividades estatais.

1.3.1 Empresas transnacionais e a soberania dos Estados

Observe-se ainda que as denominadas empresas transnacionais têm contribuído decisivamente para afetar a noção de soberania dos países. Com um produto interno bruto muitas vezes superior ao país em que se encontram instaladas, com poderes em escala global, essas empresas têm desestabilizado seriamente o equilíbrio político de diversas nações.

A formação de empresas transnacionais é um fenômeno típico da globalização, e tende a concentrar empresas sob um mesmo guarda-chuva, criando conglomerados econômicos que exercem forte pressão sobre os governos e os consumidores.

52 FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Rio de Janeiro: Globo, 2001. p. 45.

53 Os mais conhecidos arranjos econômicos são Nafta, Alca, Mercosul, União Européia, Pacto Andino,

Caricom, SADC, ASEAN, CEI, EFTA e Aladi.

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Esse tema encontra-se bem analisado por Cretella, que, em sua conclusão, aduz:

“As razões pelas quais o Direito Internacional não aceita pleno enquadramento da empresa transnacional em seu campo de estudos não são de imediata identificação, dado que provêm de variados fatores. O motivo comumente encontrado na literatura é o de que os Estados temem ceder parte de sua soberania, enquanto as multinacionais desconfiam das intenções do Estado em controlá-las e tributá-las excessivamente, o que geraria uma espécie de tensão entre as duas entidades.”55

1.4 A ERA DOS BLOCOS ECONÔMICOS

A livre circulação de fatores produtivos, bens, serviços e pessoas enunciada no preâmbulo do Tratado de Constituição da União Européia56 e do Mercosul,57 inclusive, atingiu uma dimensão sem paralelo na história humana, difundindo a idéia de globalização por todos os vetores sociais. A globalização provou não ser um fator estático. Ela possui ritmo próprio crescendo e renovando a cada dia, trazendo, de um lado, soluções ao cotidiano humano por meio da aplicação de fatores tecnológicos, gerando riquezas, ampliando o comércio, reconfigurando padrões internacionais, tornando acessíveis as benesses do progresso às amplas camadas da população.

A formação da União Européia, bloco multinacional e multicultural cuja origem remonta aos tratados firmados na década de 1950,58 tem-se constituído em um desafio para a compreensão exata de sua dimensão jurídica. Não se pode tratar a formação da União Européia como perda de soberania por parte dos países que a integram. Modernamente, a abordagem dessa disciplina é encarada de maneira diferente.

Abordando o tema, Soares preleciona:

“Como se sabe, as Comunidades Européias eram três, a CECA (Comunidade Européia do Carvão e do Aço), a CEE (Comunidade Econômica Européia) e a

55 CRETELLA NETO, José. Empresa transnacional e direito internacional: exame do tema à luz da globalização. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 294.

56 Vide Tratado de Maastricht de 1992, que veio a formar a União Européia. 57 Vide Tratado de Assunção.

58 Vide comentários sobre Ceca, CEE e Euroton em CASELLA, Paulo Borba. Comunidade Européia e seu

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CEEA ou EUROTON (Comunidade Européia da Energia Atômica), instituídas por tratados internacionais distintos. Aos poucos tiveram seus órgãos superiores unificados, e passaram, oficialmente, a denominar-se Comunidades Européias, no plural; com o Ato Único Europeu de 29/06/1987, foram rebatizadas de Comunidade Européia, no singular, conservando, cada qual, suas competências ‘ratione materiae’ originais.”59

Dialeticamente, são levados em conta aspectos qualitativos e quantitativos da soberania, como disserta Bercovici:

“Hoje em dia, com o fenômeno da integração européia, o enfoque da doutrina sobre a soberania a considera sob dois aspectos diferentes. Um é o aspecto qualitativo, isto é, a soberania como essência da afirmação do poder supremo estatal. Outro é o quantitativo, ou seja, a soberania como soma de poderes soberanos, como somatório de todos os aspectos em que traduz o poder supremo e independente.”60

Além desse arranjo pseudofederativo, há a formação de acordos regionais, como é o caso do Nafta,61 Mercosul, Alca62 e tantas outras iniciativas visando à criação de mecanismos de trocas econômicas via desagravação comercial, queda de barreiras, unificação de moedas, criação de exações tributárias de caráter transnacional, como é o caso do IVA63 europeu, a Tarifa Externa Comum do Mercosul,64 entre tantas outras providências.

Abordando esse tema, Casella observa:

“O novo contexto internacional vem sendo definido por A. KING como ‘mundo problemático’. A problematicidade do contexto justamente resulta da influência recíproca de diversos fatores, que caracterizam conjunto de variáveis interdependentes, para as quais a solução isolada torna-se inviável.”65

A própria exigência da ciência jurídica em vista do relacionamento da superestrutura estatal com seus administrados haverá de prestigiar o axioma da legalidade, cláusula inserta nos Textos Constitucionais, que, em se tratando de regra de Direito, somente a lei poderá obrigar ao cumprimento de determinada obrigação a um ente jurídico. Porém,

59 SOARES, Guido Fernando Silva. Órgãos dos estados nas relações internacionais. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 163, nota de rodapé.

60 BERCOVICI, Gilberto. Soberania. In: DIMOULIS, Dimitri (Coord.). Dicionário brasileiro de direito

constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 365.

61 Acordo de livre comércio firmado entre Estados Unidos, México e Canadá.

62 Alca – Tratado de comércio proposto pelos Estados Unidos visando a constituição de uma zona de livre

comércio nas Américas.

63 Imposto indireto criado na União Européia que tributa a circulação de mercadorias, serviços, de caráter

pan-europeu, utilizando uma sistemática de débitos e créditos recíprocos.

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essa máxima vernacular encontra-se ameaçada pela transição entre o antigo e o novo regime internacional.

Mas, ao se comentar o mundo novo que se descortina, necessário observar que outros atores globais passaram a se movimentar na arena internacional.

Talvez, o fato político de maior relevância ocorrido no fim do século XX tenha sido a desmontagem do socialismo real, pondo cobro à Guerra Fria.66

Dos detritos havidos pela queda do Muro de Berlim67, surgiram novas jurisdições que gozam de plena autonomia jurídica, vindo posteriormente a integrar a onda de expansão econômica denominada globalização.68

A própria Rússia – antiga União Soviética – hoje é tida como um país emergente, à guisa de possuir vastos recursos naturais, uma população altamente letrada, colocando-se como um dos candidatos a disputar a liderança do comércio mundial.

Os antigos países satélites, singelamente designados pelo eufemismo Comunidade Socialista Internacional formada ao fim da Segunda Guerra Mundial, a par de alguns passarem por processos de guerra civil, herança do stalinismo69 (vide Chechênia),70 também buscam desfrutar das benesses originadas dessa nova megatendência, filiando-se alguns à OTAN.71 A antiga economia centralizada foi rechaçada, e deu vez ao mercado.

A este turno, não se poderá dar as costas à grande expansão econômica ocorrida na Ásia. Países como Vietnã, Índia, Coréia, para não citar o lugar-comum China, têm crescido a taxas recordes nos últimos decênios.

66 A Guerra Fria é uma típica figura de retórica que se inicia com o fim da Segunda Guerra Mundial e termina

com o fim da União Soviética em 1991.

67 O Muro de Berlim caiu em 9 de novembro de 1989.

68 Dos países integrantes do Leste Europeu, 12 vieram a tomar parte da União Européia. 69 Sobre o tema recomendamos a leitura de As origens do totalitarismo, de Hannah Arendt.

70 Região integrante da Federação Russa, de raízes muçulmanas, que busca por meio da guerra a declaração de

independência da Rússia. Milhões de chechenos foram removidos durante o stalinismo.

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Além disso, o Think Tank norte-americano projeta para os próximos 20 anos a China como liderança econômica mundial, conforme é admitido no último relatório público da Central de Inteligência Americana (CIA).72

72 Organização de inteligência norte-americana que visa a coleta de informações, contra-informações, ações

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1.5 DIFUSÃO DO FENÔMENO

Tais significações ganham novos contornos e definições quando da alteração dos quadros econômicos e seus respectivos amoldamentos estruturais. O fenômeno não é um pleno desconhecido da globalização, e Drucker, com a argúcia que lhe é peculiar, assinala que:

“No passado, sempre que uma nova grande potência econômica surgia, nova forma de integração econômica logo se seguia (por exemplo, a empresa multinacional que foi inventada em meados do século dezenove – desafiando tudo aquilo que Adam Smith e David Ricardo haviam ensinado – quando Estados Unidos e Alemanha emergiram como grandes potências econômicas). Lá por 1913, as multinacionais já controlavam uma porcentagem da produção industrial mundial igual ou maior que aquela atualmente controlada.”73

Todavia, Cretella74 discorda dessa abordagem afirmando que a primeira empresa transnacional do mundo foi a Companhia das Índias, fundada na Holanda, e que deu origem às modernas sociedades anônimas, afirmando que, “como parte da expansão ultramarina da Holanda, da Grã-Bretanha e da Franca a partir do início do séc. XVII, os europeus do norte começaram a estabelecer colônias nas Américas e a se relacionar comercialmente com o oriente”.

Mas nunca como agora tal processo ocorreu em um ritmo de difusão tamanho, levando até os mais cépticos a concluírem pela sua inevitabilidade. Porquanto, fatores econômicos, políticos, tecnológicos e jurídicos apontam na direção da permanência e estruturação dessa força ubíqua, podendo, talvez, ser revertida apenas em decorrência de uma depressão econômica, catástrofes naturais, ou mesmo de um conflito bélico.

A interdependência econômica dos mercados de bens, serviços e investimentos, e as novas técnicas de produção e tecnologia trouxeram a aceleração dos fluxos do comércio e de investimento.

A melhoria da infra-estrutura e das comunicações acabou marcando o desenvolvimento do comércio internacional. Por outro lado, foram criados mecanismos de

73 DRUCKER, Peter F. Administrando o futuro. Tradução de Nivaldo Montingelli Júnior. São Paulo: Pioneira, 1995. p. 1.

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integração macroeconômicos que possibilitaram maior abertura das economias para o exterior, por meio de foros internacionais especializados, como querem ser as novas organizações internacionais, ou seja, a formação de acordos preferenciais de comércio acelerando a transformação da economia e do Direito.

1.6 BENEFÍCIOS

É notório que a globalização traz riquezas aos países que ativamente dela tenham participado.

As regiões do globo75 que, por qualquer razão, não tenham participado da globalização têm sofrido um atraso crônico, gerando uma economia débil, sem condições de participar das riquezas ou sequer redistribuí-las aos seus cidadãos.

Assim, a globalização tem trazido um ciclo de prosperidade inédito na história humana. As riquezas têm-se acumulado, as economias têm crescido, e o comércio mundial, a despeito das turbulências que vem enfrentando, tem, em termos macroeconômicos, expandido sua base de ação.

Para o Direito, novas oportunidades e desafios se apresentam. A criação de uma nova ordem econômica, baseada no internacionalismo, está a demandar a construção de mecanismos legais que permitam conferir uma segurança jurídica aos negócios e ao desenvolvimento econômico, representando um amplo campo de investigação científica para os estudiosos do Direito.

Cada vez mais, desenvolve-se a investigação científica do Direito. Legislações e doutrinas têm espargidos seus efeitos em sistemas tão diversos entre si, como é o caso do ramo do Direito Romano Germânico e o Common Law.76 Apesar de os matizes serem diversos, esses ramos do Direito têm-se aproximado de modo a conferir segurança jurídica nas transações comerciais.

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Por derradeiro, transcreve-se a observação de Rezek:

“As profecias são perigosas. Quanto a mim, não entrarei nesse terreno. Limitar-me-ei a tentar responder à pergunta final: qual é a situação do Direito Internacional hoje? Pode-se falar de progresso em direito no alvorecer do século XXI? Não pode haver qualquer dúvida quanto a isso. A vida é possível graças a essa infinidade de regras que são diariamente aplicadas sobre a terra, no mar, no espaço atmosférico e no espaço extra-atmosférico. A despeito dos caprichos do direito, seu progresso revelou-se enfim irresistível e deve ser consignado. Vivemos em uma época de enorme desenvolvimento do Direito Internacional. Isso é um truísmo. Atualmente, é impossível viajar para qualquer lugar ou deslocar-se por muito tempo no espaço sem encontrar alguma norma de Direito Internacional. Nós a encontramos a cada encruzilhada. Pretender que o direito em geral e o Direito Internacional em particular esperem ainda seu Newton, Leibniz ou Pasteur é levantar um falso problema. Tal afirmação faz, muitas vezes, parte de um entusiasmo, como nas ciências naturais, por aquilo que é realmente ‘ius ex factis oritur’.”77

Em apertada síntese, são esses os benefícios e desafios da globalização.

1.7 O OUTRO LADO

Porém, não olvidemos que a globalização traz malefícios. Populações inteiras têm sido marginalizadas, levando cada vez mais a um movimento migratório da periferia para o centro do capitalismo, como é o caso das populações miseráveis78 que buscam nova vida na Europa.

Ou mesmo o caso da América Latina, cujos refugiados econômicos migram em direção aos Estados Unidos da América.79 O problema populacional torna-se uma verdadeira crise humanitária, vez que as ciências médicas têm prolongado a vida dos seres humanos, quebrando um sistema social, previdenciário e securitário planejado com uma determinada expectativa de vida, a qual se vem alongando.

76 Common Law é um sistema legal oriundo do Reino Unido, utilizado ali e na maioria dos países que foram colônias ou territórios britânicos, como é o caso dos Estados Unidos. Sua característica principal é a valorização dos Leading Cases.

77 REZEK, João Francisco. O direito internacional no alvorecer do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 36. 78 Em geral, esse movimento migratório tem ocorrido por parte de populações africanas.

79 Esse tema tem-se tornado um grande contencioso entre os Estados Unidos e o México em razão da imigração

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Malthus80 elaborou estudos sobre a população, contidos em dois livros, conhecidos como Primeiro e Segundo Ensaio. Tanto o primeiro – que apresenta uma crítica ao utopismo – quanto o segundo ensaio têm como princípio fundamental a hipótese de que as populações humanas crescem em progressão geométrica e os alimentos, em progressão aritmética.

Segundo ele, esse crescimento populacional é limitado pelo aumento da mortalidade e por todas as restrições ao nascimento, decorrentes da miséria e do vício. A economia clássica já se preocupava com o desenvolvimento e a sobrevivência do ser humano sobre a face da Terra.

Assim, qualquer melhoria no padrão de vida da grande massa é temporária, pois ela ocasiona um inevitável aumento da população, o que acaba impedindo qualquer possibilidade de melhoria duradoura.

Gellner81 afirma que, “Previamente, a Humanidade agrária vivia num mundo Malthusiano no qual a escassez de recursos em geral condenava o homem a apertadas formas sociais autoritárias, à dominação por tiranos, primos ou ambos.

A teoria malthusiana, bem como outras teorias da economia clássica, foi paulatinamente negada, mas o que permeia o pensamento pós-Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra a partir do século XVIII, é que a sobrevivência da espécie humana estaria vinculada ao meio ambiente e sua harmonização para com ele.

A grave crise alimentar por que passam determinadas regiões do globo, fruto não da escassez, mas, sim, da má distribuição e concentração de renda, gera conflitos militares, como é o caso de Dafur no Sudão.82

A engenharia genética, cujo resultado é uma produção alimentar de melhor qualidade a preços mais acessíveis, não tem chegado próximo às populações que mais necessitam, embora cause entre ambientalistas profícua discussão.

80 Thomas Robert Malthus foi um economista e ensaísta britânico que apresentou uma crítica ao utopismo. 81 GELLNER, Ernest. Pós-modernismo: razão e religião. São Paulo: Instituto Piaget, 1995. p. 35.

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Aqueles denominados de desempregados estruturais, ou, como preferem os anglofônicos, “jobless recovery”, jamais conhecerão o emprego formal, caindo na marginalidade e na assistência social, quando não for o caso de serem abrigados pelo crime organizado, que rapidamente se globalizou, expandindo suas teias para o interior da sociedade. Portanto, não mais se discute como acabar com o narcotráfico, e sim como conviver com ele.

Nesta esteira, a questão dos direitos humanos não pode ser olvidada. Assim, Bobbio observa:

“A princípio, a enorme importância do tema dos direitos do homem depende do fato de ele estar extremamente ligado aos dois problemas fundamentais de nosso tempo, a democracia e a paz. O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem são a base das constituições democráticas dos direitos do homem em cada estado e no Sistema Internacional.”83

Também neste esteio, verificamos em Piovesan a seguinte assertiva:

“Desse modo, ao lado da preocupação de evitar a guerra e manter a paz e a segurança internacional, a agenda internacional passa a conjugar novas e emergentes preocupações relacionadas à promoção dos direitos humanos. A coexistência pacífica entre os estados, combinada com a busca inédita de formas de cooperação econômica e social e de promoção universal dos direitos humanos, caracteriza a nova configuração da agenda da comunidade internacional.”84

De onde se pode concluir que se encontra na agenda mundial, a despeito de todo o movimento econômico e das transações comerciais, e dos fluxos financeiros, o respeito aos direitos humanos, em relação aos quais, segundo a expertise no tema, já nos encontramos em sua quarta dimensão.

Crítico acerbo e contundente do liberalismo econômico, o economista norte-americano Joseph Stiglitz85 tem criticado de forma contundente o que denomina de “bases ideológicas” que regem as decisões econômicas mundiais. Para Stiglitz, o Fundo Monetário Internacional (FMI) leva os países subdesenvolvidos, com a liberalização de seus mercados domésticos, à competição externa antes que possuam marcos regulatórios institucionais que

83 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Campus, 2004. p. 223. 84 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 126. 85 Stiglitz é considerado um economista neokeynesiano, tem-se dedicado a analisar o desenvolvimento

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protejam as instituições, e em última instância, os seus cidadãos. O economista tem enfatizado a necessidade de se ir além do chamado Consenso de Washington. Sobre a relação entre o Brasil e o Fundo Monetário Internacional, asseverou:

“As respostas do mercado aos grandes aumentos nas taxas de juros que se seguiram à desvalorização do Brasil em janeiro de 1999 ilustram as correntes contrastantes. O FMI pressionou o Brasil a aumentar as taxas de juros, afirmando que isso restauraria a confiança. (Sua análise da psicologia do mercado não pareceu ser muito mais profunda do que isso.) Muitos analistas, principalmente no Ocidente, reagiram de maneira bastante contrária: o impacto imediato das taxas de juros mais altas foi elevar o tamanho do déficit do governo, que havia se tornado emblemático da natureza dos problemas do país. As altas taxas de juros, na perspectiva deles, enfraqueceram a confiança. Por outro lado, muitos investidores no Brasil preocupavam-se particularmente com a possibilidade de que a desvalorização pudesse desencadear uma espiral inflacionária, e viram a alta taxa de juros como um sinal de que isso não aconteceria. Para eles, a taxa de juros elevada ajudou a melhorar a confiança. Alguns economistas no Banco Mundial insistem para que o Brasil adotasse uma estratégia alternativa: uma política monetária com metas de inflação. Dado o baixo nível de inflação e o alto desemprego, isso teria permitido a adoção de uma taxa de juros mais baixa – tranqüilizando aqueles que se assustavam com o tamanho do déficit –, ao mesmo tempo em que encorajaria os que se preocupavam com a inflação. Esta foi a política que o Brasil acabou por adotar.”86

Outro subproduto da globalização, não o pior deles, mas uma ameaça à segurança e à prosperidade (vez que a globalização simbolizaria o poder do capitalismo), gerado por setores sociais excluídos do processo, são os denominados conflitos de tensões, trazendo para a luta política a via do terrorismo internacional,87 que tem ceifado vidas e ameaçado a estabilidade política de governos constituídos.

A simples possibilidade técnica da elaboração de um artefato nuclear por países proscritos da sociedade internacional ou mesmo o acesso de grupos fanáticos a esses artefatos têm representado um enorme gasto com segurança, que certamente poderia ser revertido para o bem-estar das populações que se encontram marginalizadas.

O terrorismo tem sido uma ameaça constante no mundo atual, e a conseqüência prática, além da perda de vidas humanas inocentes, é a elevação dos custos com transporte, segurança, logística, inteligência, entre outros.

86 STIGLITZ, Joseph. Rumo a um novo paradigma em economia monetária. São Paulo: Francis, 2004. p. 263. 87 Terrorismo é uma concepção de luta política que consiste no uso de violência indiscriminada por indivíduos,

Referências

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