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Novos rumos da semiótica francesa

Fernando Moreno da Silva Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”-FCLAr-FAPESP

Resumo: O artigo tem o objetivo de traçar um percurso epistemológico da teoria semiótica francesa, estabelecida inicialmente por Greimas (1976). Assim, comparando o quadro teórico atual com o modelo clássico, pretende-se mostrar os avanços dessa disciplina, passando pela teoria da narratividade, pela incorporação dos estudos enunciativos, pela teoria das paixões e pela tensividade.

Palavras-chave: linguística, semiótica francesa, percurso teórico.

Résumé: L'article se propose de tracer une trajectoire de épistémologique sémiotique française, initialement établi par Greimas (1976). Ainsi, en comparant le contexte actuel théorique avec le modèle classique, est destiné à montrer les progrès de cette discipline, en passant par la théorie du récit, en intégrant les études énonciatives, la théorie des passions et la sémiotique tensive.

Mots-Clés: linguistique, sémiotique française, trajectoire théorique.

Introdução

Quando se usa o termo “semiótica”, é preciso especificar com que teoria se pretende trabalhar. Há três grandes correntes teóricas em semiótica: (i) semiótica de origem americana, criada por Charles Sanders Peirce (1839-1914); (ii) semiótica de origem francesa, iniciada por Algirdas Julien Greimas (1917-1992); e (iii) semiótica da cultura, que se desenvolveu a partir de um grupo conhecido como Escola de Tartu-Moscou, cujo principal nome é Iuri Lótman (1922-1993). Este artigo vai discutir a semiótica francesa.

A semiótica francesa

A semiótica francesa ou da Escola de Paris, criada para ser uma teoria da significação, é um modelo de descrição do sentido, ou seja, uma metalinguagem. “A semiótica deveria ocupar, em relação às ciências humanas, o lugar que a língua, segundo Hjelmslev, ocupa frente aos demais sistemas semióticos, e que decorre de sua capacidade de assegurar a traduzibilidade entre outros sistemas.” (FONTANILLE & ZILBERBERG, 2001, p. 55).

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Além de se dedicar ao estudo do conteúdo, a semiótica francesa destaca a arquitetura dele, ou seja, como o texto se organiza para expressar o conteúdo. Assim, o percurso gerativo1 serve para explicar a construção do sentido: como a significação vai se construindo no interior do texto.

Sendo um ramo das ciências da linguagem que se ocupa dos conjuntos significantes, seu objeto de análise será sempre um signo, tomado no sentido amplo do termo (texto verbal, não verbal e sincrético), enfim, tudo que carreia um sentido.

A semiótica greimasiana nasceu na década nos anos de 1960, no auge do estruturalismo. Os grandes precursores dessa ciência são o suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) e o dinamarquês Louis Trolle Hjelmslev (1899-1965). O método de Saussure (1969) funcionou como uma ciência piloto entre as ciências humanas, oferecendo um modelo de cientificidade. E a teoria da linguagem proposta por Hjelmslev (1975) é uma continuação dos ensinamentos do mestre genebrino. “A práxis descritiva proposta por Semântica Estrutural e pelo Dicionário de semiótica permite aplicar o aparato teórico dos Prolegômenos à análise dos textos que Hjelmslev recomendava.” (FONTANILLE & ZILBERBERG, 2001, p. 63)

Surgida nesse cenário, não poderia fugir do caráter estrutural, evidente sobretudo quando se aborda, no nível fundamental do percurso gerativo, as estruturas elementares. O título de seu discurso fundador, Semântica estrutural, publicada em 1966, por Algirdas Julien Greimas, é mais uma indicação dessa influência. Sua ligação com o estruturalismo francês e sua insistência em um imanentismo ortodoxo, conferiu-lhe inicialmente um caráter formal, anti-historicista e “idealista”.

1 O percurso gerativo de sentido apresenta três níveis de leitura: fundamental, narrativo e discurso. O primeiro deles, o fundamental, baseia-se na projeção da categoria tímico-fórica /euforia/ e /disforia/. Nesta fase, osvalores ainda são virtuais, não estando relacionados a um sujeito. Transferindo-se ao nível imediatamente superior — o percurso vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto —, a categoria tímico-fórica converte-se em categoria modal, modificando a relação do sujeito com seu objeto. Neste plano narrativo, os valores são atualizados e investidos no objeto, relacionando-se, por disjunção ou conjunção, com o sujeito. Daí, portanto, a denominação objeto-valor (Ov): é o ser querido, é aquilo que se busca e se quer alcançar ao final das transformações de estado de uma narrativa. Cada um dos níveis de leitura é composto de seus respectivos elementos: a) no fundamental, há termos-objetos, formando uma estrutura elementar; b) no narrativo, actantes (destinador-manipulador, sujeito, destinador-julgador, oponete, adjuvante e objeto); c) no discursivo:

enunciador/enunciatário pertencentes à enunciação pressuposta e narrador/narratário pertencentes à enunciação enunciada ou ao enunciado propriamente dito. Os actantes são concretizados no texto pelo atores, que são as personagens.

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Incorporação dos estudos enunciativos

Mas uma importante renovação na teoria semiótica ocorreu com a incorporação nos anos de 1970 dos estudos da enunciação, que contribuiu, por assim dizer, para a passagem de um modelo puramente imanestista a uma abordagem extralinguística dos objetos analisados.

Com uma perspectiva estrutural para descrever o sistema da língua, a semiótica privilegiava o enunciado e recusada a subjetividade. Descrevia-se qualquer conjunto significante, independentemente da forma ou da linguagem, com exclusão de qualquer elemento extralinguístico. A herança estrutural era patente.

Seguindo os ensinamentos de Hjelmslev, a semiótica deveria “necessariamente, levando as considerações e mudanças da fala, recusar-se a lhes atribuir um papel preponderante e buscar uma constância que não seja enraizada em uma realidade extralinguística” (HJELMSLEV, 1975, p. 15). Predominava, portanto, o princípio da objetivação, da imanência. Por isso, a enunciação fica nesse primeiro estágio em segundo plano, excluindo o sujeito do discurso de sua reflexão (CORTINA; MARCHEZAN, 2004. p.

410-14)

Quando se percebe, no entanto, que o sentido das palavras só consegue apreender uma parcela do conteúdo, força-se a restabelecer o vínculo entre linguístico e extralinguistico.

Contrapondo-se ao estruturalismo, as teorias enunciativas destacam a fala, veem a linguagem como ação. O conceito de enunciação impulsiona a linguística a ultrapassar os limites da língua.

No auge dos estudos enunciativos, na década de 70, a enunciação trouxe um desconforto à semiótica. Mesmo reconhecendo sua importância, temia-se que ela promovesse a entrada dos fatores externos na descrição do sentido, mexendo com o modelo imanente, embasado no estruturalismo formal. A semiótica não queria se confundir com questões da ontologia, sociologia ou psicologia.

Diante dessa incógnita (incorporar ou não a enunciação), a semiótica valeu-se da seguinte estratégia: considerar a enunciação como uma instância pressuposta ao enunciado.

Nenhum ‘eu’ encontrado no discurso pode, assim, ser identificado como o sujeito da enunciação propriamente dita: ele é apenas um simulacro construído, sujeito de uma enunciação antiga e citada e, como tal, observável em sua incompletude, em seus percursos e suas transformações. (BERTRAND, 2003, p. 93)

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A teoria da subjetividade de Benveniste (1976) foi inovadora e desempenhou importante papel na retomada das questões referentes ao sujeito e à significação, porque possibilitou um deslocamento de sentido na concepção de linguagem, considerando o sujeito como elemento essencial. Com ela, a semiótica incorpora a enunciação, projetando no discurso as marcas de pessoa, tempo e espaço.

A enunciação é compreendida por duas vertentes: comunicação e produção. Na primeira, a enunciação é entendida por meio da relação do fazer-persuasivo de um produtor que visa a agir sobre um receptor, encarregado, por seu turno, do fazer-interpretativo. Essa primeira abordagem da enunciação é típica dos estudos da Retórica. Em relação à produção, enunciação é um ato que põe em funcionamento a língua, produzindo um enunciado. É impossível estudá-la diretamente, porquanto é uma instância linguística pressuposta pelo enunciado. Mas como seu produto, o enunciado pode conter traços que reconstituem o ato enunciativo. Esse mecanismo, que consiste em projetar no discurso as marcas de pessoa, tempo e espaço, é conhecido por debreagem, subdivida em dois tipos.

A primeira é a debreagem enunciativa (FIORIN, 1996), que instala no enunciado as pessoas da enunciação (eu/tu), o espaço da enunciação (aqui) e o tempo da enunciação (agora), produzindo o efeito de sentido da subjetividade. A segunda é a debreagem enunciva, responsável pela instalação das pessoas do enunciado (ele), do espaço do enunciado (lá ou alhures) e do tempo do enunciado (então), criando o efeito de sentido da objetividade.

Abaixo, os integrantes da enunciação, dispostos em níveis (FIORIN, 1996):

1º nível enunciador versus enunciatário

2º nível narrador versus narratário

3º nível interlocutor versus interlocutário

Sabe-se que, em todo processo de comunicação, a um “eu” corresponde sempre um

“tu”. Por isso, diante do enunciador está o enunciatário; do narrador, o narratário; do interlocutor, o interlocutário.

O enunciador é uma imagem construída ao longo do texto, uma idealização do ser que produziu o discurso corrente. Traçando um paralelo com a Retórica clássica, cujo princípio preconiza, num ato de comunicação, o envolvimento de três componentes (orador, auditório e discurso), o enunciador seria, aproximando-o das tradições aristotélicas, o ethos do orador, a voz que ecoa numa construção discursiva.

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Discini (2003) afirma que estilo é o ethos, um modo próprio de dizer a partir da análise de uma totalidade. É no dito que se busca um modo próprio de dizer. “Para descrever um estilo, a análise procurará reconstruir quem diz pelo modo de dizer...” (p. 7). “Assim, entende-se o estilo como um percurso do objeto (o enunciado) ao sujeito (da enunciação)”. (p.

28). Construir um estilo, portanto, é dar corpo a uma totalidade na qual há recorrência de percursos temáticos.

Enquanto o enunciador é a instância pressuposta que produz o enunciado, o narrador, apresentando-se num segundo nível, é o “eu” projetado no interior do texto, fruto da criação do autor implícito. É uma delegação de voz levada a efeito pelo enunciador.

Um último e terceiro nível surge quando o narrador delega voz aos actantes do enunciado. Nesse momento, aquele que fala se transforma no interlocutor. Na terminologia dos estudos literários, é a fala dos personagens. O sinal marcante para essa distinção é o uso do discurso direto. O espaço dado aos personagens é introduzido pelo mecanismo da debreagem interna ou de segundo grau, prestando-se a criar o efeito de sentido de realidade, pois parece que a própria personagem toma a palavra.

Esses seriam, portanto, os níveis enunciativos.

Do descontínuo ao contínuo

Outra importante renovação no percurso da teoria semiótica foi a passagem da semiótica da ação para a semiótica das paixões. “Sob o estímulo de Greimas, a semiótica deu ênfase, sucessivamente, ao fazer, ao crer e ao sentir. Observamos de imediato que o crer foi menos ‘bem servido’ que as duas outras dimensões.” (FONTANILLE & ZILBERBERG, 2001, p. 102)

Nos início, as discussões semióticas se voltavam ao estudo de uma sintaxe narrativa que caracterizavam os elementos comuns presentes nas relações estabelecidas entre seus actantes. Greimas formula a teoria da narratividade inspirado em Propp (1984), que percebe nos contos maravilhosos uma regularidade, com certo número de ações iguais em todos eles.

Das 31 funções (entendidas como as ações das personagens na narrativa), Greimas vai reduzi- las à relação entre sujeito e objeto2.

2 Os objetos são investidos de um valor. Por isso, o sujeito busca, em verdade, não o objeto, mas o valor nele investido. Um jovem que queira comprar um carro deseja não o carro em si (objeto), mas o conforto (valor) que o veículo lhe proporcionará. Dependendo do valor, o objeto pode ser definido como objeto-valor ou objeto-

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Assim a semiótica da ação privilegia o esquema narrativo canônico, que explicita passo a passo o desenvolvimento da relação entre sujeito e objeto nos seus estados juntivos (conjunção e disjunção). “A existência semiótica é dada pela relação do sujeito com um objeto. Em outras palavras, um sujeito só tem existência na medida em que está em relação com um objeto.” (FIORIN, 2000, p. 178). Quando o sujeito está em poder de seu objeto, dizemos que esse sujeito está em conjunção com seu objeto; quando está privado dele, o sujeito está em disjunção. Em grande parte, conjunção é um estado positivo, enquanto disjunção é negativo. Há casos, todavia, em que a conjunção é negativa. O vício de beber é uma conjunção negativa. A disjunção ─ longe da bebida ─ seria positiva.

Com isso, descreviam-se exaustivamente os textos com base no esquema narrativo, com todos os estados e as transformações por que passava uma narrativa, valendo-se do clássico modelo do programa narrativo (PN), unidade mínima da sintaxe narrativa:

Modelo: PN = F[S1 → (S2 ∩ Ov)], F = função

→ = transformação S1 = sujeito do fazer S2 = sujeito de estado

∩ = conjunção U = disjunção Ov = objeto-valor

A semiótica da ação, talvez por ter sido a primeira preocupação na semiótica, apropriando-se da narratividade, foi mais desenvolvida que a semiótica da paixão. Essa primazia, ou talvez essa antecedência, faz com que a semiótica da ação seja sempre uma referência.

modal. Este é o meio que permite chegar ao objeto-valor, da falta à realização; aquele é o fim ao qual almejo. No exemplo dado acima, o dinheiro é objeto-modal, ao passo que o carro é objeto-valor.

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Com os desdobramentos das modalidades da semântica narrativa, do nível intermediário do percurso gerativo (nível narrativo), a semiótica enveredou pelos estudos das paixões (GREIMAS & FONTANILLE, 1993). A modalização do ser dá existência modal ao sujeito de estado, definindo estados passionais, que são efeitos de sentido de bem-estar ou de mal-estar, resultante da relação do sujeito com seu objeto. Esses estados passionais são chamados de “paixão”, que “devem ser entendidas como efeitos de sentido de qualificações modais que modificam o sujeito do estado” (BARROS, 2001, p. 61). A paixão (estado de alma) foca o sujeito de estado, que segue um percurso entendido como uma sucessão de estados passionais.

Qualquer texto pode discursivizar a subjetividade em seu discurso. Com isso, constroem-se o discurso apaixonado (quando há um tom passional, ou seja, a paixão subjaz ao ato enunciativo) e o discurso da paixão (quando essa paixão é citada ou representada).

Discurso apaixonado é depreendido da enunciação; discurso da paixão, do enunciado. “A Semiótica, ao examinar as paixões, não faz um estudo dos caracteres e dos temperamentos.

Ao contrário, considera que os efeitos afetivos ou passionais do discurso resultam da modalização do sujeito de estado.” (FIORIN, 2007, p. 10). A modalização, por meio da combinação de modalidades, permitiu investigar não apenas os atos, mas as transformações dos estados do sujeito ou efeitos de sentido passionais. Assim, paixão é sinônimo de ordenação sintagmática de modalidades:

Vergonha: querer-ser (desejo) + dever-ser (necessidade) + saber-não-ser (falsidade)

“A semiótica levou algum tempo para abordar tais fenômenos, pois era preciso descobrir os meios para tratar todos esses temas como propriedades do discurso, e não como propriedades do ‘espírito’, como temas próprios a uma teoria da significação, e não a um ramo da psicologia cognitiva. Os fenômenos eram reconhecidos, faltava construí-los como objetos de conhecimento do ponto de vista da semiótica do discurso.” (FONTANILLE, 2007, p. 24-25)

O estudo das paixões revelou que há uma etapa anterior ao nível fundamental no percurso gerativo: a percepção (etapa das pré-condições do sentido). É nessa direção – no potencial que a dimensão sensorial representa nos processos de significação – que os estudos semióticos estão avançando cada vez mais.

A semiótica tensiva, dando prosseguimento às discussões levantadas pelo estudo das paixões, representou uma abertura para as questões relacionadas à participação dos elementos

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contínuos na construção do sentido, oferecendo ao quadrado semiótico a incorporação de gradações.

Considerado por algum tempo uma espécie de símbolo da semiótica greimasiana, a primeira explicação sistemática do quadrado semiótico aparece em “Sobre o sentido”

(GREIMAS, 1975), no capítulo “O jogo das restrições semióticas”, de Greimas e Rastier.

“Compreende-se por quadrado semiótico a representação visual da articulação lógica de uma categoria semântica qualquer” (GREIMAS; COURTÉS, 1983, p. 364).

O quadrado trabalha com as estruturas elementares (herança da fonologia) da significação, integrando três tipo de relações ou de estruturas binárias que servem como instrumento de descrição:

a1 a2

não-a2 não-a1

(S1 vs S2 e não-S2 vs não-S1): eixo de contrariedade (S1 vs não-S1 e S2 vs não-S2): eixo de contradição

(não-S2 vs S1 e não-S1 vs e S2): eixo de complementaridade

No quadrado semiótico, há uma semântica binária formada nas relações de contrariedade, contradição e implicação. Mas no nível discursivo, porém, há uma semântica complexa, com muitos valores. Na comparação desses dois níveis, fica fácil entender por que um texto traz possibilidades semânticas gradativas.

Enquanto a abordagem intensiva traz a oposição “quente x frio” (termos opostos em extremidades), o modelo extensivo traz termos gradativos: quente / morno / fresco / frio / glacial. Ou seja, muitas posições intermediárias. Segundo Lopes (2004, p. 37), Edward Sapir escreveu um capítulo sobre semântica dedicado à questão da gradação (do vago), que viria a inspirar Claude Zilberberg na construção da semiótica tensiva.

Assim, subjacentes às operações canônicas do quadrado semiótico (contrariedade, contradição e implicação) estariam os gradientes de intensidade (sensível) e extensidade (inteligível), que expressam propriedades elementares da percepção.

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A articulação entre o sensível (ab) e o inteligível (cd) refere-se à emergência da significação a partir da experiência da percepção. O uso dessas duas “dimensões” ou

“profundidades” (assim chamadas as setas da intensidade e da extensidade) tem sido um dos focos da teoria recentemente, pois representa uma reformulação da semântica fundamental a partir das premissas tensivas.

Com a incursão no universo sensível, promovido pelas ferramentas tensivas, a semiótica acaba retomando nos anos de 1990 os princípios fenomenológicos, especialmente a fenomenologia de Merleau-Ponty (1999, p. 1): “A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo.”.

Merleau-Ponty (1999) explora o campo da percepção e procura pensar o conceito de

“estar no mundo”. Isso envolve a questão da significação, pois as coisas adquirem sentido conforme o ponto de vista adotado em relação a elas. Essa mediação entre sujeito e coisas se dá por meio do corpo (um pré-sujeito, um mediador entre coisas e intelecto).

Já em Semântica estrutural, Greimas (1976, p. 15) considerava “a percepção como o lugar não linguístico onde se situa a apreensão da significação”. Ainda que ele reconheça que a percepção é própria do processo de significação, decide não se ocupar dela naquele momento. Assim, no início a semiótica empreendia uma separação entre interior (linguístico) e exterior (sensível) no processo de significação, dando prioridade ao linguístico (CORTINA;

MARCHEZAN, 2004. p. 418). Mas com o tempo há uma diluição dessa oposição, quando se retomam os princípios fenomenológicos para tratar da questão das paixões. Com essa retomada da fenomenologia, ganha importância o corpo (que percebe e sente) na investigação do sentido.

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O corpo (instância proprioceptiva) passa a ser visto como instância produtora de sentido, pois é o lugar onde se dá a operação de semiose, em que o plano do conteúdo (de origem interoceptiva) é posto em relação com o plano da expressão (de origem exteroceptiva).

Interoceptividade se relaciona com as sensações (corresponde ao mundo interior, cognitivo e emocional do sujeito). Exteroceptividade, às percepções (associadas ao mundo exterior pelos sentidos). Cabe à proprioceptividade fazer a passagem de um ao outro.

Considerações finais

Como se vê, pode-se dividir resumidamente a trajetória da semiótica francesa em duas grandes fases: (i) a primeira é a clássica, descontínua, categorial; (ii) a segunda, tensiva, contínua. Esse rápido comentário sobre algumas das principais reformulações por que passou a teoria semiótica desde sua fundação, nos anos 60, é apenas uma constatação de que “ela descobre novos campos de investigação e desloca progressivamente seus centros de interesse”

(FONTANILLE, 2007, p. 22).

Ainda que a semiótica tenha mantido, ao longo de seu percurso como teoria da significação, “praticamente intacta a sua couraça epistemológica, suas grandes linhas de reflexão (o papel da imanência na análise textual, a narratividade, a reflexão sobre as modalidades, o conceito de “percurso” e de “geração”, etc.)” (PORTELA, 2008, p.17), a morte de Greimas em 1992 permitiu a abertura para novos rumos por parte dos colaboradores do projeto semiótico.

Com isso, vê-se atualmente na semiótica francesa as pesquisas enveredarem sobretudo pela semiótica tensiva (ZILBERBERG, 2006), pela sociossemiótica (LANDOWSKI, 2002, 2004, 2005) e pela semiótica discursivas (FONTANILLE, 2007). Além disso, trabalhos recentes (BARROS, 2009; MATTE; LARA, 2009) se esforçam para derrubar o estigma da semiótica como uma disciplina apenas imanentista, despreocupada com o tratamento da exterioridade. Ao longo dessa exposição, ao discorrer sobre enunciação, paixões e tensividade, ficou patente que a alcunha de anti-historicista já não combina mais com a semiótica, que conta com vários mecanismos (enunciação, teoria dos interpretantes, percurso figurativo, etc.) para abordar as questões sócio-históricas.

Quando Merleau-Ponty (1999, p. 20) diz que “o inacabamento da fenomenologia e o seu andar incoativo não são o signo de um fracasso, eles eram inevitáveis porque a

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fenomenologia tem como tarefa revelar o mistério do mundo e o mistério da razão”, pode-se fazer aqui um paralelo com a semiótica, haja vista o quadro teórico atual, comparado com a semiótica clássica. Assim como a fenomenologia, a semiótica é inacabada, pois também passa constantemente por reformulações, sendo, portanto, uma ciência em construção.

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