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Os olhos de Inês

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Academic year: 2022

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opinião Jerson Kelman

50 Brasil Energia, nº 390, maio 2013

Os olhos de Inês

Os olhos de Inês brilhavam en- quanto ela nos mostrava a escola.

Tudo simples, limpo e arrumado no internato para crianças a partir de cinco anos. As instalações foram construídas por Reginaldo, um fa- zendeiro boa-praça que se sensibi- lizou com o isolamento das crianças que vivem no Pantanal. Durante as chuvas não há estradas, e a jornada entre a casa e a escola pode durar dois dias, de trator. A cada 60 dias as crianças passam uma tempora- da de alguns dias em casa e voltam para a escola. Ao chegarem, os me- nores às vezes choram, mas logo se acomodam ao carinho da Inês, uma paulista que trocou o conforto ur- bano pela satisfação de fazer o cer- to. Com brilho no olhar.

A fazenda, como quase todas as outras do Pantanal, se estende por mi- lhares de hectares. Para visitar o vizi- nho mais próximo, uma caminhada de 20 km. O deslocamento entre a se- de e a subsede, 15 minutos em avião monomotor. Do alto vê-se o gado ocupando esparsamente o território, meia cabeça por hectare. Impossível aumentar essa taxa: a rala vegetação não aguentaria. Em quase todas as fa- zendas, a sede e as moradias próximas são alimentadas por eletricidade pro- duzida por gerador a diesel. A escola da Inês também. Nas moradias distan- tes da sede e nas de pescadores, ao longo dos rios, o silêncio da escuridão.

Inês e Reginaldo pedem auxí- lio à Enersul, cuja área de conces- são inclui o Pantanal, para aumen- tar a carga da escola por conta da instalação de computadores para as crianças e de um consultório dentá- rio. Imediata decisão de ajudar por meio da instalação de kits fotovol- taicos. Terreno é o que não falta!

Sobre a eletrificação do Pan- tanal, formulo duas opiniões. Pri- meiro: o poder público não deveria considerar o fazendeiro economica- mente capaz, que já tem acesso à eletricidade, como se fosse um coi- tadinho que precisa ser tutelado pe- la concessionária. Até porque a ins- talação de um microssistema isola- do de geração e distribuição (MIG- DI) ou de um sistema individual de geração com fonte intermitente (SIGFI), conforme Resolução Aneel 493/2012, limitado a 80 kWh por mês, não faria cócegas no atendi- mento. E isso com custo de instala- ção de, no mínimo, R$ 25 mil!

Segundo: os que ainda vivem na escuridão têm, sim, direito a melho- rar de vida com acesso a um par de lâmpadas e um freezer para armaze- nar o pescado, ou a uma televisão.

Mas não é apropriado responsabi- lizar a distribuidora por isso, como dispõe a Resolução Aneel 488/2012, em audiência pública para revisão.

As resoluções 488 e 493 são avan- ços na regulação da eletrificação de comunidades ou consumidores isola- dos, que não podem ficar sujeitos às mesmas regras dos consumidores co-

nectados à rede. No entanto, é neces- sário simplificar ainda mais e conce- ber outros modelos de negócio. Não é sensato considerar uma residência iso- lada, alcançável apenas por avião ou barco, como unidade consumidora da concessionária, cujo negócio é a cons- trução e operação de redes. Aliás, não creio que a Lei 12.111/2009, que dis- põe sobre sistemas isolados, tenha ti- do a intenção de incluir os “sistemas individuais” nessa categoria.

O Banco Mundial identificou que eletrificações bem-sucedidas de comunidades distantes da rede não são em geral feitas pela concessio- nária, e sim por pequenas empresas ou organizações não governamen- tais1. A chave do sucesso é a exis- tência de “subsídios inteligentes”, em geral canalizados em Parcerias Público-Privadas (PPPs). Para resi- dências isoladas, o caminho mais comum é a disseminação comercial da solução fotovoltaica.

Para a realidade do Pantanal, e talvez da Amazônia, as concessioná- rias deveriam receber subsídios para fomentar a venda de kits fotovoltai- cos, precificados de forma compatí- vel com a capacidade de pagamen- to das famílias isoladas, que se torna- riam microautoprodutores. E o custo do subsídio não deveria recair apenas sobre os consumidores da área de concessão. Mais justo seria alocá-lo à CDE ou diretamente ao Tesouro.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses E-mail: jerson@kelman.com.br

1 Designing Sustainable Off-Grid Rural Electrification Projects: Principles and Practices, 2008.

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