• Nenhum resultado encontrado

As hidrelétricas e o efeito estufa

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "As hidrelétricas e o efeito estufa"

Copied!
3
0
0

Texto

(1)
(2)

Brasil Energia, nº 334, setembro 2008 • 193

Jerson Kelman, Carlos Tucci, Benedito Braga e Luiz Pinguelli Rosa

idéias

A questão das mudanças climáti- cas tem sido motivo de grande preo- cupação por parte de governos, tan- to de países desenvolvidos como de países em desenvolvimento. A partir de resultados do Painel Intergoverna- mental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, sigla em inglês), há um entendimento entre um número im- portante de cientistas de que o dió- xido de carbono e o metano produ- zido por atividades antrópicas são os responsáveis pelo aumento da tempe- ratura global observado nos últimos 100 anos, e a conseqüente mudan- ça do clima planetário. Trata-se de uma visão dominante, mas não unâni- me, porque há ainda alguns cientistas – embora poucos – que atribuem o inquestionável aquecimento a outras causas. A despeito da celeuma, os pa- íses e as empresas têm sido cada vez mais cobrados quanto à emissão de gases que incrementam o efeito es- tufa e contribuem para mudanças cli- máticas, sobretudo o dióxido de car- bono e o metano.

O setor energético e o de transpor- tes são constantemente apontados, em escala mundial, como os principais vi- lões do processo, devido à queima de combustíveis fósseis. No Brasil, como as hidrelétricas são responsáveis por mais de 80% da energia elétrica consumida pelos brasileiros, deveríamos ser feste- jados e reconhecidos pela comunidade internacional como um país que produz eletricidade de forma renovável. Isso

porque a água que funciona como “com- bustível” das turbinas é continuamente reposta pelo ciclo hidrológico, que, por sua vez, depende da energia solar. En- tretanto, essa aparente “inocência” da hidreletricidade está sendo colocada sob suspeição por conta de uma questão ain- da mal conhecida pela Ciência.

Trata-se da emissão de gases de efei- to estufa pelos reservatórios hidrelétri- cos devido à decomposição anaeróbica

do material orgânico, principalmente o depositado no fundo, onde existe pou- co oxigênio. Este é um fenômeno que ocorre de forma natural em áreas alaga- das e pantanosas no mundo todo. Algu-

ma emissão desse gás ocorre por borbu- lhamento, difusão na superfície do lago e descompressão do escoamento depois de passar pelas turbinas. Sobre isso não há dúvida. Todavia, há ainda pouco co- nhecimento sobre quanto gás é emitido, e como essa quantidade diminui com a decomposição do material orgânico re- manescente na área alagada. Em torno dessa questão, eminentemente científi- ca, algumas ONGs ideológicas percebe- ram um flanco desguarnecido para ata- car a alternativa hidrelétrica.

No estágio atual, não há uma re- lação bem-estabelecida e universal- mente aceita entre a taxa de produ- ção e liberação de metano e a taxa de renovação da água, a geometria do reservatório e as características da cobertura vegetal da área alagada.

Na realidade, não há sequer consen- so entre os cientistas com relação à mensuração da emissão e extrapola- ção de dados de um local para outro.

Assim, não surpreende que ainda se- ja difícil separar o que seria a emissão de gases causada pela ação antrópica em questão (construção do reserva- tório) de duas outras fontes de emis- são: (a) a emissão natural existente em área densamente vegetada e pe- riodicamente inundada, como é o ca- so da planície amazônica; (b) a emis- são antrópica causada pelo lançamen- to de esgoto ‘in natura’ por municí- pios lindeiros aos reservatórios.

Nesse contexto, é preciso refor- çar a produção científica já alcançada

As hidrelétricas e o efeito estufa

“No estágio atual, não há uma relação

bem-estabelecida e universalmente aceita entre a taxa de produção

e liberação de metano e a taxa de renovação da água, a geometria

do reservatório e as características da cobertura vegetal da área

alagada”

(3)

194 • Brasil Energia, nº 334, setembro 2008

Jerson Kelman, Carlos Tucci, Benedito Braga e Luiz Pinguelli Rosa

idéias

pelas equipes pioneiras, por exemplo,

da Coppe/UFRJ, por meio de recru- tamento de novos pesquisadores para trabalhar no tema. É claro que, a to- dos se impõe neutralidade com rela- ção a posições preconcebidas, tanto a favor quanto contra as hidrelétricas.

Para isso, a Agência Nacional de Ener- gia Elétrica (Aneel) incluiu “a emis- são de metano” entre os tópicos prio- ritários para a alocação dos recursos que as concessionárias são legalmente obrigadas a destinar às atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D). A Aneel divulgará em breve as diretrizes para a realização de projetos coope- rativos de P&D entre as empresas do setor elétrico, buscando a sinergia e a coordenação de esforços.

Em paralelo, já se nota uma mo- bilização de outras instituições pa- ra aprofundar o conhecimento cien- tífico sobre a emissão de metano dos reservatórios. A International Hydropower Association (IHA) e o Programa Hidrológico Internacional da Unesco (PHI), por exemplo, pro- moveram um workshop internacio- nal em Foz de Iguaçu com pesquisa- dores de todo o mundo e represen- tantes de empresas de energia e se- tores econômicos para debater o te-

ma. Ao final, foi produzido um do- cumento de orientação (http://rha- ma.net/ghgstatus.pdf) que prevê um programa para os próximos três anos, contendo a preparação de um guia para medição dos gases de re- servatórios, o desenvolvimento de metodologias de avaliação dos reser- vatórios e a elaboração de medidas preventivas para redução das emis- sões. O Ministério da Ciência e Tec- nologia (MCT) incluiu este assunto de forma pioneira em seu inventário nacional, assim como o Ministério de Minas e Energia (MME), em par-

ceria com a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês).

A comunidade científica do Brasil pode e deve se engajar nesse esforço pa- ra aprofundar o conhecimento sobre o tema. Mãos à obra!

Jerson Kelman é ex-presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH), professor da Coppe/UFRJ e di- retor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)

Carlos Tucci é ex-presidente da ABRH, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, e coordenador do programa internacional de avaliação de gases de efeito estufa da IHA e Unesco Benedito Braga é ex-presidente da ABRH, professor da USP, presidente da Comissão Brasileira do Programa Hidrológico Internacional da Unesco e diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) Luiz Pinguelli Rosa é diretor da Coppe/UFRJ e Secretário Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e ex- presidente da Eletrobrás

“A Aneel incluiu ‘a emissão de metano’ entre

os tópicos prioritários para a alocação dos recursos que as concessionárias são legalmente obrigadas a destinar às atividades de

P&D”

Referências

Documentos relacionados

Analisar os Relatórios de Frequência Escolar de crianças beneficiárias do Bolsa Família permitiu a identificação dos motivos registrados que levaram muitas crianças e

EGFP expression was detected as early as 24 h after injection (E16.5) for adenoviral vector whereas the first expression did not appear until 72 h after injection for the

Este trabalho aplica uma metodologia multicritério para avaliação da qualidade dos passeios a um caso de estudo de dimensão média, a cidade de Coimbra, Portugal.. A

O (a) está sendo convidado para participar da pesquisa “Ações de promoção da saúde e/ou prevenção de doenças e uso dos serviços de saúde na Atenção Primária, Secundária e

Daí que o preâmbulo, seja por indicar os fins a serem atingidos pelo ordenamento constitucional e, por isso, ser capaz de influenciar a interpretação dos seus preceitos, não pode

This was considered a unique case in Portugal, since power transformers are only available for this type of assessment, when a catastrophic failure occurs, preventing an analysis

and decreased quality of life in the general adult population. The clinical impact of sagittal spino-pelvic alignment on musculoskeletal symptoms and quality of

Purpose: This thesis aims to describe dietary salt intake and to examine potential factors that could help to reduce salt intake. Thus aims to contribute to