NOÇÕES BÁSICAS
DE TOXICOLOGIA
Intoxicações mais freqüentes em animais domésticos de acordo com o grupo de agente
tóxico.
FONTE: Centro de Informações Toxicológicas do RS (CIT-RS).
História da Toxicologia
Todas as substâncias são venenos.
Não existe nenhuma que não o seja. É a dose que diferencia o veneno do remédio.
Paracelsus (1493-1541)
FUNDAMENTOS DE TOXICOLOGIA
A Toxicologia é a ciência que tem como
objeto de estudo o efeito nocivo
decorrente da interação entre um agente
tóxico e um sistema biológico, com a
finalidade de prevenir o aparecimento
desse efeito.
A toxicologia apóia-se em três elementos básicos:
a existência de uma substância (agente tóxico) capaz de interagir com um sistema biológico e produzir uma resposta;
o sistema biológico com o qual o agente tóxico interage para produzir o efeito;
a resposta (efeito) que deverá ser considerada nociva
ao sistema biológico com o qual interage.
Áreas da Toxicologia
Toxicologia de Alimentos
Toxicologia Ambiental e Ecotoxicologia Toxicologia de Medicamentos
Toxicologia Ocupacional Toxicologia Veterinária
Toxicologia Clínica ou Médica Toxicologia Analítica Toxicologia Experimental
Conceitos Básicos
Agente tóxico, toxicante ou xenobiótico
É uma substância química ou agente físico capaz de causar dano a um sistema biológico, alterando seriamente uma função ou levando-o à morte, sob certas condições de exposição.
Toxina Veneno Fármaco
Droga
Qualquer substância pode atuar como
toxicante
Classificação dos toxicantes
1.estruturas químicas gerais: aminas aromáticas, hidrocarbonetos alifáticos, hidrocarbonetos aromáticos, metais, etc.
2.estado físico:
3.estabilidade ou reatividade química:explosivo, inflamável, oxidante, radioativo.
4.órgãos-alvo: rim, fígado, sistema nervoso central, sistema hematopoiético, outros.
5.ação tóxica: local ou sistêmica.
6.efeitos tóxicos: carcinogênicos, mutagênicos, neurotóxicos, nefrotóxicos, hepatotóxicos, .
7.usos: agrotóxicos, solventes, aditivos alimentares.
8.mecanismo de toxicidade: anticolinesterásico, metemoglobinizante, entre outros.
9.potencial de toxicidade: extremamente tóxicos, moderadamente tóxicos, levemente tóxicos, pouco tóxicos.
Toxicidade
É a capacidade inerente a uma substância de produzir danos aos organismos vivos, ou seja, é a medida relativa do potencial tóxico da substância sob certas condições controladas de exposição.
Risco e segurança
Probabilidade estatística de que se produzam efeitos adversos ou danos por exposição a um agente tóxico, em virtude das propriedades inerentes ao mesmo, bem como das condições de exposição.
Efeito tóxico, adverso ou deletério
É uma alteração anormal, indesejável ou nociva decorrente da exposição a substâncias potencialmente tóxicas. Todo efeito tóxico é indesejável e nocivo, mas, nem todos os efeitos indesejáveis são tóxicos.
Diferença: Efeitos colaterais e toxicidade
Alvo
Sítio ou local do organismo que interage com o agente tóxico e apresenta a resposta biológica correspondente. Pode ser uma molécula (DNA, proteína, etc.), um receptor ou um órgão (fígado, rim, cérebro, etc...).
Antídoto e antagonista
São substâncias capazes de neutralizar ou reduzir os efeitos de uma substância potencialmente tóxica. O antídoto é a substância que se opõe ao efeito tóxico atuando sobre o toxicante, enquanto o antagonista impede o toxicante de se ligar a seu alvo.
Intoxicação
É o conjunto de efeitos nocivos representados por manifestações clínicas (sinais e sintomas) ou laboratoriais que revelam o desequilíbrio orgânico produzido pela interação entre o agente tóxico com o sistema biológico.
Fases da Intoxicação
EXPOSIÇÃO – fase de contato das superfícies externas ou internas do organismo com o toxicante.
TOXICOCINÉTICA – inclui processos envolvidos desde a disponibilidade química até a concentração do toxicante nos órgãos-alvo.
TOXICODINÂMICA – compreende os mecanismos de interação entre o toxicante e os sítios de ação no organismo.
CLÍNICA – fase em que há evidências de sinais e sintomas ou alterações detectáveis por provas diagnósticas que caracterizam os efeitos deletérios causados ao organismo.
Fases da Intoxicação
EXPOSIÇÃO
Dose ou Concentração
Dose efetiva 50 (DE50) Dose letal média (DL50)
Categoria de toxidade aguda DL50 oral para ratos
Extremamente tóxica Altamente tóxica
Moderadamente tóxica Levemente tóxica
Praticamente não tóxica
< ou = 1mg/kg
> 1 a 50 mg/kg
> 50 a 500 mg/kg
> 0,5 a 5 g/kg
> 5 g/kg
Vias ou locais de exposição
- Trato gastrointestinal (ingestão) - Pulmões (inalação)
- Pele (tópica, percutânea, ou dérmica)
- Outras vias parentais (que não envolvem o intestino)
Sequência aproximada de eficiência decrescente:
Intravenosa > inalação> intraperitoneal >
subcutânea > intramuscular > intradérmica> oral >
dérmica
Duração e freqüência da exposição
INTOXICAÇÃO AGUDA – a exposição é de curta duração e a absorção do agente tóxico é rápida. A dose administrada poderá ser única ou múltipla, num período que não ultrapasse 24 horas.
INTOXICAÇÃO SOBRE-AGUDA; SUB-CRÔNICA – exposições freqüentes ou repetidas num período de vários dias, semanas ou meses antes que os sintomas apareçam.
INTOXICAÇÃO CRÔNICA – quando exposições repetidas durante um longo período de tempo precisam ocorrer para se dar a intoxicação. Os sinais clínicos desta intoxicação se manifestam por dois mecanismos distintos:
- acumulação do tóxico no organismo;
- adição dos efeitos causados por exposições repetidas.
Fases da Intoxicação
TOXICOCINÉTICA
Absorção→ Distribuição→ Metabolismo Excreção
Principais vias de absorção
⇒Trato gastrointestinal
⇒ Pele
⇒ Pulmões
⇒ Intraperitoneal (i.p)
⇒ Intramuscular (i.m.)
⇒ Subcutânea (s.c)
⇒ Intravenosa (i.v)
A movimentação do agente tóxico no organismo, desde a sua entrada até a sua
eliminação, envolve a transposição de
membranas celulares.
Fatores que influenciam o transporte das substâncias químicas pelas membranas.
Fatores relacionados com a membrana Transporte passivo
Difusão simples Filtração
Transportes especializados Transporte ativo
Difusão facilitada
Endocitose
Representação esquemática de
fármacos atravessando a membrana celular de uma célula epitelial do
trato gastrintestinal.
Fatores relacionados com a substância química
Solubilidade
Substâncias químicas lipossolúveis, apolares.
Coeficiente de partição óleo/água clorpromazina = 79,7
ácido acetil salicílico = 11,7 paracetamol = 1,79
Grau de ionização ou de dissociação
Forma não ionizada = atravessa mais facilmente Forma ionizada = não atravessa facilmente
Tamanho e carga da partícula (molécula ou íon) Partículas hidrossolúveis menores que 8 Å
Cátions = mais difícil Ânions = mais fácil
ABSORÇÃO
Vias de absorção
Via oral, digestiva ou trato gastrintestinal (TGI)
Uma vez no TGI, um agente tóxico poderá sofrer absorção desde a boca até o reto principalmente por difusão passiva;
Algumas substâncias serão absorvidas por processos especiais.
Fatores que interferem na absorção pelo TGI
Estado de plenitude ou vacuidade gastrintestinal:
Concentração enzimática e acidez:
Motilidade intestinal:
Efeito de primeira passagem pelo fígado:
A
biotransformação de primeira
passagem pode ocorrer com
substâncias ingeridas por via
oral.
Vias de absorção
Via cutânea
Absorção transepidérmica
É o tipo de absorção cutânea mais freqüente, devido ao elevado número de células epidérmicas existente, embora não seja uma penetração muito fácil para os toxicantes. Limitada pelo estrato córneo.
Absorção transfolicular
Qualquer tipo de substância química, seja ela lipo ou hidrossolúvel, ionizada ou não, gás ou vapor, ácida ou básica, pode penetrar pelos folículos. Menos significativa que a transepidérmica.
Fatores que interferem na absorção cutânea
Fatores relacionados ao organismo superfície corpórea:
abrasão da pele:
fluxo sangüíneo através da pele:
queimaduras químicas e/ou térmicas:
pilosidade:
Fatores relacionados ao agente químico
Fatores ligados à presença de outras substâncias na pele vasoconstritores:
veículos:
solventes orgânicos:
Fatores ligados às condições de exposição tempo de exposição;
temperatura do local de trabalho:
Vias de absorção
Via respiratória, pulmonar ou inalatória
Absorção de gases e vapores
•Pelas vias aéreas superiores (VAS)
•Pelos alvéolos
Absorção de material particulado ou aerodispersóides
Distribuição é o processo pelo qual uma substância reversivelmente abandona o leito vascular e entra no interstício (líquido extracelular) e/ou nas células dos
tecidos.
A passagem da subst. do plasma ao interstício depende:
fluxo sangüíneo,
permeabilidade capilar,
grau de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas e tissulares
hidrofobicidade relativa do fármaco.
DISTRIBUIÇÃO
Mucosa gastrointestinal: células muito unidas, com
bloqueio de espaços intercelulares ; difusão através das membranas celulares .
Barreiras epiteliais da pele, córnea e bexiga: células
também muito unidas; difusão de substâncias apolares.
Barreira Hematoencefálica: células endoteliais unidas
por junções íntimas; impede que subst. polares ou de peso molecular elevado penetrem no SNC.
Barreira placentária: Independente do tipo de
placenta; subst. com baixo peso molecular e lipossolúveis
atravessam as camadas celulares.
Após a absorção a subst. química estará disponível para ser transportada pelo organismo com diferentes destinos:
•sítio de ação
•um ou vários sítios de armazenamento
•diversos órgãos para sua biotransformação
Somente a molécula na forma livre é distribuída para os tecidos.
Compartimentos de distribuição.
Compartimentos celulares de distribuição
Ligados à membranas
celulares
Ligados à membranas de
organelas intracelulares
Estocados dentro de organelas
Fatores que afetam a distribuição Fatores ligados a substância
lipossolubilidade e grau de ionização afinidade química do agente
Fatores ligados ao organismo fluxo sangüíneo –
conteúdo de água ou lipídio de órgãos e tecidos –
biotransformação do agente tóxico –
integridade do órgão –
Ligação a proteínas plasmáticas – albumina é a principal; ligações não-covalentes ligam os xenobióticos a albumina.
Esta ligação atua graduando a distribuição dos xenobióticos e, consequentemente, a chegada ao sítio de ação.
Fatores que afetam esta ligação:
competição entre substâncias - Ex.:
sulfonamidas e bilirrubina competem pelo mesmo sítio; a varfarina é deslocada pelo ácido acetil-salicílico.
condições patológicas - hipoalbuminemia pH -
idade -
Importância da ligação à proteínas
plasmáticas para a intensidade e duração
do efeito.
Conjunto de alterações químicas (ou
estruturais) que as substâncias sofrem no
organismo, geralmente, ocasionadas por
processos enzimáticos, com o objetivo de
formar derivados mais polares e mais
hidrossolúveis, visando favorecer sua
eliminação.
Fases da
Biotransformação
Fases da Biotransformação
Fase I – Modificação química -Oxidação envolvendo o
citodromo P450 -Oxidação - outros -Redução
-Hidrólise -Hidratação -Isomerização -Miscelâneas
Locais Fígado
• Retículo endoplasmático
• Citosol Rim Pulmões
Trato gastrointestinal
Fase II- Conjugação
- Glicuronidação/Glicosidação - Sulfatação
- Metilação - Acetilação
-Conjugação com aminoácidos - Conjugacão com a glutationa -Conjugação com ácidos graxos - Condensação
Exemplos de reações químicas durante a biotransformação de drogas (Hidroxilação alifática e aromática)
Exemplos de reações químicas durante a biotransformação de drogas (Desalquilação, desulfuração e metilação)
Exemplos de reações químicas durante a biotransformação de drogas (Redução e Oxidação)
Exemplos de reações químicas durante a biotransformação de drogas (Hidrólise)
Via de reação da oxidase de função mista catalisada pelo sistema citocromo P450
A maior parte das reações de FASE I são catalisadas pelo sistema enzimático citocromo P450 (CYP)
40 genes para proteínas CYP450 já foram identificados em humanos
As famílias proteicas CYP1, CYP2 e CYP3 estão envolvidas no metabolismo de drogas
As enzimas CYP450 são encontradas no fígado e nas vilosidades intestinais
As enzimas CYP possuem substratos, indutores e inibidores.
Substratos, indutores e inibidores do sistema citocromo P450
Interações Medicamentosas e o sistema citocromo P450
Exemplos de reações químicas durante a biotransformação de drogas.
FASE II – Glicorunidação (conjugação com ácido glicurônico)
Exemplos de reações químicas durante a biotransformação de drogas.
FASE II – conjugação com GSH (glutationa)
Diferenças entre espécies durante a biotransformação.
FASE I – hidroxilação aromática da anilina
Diferenças entre espécies durante a biotransformação.
FASE II – conjugação do fenol com ácido glicurônico ou com sulfato
Órgãos responsáveis pela excreção de substâncias:
Rins: excreção de medicamentos hidrossolúveis Fígado: excreção pela bile de medicamentos
biotransformados
Pulmões: excreção de substâncias voláteis
Sudorípara, lacrimal, salivar, láctea...
Filtração Glomerular – permite que medicamentos com ~60 kDa passem para a urina
- Reduzida pela ligação a proteínas do plasma
- Apenas uma porção do plasma é filtrado
Re-absorção passiva dos medicamentos hidrófobos
novamente para a circulação através das células tubulares.
Secreção
Tubular –
processo que
envolve um
transporte ativo
para cátions e
ânions.
Efeito do pH:
• uma molécula que for base fraca será excretada em maior quantidade (i.é não reabsorvido) para valores mais baixos de pH da urina
• uma molécula que for ácido fraco será excretada em maior quantidade (i.é não reabsorvido) para valores mais altos de pH da urina
• Excreção de substâncias lipossolúveis e com peso molecular elevado
• Excreção de cátions e ânions orgânicos
• Excreção de substâncias conjugadas com
moléculas endógenas.
• Ciclo êntero-hepático:
excreção hepática
seguida de reabsorção intestinal – retarda a eliminação.
Excreção pelo Leite
- Resíduos de medicamentos ou compostos tóxicos podem passar da mãe para o filhote durante a amamentação
- Os compostos tóxicos podem passar das vacas para os humanos através dos lacticínios
- Substâncias químicas são excretados para o leite por difusão simples
- Leite (~pH 6,5) mais acídico que o plasma
→ Compostos básicos concentram-se no leite - Leite contém 3-4% de lípidos
→ Produtos hidrófobos difundem-se através dos lípidos para a glândula mamária e são excretados para o leite durante a lactação
• DDT
• Dibenzo p-dioxinas
• Furanos
•Indução
enzimática ou modificação do pH
urinário
•Insuficiência Renal ou
hepática
Fases da Intoxicação
TOXICODINÂMICA
Estuda a ação dos agentes químicos no órgão-alvo. Enquanto a Toxicocinética relaciona a dose externa à quantidade que alcança o órgão-alvo, a Toxicodinâmica relaciona a quantidade liberada no sítio ativo em condições efetivas de agir.
DESENVOLVIMENTO DA TOXICIDADE
Para atingir o sítio ativo, o xenobiótico precisa atravessar várias barreiras. Esse caminho depende de vários fatores:
• Absorção X eliminação pré-sistêmica –
• Distribuição para o alvo X Longe do alvo -
• Excreção X Reabsorção -
• Toxificação X Destoxificação –
Mecanismos de ação tóxica
Alteração da expressão gênica;
Alteração química de proteínas específicas;
Alteração do funcionamento de células excitáveis;
Prejuízo da síntese de ATP;
Aumento de cálcio intracelular;
Indução de estresse oxidativo.
MECANISMOS DE AÇÃO TÓXICA
Inibição Enzimática:
- Inibição da acetilcolinesterase – inseticidas OF e carbamatos;
- Inibição da biossíntese do heme – chumbo;
- Afinidade por –SH de enzimas – mercúrio.
Mecanismos de Transdução:
- Receptores ionotrópicos – ligados a canais iônicos. Nicotínico de acetilcolina; GABA e glutamato.
- Receptores metabotrópicos - acoplados à proteína G;
Muscarínicos de acetilcolina e adrenérgicos.
- Receptores ligados à quinase – fosforilação de proteínas intracelulares.
- Receptores ligados à transcrição de genes – receptores nucleares p/ hormônios esteróides.
Canais iônicos disparados por
ligantes
Receptores acoplados à proteína G
2º mensa- geiro
Receptores ligados a
enzimas
Receptores intracelulares
Devido à modificação da expressão gênica e da síntese proteica.
As respostas celulares não são observadas até que decorra tempo suficiente (30 minutos ou mais) e a duração da resposta (horas ou dias).
Receptores para hormônios esteróides.
Receptores intracelulares
Fosforilação Oxidativa:
Vários agentes químicos podem interferir na síntese do ATP mitocondrial. Essas substâncias são divididas em quatro grupos:
- Grupo I – interferem na liberação de hidrogênio para CMTE. O monofluoracetato inibe o ciclo do ácido cítrico e a produção dos co- fatores reduzidos.
- Grupo II – inibem o transporte de elétrons pela CMTE. Rotenona e cianeto.
- Grupo III – inibem a liberação de O2 na citocromo oxidase. CO e os agentes metemoglobinizantes.
- Grupo IV – inibem a atividade da ATPsintase.
- inibição direta da ATPsintase: Oligomicina - interferência na liberação de ADP: DDT
- interferência na liberação de Pi: p-benzoquinona
- desacopladores da fosforilação oxidativa: dinitrofenol
Bloqueio da Fosforilação Oxidativa
Matriz
Espaço
Intermembrana Citoplasma
NADH + H+ NAD+
Succinato Fumarato ½ O2 + 2H+ H2O ADP + Pi
G 1
ATP
G 2 G 3
G 4