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Repositório Institucional UFC: Populações tradicionais em unidade de conservação de proteção integral: limites e possibilidades

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Academic year: 2018

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FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ALÉSSIA LIMA DO NASCIMENTO

POPULAÇÕES TRADICIONAIS EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL: LIMITES E POSSIBILIDADES

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POPULAÇÕES TRADICIONAIS EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL: LIMITES E POSSIBILIDADES

Monografia apresentada pela aluna Aléssia Lima do Nascimento, matrícula 0184624, à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará como um dos requisitos da obtenção de aprovação na disciplina Monografia Jurídica, sob a orientação do Professor Marcos José Nogueira de Souza Filho.

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POPULAÇÕES TRADICIONAIS EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL: LIMITES E POSSIBILIDADES

Monografia apresentada pela aluna Aléssia Lima do Nascimento, matrícula 0184624, à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará como um dos requisitos da obtenção de aprovação na disciplina Monografia Jurídica, sob a orientação do Professor Marcos José Nogueira de Souza Filho.

Aprovada em ___/___/_____.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Prof. Marcos José Nogueira de Souza Filho (Orientador)

Universidade Federal do Ceará – UFC

_____________________________________________ Prof. Dr. Danilo Santos Ferraz

Universidade Federal do Ceará – UFC

_____________________________________________ Drª. Mariana Pereira Barboza

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À minha mãe, exemplo de amor e generosidade aos semelhantes.

À minha filha, fonte de inspiração e alegria, pelo carinho.

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A DEUS, pela força para continuar a caminhada em busca dos meus objetivos, pois sem Ele nada é alcançável.

Ao meu orientador, Prof. Marcos Filho, que tornou possível a realização desse trabalho.

Aos meus irmãos, Anderson e Arledson, que sempre estiveram dispostos a me ajudar.

Ao Exmo Procurador da República Francisco Guilherme V. Bastos, pelo incentivo e sugestões dadas para a realização da monografia.

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“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”

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The Federal Constitution of 1988 ensured the whole community the basic right to the environment healthy and balanced. To ensure the preservation of this right to the present and future generations, determined to Public Power, among other measures, the establishment of territorial spaces specially protected. Restricted to modify or delete these areas only by law, prohibiting any use that compromises the integrity of the attributes of these spaces. With the regulatory scope of the constitutional norm, the ordinary legislature established the National System of Conservation Units, dividing the special protection units in two groups, which are: full protection and sustainable use areas. At the first ones, it is only admitted the indirectly use of natural resources. Therefore, in principle, incompatible with the presence of traditional populations. Nevertheless, the Act Supreme warranted special rights for indigenous and quilombolas, especially in relation to their territories. These subjects must be taken into account in the draft settle of the controversy presented.

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ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

ADIn – Ação Declaratória de Inconstitucionalidade

APP – Área de Preservação Permanente

EIA – Estudo de Impacto Ambiental

ETEP – Espaço Territorial Especialmente Protegido

FUNAI – Fundação Nacional de Assistência ao Índio

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

INCRA – Instituto Nacional de Reforma Agrária

ISA – Instituto Socioambiental

ITR – Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MP – Medida Provisória

MPF – Ministério Público Federal

OIT – Organização Internacional do Trabalho

ONU – Organização das Nações Unidas

PMUC – Plano de Manejo da Unidade de Conservação

PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente

PNPCT – Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais

RIMA – Relatório de Impactos sobre o Meio Ambiente

RIRN – Reserva Indígena de Recursos Naturais

RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural

SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente

SIG/ISA – Sistema de Informação Geográfica do Instituto Socioambiental

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

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1 INTRODUÇÃO ... 10

2 PONDERAÇÕES INICIAIS ... 12

2.1 Conceito de meio ambiente ... 12

2.2 Esboço histórico ... 14

2.3 A Constituição Federal de 1988 ... 19

2.4 Caráter fundamental do meio ambiente ... 25

3 ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS ... 34

3.1 Unidade de Conservação ... 44

3.1.1 Regime jurídico ... 46

3.1.2 Tipologia ... 49

3.1.2.1 Unidades de Conservação de Proteção Integral ... 50

3.1.2.2 Unidades de Conservação de Uso Sustentável ... 52

3.1.2.2.1 Reserva Extrativista ... 55

3.1.2.2.2 Reserva de Desenvolvimento Sustentável ... 58

4 POPULAÇÕES TRADICIONAIS ... 60

4.1 Conceito ... 60

4.2 Populações tradicionais e suas relações com o território ... 63

5 A QUESTÃO INDÍGENA... 76

6 A QUESTÃO QUILOMBOLA ... 85

7 CONCLUSÃO ... 92

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, no artigo 225, declara que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é algo inerente a todos. Impõe à coletividade e ao Poder Público o dever de defendê-lo em prol das presentes e futuras gerações.

Com o objetivo de garantir a execução desse direito, essa norma constitucional elenca um rol de incumbências ao Poder Público. Entre elas, prevê a instituição de espaços territoriais especialmente protegidos, os quais poderão ser alterados e suprimidos, mediante lei, sendo vedada qualquer utilização comprometedora da integridade dos atributos ensejadores de sua proteção.

Para regularizar o dispositivo, a Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000, divide as áreas merecedoras de especial amparo, em dois grupos de unidades, a saber: as de proteção integral e as de uso sustentável.

A dicotomia apresentada leva em conta as características específicas de cada espaço. Determina que nas primeiras seja tolerado apenas o uso indireto dos recursos naturais, livre de qualquer interferência humana, salvo pontuais exceções previstas na referida Lei. Já sobre as últimas, consente a exploração sustentável do meio ambiente.

A problemática surge diante da constatação de sobreposição entre áreas habitadas por comunidades tradicionais e as de proteção integral instituídas por legislação anterior à Lei n° 9.985/2000.

Outro dilema é apresentado quando se verifica a necessidade de se criar unidades de proteção integral em áreas já ocupadas por comunidades tradicionais. E isso ocorre por se mostrar imprescindível, à proteção do meio ambiente, o uso apenas indireto dos recursos naturais.

A polêmica em questão eleva-se ao ápice quando se analisa o tema sobre o foco dos indígenas e quilombolas, os quais gozam de prerrogativa constitucional, diferentemente das demais comunidades tradicionais.

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proteção integral. E, em caso afirmativo, em que limite e possibilidade isso poderá ocorrer.

Inicialmente, será delimitado o conceito de meio ambiente e a evolução desse bem jurídico ao patamar de direito fundamental. Assim, será realizada uma abordagem sobre a essencialidade desse direito e a forma apresentada constitucionalmente para resguardar os recursos naturais para toda a humanidade.

Em seguida, serão analisados os espaços territoriais especialmente protegidos, seu regime jurídico, suas espécies e as categorias destas, notadamente as áreas onde se permite a existência de comunidades tradicionais e as que não as admitem.

Com a intenção de estabelecer uma efetiva compreensão da matéria, também serão objetos de estudo as comunidades tradicionais, as populações indígenas e quilombolas, essencialmente as particularidades das últimas, as quais apresentam prerrogativas constitucionais, sobretudo, no tocante aos seus direitos territoriais.

A escolha do tema se justifica, sobretudo, pelo valor social e jurídico da matéria e pela tentativa de contribuição da pesquisa jurídica no âmbito da Universidade Federal do Ceará.

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2 PONDERAÇÕES INICIAIS

2.1 Conceito de meio ambiente

Antes de tecer considerações sobre a evolução do meio ambiente ao patamar de bem jurídico essencial à sadia qualidade de vida, cabe compreender o sentido da expressão meio ambiente.

José Afonso da Silva pondera que, apesar da redundância da expressão1, ela é relevante para a compreensão da matéria, porquanto o termo reflete uma visão globalizante de toda a natureza, original e artificial. Para o autor, em uma perspectiva ampla, o meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”2.

Entende-se, ainda, que o meio ambiente é constituído de quatro aspectos, quais sejam: o meio ambiente artificial, composto pelo espaço urbano construído; o meio ambiente cultural, constituído pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico; o meio ambiente natural ou físico, integrado pelo solo, água, ar atmosférico, flora e pela interação dos seres vivos e seu meio; e o meio ambiente do trabalho, onde o trabalhador permanece considerável parte do seu tempo.

Ávila Coimbra formula uma conceituação bem completa sobre meio ambiente, pois traz aspectos essenciais que devem ser ponderados para a compreensão do tema, como os elementos constitutivos naturais e artificiais, as relações múltiplas, o caráter de complexidade e o desenvolvimento sustentável. De acordo com o autor3:

Meio ambiente é o conjunto de elementos abióticos (físicos e químicos) e bióticos (flora e fauna), organizados em diferentes ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao

1 Segundo o autor: “a palavra 'ambiente' indica a esfera, o círculo, o âmbito que nos cerca, em

que vivemos. Em certo sentido, portanto, nela já se contém o sentido da palavra 'meio'.” SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 19. 2 Ibid., p. 20-21.

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desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro das leis da natureza e de padrões de qualidade definidos.

No Brasil, o conceito legal adveio com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981. Segundo o artigo 3°, inciso I, “para os fins previstos nesta Lei, entende-se por meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Paulo de Bessa Antunes critica essa definição trazida pela PNMA em virtude dela apenas levar em consideração o meio ambiente do ponto de vista biológico, e não sob o enfoque humano, que também é inerente ao problema ambiental. Segundo o autor, a Constituição Federal alterou completamente a compreensão que se deve ter sobre o termo meio ambiente, pois introduziu o aspecto humano na expressão. Isso pode ser observado no artigo 225, que prescreve o meio ambiente como “direito de todos e bem de uso comum do povo”4.

Sem embargo de opinião em contrário, verifica-se que a PNMA elencou um conceito jurídico amplo e válido, pois a definição visou tutelar o meio ambiente em todas as suas formas. Nesse molde, houve preocupação em resguardar o meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. Portanto, é possível afirmar que o dispositivo em comento se encontra em plena consonância com o previsto constitucionalmente.

Ademais, não é outra a conclusão ao se analisar o sentido depreendido da expressão 'sadia qualidade de vida', anunciada no artigo 225 da Lei Maior, pois esta só poderá ser alcançada por meio de tutela ampla e irrestrita do meio ambiente. Este, de fato, está sendo assegurado pelo conceito abrangente da referida legislação infraconstitucional.

A partir dessa interpretação sistemática, pode-se inferir, com segurança, que a definição aferida pelo legislador ordinário foi plenamente recepcionada pela Constituição Federal. Também a opção legislativa contribui para a incidência positiva da norma, pois exige do intérprete o preenchimento

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do seu conteúdo, que, para tanto, deve sempre observar o conjunto de princípios informativos da própria Lei Fundamental.

Conhecidas essas premissas, avança-se para esboçar sobre a evolução da proteção jurídica do meio ambiente.

2.2 Esboço histórico

Inicialmente o homem vivia de maneira harmônica com a natureza. Logo, não havia a preocupação de acumular riquezas. Com o passar dos anos, mudou-se essa concepção. Verificou-se que o homem moderno operou um retrocesso em relação ao meio em que vivia.

A partir de uma visão individualista da propriedade, sem compromisso com os interesses da humanidade, o proprietário poderia opor seu direito patrimonial de modo absoluto contra todos, amparado pelo desenvolvimento econômico que considerava essa atitude como medida viável ao crescimento econômico. Essa atitude ocasionou sérios problemas ambientais comprometedores da fauna e da flora. Nesse período, foram registrados desmatamentos e poluição das águas, do ar e do solo, circunstâncias ensejadoras de grave comprometimento de espécimes faunísticos, pois os destruíam diretamente ou ao seu habitat natural.

Esses acontecimentos foram responsáveis por profundas alterações na natureza, algumas praticamente irreversíveis. Diante dessa constatação, a comunidade mundial começou a refletir sobre a necessidade de reversão desse quadro de dilapidação do patrimônio ambiental e de celebração de convênios e convenções com o escopo de assegurar um meio ambiente sadio e equilibrado e, conseqüentemente, uma boa qualidade de vida.

Com propriedade, José Afonso da Silva assevera que “o problema da tutela jurídica do meio ambiente manifesta-se a partir do momento em que a degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade da vida humana, se não a própria sobrevivência do ser humano”5.

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Celso Antônio Pacheco Fiorillo pondera sobre a questão, procurando situá-la em determinado espaço temporal, ao afirmar que6:

[...] a reflexão sobre os direitos que pairavam acima dos interesses individuais – os direitos metaindividuais – somente se fez presente com a existência dos conflitos em massa, o que foi sensivelmente acentuado após a Segunda Guerra Mundial. Com isso, somente passamos a considerar melhor os direitos metaindividuais a partir da necessidade processual de compô-los.

Nesse sentido, processou-se relevante evolução legislativa ambiental. Ao se ultrapassar o status de uma preocupação local para atingir um nível superior, ensejou-se o surgimento de um Direito Ambiental Internacional. Mesmo nos países que não dispuseram de legislação para tratar do Direito Ambiental, este foi amparado e defendido pela doutrina e pela jurisprudência.

Essa propagação deve-se, sobretudo, à compreensão do caráter transfronteiriço do direito ambiental, entendendo que a poluição da biota não respeita os limites geográficos7. É como bem exemplifica Antônio Augusto Cançado Trindade8:

A ameaça de dano a muitas nações, resultante das alterações climáticas, por exemplo, é um problema grave, cuja causa dificilmente poderia ser traçada ou atribuída a um único Estado ou grupo de Estados, requerendo assim um novo enfoque com base em

Vale ressaltar a seguinte afirmação de Édis Milaré: “de fato, a proteção do ambiente, desde os mais remotos tempos, vem sendo objeto de preocupação, em menor ou maior escala, de todos os povos, valendo lembrar, a título de ilustração, que noções precursoras sobre biodiversidade e conservação das espécies animais podem ser encontradas no Gênesis. O Deuteronômio já proibia o corte de árvores frutíferas, mesmo em caso de guerra, com pena de açoite para os infratores.” MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A gestão ambiental em foco. 5. ed. ref., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 78.

Orci Paulino Bretanha Teixeira reflete, em referência a Henry Thomas e Dana Lee Thomas, que remonta ao século III, a preocupação com preservação e proteção dos recursos naturais. Nessa época, o imperador indiano Asoka promulgou um código de leis baseadas na Regra de Ouro do budismo. Essa codificação continha quatorze princípios que tratavam dos direitos e deveres do homem para com os recursos naturais, devendo os resguardar para as gerações vindouras. Assim, o Edito n° I prescrevia que “toda vida é sagrada. De ora em diante não haverá mais matanças – nem de homens pela glória militar, nem de animais para o altar dos sacrifícios ou para mesa real. A simplicidade, baseada na brandura, será agora a regra tanto nas casas nobres como nas humildes. II. É dever dos indivíduos e do Estado zelar pelo bem-estar de todos os seres vivos.” THOMAS, Henry; THOMAS, Dana Lee. Vidas de Estadistas Famosos. Tradução Lino Vallandro. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1956, p. 24, apud TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado como Direito Fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 22.

6 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 4.

7 “O dano ambiental produzido num território pode ultrapassar suas fronteiras e gerar poluição

em outros estados ou em espaços internacionais, rompendo o equilíbrio de ecossistemas locais, regionais, nacionais ou internacionais. Qualquer alteração de uma parte, portanto, atinge o todo.” TEIXEIRA, op. cit., p. 30.

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estratégias de prevenção e adaptação e considerável cooperação internacional.

Partindo-se de tal concepção, tornou-se freqüente e necessário o discurso da cooperação entre os povos em prol de um ambiente ecologicamente sadio e equilibrado, de forma a assegurá-lo para toda a coletividade.

É importante salientar que a preocupação internacional com o meio ambiente primordialmente tinha um cunho mais econômico que propriamente ecológico. Assim, procurava-se preservar os espécimes ameaçados de extinção, com a finalidade precípua de evitar o esgotamento de recursos com expressão econômica. Foi com essa intenção que, em 1923, em Paris, foi firmado o I Congresso Internacional para Proteção da Natureza. Esse evento pode ser tomado como marco de uma efetiva implementação de legislação ambientalista, embora tenha abordado o meio ambiente como interesse econômico9.

Paulatinamente, verificou-se uma desvinculação da proteção ao meio ambiente como mero garantidor da defesa dos interesses econômicos. Somente em junho de 1972, como resultado da percepção por parte das nações industrializadas da escassez dos recursos naturais e da crescente e potencialmente irreversível degradação ambiental, culmina na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e com a participação de 114 países, em Estocolmo.

Tal Conferência, além de ampliar os princípios ambientais fixados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, firmada em 1948, pôde propiciar, efetivamente, a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecendo-o como direito fundamental. É nesse sentido o Princípio 1 da Declaração do Meio Ambiente, in verbis:

9 “Para muitos, o I Congresso Internacional para a Proteção da Natureza, realizado em Paris,

em 1923, representa o primeiro passo importante no sentido de abordar o problema no seu conjunto. Vários tratados sobre a proteção de determinadas espécimes – acordos de pesca, sobre focas e baleias – foram assinados no início do século, mas neles os objetivos das partes não eram a proteção das espécies, mas sim a proteção dos interesses econômicos e comerciais.” SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito Ambiental Internacional. Rio de Janeiro: Thex, 1995, p. 5, apud TEIXEIRA, op. cit., p. 28-29.

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O Homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao

desfrute de condições de vida adequadas em um meio cuja qualidade lhe permite levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras. A este respeito as políticas que promovam ou perpetuem o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira continuam condenadas e devem ser eliminadas. Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, o solo, a flora, e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequados. Deve ser mantida e, sempre que possível, restaurada ou melhorada a capacidade da Terra de produzir recursos renováveis vitais. O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judicialmente o patrimônio representado pela flora e fauna silvestre, bem assim o seu 'habitat', que se encontram atualmente em grave perigo, por uma combinação de fatores adversos. Em conseqüência, ao planificar o desenvolvimento econômico, deve ser atribuída importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres. (grifo nosso)

A referida Declaração aponta ainda que “a proteção e a melhora do meio ambiente é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro; é um desejo urgente dos povos e de todo o mundo e um dever de todos os governos”10.

Como bem salienta Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros, tal fato constituiu um divisor de águas de uma efetiva proteção ambiental por parte da comunidade internacional11. No mesmo sentido, pondera Orci Paulino Bretanha Teixeira, que atribuiu a esse momento histórico o “ponto de partida do movimento ambientalista internacional”12. Acrescenta José Afonso da Silva

que13:

A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados.

10 SILVA, 2004, p. 59.

11 “A Conferência de Estocolmo é apontada como o grande divisor de águas para o

enraizamento da efetiva busca pela proteção ambiental. E a razão para isso é que a referida conferência contém 26 (vinte e seis) princípios e 109 (cento e nove) resoluções. Pode-se afirmar, conjuntamente com outros autores, que, a partir dessa Convenção de 1972, as nações ‘passaram a compreender que nenhum esforço, isoladamente, seria capaz de solucionar os problemas ambientais do Planeta’.” MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: Direito e Dever Fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 44.

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À Conferência de Estocolmo, que elevou o meio ambiente ao patamar de bem essencial ao bem-estar e à própria vida do ser humano14, sobreveio a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados das Nações Unidas que, em seu artigo 3º, declarou como responsabilidade de todos os Estados a preservação dos recursos ambientais para as presentes e futuras gerações.

Nesse contexto de evolução do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, deve-se salientar o relevante papel da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho de 1992 – ECO 92 – que, além de reafirmar os princípios instituídos pela Declaração do Meio Ambiente, pregou o desenvolvimento sustentável como forma de compatibilizar o desenvolvimento humano, principalmente o econômico, com a proteção ao meio ambiente, tornando indispensável a conciliação do progresso do homem com a manutenção da biodiversidade.

Entre os princípios enunciados na citada Conferência, vale destacar o Princípio 22, o qual atribuiu papel essencial às populações indígenas e demais comunidades locais no gerenciamento ambiental, em razão de seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Preceituou, ainda, que é de incumbência dos Estados o reconhecimento e apoio da cultura, identidade e interesses desses povos, com o escopo de garantir a promoção do desenvolvimento sustentável.

Pode-se observar a assinatura de relevantes Convenções durante a referida Conferência. Destaca-se entre elas a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que configurou um marco relevante para o direito internacional. Diante de tal Convenção, admitiu-se, por parte de autoridades de diversas nações, que as atividades humanas podiam ocasionar desequilíbrios ambientais irreversíveis. Partindo dessa perspectiva,

14 A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente proclama que “o homem é ao mesmo

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se responsabilidades diferenciadas aos países industrializados, porquanto eram considerados potencialmente mais geradores de poluição.

Com o escopo de efetivar um controle mais rígido sobre o efeito estufa, em dezembro de 1995, celebrou-se o Protocolo de Quioto, o qual estabeleceu metas e prazos para a redução das emissões de gases causadores desse fenômeno causador de desequilíbrio ambiental e de aumento da temperatura do planeta15.

O Brasil acompanhou essa evolução do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, embora de modo tardio. À época da Conferência de Estocolmo, o Brasil, que estava em pleno regime militar, defendia a tese do “crescimento a qualquer custo”, partindo da concepção equivocada de que se justificava a prática de atividades deletérias em prol do avanço econômico por parte dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

É errôneo considerar que a proteção ambiental é obstáculo ao avanço do país. Na verdade, ela deve ser utilizada como instrumento de viabilização do desenvolvimento do Estado, porquanto, somente por meio de tal medida, põem-se a salvo os recursos naturais que configuram a base material do crescimento do país. Para tanto, prima-se por um planejamento de modo a conciliar o desenvolvimento econômico-social com a qualidade ambiental, o qual deve ser propiciado pela atuação conjunta da sociedade, incluindo os empresários e o governo.

2.3 A Constituição Federal de 1988

15 José Afonso da Silva bem explica no que consiste o fenômeno denominado efeito estufa ao

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Não se pode deixar de considerar a influência dos princípios da Declaração do Meio Ambiente de Estocolmo sobre a elaboração do Capítulo VI da Constituição Brasileira de 1988, o qual versa sobre o meio ambiente16.

A partir da conscientização para o problema de degradação ambiental, promoveu-se uma elaboração de normas jurídicas não somente no plano externo, com a celebração de convenções internacionais, mas também no plano interno.

Somente a partir dessa Lei Maior, pode-se vislumbrar uma proteção ambiental de forma específica e global17. Embora as Constituições brasileiras

anteriores fizessem constantes referências à necessidade de observância da função social da propriedade (1946, artigos 147 e 148; 1967, artigo 157, III; 1969, artigo 160, inciso III), nenhuma empregou a expressão 'meio ambiente', fato que revela um descaso ecológico por parte dos legisladores constitucionais da época.

De fato, a Constituição do Império, de 1824, em seu artigo 179, inciso XXIV, asseverava que “nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos”. Apesar da proibição de indústrias ofensivas à saúde dos cidadãos ter configurado avanço para a época, tal vedação não era propriamente uma previsão à proteção ecológica.

A partir da Lei Republicana de 1891, principiou-se uma preocupação com os elementos da natureza. A referida Carta, no artigo 34, n° 29, fez

16 Vale salientar a efetiva tutela ambiental propiciada pelo texto constitucional de 1988 em

relação a outras legislações elaboradas antes da Declaração de Estocolmo de 1972, pois tal proteção foi institucionalizada após o clamor universal de resguardar efetivamente o ecossistema. Nesse sentido, é o assegurado por Édis Milaré, ao afirmar: “apenas os países que elaboraram seus textos constitucionais a partir da década de 1970 – mais precisamente do ano de 1972, quando ocorreu a Conferência de Estocolmo – puderam assegurar tutela eficaz para o meio ambiente, de molde que respondesse aos clamores universais contra o que se convencionou chamar de ecocídio.” Acrescenta o autor que esta expressão deve ser entendida, no dizer de René Ariel Dotti, como “tal a morte ou destruição de todo um fenômeno natural de ressonância projetado pelas relações entre ambiente e os seres vivos”. DOTTI, René Ariel. Meio Ambiente e proteção penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 655, 1990, p. 246, apud MILARÉ, op. cit., p. 143.

17 Não se pode desprestigiar a importância da legislação infraconstitucional brasileira que, em

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menção à competência privativa do Congresso Nacional para legislar sobre minas e terras da União.

Já o Texto de 1934 resguardou as belezas naturais e os monumentos de valor histórico, artístico ou cultural, conforme disposto nos artigos 10, inciso III, e 148. Verificou-se também uma ampliação da competência da União, que pôde legislar em matéria de riquezas do subsolo, mineração, águas, florestas, caça, pesca e sua exploração, como previsto no artigo 5°, inciso XIX, alínea j.

A Constituição de 1937 também procurou proteger os monumentos históricos, artísticos e naturais, as paisagens e os locais especialmente dotados de natureza (artigo 134). Repetiu, em relação à Constituição anterior, a competência legislativa da União sobre minas, águas, florestas, caça, pesca e sua exploração. Acrescentou a possibilidade de o Estado legislar, diante de omissão de lei federal, ou para suplementar deficiências, sobre riquezas do subsolo, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e sua exploração, além de medidas de polícia para proteção das plantas e rebanhos contra moléstias ou agentes nocivos (artigo 18).

Não se verificou inovação com a Carta de 1946 e a de 1967 em relação à anterior, pois manteve a proteção do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (artigo 175, da primeira e artigo 172, parágrafo único, da segunda) e a competência legislativa da União.

Nesse sentido, também foi a Emenda n° 1 de 1969, outorgada pela Junta Militar, à Constituição de 1967, a qual conservou o mesmo entendimento de defesa do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (artigo 180, parágrafo único). Entretanto, pode-se observar a inovação trazida pelo artigo 172, a qual introduziu a expressão 'ecológica' em textos legais, ao asseverar: “a lei regulará, mediante prévio levantamento ecológico, o aproveitamento agrícola de terras sujeitas a intempéries e calamidades” e “o mau uso da terra impedirá o proprietário de receber incentivos e auxílios do Governo”.

Ao conferir capítulo próprio ao meio ambiente, a Carta Magna de 1988 atribuiu a esse bem jurídico um valor de ordem social, institucionalizando-o cinstitucionalizando-ominstitucionalizando-o direitinstitucionalizando-o fundamental.

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por José Afonso da Silva, três conjuntos de normas, a saber: a norma-matriz, ou norma-princípio, disposta no caput do mencionado artigo, que prevê o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; o segundo, declarado no §1º, traz os meios de garantia e de efetividade do direito enunciado no caput; e, por fim, o terceiro, elencado nos §§ 2º a 6º, faz referência ao conjunto de situações particulares que tratam de áreas de relevante interesse ecológico18.

A norma-matriz cria um direito constitucional e indisponível ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esse caráter de indisponibilidade pode ser verificado no texto constitucional que expressamente assegura esse direito às gerações vindouras e presentes, as quais devem resguardar o meio em que vivem, com o intuito de transmiti-lo em boas condições.

Também a norma-princípio, ao conferir ao meio ambiente a natureza de “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, estabelece, primeiramente, que o meio ambiente é direito de todos, direito público subjetivo que tem como titular toda a coletividade. Nesse mesmo sentido, o artigo 2°, inciso I, da Lei 6.938/81 já fazia referência à titularidade coletiva do direito ao meio ambiente, qualificando-o como patrimônio público. Em segundo lugar, seu caráter essencial torna-o indispensável à sadia qualidade de vida.

Por fim, a norma-matriz faz referência à imposição do dever de assegurar a defesa e a preservação ambiental, por parte dos cidadãos e do Poder Público, perante o qual é exigível. Desse modo, o Poder Público não tem a discricionariedade de atuar em prol do meio ambiente, não se pode falar em oportunidade e conveniência, pois a segurança ambiental figurará sempre como prioridade pública. De outro lado, o cidadão, além de ser titular passivo do meio ambiente ecologicamente equilibrado, é titular do dever de defendê-lo e preservá-lo, como bem assevera o texto constitucional.

Já o segundo conjunto prevê especificamente os deveres favoráveis ao meio ambiente saudável, quais sejam: preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais; promoção e manejo ecológico das espécies e ecossistemas; preservação da biodiversidade e controle das entidades de

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pesquisa e manipulação de material genérico; definição de espaços territoriais especialmente protegidos; realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental (EIA); controle de produção, comercialização e utilização de técnicas, método e substâncias nocivas à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente; educação ambiental; e proteção à fauna e à flora.

Vale ressaltar que, para a garantia da efetividade de tais instrumentos de proteção ao meio ambiente, devem ser sempre observados e aplicados os princípios ambientais norteadores da ação comunitária, entre outros, os previstos no artigo 130 R do Tratado da União Européia, a saber: precaução e ação preventiva; correção na fonte dos danos causados ao meio ambiente e princípio do poluidor-pagador.

Por derradeiro, o terceiro conjunto trata de situações peculiares e relevantes à proteção de áreas merecedoras de amparo constitucional. Dessa forma, atento para a realidade da exploração de recursos minerais que sempre ocasiona danos, o legislador constitucional atribuiu a obrigação do explorador de recuperar o meio ambiente degradado, independentemente de apuração de culpa. Para tanto, deve observar a solução técnica exigida pelo órgão público competente, de acordo com o regulamentado em lei.

Outrossim, dispensou especial atenção ao controle da energia nuclear19. O § 6º do artigo 225 condicionou a instalação de usinas nucleares à prévia edição de lei federal que regulamente a localização do empreendimento. Vale considerar que devem ser observados os mandamentos infraconstitucionais sobre a matéria, além da exigência de prévio EIA, como preceitua o § 1º, inciso IV, do referido dispositivo, haja vista se tratar de instalação de obra potencialmente causadora de significativa degradação ambiental.

Pertence também a esse conjunto normativo a previsão de responsabilização cumulativa, nas esferas penal, civil e administrativa, às pessoas físicas ou jurídicas, por condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente.

19 Em verdade, a Constituição Federal de 1988 preocupou-se com essa matéria em diversos

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Na seqüência, preocupou-se o constituinte em atribuir proteção homogênea a macrorregiões de elevado conteúdo ecológico, qualificando-as como patrimônio nacional. São elas: a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-grossense e a Zona Costeira. Com a finalidade de resguardar adequadamente esses espaços, determinou-se ainda que a utilização dessas regiões far-se-á de acordo com o estabelecido em lei.

Por fim, estabeleceu a indisponibilidade das terras devolutas ou arrecadadas pelo Estado, por ações discriminatórias, quando forem necessárias à proteção de ecossistemas naturais.

Cabe considerar que a proteção ambiental não se restringe ao Capítulo VI. A Constituição Federal de 1988 faz referência ao tema ao longo de seu texto em virtude do caráter multidisciplinar da matéria.

Nesse sentir, Alexandre de Moraes assevera que o Texto Supremo previu normas de proteção ambiental que podem ser divididas em quatro grupos de regras, a saber: regra de garantia, regras de competência, regras gerais e regras específicas20. Haja vista a efêmera abordagem sobre o artigo 225 da Constituição Federal, o qual compõe este último grupo de regras, e a objetividade perquirida pelo presente estudo, reserva-se a análise dos três outros grupos de regras referidos por Alexandre de Moraes.

Segundo o autor, pertence ao primeiro grupo a garantia prevista no artigo 5°, inciso LXXIII, a qual assegura a qualquer cidadão a propositura de ação popular para anular ato lesivo ao meio ambiente. Embora não mencionado por Alexandre de Moraes, não se pode deixar de olvidar da ação civil pública (artigo 129, inciso III) e do mandado de segurança coletivo (artigo 5°, inciso LXX), os quais são instrumentos apresentados pela Lei Suprema que são também garantidores da proteção ambiental.

No grupo de regras de competência, está inserido o artigo 23, incisos III, VI e VII, o qual atribui competência administrativa comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos. Também compete a tais entes federativos proteger o meio ambiente e

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combater qualquer tipo de poluição, bem como preservar as florestas, a fauna e a flora.

Igualmente está incluso no referido grupo o artigo 24, incisos VI, VII e VIII, que trata da competência da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais; proteção do meio ambiente, do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; controle da poluição; responsabilidade por danos ambientais e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Cabe inserir também o Município, em virtude da sua competência para legislar sobre assuntos de interesse local, conforme disciplinado no artigo 30, inciso I.

Ademais, pertence ao mencionado grupo a função institucional do Ministério Público de promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, consoante preceitua o artigo 129, inciso III.

Por derradeiro, nas regras gerais de proteção do meio ambiente, estão inseridos diversos dispositivos pertinentes. São eles os seguintes artigos: 170, inciso VI; 173, § 5°; 174, § 3°; 186, inciso II; 200, inciso VIII; 216, inciso V; e 231, § 1°.

2.4 Caráter fundamental do meio ambiente

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental do homem. Assim se afirma por assentimento com o lecionado por José Afonso da Silva que explica como deve ser compreendida a expressão21:

No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, não sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana.

Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais. (grifos no original)

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Nada mais essencial ao ser humano que o meio ambiente sadio e equilibrado. É difícil conceber que uma pessoa tenha qualidade de vida em um ambiente degradado e doente. Como apropriadamente pondera Paulo Affonso Leme Machado, a saúde dos seres humanos não significa somente não ter doenças diagnosticadas no presente. Também é necessária a preservação dos elementos da natureza, como o ar, a água, o solo, a fauna, a flora e a paisagem22.

Sobre o tema, também se manifestou Anízio Pires Gavião Filho, in litteris:

O direito ao meio ambiente deve ser entendido e reconhecido como um direito fundamental que não se deixa reduzir a um mero bem-estar físico, ampliando-se o objeto de sua consideração jurídica para alcançar não somente os danos e contaminações ao ambiente, mas também a qualidade de vida. Nesse ponto, deve-se observar que a integridade ambiental se constitui em bem jurídico autônomo que é resultante da combinação de elementos do ambiente natural e da sua relação com a vida humana.

Nesse sentido, alerta Édis Milaré23:

[...] considerando-se a presença da sociedade no Planeta, em permanente interação com os componentes bióticos e abióticos, é importante recordar que a saúde humana depende da saúde ambiental. Por isso, toda intervenção antrópica no ambiente deve ser no sentido de preservar ou recuperar a sua qualidade, visto que há interesses mútuos entre o meio natural e o ambiente humano. É óbvio, por conseguinte, que os elementos naturais presentes nos assentamentos humanos merecem cuidados peculiares, mesmo porque a pressão e a demanda exercidas sobre eles são intensas. Daí a necessidade imperiosa dos programas de saneamento básico, de conservação e utilização racional dos recursos.

Ademais, a Constituição Federal de 1988 prescreve, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana (artigo 1°, inciso III) e como objetivo, entre outros, o de promover o bem de todos (artigo 3°, inciso IV). Seguramente, pode-se afirmar que a implementação de tal base e meta deve ser alcançada mediante a proteção jurídica do meio ambiente. A Lei Maior, adequadamente, propiciou esse amparo ao assegurar o direito fundamental do homem ao meio ambiente sadio.

Outro aspecto relevante é a constatação de que o direito ao meio ambiente saudável é indissociável do direito à vida. Como bem acentuado no artigo 225 da Lei Suprema, o meio ambiente é bem jurídico essencial à sadia

22 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 56.

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qualidade de vida. Esta só pode ser alcançada e conservada se o meio ambiente estiver ecologicamente equilibrado. Assim, o legislador constituinte expressamente dispôs sobre a necessidade da preservação desse bem para a concretização de uma vida digna.

Também cabe observar que o direito à vida, além de compreender o direito à integridade física e moral, “é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”24. Dessa assertiva e de acordo com o postulado no dispositivo 225,

não se pode negar o caráter de fundamentalidade do direito à proteção ambiental, por ser necessário à configuração de uma vida decente e, conseqüentemente, aos exercícios de outros direitos.

Vale, ainda, trazer à colação o argumentado por Álvaro L. V. Mirra25:

É um direito fundamental da pessoa humana, como forma de preservar a 'vida e a dignidade das pessoas' – núcleo essencial dos direitos fundamentais, pois ninguém contesta que o quadro da destruição ambiental no mundo compromete a possibilidade de uma existência digna para a Humanidade e põe em risco a própria vida humana.

Afinal, como bem mencionado por Paulo Bonavides, os direitos fundamentais objetivam criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana26. De fato, a conservação do bioma propicia o bem estar de toda a coletividade. Por conseguinte, o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado é direito fundamental do homem.

Dessa afirmativa caberia a objeção diante do fato de que o direito em comento não se encontra previsto no Título II da Constituição Federal de 1988, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Desse modo, não seria possível considerá-lo como norma de direito fundamental.

Sem embargos de opinião em contrário, o direito fundamental, assim como outros direitos previstos constitucionalmente, deve ser visto como norma principiológica e deve-se entender que o referido Título não esgota o rol de direitos tidos como fundamentais, os quais, em verdade, estão dissipados ao longo do texto constitucional.

24 MORAES, op. cit., p. 30.

25 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Fundamentos do Direito Ambiental no Brasil. Revista dos

Tribunais, São Paulo, RT 706/707-29, ago. 1994, apud MACHADO, op. cit., p.120.

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Não é outro o entendimento de Alexandre de Moraes que disserta27:

Os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que difusamente.

Outrossim, parece ser esse o sentido do artigo 5°, § 2°, da Carta Magna, o qual prescreve que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Por conseguinte, é possível a existência de outros direitos fundamentais fora do título destinado a tais direitos.

Ao se analisar o caráter de fundamentabilidade do meio ambiente, torna-se oportuno fazer referência à classificação doutrinária desse direito fundamental.

Segundo a ordem histórica e cronológica do reconhecimento constitucional dos direitos fundamentais, o direito ao meio ambiente pertence à terceira geração28, ao lado do direito à saudável qualidade de vida, ao

progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, à comunicação e a outros direitos difusos.

Esses direitos são também denominados de direitos de solidariedade ou direitos de fraternidade em virtude de “não se destinarem especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo”29. São, portanto, direitos de titularidade coletiva ou difusa. Em

conseqüência, exigem esforços por parte de toda a coletividade para que sejam verdadeiramente concretizados.

27 MORAES, op. cit., p. 106.

28 Os direitos de primeira geração são aqueles que têm como titular o indivíduo, “traduzem-se

como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”. São eles: o direito à vida, à igualdade, à liberdade e à propriedade. Já os direitos de segunda geração são os que atribuem um comportamento ativo do Estado para a realização da justiça social. Compreendem “os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social”. Bonavides defende, ainda, a existência dos direitos fundamentais de quarta geração, os quais advêm, segundo o autor, da globalização dos direitos fundamentais. É composto pelos direitos à democracia, à informação e ao pluralismo. BONAVIDES, op. cit., p. 570-571.

(30)

Como direito fundamental, importantes conseqüências podem ser extraídas do direito à proteção ambiental. Entre elas, está o fato deste direito fruir de supremacia constitucional, de aplicabilidade imediata, em virtude do disposto no artigo 5°, § 1°, e da condição de cláusula pétrea, por força do artigo 60, § 4º.

É de extrema relevância a consideração do meio ambiente como direito fundamental, uma vez que tal direito pode colidir com outros direitos fundamentais, como seria o caso, a título de exemplo, daquele referente à liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, conforme o artigo 5º, inciso XIII da Constituição Federal. Diante desse conflito normativo, deve-se levar em consideração outro dispositivo constitucional, a dizer, o artigo 170, inciso VI, segundo o qual a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, deve observar, entre outros princípios, a defesa do meio ambiente.

Nesse rumo, a lição de Édis Milaré30:

De fato, o capítulo do Meio Ambiente está inserido na Ordem Social. Ora, o social constitui a grande meta de toda ação do Poder Público e da sociedade. A Ordem Econômica, que tem suas características e valores específicos, subordina-se à ordem social. Com efeito, o crescimento ou desenvolvimento socioeconômico deve portar-se como instrumento, um meio eficaz para subsidiar o objetivo social maior. Neste caso, as atividades econômicas não poderão, de forma alguma, gerar problemas que afetem a qualidade ambiental e impeçam o pleno atingimento dos escopos sociais.

O meio ambiente, como fator diretamente implicado no bem-estar da coletividade, deve ser protegido dos excessos quantitativos e qualitativos da produção econômica que afetam a sustentabilidade e dos abusos das liberdades que a Constituição confere aos empreendedores. Aliás, a própria Ordem Econômica, analisada em seguida, requer garantias de obediência às regulamentações científicas, técnicas, sociais e jurídicas relacionadas com a gestão ambiental.

E prossegue31:

De qualquer modo, cabe ressaltar que, nos termos da Constituição, estão desconformes – e, portanto, não podem prevalecer – as atividades decorrentes da iniciativa privada (da pública também) que violem a proteção do meio ambiente. Ou seja, a propriedade privada, base da ordem econômica constitucional, deixa de cumprir a sua função social – elementar para a sua garantia constitucional – quando se insurge contra o meio ambiente.

(31)

Igualmente deve ser observada a proteção do meio ambiente diante de eventual conflito entre esse direito e o direito fundamental à propriedade, positivado no artigo 5º, inciso XXII, da Carta Magna, que, no tocante à propriedade rural, restringe o cumprimento da função social ao atendimento simultâneo dos requisitos elencados no artigo 186, a saber: o aproveitamento racional e adequado, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis, a preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Há de se fazer uma nova leitura do direito de propriedade com a finalidade de relativizá-lo e harmonizá-lo com os demais direitos fundamentais, de modo a observar sua função social e ambiental. Portanto, deve ser invalidada a idéia de que o direito de propriedade é quase absoluto e destinado apenas ao uso exclusivo de seus titulares e usuários.

Portanto, no referidos exemplos, diante de uma eventual e aparente colisão normativa, não se deve excluir um direito fundamental, em prol da aplicação de outro. Almeja-se otimizá-los. A solução será encontrada por meio de um sopesamento dos direitos em questão, ao se buscar um resultado que atenda ao bem-estar de toda a coletividade.

Além disso, é oportuno observar que, com o escopo de assegurar efetivo respeito ao Estado de Direito e de deixar a salvo de condutas ilícitas praticadas a pretexto de se agir com amparo nos direitos fundamentais, é possível a limitação a tais direitos. Para tanto, deve-se aplicar o princípio da relatividade ou da convivência das liberdades públicas, bem como o da proporcionalidade.

Segundo tal princípio, os direitos fundamentais estão restritos aos demais direitos consagrados constitucionalmente. Assim, diante de eventual conflito entre direitos fundamentais, o intérprete deve primar pela harmonização ou concordância prática, de modo a resolver o impasse sem o sacrifício total de um dos bens jurídicos protegidos.

Nesse sentido, a Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas prevê expressamente:

(32)

liberalidades, todas as pessoas estarão sujeitas a limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Estes direitos e liberdades, não podem, em nenhum caso, serem exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas. Nada na presente Declaração poderá ser interpretado no sentido de conferir direito algum ao Estado, a um grupo ou a uma pessoa, para empreender e desenvolver atividades ou realizar atos tendentes a supressão de qualquer dos direitos e liberdades proclamados nesta Declaração.

Quanto à questão da aplicabilidade imediata do direito fundamental à proteção do meio ambiente, para compreensão das implicações que essa assertiva ocasiona ao direito em estudo, urge tecer algumas ponderações.

A aplicabilidade, conforme lecionado por José Afonso da Silva, é a “qualidade do que é aplicável. No sentido jurídico, diz-se da norma que tem possibilidade de ser aplicada, isto é, da norma que tem a capacidade de produzir efeitos jurídicos”32. Diferente é o sentido do termo eficácia. O referido autor explica que “eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais constituem fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados sobre os prismas diferentes: aquela como potencialidade; esta como realizabilidade, praticidade”33.

Não obstante não haver norma constitucional destituída de eficácia, algumas delas dependem de emissão de norma jurídica ordinária ou complementar para alcançar a plenitude dos efeitos jurídicos pretendidos pelo constituinte. Assim, seguindo a classificação apresentada pelo citado autor, os dispositivos constitucionais podem ser divididos em três grupos quanto à eficácia, a saber: normas constitucionais de eficácia plena, normas constitucionais de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia limitada. Esta, por sua vez, pode ser dividida em normas declaratórias de princípios institutivos ou organizativos e normas declaratórias de princípio programático34.

32 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6. ed., 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 13.

33 Ibid., p. 60.

34 Segundo José Afonso da Silva, normas de eficácia plena são aquelas que “desde a entrada

(33)

O que se quer esclarecer é que o direito à proteção ambiental, como norma fundamental, é de aplicação imediata. Entretanto, deve-se ater ao fato de que nem todas as regras do artigo 225 possuem eficácia plena, algumas delas são imprescindíveis de complementação para que sejam plenamente eficazes.

Os princípios e o direito de preservação do meio ambiente contido

no caput são de eficácia plena, pois diante da carência de norma

infraconstitucional regulamentadora desses interesses pleiteados, não se pode deixar de aplicar os princípios norteadores da defesa ambiental. Também gozam de eficácia plena os §§ 4º, que elenca as áreas que devem ser consideradas como patrimônio nacional, e 5º, que trata da indisponibilidade das terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, quando necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

Já o § 2°, o qual disciplina que “aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”, e o § 6º, segundo o qual as usinas que operam com reator nuclear somente poderão ser instaladas mediante expressa autorização de lei federal, transferem ao legislador infraconstitucional a incumbência de concretizar o direito fundamental de proteção ao meio ambiente sadio e equilibrado.

Conquanto o artigo 225 apresente presunção de eficácia plena em razão da auto-aplicabilidade de todos os direitos fundamentais, para determinar a eficácia das normas de proteção ambiental, será necessária interpretação constitucional do dispositivo em questão. Para tanto, deve ser levado em conta o asseverado, oportunamente, por Orci Paulino Bretanha Teixeira35:

[...] como o direito ao meio ambiente é essencial à qualidade de vida e à dignidade da pessoa humana – princípio que deverá ser considerado pelo intérprete, muitas vezes a ele é dado maior valor ou é considerado hierarquicamente superior aos demais. Daí a necessidade da interpretação sistemática do direito para saber qual prevalecerá ante o caso concreto.

Em síntese, proteger e preservar o ecossistema significa respeitar os interesses das presentes e futuras gerações: o homem é colocado

que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias”. Já as normas de eficácia limitada “são todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando a tarefa do legislador ordinário ou outro órgão do Estado”. Ibid., p. 82-83.

(34)

pela ordem jurídica constitucional como guardião dos bens ambientais em benefício próprio e das gerações do futuro, e deverá estabelecer um pacto de harmonia com a natureza. Para tanto, o direito ao meio ambiente será examinado como instrumento legal para a intervenção do Poder Público na economia; para a proteção e preservação dos recursos ambientais, cujos titulares são as presentes e futuras gerações, ou seja, a humanidade.

(35)

3 ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS

Diante dessa perspectiva de fundamentalidade, e com o escopo de assegurar acesso a todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Carta Magna expressamente previu espaços que devem ser, sobretudo, protegidos, gozando assim de um regime especial.

Destarte, cabe ao Poder Público, com o intuito de garantir esse direito, conforme disposto no artigo 225, § 1º, inciso III:

definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

A Lei n° 7.804, de 18 de julho de 1989, conferiu nova redação ao artigo 9° da Lei n° 6.938/81, de forma a incluir, entre os instrumentos da PNMA, a criação, por parte do Poder Público federal, estadual e municipal, de espaços territoriais especialmente protegidos (ETEP), a que alude a Constituição Federal.

Em verdade, verifica-se que a previsão desses espaços é anterior ao preceito constitucional em exame, porquanto, foi considerada como instrumento de tutela da natureza pelo revogado artigo 5º do Código Florestal (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965). O item a desse dispositivo normatizava o dever do Poder Público de criar Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, bem como Reservas Biológicas, com o objetivo de resguardar atributos excepcionais da natureza. Isso foi feito de forma a conciliar a proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização da área para os fins educacionais, recreativos e científicos. O parágrafo único acrescentava, ainda, a proibição de qualquer tipo de exploração dos recursos naturais nos referidos parques. O item b previa a criação de Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, com fins econômicos, técnicos ou sociais e de reservas de áreas ainda não florestadas e destinadas a atingir esse fim.

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instituir Reservas Biológicas Nacionais, Estaduais e Municipais, onde são proibidas as atividades de utilização, perseguição, caça, ou introdução de espécimes da fauna e flora silvestres e domésticas, bem como as modificações do meio ambiente a qualquer título. Entretanto, ressalvou as atividades científicas devidamente autorizadas pela autoridade competente.

Obstante esse fato, não se pode desprestigiar a inovação constitucional, haja vista a Constituição Federal de 1988 ter sido a primeira a regrar expressamente a matéria. Isso ocorreu no sentido de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, adotando uma política de manejo ecológico das espécies e ecossistemas, com a finalidade de proteger a diversidade e a integridade do patrimônio genético, assim como a fauna e flora, como preceitua o artigo 225, § 1º, incisos I, II e VII.

Por ETEP entende-se, nas palavras de Édis Milaré, que:

São espaços geográficos, públicos ou privados, dotados de atributos ambientais relevantes, que, por desempenharem papel estratégico na proteção da diversidade biológica existente no território nacional, requerem a sua sujeição, pela lei, a um regime de interesse público, através da limitação ou vedação do uso dos recursos ambientais da natureza pelas atividades econômicas36.

Como pode ser verificado no conceito proposto pelo autor, a delimitação desses espaços pode atingir tanto a propriedade de domínio público quanto a de domínio particular. Neste caso, o proprietário deve observar as prescrições legais e as condições indispensáveis à preservação dos recursos naturais, porque a área está sujeita a um regime jurídico de direito público. Dependendo do grau de proteção exigível, caberá desapropriação, se houver a intenção de assegurar integral proteção da área.

Essa limitação observa a função sócio-ambiental da propriedade, traduzida pela compatibilização do uso econômico da propriedade com um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. A Lei Maior prevê, em seu artigo 5º, inciso XXIII, que a “propriedade atenderá sua função social”. Não se pode cogitar de efetivo cumprimento da função social da propriedade sem levar em consideração a promoção do meio ambiente saudável previsto constitucionalmente.

(37)

É como, oportunamente, assevera Márcia Dieguez Leuzinger37:

E a função social da propriedade, que fornece os contornos do direito, condicionando sua utilização ao bem-estar coletivo, inclui a chamada função sócio-ambiental, que impõe a preservação do ambiente natural pelo proprietário, nos termos legalmente estabelecidos.

Destarte, para que o direito de propriedade seja exercido com observância de sua função sócio-ambiental, deve-se considerar esta como uma limitação que integra o conteúdo da propriedade. Para tanto, deve-se prestigiar uma utilização adequada dos recursos naturais.

Outro aspecto que se deve levar em consideração é a rigidez da alterabilidade do ETEP, em contraponto à flexibilidade de criação desses espaços pelo Poder Público.

Em momento algum, a Carta Magna dispôs que a criação do ETEP devesse ser proveniente de legislação ordinária. Assim, o Poder Público, para atingir essa finalidade, pode se valer de lei, decreto, portaria, bem como de resolução38.

Conforme o preceito constitucional, artigo 225, § 1º, inciso III, somente por meio de lei em sentido estrito poderá haver alteração, supressão, desafetação ou redução de limite do ETEP. Assim, o constituinte conferiu regime jurídico especial de modificabilidade das áreas ensejadoras de especial proteção, de modo que não autorizou à Administração Pública promover mudanças nesses espaços sem prévia ratificação do Congresso Nacional. No dizer de Paulo Affonso Leme Machado, essa prerrogativa é livre de qualquer exceção, por menor que seja a alteração só pode ser feita por lei39.

Nesse sentido, essa regra confere uma maior perenidade aos ecossistemas especialmente tutelados, assegurando rigidez ao regime especial de alterabilidade. Ademais, o legislador constituinte atentou-se para o fato de que os danos ambientais são de difícil reparação e, muitas vezes, irreparáveis. Portanto, urge estabelecer critérios com certo grau de dificuldade para modificação dos espaços territoriais dignos de especial proteção.

37 LEUZINGER, Márcia Dieguez. Criação de Espaços Territoriais Especialmente Protegidos e

Indenização. Revista de Direito Ambiental – Coordenação: Antônio Herman V. Benjamin e Édis Millaré – Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 7, n. 25, p. 108-128, jan./mar. 2002, p. 117.

38 No tocante às unidades de conservação, a Lei nº 9.985/2000 preceitua, no seu artigo 22, que

estas poderão ser criadas pelo Poder Público, podendo esse ato emanar do executivo, do legislativo, ou do judiciário.

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