Excesso de sal no pão dá multas até 5 mil euros a partir de hoje
Lei que agora entra em vigor é a primeira do género no mundo ocidental.
Panificadores dizem que já está a ser cumprida na maior parte dos casos
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Portugal é,apartir de hoje, opri- meiro país do mundo ocidental ater uma lei que impõe limites aoteor de sal no pão.Produzir
evender
pão com mais de 1,4 gramas de sal (por 100 gramas deproduto final ou 0,55 gramas de sódio) passa apoder ser punido com coimas até cinco mil eu- ros, estipula alegislação, que os re- presentantes dos panificadores desva-lorizam, garantindo quejá está aser cumprida na maior parte dos casos.
Defora ficam só ospães com "nomes protegidos", como a broa de Avintes e o pão de Favaios. Alei édetal forma
"pioneira" que os EUA estão agora a debater apossibilidade de introduzir limites do teor de sal por via legisla- tiva, diz ao PÚBLICO omédico Jorge Polónia. -»
Destaque
2a4
Alimentação Diploma que hoje entra em vigor prevê coimas até cinco mil euros
Portugal entre
os primeiros
a ter uma lei que limita sal no pão
Governo não apresentou proposta para reduzir sal noutros alimentos, como previa a lei. Tinha seis meses para o fazer, mas já passou um ano
Alexandra
Campos•
Portugal é,apartir
dehoje, opri- meiro país do mundo ocidental ater uma leique impõe limites aoteor de sal no pão.Produzir
evender
pão com mais de 1,4 gramas de sal (por 100gramas deproduto final ou 0,55 gramas de sódio) passa apoder serpunido
com coimas até cincomil
euros, estipula a legislação que osrepresentantes
dos panificadores desvalorizam, garantindo quejá
es- táa sercumprida na maior parte dos casos. Defora ficam só os pães com"nomes protegidos", como abroa de Avintes eo pão de Favaios.
Justifica-se aopção, inédita, de im- por restrições por via legislativa? Para acomunidade científica, sim. Por um lado, porque "somos opaís daEuropa com asmaiores taxas de ingestão de sal" -11,9 gramas por dia, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um máximo de5- e,por outro, por sermos líderes "nas taxas de acidente vascular cerebral (AVC)e
cancro do estômago", defende omé- dico eprofessor daFaculdade de Me- dicina do Porto Jorge Polónia - que em 2006 começou adesbravar ocaminho ao
medir
pelaprimeira
vez de uma forma rigorosa oconsumo diário de sal numa amostra superior aquatro centenas depessoas. Com uma equipa da Universidade Fernando Pessoa, no ano seguinte avaliou oteor desalem40
tipos de pão. A conclusão não foi animadora: o pão normal (não inte- gral) tinha entre 19a21gramas desal por cada quilograma, quase o dobro do encontrado nos pães britânicos e suíços analisados (13gramas).Alei édetal forma "pioneira" que os norte-americanos estão agora a debater apossibilidade deintroduzir limites do teor desalpor via legislati- va, justifica Jorge Polónia. "Estamos a servir de exemplo", orgulha-se Luís Martins, cardiologista eex-presidente da Sociedade Portuguesa de Hiperten- são, que colaborou nestes estudos.
Dirigentes de associações depani- ficadores contrapõem que odiploma da Assembleia da República "não faz sentido", até porque grande parte das padarias
já
produzem pão com teores de salinferiores ao máximo previsto nesta lei. "Fomos reduzindo progressivamente, antes mesmo de se falar em legislação", afirma Car-los Alberto Santos, da Associação do Comércio eda Indústria de Panifica- ção, Pastelaria eSimilares (ACIP).
"0
nosso pão tem em média apenas 10 a11gramas de sal (por quilograma)", assegura o
industrial, lamentando
que os deputados não setenham
"preocupado em verificar no terre- no" os valores "reais".
Jorge Polónia eLuís Martins acham
"óptimo" que assim seja, eaprovei-
tam para aplaudir
o "evidente im- pacto" do anúncio da lei, mas con- tinuam com dúvidas, até porque em2009
repetiram as análises aalgumas amostras de pão eamédia obtida era ainda superior a15gramas.Lei é "um alerta"
Pedro Graça, coordenador da Plata- forma contra aObesidade, da Direc- ção-Geral da Saúde, acredita que ac- tualmente os produtores jáestarão a seguir osvalores recomendados. Mas só quando alei começar a ser fisca- lizada -e essa competência está nas mãos daAutoridade de Segurança
Alimentar
e Económica (ASAE)-
é que se poderá perceber com rigor se ocumprimento é aregra.Os planos da ASAE são simples:
primeiro,
será feitauma
incursão no terreno para seter
uma ideia da situação, colhendo amostras sobre- tudo nos grandes produtores. "Se os resultadosforem
maus, insistimos na fiscalização; senão, faremosum
controlo aleatório", concretiza João Ribeiro, da ASAE.São os próprios autores dalei que admitem que o objectivo era
ir
mais longe. Aideia era começar pelo pão eavançar de seguida para outros ali- mentos. Aliás, alei étaxativa aeste propósito: especifica claramente que"o Governo apresenta àAssembleia daRepública um programa deinter- venção destinado àredução do teor desalnoutros alimentos" no prazo de seis meses. Oprazo mais do que ex- pirou enão foi apresentada qualquer proposta, entretanto. Caricaturando, o Governo desde há meio ano que não cumpre alei.
"Este diploma éuma gota no oce- ano. Há muito afazer para normali- zar os teores de sal nos alimentos", admite Joaquim Couto, ex-deputado socialista emédico, um dos autores do projecto de lei, que éoprimeiro aconceder que não se avançou mais
"por uma questão de protecção dos nossos produtores ecomércio".
"A lei é positiva por ser um alerta, mas não chega. Nãosepode ficar por aqui", corrobora apresidente daAs- sociação Portuguesa deNutricionis- tas, Alexandra Bento, que lembra que
"medidas avulsas em saúde pública não surtem efeito".
Outros países têm conseguido resul- tados importantes com recomenda- ções ecampanhas, como aInglaterra
eaFinlândia. Osbritânicos "consegui- ram, em dez anos, reduzir aingestão diária desalde 9,5 para 8,6gramas e com isso obtiveram um resultado es- timado de menos seis mil mortes por ano", descreve Jorge Polónia. Não se poderia fazer o mesmo emPortugal?
O problema é que para campanhas preventivas não hádinheiro do Esta- do, lamenta. "Temos um Ministério da Doença, não da Saúde."
Pão.come e sopa.come Projectos inovadores no Centro e em Penaf iel
Com oobjectivo de travar os acidentes vasculares cerebrais e outros problemas desaúde como a hipertensão, aAdministração Regional deSaúde (ARS) do Centro criou o projecto Minorsal.saude que procura reduzir aquantidade de sal no pão enasopa. Em Penafiel, a câmara, a indústria de panificação local e a restauração, com o apoio da Sociedade de Hipertensão, criaram um programa de redução do sal em restaurantes epadarias.
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projecto daARS do Centro inclui duas iniciativas: o pão.come, em curso desde 2006, e osopa.come, iniciado noano passado. Mais "ambiciosa" do que a lei, que estipula 14gramas de sal por quilo de pão, a proposta do projecto pão.come passa por reduzir oteor de salpara oito gramas. Parajá, os resultados apontam para uma média de nove gramas nas mais demil padarias aderentes.0
sopa.come encontra-se neste momento em fase de estudo nos distritos da Guarda e de Coimbra (só neste, foram analisadas mais de700sopas emcantinas erestaurantes). Osresultados mostram que aquantidade de sal posta nasopa éexcessiva:"Ocasionalmente, encontrámos alguns pratos de sopa com cerca de sete gramas desal", diz a responsável pelo
MinorsaLsaude, dodepartamento dePlaneamento e Saúde Pública da ARS,
Ilidia
Duarte.De acordo com os estudos existentes, secada português reduzisse um grama de sal por dia, poupar-se-iam, num ano, 2640 vidas. NaRegião Centro, asestimativas apontam para menos 470mortes. "Os benefícios da redução do sal para a saúde estão provados cientificamente. Isto não éum projecto de investigação, mas de intervenção", diz
Ilidia
Duarte.Também emPenafiel existe um projecto com objectivo idêntico
-
"Menos sal, mesmo sabor, mais saúde"-,
em funcionamento desde Julho nas padarias e nos restaurantes, com um grupo-piloto de30 estabelecimentos e que, segundo oautarca Alberto Santos, deverá ser alargado no futuro.Para além daredução do teor do sal no pão, de acordo com oestipulado pela lei, pretende-se, dizoautarca, que os restaurantes "façam um exercício de criatividade" esirvam pratos mais saudáveis. Serão também realizadas acções de rastreio da hipertensão edistribuída informação sobre os malefícios do consumo excessivo de sal.
Maria
João LopesPadeiros de bairro vão-se adaptando
Dantes o sal era deitado "a olho", agora a balança é que manda
Reportagem
Maria
Lopes eCarlos DiasA legislação obriga
eé preciso cumpri-la por causa da fiscalização.
Ospadeiros, apesar das reticências,
sentem-se obrigados a pesar
os 14gramas de sal
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Foium
grama apenas enem quem o amassa eleva ao forno notou no paladar. Maria da Luz Pedroso épadeira há 25 anos na aldeia de Negrais, no concelho de Sintra, epor dia passa-lhe pelas mãos (sai delas, naverdade, a partir das 2h30 da madrugada) o equivalente aperto de500
pães de quilo por dia. Sãobolas, boMnhas epães compridos que vende na salinha ao lado eomarido distribui pelas ruas da freguesia. Por vezes, até recheado de chouriço outorresmos, que épreciso contentar a clientela com paladares diferentes.
Com asogra aprendeu os gestos básicos e asquantidades. "Agente fazia como com osbolos, aolho.
Era assim uma 'manchinha'", diz a dona Rosa espreitando àporta, e fecha os dedos da mão em cacho, virados para baixo. Um livro de receitas diria qua amedida éuma colher de sopa cheia - mas a lei não se compadece com as diferenças de tamanho das colheres...
Maria da Luz pesa afarinha de
trigo, um grama defermento por quilo de pão eo bocadinho de massa que deixa da véspera - o fermento natural -para fazer as fornadas do dia, e até há uns meses acrescentava 15gramas de salpor cada quilo de massa. Soube da obrigação dereduzir para 14"pelos senhores da Higiene eSegurança Alimentar" que ali passam com frequência epela pessoa que lhe trata do HACCP (normas que os estabelecimentos ligados à alimentação têm que cumprir).
"Retirei [um grama] mas nem foi pelo sabor. Seeles chegarem aqui elevarem para análise já não tenho problemas." E os clientes queixaram-se? "Ninguém reclamou, mas como foi falado na televisão, houve quem perguntasse se o pão tinha ovalor de sal certo", conta enquanto vai raspando asbrasas do fundo para aboca do forno, para logo aseguir o encher com bocados de massa que demorarão meia hora até se
transformarem empão quentinho.
"Quem tem problemas de hipertensão vai para o pão integral
-
que tem omesmo sal-
ou paraopão sem sal", diz Maria da Luz quando retira do cesto de verga quatro bolinhas e asguarda no saco depapel que entrega aum cliente.
Francisco Coito sabe do que sefala ediz que não se importa de comer pão com pouco sal. "Agente láem casa come tudo com pouco sal e quando vou ao restaurante até lhes peço para não abusarem", responde ao contar o dinheiro trocado.
OAlentejo tem osmais altos índices de acidentes vasculares cerebrais do país. Um dos culpados éo elevado consumo de sal na dieta alimentar. A redução deste condimento no pão divide as opiniões nas padarias da região.
Francisco Felizardo, proprietário deum pequeno estabelecimento de panificação na freguesia de Quintos (Beja), diz que a lei não lhe
"vem ensinar nada". Hájáalgum tempo que fabrica pão com uma percentagem desalinferior aovalor que a nova leiimpõe. "Chega tarde para mim", acentua, frisando que, numa análise recente ao seu pão, foi-lhe comunicado que osalera
inferior ao máximo legal.
Mas àsvezes, reconhece, "a mão coloca um pouco mais de sal" e o cliente reage logo: "Oh, senhor Francisco, corte lá no sal." Dizque asua clientela jáestá habituada, e suficientemente consciencializada dos malefícios que derivam do excesso de salna comida. No entanto, não consegue produzir pão sem sal. "Dá consistência àfarinha", explica Francisco Felizardo.
Em S.Marcos da Ataboeira, concelho de Castro Verde, o padeiro Francisco Costa Guerreiro admite que os seus clientes vão
ter
dificuldade emconsumir, com menos sal,um
produto essencial na sua alimentação. "Fazem asleis e não tomam em conta arealidade que temos", observa. "São regras que vamos ter decumprir",prossegue este produtor de pão que também vende na região de Lisboa.
Resta-lhe saber seoproduto que fabrica "aguenta aredução de sal", pois, tal como o seu colega de Quintos, também acredita que ele é necessário "para dar consistência"
ao pão alentejano.