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O assistente do ministério público: (I) legitimidade para recorrer

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BENHUR FELIPE PEDROZO

O ASSISTENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO: (I) LEGITIMIDADE PARA RECORRER

Florianópolis 2015

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BENHUR FELIPE PEDROZO

O ASSISTENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO: (I) LEGITIMIDADE PARA RECORRER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Patrícia Ribeiro Mombach,/Ms. Florianópolis

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Dedico este trabalho a toda minha família, em especial os meus tios, Ika Flores e Marcelo Flores, que me acolheram e tanto contribuíram para minha formação.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha professora orientadora, Patricia Ribeiro Mombach, pelos conhecimentos transmitidos, que serão de grande valia à minha carreira jurídica, além da orientação neste trabalho acadêmico.

A toda equipe da segunda 2ª Promotoria Criminal desta Capital, os quais, além de se tornarem amigos, muito me ajudaram.

Aos meus pais e demais familiares, que sempre acreditaram em mim e me deram forças.

A minha namorada Caroline Coelho, que se mostrou inteiramente compreensiva e me ajudou sempre que necessário, inclusive pelos cafés e por me ouvir ler e reler diversas vezes trechos do presente trabalho.

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“Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (Boaventura de Souza Santos).

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RESUMO

É sabido que a Constituição Federal de 1988 consagrou no seu artigo 129, inciso I, como função privativa do Ministério Público a promoção da ação penal de iniciativa pública. No entanto, o Código de Processo Penal de 1941 traz o instituto do assistente de acusação, como um auxiliar do órgão ministerial para atuar nas ações penais públicas. Assim, necessária se faz uma discussão do instituto frente à ordem constitucional vigente e o Estado Democrático de Direitos, principalmente no que se refere ao artigo 598 do Código de Processo Penal, que possibilita ao assistente do Ministério Público interpor recurso, mesmo no caso em que o órgão titular da ação penal tenha optado por não interpor recurso. Este trabalho de conclusão de curso, portanto, tem a finalidade de acusar para a comunidade jurídica o retrocesso que a figura do assistente de acusação representa frente ao Estado de Direitos após a Constituição Federal de 1988 e identificar a não recepção constitucional do artigo 598 do Código de Processo Penal.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 12

2 SISTEMAS E PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL ... 14

2.1 SISTEMAS PROCESSUAIS ... 14

2.1.1 Sistema inquisitório ... 16

2.1.2 Sistema acusatório ... 18

2.1.3 Sistema misto e o processo penal brasileiro ... 21

2.1.4 O sistema misto: uma construção inquisitorial ... 21

2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL ... 24

2.2.1 Conceito de princípio ... 24

2.2.2 O princípio do devido processo legal ... 25

2.2.3 O Juiz natural ... 26

2.2.4 Princípio do contraditório e ampla defesa ... 27

2.2.5 Publicidade ... 28

2.2.6 Presunção de inocência ... 28

2.2.7 Duplo grau de jurisdição ... 29

2.2.8 Imparcialidade do juiz ... 29

3 A AÇÃO PENAL ... 31

3.1 ASPECTOS GERAIS E CONCEITO DE AÇÃO PENAL ... 31

3.1.1 Legitimidade ... 33

3.1.2 Possibilidade jurídica do pedido ... 35

3.1.3 Interesse de agir ... 36

3.1.4 Justa Causa ... 37

3.2 AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA ... 38

3.2.1 Oficialidade ... 39

3.2.2 Obrigatoriedade ... 39

3.2.3 Indisponibilidade ... 40

3.2.4 Indivisibilidade ... 40

3.2.5 Ação penal de iniciativa pública incondicionada ... 41

3.2.6 Ação penal de iniciativa pública condicionada ... 43

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4 O ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO E SEU DESVIRTUAMENTO COM O SISTEMA ACUSATÓRIO: A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 598 DO CÓDIGO DE

PROCESSO PENAL ... 49

4.1 O ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO ... 49

4.1.1 Atribuições do assistente de acusação ... 52

4.2 POSICIONAMENTO PREDOMINANTE ... 56

4.3 O ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO COMO FIGURA INCONSTITUCIONAL ... 60

4.3.1 O interesse patrimonial do ofendido... 63

4.4 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 598 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ... 63

5 CONCLUSÃO ... 68

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1 INTRODUÇÃO

Para grande parte da doutrina e da jurisprudência, o assistente de acusação exerce a função de “terceiro interessado” no âmbito do processo penal, podendo atuar não só como auxiliar do Ministério Público, mas também podendo o substituir nos casos de inércia do referido órgão estatal. No entanto, necessário se faz um estudo específico acerca do tema, uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil (artigo 129, I) incumbiu ao Ministério Público caráter privativo em promover ação penal, trazendo ao processo penal um caráter eminentemente público. Nesse sentido, indaga-se se nas situações em que o Ministério Público se der por satisfeito com uma sentença ou posicionar-se pela absolvição do acusado, estaria o assistente legitimado a interpor recurso nos termos do artigo 598 do Código de Processo?

Para tanto, foi utilizado na presente pesquisa o método de abordagem dedutivo, na medida em que o estudo buscou especificar as características individuais dos sistemas processuais, seguindo de qual deles a Constituição da República Federativa do Brasil adotou, levando em consideração os princípios nela destacados, para então, dar início ao desenvolvimento de raciocínios específicos em torno da hipótese firmada. Ainda, adotou-se como técnica de investigação a bibliográfica, a partir de pesquisas em excertos doutrinários e artigos, bem como consultas à jurisprudência e legislação.

A estrutura dessa monografia está dividida em três capítulos. O primeiro, realizará uma breve abordagem acerca dos sistemas processuais penais, o inquisitório, acusatório e o sistema misto, bem com o modelo recepcionado pela Constituição Federal de 1988, baseando-se nos princípios estipulados pela Carta Magna.

No segundo capítulo, será realizado um estudo específico acerca do direito de ação para se pleitear um julgamento no poder judiciário em matéria criminal, identificando o conceito, condições, procedimento, dentre outras classificações acerca da ação penal tanto de iniciativa pública como privada.

Por fim, já no último capítulo deste trabalho, inicialmente será realizado um estudo específico acerca da atuação do assistente de acusação no processo penal brasileiro, procedimento de habilitação, conceito, origem, bem como recentes discussões que englobam o tema.

Adentrando ao objetivo do trabalho, serão demonstrados os posicionamentos que defendem a atuação da figura do assistente de acusação no processo penal brasileiro, tanto na doutrina como na jurisprudência contemporânea. Após, será destacado os posicionamentos

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doutrinários que irão questionar a própria constitucionalidade da figura do assistente de acusação no Processo Penal brasileiro.

Por fim, destacado tais apontamentos, dar-se-á inicio a discussão acerca do artigo 598 do Código de Processo Penal, que possibilita o assistente de acusação promover recurso nas hipóteses de inércia do órgão Ministerial.

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2 SISTEMAS E PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL

Com o objetivo de contextualizar o presente tema, este capítulo primeiramente abordará os sistemas processuais historicamente conhecidos e, através de tal análise, identificar o modelo adotado pelo Brasil, com base nos princípios constitucionais fundantes do modelo penal acusatório constitucional e as consequências que esta escolha trouxe ao processo penal brasileiro.

2.1 SISTEMAS PROCESSUAIS

Antes de adentrar no estudo de cada sistema processual, será realizado uma breve análise dos Sistemas Processuais Penais propriamente ditos, sua definição, razão de criação e implementação no ordenamento jurídico no decorrer da história.

Aury Lopes Junior (2014), ao introduzir o tema, Sistemas Processuais, explica que na história do direito (devido ao aumento da criminalidade), é natural que o Estado crie mecanismos hábeis, como o aumento de sanções penais a fim de diminuir o índice de delitos. Dessa forma, o autor leciona que os sistemas processuais são espécies de respostas do processo penal frente às exigências do Estado e do direito penal, de cada época, a fim de tentar conter o índice da criminalidade.

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2001, p. 678) traz o significado da palavra “sistema” da seguinte maneira:

1 - Conjunto de elementos, matérias ou ideias, entre os quais se possam encontrar ou definir algumas relações.

2- Disposição das partes ou elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada: sistema penitenciário; sistema de refrigeração.

3- Reuniões de elementos naturais da mesma espécie, que constituem um conjunto intimamente relacionado [...].

Para Paulo Rangel (2013), os sistemas processuais podem ser conceituados como pontos criados em um conjunto de princípios e regras constitucionais de acordo com a época política vivenciada em cada Estado que, por sua vez, unem-se aplicando o direito penal caso a caso. Assim, em um Estado democrático de direitos em que é garantido o respeito ao cidadão frente às arbitrariedades estatais, serão aplicadas regras de um sistema acusatório e, por sua vez, em um Estado totalitário e repressivo, o sistema inquisitivo encontra sua apreciação.

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Contudo, não se pode dizer que a evolução de cada sistema obedeceu a uma ordem linear no tempo, do modelo inquisitivo para o moderno modelo acusatório, uma vez que, tanto em Roma, como na Grécia, já vigorava o sistema acusatório, enquanto o sistema inquisitorial foi utilizado somente ao longo da Idade Média, até o século XVII e XVIII (MACHADO, 2009).

Assim, destaca-se que o sistema inquisitivo e o sistema acusatório “na realidade tiveram sobrevivência praticamente simultâneas, só que em lugares diversos” (LIMA, 2013, p. 2).

No direito Grego, especialmente em Atenas, a jurisdição era dotada e exercida por órgãos colegiados. Cada um destes órgãos detinha competência para julgar crimes distintos, havendo também divisões entre delitos considerados públicos e privados, permitindo-se neste último caso, a desistência e transação durante o processo. Assim, tratando-se de delito considerado público o ofendido ou qualquer cidadão apresentava a acusação, não cabendo ao tribunal investigar ou produzir provas (PRADO, 2006).

Em Roma, os aspectos jurídicos e políticos articulado pelo Estado, seguiram a ideologia de cada sistema político dominante. Desse modo, durante a Monarquia, vigorou o processo penal público inquisitorial, o qual atribuía ao Estado, representado unicamente pelo magistrado, a função de imputar sanções penais de ofício sem provocação exterior, bem como o colhimento de provas e investigações sem que houvesse qualquer dispositivo legal, acerca da participação do acusado nestes atos processuais (KALED JÚNIOR, 2013).

Contudo, diante das arbitrariedades estatais frente a insuficiências de garantias, principalmente no que se referia às mulheres e aos que não eram considerados cidadãos (pois estes não podiam utilizar o denominado recurso de anulação das decisões judicias), culminou no enfraquecimento deste modelo processual, o qual posteriormente foi substituído (LOPES

JÚNIOR, 2014).

Portanto, pode-se dizer que os sistemas processuais ligam-se conforme a projeção histórica, política e legislativa vivenciada em cada Estado. Assim, a fim de compreender o modelo adequado a ser aplicado no Brasil na contemporaneidade, se faz imprescindível uma repercussão analítica em cada instituto, analisando suas características atuais ao longo da história para, por fim, compará-los através de uma margem constitucional.

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2.1.1 Sistema inquisitório

Com origem nos regimes monárquicos, o sistema inquisitorial se aperfeiçoou ao longo do século XVI até o século XVIII, após o modelo acusatório privado. Tal desenvolvimento ocorreu sob a justificativa de que a persecução criminal não poderia ser deixada a cargo dos particulares e de sua vontade (RANGEL, 2013).

A implantação deste modelo processual teve início quando o Estado passou primeiramente a permitir a instauração de um processo de ofício pelo magistrado nos crimes de flagrante delito. Posteriormente, a atribuição dos juízes foi invadindo cada vez mais o sistema acusatório, até chegar ao ponto em que o magistrado passou a exercer o papel de julgador e acusador, competência esta hoje atribuída ao Ministério Público (LOPES JÚNIOR, 2014).

Com a influência do direito canônico, o modelo inquisitorial passou a substituir aos pouco as garantias do processo acusatório. Assim, não existia o duelo entre o acusador e acusado, pois ao magistrado caberia assumir a acusação e dirigir o processamento que era escrito e sigiloso, atuando de ofício em caso de fato típico (LOPES JÚNIOR, 2014).

Marcos Alexandre Coelho Zilli (2003) afirma que no sistema inquisitorial adotava-se uma espécie de busca acerca da história dos fatos, pouco importando os meios utilizados para tanto e, segundo o autor, este modelo processual é composto pelas seguintes características:

1. Hierarquização da jurisdição: invariavelmente, o monarca é o depositário da jurisdição penal, que delega a funcionários subordinados, que a exercem em seu nome;

2. Presença do inquisidor: o poder de acusar e perseguir é exercido pelo mesmo órgão que também é encarregado de julgar

3. O acusado é tratado como um objeto de persecução e não como sujeito de direitos.

4. O procedimento consiste em uma investigação secreta escrita e descontínua; 5. No campo probatório, impera o sistema das provas legais. Ou seja, a valoração das provas atende a rigorosos critérios que podem afastar ou reconhecer um fato como elemento hábil para a formação da convicção;

6. O sistema e recursos reflete a forma hierarquizada de organização da jurisdição penal. Da mesma forma, que o monarca delega aos seus subordinados parcela da jurisdição que por eles é exercida, esta lhe é inteiramente devolvida quando do exame e julgamento do recurso (ZILLI, 2003, p. 40).

O modelo processual inquisitório é fortalecido no decorrer do século XII quando é instalado o Tribunal de Santo Ofício, o qual primeiramente não se preocupava com o crime cometido, sua maior repressão era contra manifestações divergentes aos ditames da igreja

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católica. Contudo, quando o cristianismo passou a ser considerado a religião oficial do clero, a punição sai somente do campo eclesial e passa a fazer parte de uma ideologia de segurança nacional (LOPES JÚNIOR, 2014).

Nesse sentido, consoante explicação de Antônio Alberto Machado o modelo eclesiástico de justiça criminal, apresentava consigo as seguintes características:

[...] (a) denúncia secreta em que a acusação não era revelada nem mesmo ao acusado; (b) instauração do processo com o exame da gravidade da culpa; (c) prisão que se prolongava por anos a fio nos casos mais graves (d) sequestro de bens para o custeio do réu no cárcere; (e) inquirição de testemunhas de acusação e defesa (f) inquirição do réu que se deveria revelar sua religião, origem, idade, profissão, laços familiares e de amizade; (g) preparação para tortura, em que o acusado assinava um termo de responsabilidade pelos castigos que passaria a receber; (h) exame de consciência e tortura quando então o réu era aconselhado pelos inquisidores a confessar os seus delitos; (i) Mesa Despacho, destinada ao exame da culpabilidade do réu; (j) sentença com a qualificação do delito e aplicação da pena correspondente (penitências, flagelações públicas, degredo, prisão, trabalho forçado e morte na fogueira; (k) Auto-de-fé, com a leitura da sentença e execução da pena em meio a verdadeiras festas nas sedes do Tribunal, em praça pública (MACHADO, 2009, p. 21).

Assim, pode-se constatar que o modelo inquisitorial que, primeiramente, foi criado como subsidiário do acusatório, posteriormente, passou a substituí-lo, tornando-se uma espécie de ferramenta na busca de uma “verdade” através da tortura e abuso por parte do Estado.

Por ser um modelo mais complexo e extenso que o modelo acusatório e em razão de alguns casos serem exigidas urgência no julgamento, criou-se um modelo sumaríssimo, o qual se caracterizava sob a coerção direta e aplicação de sentença imediata, como o emprego de enforcamento ou fuzilamento. (KALED JÚNIOR, 2013).

A fim de constatar como o processo penal foi regido nesta época, os autores Natale Benazzi e Matteo D’Amico transcrevem o julgamento contra Joana D’Arc, instaurado em 21 de fevereiro de 1431, na França. Feita a acusação pelo Bispo francês Cauchon:

Agora só resta a Joana a possibilidade de apelar à benevolência dos juízes. O texto da acusação está pronto e será pronto e será lido e rebatido durante longo dias. A donzela só pode ter como defensores os seus próprios acusadores: a pior situação para qualquer acusado. Ela decide defender-se sozinha. (BENAZZI E D’Amico, 2001, p. 65).

Somente em meados do século XVIII, diante do período humanitário que o direito penal vivenciou naquela época e, com as influências trazidas por Beccaria e Montesquiel, o

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processo penal voltou a vivenciar o modelo acusatório, com liberdades nas provas e evolução de uma acusação pública, agora realizada pelo Ministério Público (ANDRADE, 2008).

2.1.2 Sistema acusatório

Para realizar um estudo acerca deste Sistema e amoldá-lo com a atualidade, primeiramente será realizada uma investigação histórica entre dois períodos marcados por este modelo. A primeira análise está vinculada ao direito clássico, ou seja, o direito regulamentado na Grécia e em Roma. O segundo caminho que será trilhado, está voltado nas características implementadas por este modelo na atualidade.

Com origem no direito Ateniense, o sistema acusatório não foi o primeiro a vigorar na Grécia. Porém, antes de sua implantação, não havia participação da população perante o judiciário, pois a atividade jurisdicional encontrava-se inteiramente influenciada pela base oligárquica predominante daquela época. Assim, em razão das revoltas do povo, diante de tais injustiças e exclusão social, a população e a classe dominante elegeu Solon, um dos arcontes – pessoa incumbida de preparar leis daquela região – (por volta de 640 a.C.) a criar uma nova Constituição, dando-se início aos primeiros passos do sistema acusatório (ANDRADE, 2008).

As principais características implantadas pelo sistema acusatório no direito grego encontravam-se no procedimento (que primava pela oralidade), na garantia do contraditório e na distinção entre os delitos considerados públicos e privados, que neste último caso eram exercidos pelos particulares, (MIRABETE, 2002).

Antônio Alberto Machado explica que, em Antenas, a jurisdição criminal era dividida entre a assembleia do povo, o Areópago, os Efetas e os Heliestas e eram compostas da seguinte forma:

A assembleia do povo se encarregava de julgar os crimes mais graves; o Areópago tinha competência para julgar os homicídios dolosos e os crimes punidos com a pena de morte; os Efetas julgavam os homicídios não premeditados; e os Heliastas (assim chamado porque era um tribunal composto por cidadãos que proferiam seus julgamentos à luz do sol) exerciam a jurisdição criminal plena (MACHADO, 2009, p. 13).

Este modelo processual, conhecido pela doutrina como sistema acusatório puro, definitivamente representou um verdadeiro salto para o direito ateniense, pois a partir de sua implementação, passou ser garantido o direito ao contraditório, o julgamento era realizado

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oralmente e publicamente, o acusado gozava de liberdade e a presunção de inocência era estabelecida (KHALED JÚNIOR, 2013).

Contudo, em que pese este modelo sistema puro tenha estabelecido tais garantias naquela época, alguns pontos relevantes devem ser destacados.

Primeiramente, no que tange aos delitos considerados públicos e privados descritos acima, esta cisão não pode ser comparada com a forma que hoje conhecemos, pois a apreciação dos valores daquela época eram totalmente distintos da contemporaneidade. Como por exemplo, o delito de homicídio tentado ou até mesmo consumado que, por sua vez, eram considerados crimes de titularidade privada, cabendo somente à vítima ou seus familiares a atividade acusatória. Já os delitos considerados públicos eram aqueles que causavam algum perigo ao Estado, como o crime de circulação de moeda falsa e corrupção dos magistrados (ANDRADE, 2008).

Em razão de essa capacidade acusatória estar exclusivamente atrelada às mãos dos particulares (vítimas ou familiares), injustiças começaram a se manifestar. Primeiro a dificuldade encontrava-se já no início do processo, pois havia uma exigência de pagamento prévio para a vítima ingressar em juízo, com isso, diante da inviabilidade dessa compensação alguns crimes ficavam sem acusação. Outra questão estava relacionada ao fato da insegurança que o acusador particular deparava-se, permanecendo indefeso de futuras ameaças ou pressões (ANDRADE, 2008).

Já no direito Romano, duas formas de sistemas processuais distintas foram implantadas, a cognitio e acusatio. Da cognitio, chegou-se a acusatio da época republicana, que posteriormente decaiu e deu origem as características do sistema inquisitorial (KHALED JÚNIOR, 2013).

Geraldo Prado afirma que a accusatio foi caracterizada da seguinte maneira: Prerrogativa concedida a qualquer cidadão e, especialmente ao ofendido, de, munido de provas, produzir, perante o povo, a imputação, à margem, ou não, da inquisitivo, e assim, mover a ação penal, e tinha, pois, por pressuposto, a exigência de que ninguém podia ser levado a juízo sem uma acusação: nemo in iudicium tradetur sine accusatione (PRADO, 2002, p. 75).

Contudo, na época imperial este modelo restou insuficiente para combater a criminalidade, que por sua vez, deu margem aos magistrados ocuparem cada vez mais a posição de acusador e julgador e, diante dessas atribuições conferidas aos juízes, deu-se início aos primeiros passos para o modelo que futuramente seria conhecido como sistema inquisitorial (LOPES JÚNIOR, 2014).

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No período da modernidade o processo penal, mais uma vez, passou por uma transformação e, ao ser influenciado pelas ideias liberais da Revolução Francesa e do mundo civilizado, adotou-se a ideia trazida pelo sistema acusatório, finalizando os laços de vingança, opressão e abuso político adotado pelo sistema inquisitorial (MACHADO, 2009).

Conforme leciona Luigi Ferrajoli (2006), foi na Europa continental, com a presença da Constituição criminal de Teresina, em 1768 na Áustria e, com influência do Código de Processo de 1808 na França, que o caráter de vingança privada do particular na acusação foi substituído pelo caráter de prevenção do direito penal, momento este, em que o Ministério Público passou a assumir o monopólio da ação penal.

Aury Lopes Junior, afirma que na contemporaneidade o sistema acusatório é regido pelas seguintes características:

a) Clara distinção na função de acusar e julgar;

b) A iniciativa probatória deve ser das partes (decorrência lógica da sistinção entre as atividades);

c) Mantem-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) Tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); e) Procedimento é em regra oral (ou predominante);

f) Plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) Contraditório e possibilidade de resistência (defesa);

h) Ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional;

i) Instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada;

j) Possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 95).

Dessa forma, verifica-se que o sistema acusatório distingue-se totalmente do modelo inquisitorial e, conforme demonstrado acima, na atualidade este modelo vai além da divisão de tarefas entre acusar e julgar, o que o torna ainda mais dissemelhante do procedimento inquisitorial e, “Hodiernamente, no direito pátrio, vige o sistema acusatório (cf. art. 129, I, da CRFB), pois a função de acusar foi entregue, privativamente, a um órgão distinto: o Ministério Público, e, em casos excepcionais, ao particular” (RANGEL, 2008, p. 49).

Porém, razoável parcela da doutrina brasileira, entende que eles se encontram no sistema denominado misto, o qual será analisado a seguir.

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2.1.3 Sistema misto e o processo penal brasileiro

Após a análise dos procedimentos, inquisitivo e acusatório, será realizado um estudo acerca do sistema processual misto. Primeiramente, será visto que, apesar de grande parte da doutrina, afirmar que tal instituto divide-se tão somente nas funções entre acusar e julgar, alguns autores, contrariamente, além de opor a tal posicionamento, até negam a existência deste instituto.

Ainda, será elaborado um breve exame do sistema adotado no Brasil e, longe de esgotar a temática (uma vez que somente esta discussão exigiria um estudo específico) será destacado os impactos que a Constituição Federal vigente impõe ao processo penal brasileiro na contemporaneidade.

2.1.4 O sistema misto: uma construção inquisitorial

Oriundo das características implantadas após a revolução francesa, o sistema misto teve sua origem do Código Criminal de 1808 de Napoleão (ISHIDA, 2009).

Alguns autores, como Edilson Mougenot Bonfim e Roberto Avena, entendem que o modelo processual misto, assim é conhecido em razão de juntar em um único modelo característica inquisitorial e acusatória em um único sistema. (AVENA, 2014; BONFIM, 2009).

No mesmo sentido, Renato Brasileiro, assevera que este sistema carrega consigo as seguintes características:

É chamado de sistema misto porquanto o processo se desdobra em duas fases distintas: a primeira fase é tipicamente inquisitorial, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso, sem contraditório. Nesta, objetiva-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga, vigorando, em regra, a publicidade e a oralidade (Lima (2015, p. 41).

Edilson Mougenot Bonfim (2014) entende que no processo penal brasileiro, a divisão entre o sistema inquisitorial e acusatório, esta dividida entre o inquérito policial (fase inquisitorial) e o processo propriamente dito (fase acusatória), sendo neste último caso assegurado o direito constitucional das partes.

No mesmo sentido Guilherme de Souza Nucci (2014), afirma que em razão de o processo penal ser regulado pelo Código de Processo Penal de 1941 e pela Constituição Federal de 1988, o modelo a ser adotado no Brasil é o misto e, justificando tal

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posicionamento, o autor cita a livre apreciação da prova pelo magistrado (art. 155 do CPP), concluindo que a decisão proferida, desde que não exclusivamente, poderá ser fundamentada nas provas contidas no caderno indiciário.

Por outro lado, outros processualistas, em divergência, contrapõe tal entendimento.

Para Aury Lopes Júnior (2014), os sistemas processuais não estão atrelados tão somente nas funções entre acusador e julgador, mas sim, nas características que cada sistema carrega consigo. Para o autor, o processo é constituído por características semelhantes que juntas definem se o sistema consiste em ser acusatório ou inquisitivo e, por compor apenas uma das características do modelo acusatório, a separação de funções consiste em nada mais do que uma nota importante para a caracterização do sistema acusatório.

Corroborando com este entendimento, Jacinto Coutinho (1991) narra que o sistema considerado misto ao trazer características (secundárias) do sistema acusatório e inquisitorial, não carrega consigo um elemento próprio (um núcleo fundante), mas sim, componentes secundários destes dois sistemas e, por esta razão, este modelo não poderá ser considerado um sistema único, ou seja, ele será considerado inquisitivo ou acusatório.

Assim, o autor explica que os sistemas processuais, dividem-se na gestão probatória e caracterizam-se da seguinte maneira:

Princípio dispositivo: funda o sistema acusatório: a gestão da prova está nas mãos das partes (juiz espectador). Princípio inquisitivo: a gestão da prova está nas mãos do julgador (juiz ator[inquisidor]); por isso ele funda um sistema inquisitório (COUTINHO, p. 28, 1991).

Logo, para o sistema ser considerado acusatório, não basta o processo penal realizar uma separação inicial entre as funções e, posteriormente, permitir que a iniciativa probatória esteja atrelada na mão do magistrado, ou até mesmo consentir a contaminação de sua imparcialidade através de seu contato direto com o Inquérito Policial, conforme adotamos no Brasil (PRADO, 2006).

A farsa do “sistema misto” reside quando a prova é colhida de maneira inquisitorial através do inquérito policial e, posteriormente, ao ser aplicado na decisão, advém disfarçada com fundamentos mínimos colhidos no processo, apoiados por elementos máximos colhidos em um procedimento baseado no segredo e componentes inquisitórios (LOPES JÚNIOR, 2014).

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O certo, pensarmos, seria oferecer a denúncia e extrair dos autos do processo o procedimento administrativo pré-processual. Ou seja, o inquérito policial. O Ministério Público deveria provar toda a acusação feita em sua peça exordial, com as provas que propôs, e somente as provas não renováveis permaneceriam nos autos; exemplo: as perícias em geral e os exames de corpo de delito. Do contrário, se assim não pensarmos, estaremos tapando o sol com a peneira. Chamando de sistema acusatório puro aquilo que sabemos efetivamente não ser. Há inclusive quem pense que o juiz pode condenar com base em provas apenas do inquérito policial, o que para nós, como vamos mostrar é inadmissível (RANGEL, 2013, p. 54). Portanto, verifica-se que o sistema considerado misto, adotado no Brasil, está totalmente baseado em um sistema inquisitório, porém mascarado por algumas características secundárias do sistema democrático acusatório.

Para explicar tais características inquisitivas, ainda vivenciadas pelo Código de Processo Penal brasileiro, Eugênio Pacceli (2008) explica que para reconhecer sua vigência ou não, imprescindível se faz uma análise das perspectivas teóricas vivenciadas em 1941 e, posteriormente, compará-la com a nova ordem Constitucional, que além desta ser considerada hierarquicamente superior, também adveio de uma realidade histórica distinta. Assim, enquanto o Código de Processo Penal caracteriza as partes como mera ferramenta de prova, composto por um modelo inquisitorial, a Constituição Federal seguindo um campo distinto, apresenta um rol de direitos individuais além de outras características fundamentais do sistema acusatório que, por sua vez, superam o modelo processual adotado em 1941.

Neste mesmo sentido é o ensinamento de Geraldo Prado (2006), ao afirmar que em razão de a Constituição Federal atribuir exclusivamente à privatização da ação penal de iniciativa pública (tema este que será estudado em um momento oportuno), assegurando aos acusados à ampla defesa, contraditório e a presunção de inocência, até o transito em julgado, é inegável que o modelo adotado pelo Brasil (mesmo que não expresso) definitivamente é o acusatório. Contudo, se nos depararmos com as práticas processuais predominantes, bem como, os posicionamentos dos Tribunais Superiores, infelizmente, temos que admitir que no Brasil, o que prevalece é uma promessa de um Código de Processo Penal com perspectivas democráticas que ainda não foram concretizadas.

Corroborando com o caráter acusatório do Código de Processo Penal à luz da Constituição Federal, Marcellus Polastri Lima ensina que:

É neste sentido que se deve enxergar o sistema acusatório brasileiro, sendo que é acusatório no sentido de que cabe a um ógão próprio aduzir a acusação, retirando-se tal função cada vez mais do juiz. Agora, a grande questão que se coloca é o ativismo judicial ou não ativismo do juiz na produção de prova, e em que medida isto afronta

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o sistema acusatório [...] (LIMA, 2013 p. 24).

É neste sentido que Luigi Ferrajoli (2002) leciona que nada adianta termos uma Constituição riquíssima em princípios e direitos, mas com carência em técnicas de imposição que permitam o controle e a neutralização do poder e do direito ilegítimo.

Daí está correto Alexandre Morais da Rosa (2013), ao afirmar que para analisar os sistemas processuais devemos: “realinhar a noção a partir da leitura dos documentos de Direitos Humanos (Declaração e Pactos Internacionais) e a Constituição da República”. Ou seja, adequar o Código de Processo Penal aos direitos e garantias constitucionais, de modo que o ordenamento infraconstitucional seja reinterpretado em sentido constitucional, respeitando a pirâmide elaborada por Hans Kelsen, “a fim de olhar o novo com os olhos no novo” (STRECK, 2000).

Portanto, diante da análise realizada quanto à distinção dos sistemas processuais, bem como da necessidade de uma interpretação do Código de Processo Penal à luz da Constituição de 1988, é que serão estudados os princípios e garantias do processo penal. 2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

Com o intuito de identificar as diretrizes básicas do processo penal brasileiro, bem como a recepção do sistema acusatório após a Constituição Federal de 1988, será realizada uma breve análise acerca dos princípios básicos que regem o Processo Penal brasileiro.

2.2.1 Conceito de princípio

Para dar início ao estudo acerca dos princípios processuais, imprescindível para a compreensão desta temática, uma busca acerca da definição da palavra princípio.

Segundo o Dicionário Aurélio (2001) a palavra princípios pode ser conceituada da seguinte maneira: “momento ou local ou trecho em que algo tem origem; Causa primária; elemento predominante na Constituição de um corpo orgânico” (FERREIRA p. 594).

Consoante os ensinamentos de Paulo Rangel (2013), os princípios que regem o direito processual penal caracterizam-se como ponto de partida para a elaboração de toda matéria jurídica processual penal, servindo, muitas vezes, como base para o intérprete ou aplicador da norma elucidar futuras questões que possam ocorrer durante o processo penal.

Para Antônio Alberto Machado (2009), os princípios dividem-se em princípios fundantes e princípios regras. Segundo o autor, os princípios fundantes são aqueles que por

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carregar características nucleares de um processo liberal, civilizado e democrático, a sua aplicação torna-se obrigatória. Já os princípios-regra, sua aplicabilidade também será vinculada em todo ordenamento jurídico, porém, sua não observância somente trará mera irregularidade ao processo, ou seja, acarretará apenas nulidade relativa.

Quanto à classificação dos princípios Edilson Mougenot Bonfim os divide da seguinte maneira:

Explicito, ou seja, aqueles expressamente formulados em dispositivos normativos na ordem jurídica (CF, CPP) e Implícitos, que são aqueles, que embora não expressamente formulados nas leis, extraem-se intelectualmente das proposições normativas existentes na ordem jurídica, interpretando-as como conjunto coerente

(BONFIM, 2014, p. 36). Dessa forma, realizada a explanação do conceito, importância e sucinta elucidação

acerca das características dos princípios, a seguir serão delineados os principais traços que instruem o devido processo legal.

2.2.2 O princípio do devido processo legal

Esta garantia, apesar de ser positivada somente a partir da Constituição de 1988, implicitamente, já era prevista em nosso ordenamento jurídico por ser um princípio norteador de um Estado democrático de direitos. Na atualidade, o princípio do devido processo legal deve ser analisado não só como aquele preestabelecido em lei, mas também, deve visar o processo como meio de ferramenta condizente com as garantias fundamentais de um Estado de direito, ou seja, a concepção de devido processo legal vai além de um processo preestabelecido em nossa legislação, devendo ser observado como um mecanismo justo que obedece garantias básicas do individuo (CANOTILHO et al, 2013).

Norberto Avena destaca que através do devido processo legal vários direitos são reconhecidos, dentre eles estão:

1) Ao processo, que se traduz na garantia de acesso ao Poder Judiciário; 2) À citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação;

3) A um julgamento público e célere, sem procrastinações indevidas; 4) Ao contraditório e à ampla defesa;

5) À igualdade, o que abrange a paridade de armas e o tratamento processual isonômico;

6) De não ser investigado, acusado, processado ou condenado com fundamento em provas ilícitas;

7) À assistência judiciária gratuita;

8) À observância do princípio do juiz natural; 9) À produção probatória;

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10) De ser presumido inocente e, consequentemente, de não ser tratado, pelos agentes do Estado, como se fosse culpado, antes do

trânsito em julgado de sentença condenatória; 11) De não ser obrigado à autoincriminação;

12) De ser ouvido pessoalmente perante o juiz, a fim de poder narrar sua versão dos fatos;

13) De defesa patrocinada por profissional com capacitação técnica; o direito de conhecer os motivos que conduziram o juiz à sua

decisão (daí a obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais consagrada no art. 93, IX, da CF);

14) Ao duplo grau de jurisdição; e

15) De propor revisão criminal em relação à sentença penal condenatória, quando ocorrentes as hipóteses que autorizam o ingresso dessa ação (AVENA, p. 22-23, 2015).

Neste sentido, Paulo Rangel (2013) leciona que não podemos chegar a uma verdade processual, descumprindo as garantias de um devido processo legal. Assim, o autor destaca que todos os outros princípios estabelecidos em nosso ordenamento jurídico, derivam do devido processo legal, pois é com observância nesta garantia que devemos compreender o princípio do contraditório e outros que será destacado a seguir.

2.2.3 O Juiz natural

Oriundo da Constituição Imperial de 1824, ao preconizar que “ninguém poderá ser subtraído de juízes naturais”, o princípio do Juiz natural deve ser percebido como um direito do cidadão em tomar ciência previamente, sobre a autoridade julgadora competente que irá realizar o processamento e julgamento caso venha cometer algum delito (LIMA, 2015).

Sobre o destaque deste princípio na Constituição Federal vigente, no ano 2004, o Ministro do Supremo Federal Celso Mello destacou que:

O postulado do juiz natural, em sua projeção político jurídica, reveste-se de dupla função instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem, por titular, qualquer pessoa exposta, em juízo criminal, à ação persecutória do Estado, e, enquanto limitação insuperável, representa fator de restrição que incide sobre os órgãos do poder estatal incumbidos de promover, judicialmente, a repressão criminal. - É irrecusável, em nosso sistema de direito constitucional positivo - considerado o princípio do juiz natural - que ninguém poderá ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judiciária competente. Nenhuma pessoa, em conseqüência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A nova Constituição do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas - que representam limitações expressivas aos poderes do Estado - consagrou, de modo explícito, o postulado fundamental do juiz natural (BRASIL, 2004).

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Constituição Federal e deve ser interpretado como garantia do acusado de ser julgado não somente pelo juízo competente, mas também, por um órgão (poder judiciário) imparcial e previamente identificado pelas regras de competência, conforme se espera de um Estado democrático de direitos e, por consequência lógica, tais garantias acarretaram na divisão de funções entre acusador e julgador (AVENA 2015; NUCCI, 2014).

2.2.4 Princípio do contraditório e ampla defesa

Nas constituições brasileiras anteriores, o contraditório era reconhecido somente na esfera penal, no entanto, em contrapartida, a doutrina já destacava, em razão do princípio da igualdade, que o contraditório deveria ser reconhecido também na esfera civil (CANOTILHO et al, 2013).

Atualmente este princípio se estende não somente ao processo penal e ao processo civil, mas a qualquer processo judicial ou administrativo, consoante dispõe o art. 5º, LV, da Constituição Federal “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CANOTILHO et al, 2013).

No mesmo sentido, é o que dispõe o artigo 8º da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, ao destacar que:

Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ao tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou ara que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista fiscal ou qualquer outra natureza (CONVENÇÃO AMERICA DOBRE OS DIREITOS HUMANOS, 1969).

Norberto Avena (2015) explica que o contraditório vai além da simples oposição nos debates entre acusação e defesa. O autor destaca que este princípio busca trazer também a igualdade de oportunidades e tratamentos de todos no processo e destaca que esta garantia é inerente ao sistema acusatório, em que as partes encontram-se em pé de igualdade.

Por sua vez, o princípio da ampla defesa é caracterizado pelo direito de o acusado promover todos os meios disponíveis para defender-se aos fatos imputados pelo orgão acusador. No entanto, apesar deste princípio abarcar característias do contráditório, este será estendido a todas as partes do processo, enquanto a ampla defesa é conferida somente a defesa que será exercida por profissional da advocacia constutído, nomeado ou defensor público (LIMA, 2015).

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Em razão dessa garantia estender-se de variadas formas, curioso destacar as lições trazidas por Eugênio Pacelli de Oliveira (2008), ao lecionar que a ampla defesa será expandida também, ao advogado do corréu.

Nas palavras do autor, isto ocorre “porque, em tese é perfeitamente possível à colisão de interesses entre os réus, o que por si só, justificaria a participação do defensor daquele corréu [sic] sobre quem recaem acusações por parte de outro, por ocasião do interrogatório (OLIVEIRA, 2008)”.

2.2.5 Publicidade

Um processo que almeja afastar-se de um modelo totalitário será realizado sob o enfoque da publicidade de seus atos. Assim, se de um lado a publicidade irá estabelecer um maior controle para o litigante acompanhar os atos de um processo de seu interesse, de outro estabelecerá um controle do povo ao exercício do próprio poder judicário (Zilli, 2003).

Este princípio é outra garantia que deverá ser analisada em consonância com o devido processo legal. Assim, a fim de que sejam respeitados os preceitos básicos pevistos em lei de um processo, as garantias básicas de defesa do acusado devem ser respeitadas e, para que isto ocorra, ao acusado será garantido um acompanhamento dos atos processuais a que ele responde. Ainda, deve-se delimitar a função do magistrado, com o intuito de evitar que este cometa atos que comprometam a sua imparcialidade para realizar o devido julgamento (RANGEL, 2013).

No Brasil, tal garantia está constitucionalmente assegurada nos artigo 5º, LX c/c art. 37, caput, c/c art 93, IX, todos da Constituição Federal Penal (BRASIL, 1988).

2.2.6 Presunção de inocência

Em matéria criminal, competirá unicamente a acusação comprovar a culpabilidade do réu, ou seja, a violação de uma pessoa a uma norma penal, não será presumida, mas sim, deverá ser provada pelo Estado, atribuindo-se ao réu, a faculdade de permanecer em silêncio em seu interrogatório, sem ter qualquer tipo de prejulgamento a seu desfavor (NUCCI, 2014).

Acerca do tema Alexandre Morais da Rosa explica que:

[...] o processo penal, como garantia, precisa ser levado a sério, sob pena de se continuar a tratar a inocência como figura decorativo- retórica de uma democracia em constante construção e que aplica, ainda, processo penal do medievo, cujos efeitos nefastos se mostram todos os dias. Por isso é necessário mudar as

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cordenadas em que se analisa a lógica do processo, o papel do julgador e de cada julgador, especialmente no que toca a prisão cautelar via teoria dos jogos

(Rosa, 2013, p. 68-original sem grifo).

A presunção de inocência teve início por meio dos pensadores iluministas, quando estes passaram a se insurgir contra o modelo inquisitorial que vigorava e com a opressão punitiva que prevalecia no direito penal no final do século XVIII. O resultado a tais oposições deram marco a declaração de direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que inseriu expressamente a presunção de inocência, rompendo com o regime até então estabelecido (CANOTILHO et al, 2013).

No Brasil, apesar de as Constituições anteriores apresentarem garantias individuais, o princípio da presunção da inocência somente foi expressamente inserido em nosso ordenamento jurídico com a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, LVII, ao dispor que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CANOTILHO et al; 2013; BRASIL, 1988).

2.2.7 Duplo grau de jurisdição

Este princípio caracteriza-se pela garantia das partes interporem recursos ao órgão do poder judiciário para revisão de decisões de juízes ou tribunais. Em que pese não disposto expressamente na Constituição Federal, tal garantia esta devidamente descrita no art. 8.2, “h”, da Convenção Americana de Direitos Humanos e, conforme atual posição do Supremo Tribunal Federal, tal norma, encontra-se no patamar de norma supralegal, ou seja, abaixo da Constituição, mas acima das normas infraconstitucionais (LOPES JÚNIOR, 2014).

2.2.8 Imparcialidade do juiz

Ao situar-se no vértice da triangulação processual entre defensor e acusador, o magistrado atuará de forma neutra, vinculando-se as regras legais e o resultado das provas constantes no processo (AVENA, 2015).

É nesse sentido que Alexandre Morais da Rosa, ao trazer a Teoria dos Jogos ao processo penal, destaca que:

O juiz ignora os fatos, mas não e neutro, já que possui suas conotações políticas, religiosas, ideológicas, etc.., mas deve ser imparcial: afastando o subjetivo dos jogadores e do objeto da ação penal. Os jogadores poderão impgnar o julgador por

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exeção de suspeição/impedimento (CPP, art. 95). Para garantir a imparcialidade. (ROSA, 2013, p. 85).

Paulo Rangel (2013) ressalta que a imparcialidade do magistrado tem plena ligação com a implantação do sistema acusatório que, ao retirar a percusio criminis da mão do julgador e ao atribuir tal função exclusivamente ao Ministério Público, separou claramente o encargo dos sujeitos processuais visando à manutenção da imparcialidade do juiz. Desta maneira, em cumprimento a tais garantias, o autor aponta que as diligências investigatórias no curso do Inquérito Policial determinadas pelo magistrado (artigo 13 do Código de Processo Penal) à luz do sistema acusatório e da imparcialidade do magistrado estão revogadas.

Neste sentido, acerca de tal princípio, o supracitado autor registra que:

Inclusive sustentamos, à luz do sistema acusatório, que o juiz, ao iniciar a audiência para ouvir as testemunhas arroladas pelo MP, deveria, imediatamente, sem fazer qualquer pergunta sobre os fatos, passar a palavra para o Ministério Público – órgão acusador-, que iria perguntar o que entendesse necessário para corroborar (ou não) sua imputação penal. Posteriormente a palavra seria dada à defesa técnica, que agiria da mesma forma. Se a testemunha fosse arrolada na defesa prévia, o procedimento seria o mesmo: primeiro a defesa depois o MP. O juiz se limitaria às informações e advertêcnais de praxe, qualificação da testemunha, falso testemunho, impedimentos e suspeição etc (RANGEL, 2013, p. 20 - 21).

Assim, demonstrado as diferenças entre os sistemas processuais, suas origens históricas e algumas peculiaridades, bem como, realizado um estudo acerca do processo penal, por meio de seus princípios estruturais, claramente percebe-se que após o advento da Constituição Federal de 1988, o sistema processual adotado no Brasil é o acusatório.

Portanto, se as características do sistema acusatório ligam-se ao processo penal com um campo de diálago entre as partes em paridades de armas, realizando diligências e teses, claramente se observa que o momento do magistrado pronunciar-se está na decisão. (CARVALHO, 2013).

Dessa forma, a partir das concepções destacadas até este momento, a fim de se chegar ao objetivo deste trabalho, imprecíndivel se faz realizar um estudo sobre o direito de ação em matéria criminal, conforme será desenvolvido a seguir.

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3 A AÇÃO PENAL

Após análise acerca dos sistemas processuais e a constatação de sua aplicabilidade à luz da Constituição Federal de 1988 e de um breve estudo sobre os princípios que estruturam o devido processo penal na atualidade, claramente, pode observar que o sistema processual adotado pela Constituição vigente, sem sombra de dúvidas, é o acusatório, com aplicabilidade da publicidade dos atos processuais, respeito ao contraditório, duplo grau de jurisdição, ampla defesa e a separação de função entre acusador e julgador.

Dessa forma, superada esta fase, a fim de chegar ao objetivo deste trabalho, importa-nos, neste momento, realizar um estudo acerca do direito de ação, para se pleitear um julgamento no poder judiciário em matéria criminal, identificando o conceito, condições, procedimento, legitimidade, dentre outras classificações acerca da Ação Penal.

3.1 ASPECTOS GERAIS E CONCEITO DE AÇÃO PENAL

Após a amarga experiência da justiça privada, a qual deve ser interpretada como meio de evitar o retrocesso e proporcionar novos avanços ao direito, possibilitou-se ao cidadão recorrer aos órgãos estatais a fim de resolver os conflitos de seus interesses (BOSCHI, 1997).

Nesse quadro, o Estado passou a ser o devedor da atuação jurisdicional sempre que provocado e a ação caracterizou-se como um direito subjetivo público e independente, que será exercida contra o Estado, exigindo-se uma decisão sobre um anseio que será exercido por meio civilizado, substituindo a vingança privada (GRECCO FILHO, 2010).

Marcellus Polastri Lima conceitua Ação Penal da seguinte maneira:

[...] uma fase da percusio criminis. O Estado, na preservação da harmonia e estabilidade da sociedade, opõe-se ao delito, através da preservação ou repressão. Assim, praticado o fato vedado no direito objetivo penal, inicia-se a persecução criminal do Estado com a investigação, onde será esclarecido o fato e sua autoria e, posteriormente surge o direito do Estado – Administração de pedir ao Estado Juiz a aplicação da lei: a ação penal (LIMA, 2010, p. 151).

No mesmo sentido, Norberto Avena destaca que:

O crime é a conduta que lesam direitos individuais e sociais. Sendo assim, a sua prática gera ao Estado o poder-dever de punir. Como esta punição não pode ser arbitrária nem ocorrer à revelia das garantias individuais do indivíduo, é necessária a existência de uma fase prévia de apuração, assegurando-se ao possível responsável o direito de defesa, o contraditório e a produção de provas. Aqui, então, surge a ação penal, como ato inicial desse procedimento cognitivo, alicerçando-se no direito de postular ao Estado a aplicação de uma sanção em face da infringência a uma norma

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penal incriminadora (AVENA, 2015, p. 238 ).

Em nosso ordenamento jurídico, o direito de ação está claramente previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal e regulado pelo Código de Processo Penal a partir do artigo 24 (RANGEL, 2013).

Cabe destacar que a ação penal tem plena autonomia e independência quanto à relação jurídica de direito material. Assim, realizada uma conduta descrita como típica prevista no Código Penal, não será necessariamente instaurada uma ação penal sob tal crime praticado (como por exemplo, um delito em que já tenha ocorrido a prescrição). No mesmo sentido, a ação penal poderá será instaurada mesmo que não tenha ocorrido um fato delituoso, como por exemplo, ao final da ação o juiz reconheça tal delito como inexistente. (FELDENS; SCHIMIDT, 2007).

De qualquer forma, verifica-se que por meio da ação penal e da atuação do judiciário busca-se a denominada pretensão do direito material sob o bem jurídico protegido que, por sua vez, será voltada em face do réu (GRECO FILHO, 2010).

Contudo, importante ressaltar que para o exercício regular da ação penal, o Código de Processo Penal em seu artigo 395 destaca que “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: [...] II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal”. (BRASIL, 1941)

Tais condições descritas acima foram estabelecidas pela doutrina do processo civil, as quais hoje são atribuídas ao Código de Processo Penal (LIMA, 2010) e, conforme aponta Vicente Greco Filho “o direito de pedir a prestação jurisdicional não é incondicional e genérico. Ele nasce quando a pessoa reúne certas condições previstas na legislação processual e material, e que é a legitimidade para a causa, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido” (GRECO FILHO, 2010 p. 37).

Contudo, da mesma forma que o direito de ação não se confunde com o direito material, igualmente, as condições exigidas pelo Código de Processo Penal não vão sobressair-se ao direito material, mas sim, para o seu regular exercício de agir (FELDENS; SCHIMIDT, 2007).

Desse modo, realizado tais considerações inicias e tendo em vista que para dar início a ação se faz imprescindível o preenchimento de certos requisitos de admissibilidade, fundamental se faz realizar um estudo específico acerca de cada uma dessas condições separadamente.

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3.1.1 Legitimidade

Conforme já destacado no início deste capítulo, após vedar a solução privada dos conflitos, o Estado assumiu pra si a jurisdição, mas não só isso, em matéria criminal passou a exercer o polo ativo da ação penal de natureza pública, atuando em favor de seu interesse ou dos particulares.

Desta forma, tratando-se de ação penal de natureza pública, seja ela condicionada ou incondicionada, a legitimidade ativa (regra geral) será composta pelo Ministério Público e, diferentemente como ocorre no âmbito do processo civil (em que o autor é incumbido de promover a ação, é o titular do direito material), no processo penal, tal atribuição é entregue ao Estado, o qual atuará por meio do Ministério Público (PACELLI, 2008).

Cabe salientar que a razão desta atuação ser exercida pelo Ministério Público e não pelo magistrado liga-se, diretamente, ao modelo acusatório adotado pelo nosso ordenamento jurídico, consoante explicações destacadas no primeiro capítulo.

Sobre o nascedouro do Ministério Público, majoritariamente prevalece o entendimento que a origem da instituição adveio da ordenança francesa de Felipe IV, em 1302, ao destacar sobre a atuação dos procuradores do rei (MAZZILI, 2007).

Não cabe aqui realizar um estudo específico e profundo acerca da história e da evolução da instituição, uma vez que apesar do tema ser instigante e de grande importância, demandaria uma pesquisa específica para revelar a evolução da instituição até os dias atuais. Neste momento, importa-nos destacar que o Ministério Público há muito tempo deixou de ser advogado do rei, para se tornar a instituição que hoje defende a defesa social (BOSCHI, 1997).

Atualmente é concebido ao Ministério Público uma atuação no órgão do poder judiciário, possuindo a instituição garantias autônomas, orçamental e administrativa independente (BONFIM, 2014).

Tais garantias foram estabelecidas pela Constituição Federal de 1988, que após reconhecer amplos direitos fundamentais envolvendo desde os individuais aos coletivos, constatou a necessidade de implementação e estruturação de seus órgãos, criando mecanismos a fim de que os princípios e regramentos constitucionais fossem devidamente cumpridos (SOUZA, 2007).

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Do mesmo modo que a instituição de uma justiça foi consequência do crescimento e da expansão do Estado, embora sob justificativas as mais diversas, também o Ministério Público revelou-se como resultado da aplicação dos poderes de intervenção estatal, a partir de uma justificação comum, sobretudo no campo penal: a necessidade de se impedir a vingança privada, como a jurisdicionalização da solução de resolução da solução de conflitos sociais, em critérios pautados pela e na racionalização do poder [...] (OLIVEIRA, 2008, p. 383).

A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Ministério Público, em caráter privativo, a função de promover a ação penal de iniciativa pública conforme se depreende do art. 129 I: “São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei [...]” (BRASIL, 1988).

O termo “promover” pode ser descrito, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, da seguinte maneira: “1. Dar impulso a: fazer avançar. 2. Causar, originar. 3. Diligenciar para que se realize.4. Elevar a, classe ou superior, (FERREIRA, 2001, p. 598) ”.

Portanto, destaca-se que, em matéria criminal, a legitimidade do Ministério Público, vai além do simples ato de dar início à ação penal de iniciativa pública. Suas atribuições vão se destacar, tanto na investigação criminal, quanto na propositura de eventuais recursos decorrentes de uma decisão (GRECO FILHO, 2010; LIMA 2010).

Nesse quadro, é com importante notoriedade que Motauri Ciocchetti de Souza assevera que:

Arrogando para si o Estado a função de exercer a percusio criminis, substituindo a vontade da vítima, pela sua, tendo em vista a relevância social da apuração do delito e da imposição da reprimenda que vier a se mostrar adequada ao caso concreto, vencido o trâmite processual e observadas as garantias fundamentais do acusado, por certo que a sua ação há de ser potestativa como a do acusador privado. Surge, assim para o Estado, por intermédio do acusador público, o poder-dever de agir submetendo ao crivo jurisdicional as lesões a interesses de relevância social, consubstanciados nas normas incriminadoras inserta no Código Penal ou em Lei extravagantes (SOUZA, 2007 p. 157).

E, salientando a concepção do sistema acusatório ao tema, Geraldo Prado ensina que:

O simples fato de colocar o Ministério Público no lugar da vítima simboliza a impropriedade de pensar a ação penal nos moldes liberais de defesa de direitos disponíveis (origem da noção do direito de ação civil). Até mesmo nos sistemas jurídicos que adotam o princípio da oportunidade da ação penal pública (o Ministério Público tem margem de decisão sobre acusar ou não), a “liberdade” do Ministério Público é inconfundível com a “faculdade” do autor civil. A liberdade do Ministério Público estará sempre dirigida pelo princípio da legalidade, protegendo a comunidade das decisões pessoais de cada integrante da referida instituição, enquanto as motivações estritamente pessoais ´podem afetar na base da decisão de não se promover a ação civil clássica (PRADO, 2007 p. 113).

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Portanto, ao ser legitimado para agir pelo interesse da sociedade, ao Ministério Público não é facultado o poder de escolha entre, agir ou não (conforme detém o autor da ação no âmbito do Processo civil), mas sim, terá o dever de agir.

Conforme aponta José Frederico Marques: “se a própria notitia criminis é obrigatória, no exercício da função pública, como se admitir que deixe de denunciar o promotor que, no exercício de suas funções recebeu um inquérito policial e as peças de informação sobre a prática de algum crime?” (MARQUES, 2000, p. 377- 378).

Ressalta-se, ainda, que em caso de omissão do Ministério Público em proceder ao direito de ação no prazo em que lhe foi conferido, a própria Constituição Federal no art. 5

º

LIX, atribuiu ao particular, por meio de ação penal privada subsidiária, a promoção ao direito de ação (AVENA, 2015).

Conforme bem destaca Vicente Greco Filho (2010), regra geral, a legitimidade para interpor a ação penal é do Ministério Público. Desse modo, se a lei nada disser acerca da legitimidade, o direito de ação está vinculado ao Ministério Público. No entanto, se a lei que tipificou tal delito compuser uma legitimidade ativa diversa, estaremos diante de uma legitimidade extraordinária (situação que ocorre na ação penal de iniciativa privada), a qual será analisada com maiores detalhes em um momento oportuno ainda neste capítulo.

Já a parte passiva da ação interposta será em face do autor dos fatos que perpetrou uma conduta delituosa prevista como crime narrada na peça acusatória, a qual só surtirá seus efeitos se este autor for pessoa apta a sofrer as sanções penais (FELDENS; SCHIMIDT, 2007).

Assim, se o Ministério Público, por exemplo, alega que o fato foi praticado por uma determinada pessoa e posteriormente pede a condenação de outra ou, se os fatos foram imputados à vítima, se estará diante de uma situação de ilegitimidade passiva (LIMA, 2010). 3.1.2 Possibilidade jurídica do pedido

O fato narrado na exordial acusatória deverá ser considerado crime, ou seja, a pretensão acusatória do Ministério Público deverá versar sobre fatos já previstos em lei como crime ou contravenção (MESSA, 2014).

Conforme ensina José Antônio Paganella Boschi (2007), a possibilidade jurídica do pedido está diretamente vinculada ao princípio da reserva legal e, conforme destaca o supracitado autor “a possibilidade jurídica do pedido é sinônimo de tipicidade. Ao criar o tipo,

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o legislador toma como base os dados reais e configura, abstratamente, em conceitos, o fato” (BOSCHI, 1997, p. 79-80).

Da mesma forma, tal regra também será aplicada à pena ora requerida, conforme salienta Paulo Rangel:

Assim, não obstante ter ocorrido um fato previsto em lei como crime (estelionato, receptação, furto etc.), não há possibilidade jurídica de se pedir, nesses casos, pena de prisão perpétua, de morte, de trabalho forçado, de banimento ou cruel (cf. art. 5 º, XLVII, da CRFB). Portanto, a possibilidade jurídica do pedido refere-se tanto à infração (conduta descrita como ilícito penal) como à pena requerida pelo Ministério Público e pelo ofendido (RANGEL, 2013 p. 280).

Portanto, na fase de admissibilidade da peça exordial, evidentemente que não será analisado a prova constante nos autos a fundo, mas, tratando-se de ação proposta em face de uma conduta não prevista em nosso ordenamento jurídico como crime ou delito a ação será caracterizada como indevida. O que não se confunde com a absolvição do acusado, mas sim, será negado o direito de ação por falta de condição da ação (LIMA, 2010).

3.1.3 Interesse de agir

A ação penal só deverá ser iniciada nos casos, em que o interesse estatal de agir está presente. Assim, “não se trata de avaliar a vantagem acerca da propositura da ação penal para o seu autor, mas sim, a viabilidade jurídica da pretensão descrita na exordial acusatória, ou seja, a necessidade da tutela penal” (FELDENS; SCHIMIDT, 2007, p. 87).

Conforme destaca Vicente Greco Filho (2010), uma das formas de analisar se o autor possui interesse na ação, este deve verificar se para a resolução do conflito, não existe outro mecanismo capaz de concretizar a solução do litígio e, nas palavras do autor supracitado, o direito de ação provém da seguinte maneira:

Nasce diante da resistência que alguém oferece à satisfação da pretensão de outrem, porque este não pode fazer justiça pelas próprias mãos. Essa resistência pode ser formal, declarada ou simplesmente resultante da inércia de alguém que deixa de cumprir o que o outro acha que deveria. Há ainda, interesse processual quando a lei exige expressamente a intervenção do judiciário, como acontece no processo penal, em que, em virtude do princípio nulla poena sine judicio, nenhuma sanção penal pode ser aplicada sem o devido processo legal, ainda que o acusado queira o contrário (GRECCO FILHO, 2010, p. 104).

Portanto, nas ocasiões em que o legislador de maneira expressa exigiu a ação estatal para resolução dos conflitos, também conferiu ao Estado avaliar a viabilidade jurídica de agir, como por exemplo, ocorre quando detectada a prescrição de um delito antes do

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oferecimento da denúncia (RANGEL, 2013). Por fim, cabe ressaltar que diferentemente de como ocorre no âmbito do processo civil, no processo penal, o interesse não deve ser visto como uma forma de utilidade no provimento, mas sim, de quem realmente tiver legitimidade para propor a ação (LOPES JÚNIOR, 2014).

3.1.4 Justa Causa

Conforme dispõe o artigo 395, III, do Código de Processo Penal: “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: [...] III - faltar justa causa para o exercício da ação penal” (BRASIL, 1941).

Para a doutrina, a justa causa é descrita como a quarta condição da ação, que por sua vez é caracterizada, como uma espécie de limite ao direito de acusar a fim de evitar a ocorrência do abuso deste direito (LOPES JÚNIOR. 2014).

Assim, destacando que a ação penal deverá ter suportes mínimos de veracidade quanto à autoria e materialidade de uma conduta tipificada como crime, Aury Lopes Jr. ensina que:

Deve a acusação ser portadora de elementos-geralmente extraídos da investigação preliminar (inquérito policial) – probatórios que justifiquem a admissão da acusação e o custo que representa o processo penal em termos de estigmatização e penas processuais. Caso os elementos probatórios do Inquérito Policial sejam insuficientes para justificar a abertura do processo penal, deve o juiz rejeitar a acusação (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 378).

Ainda, por tratar-se de matéria processual, elencada em lei, o termo técnico a ser empregado quando verificado a falta desta condição denominar-se-á “o não recebimento de denúncia”, pois a denominação de “rejeição da denuncia” (art. 395 caput do CPP), é hipótese de matéria correlacionada ao direito penal (RANGEL, 2013).

Sobre as condições da ação, Aury Lopes (2014), Júnior levanta um posicionamento distinto, daquele anteriormente destacado. Primeiramente o autor destaca que, o direito de ação divide-se em dois tempos, sobre o aspecto constitucional e sobre o aspecto processual penal.

Sob o ponto de vista constitucional, não há que se falar em condições da ação, pois o seu exercício está deliberadamente assegurado pela Constituição Federal (artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal), estando incondicionado a qualquer proibição ou condição, em outras palavras, não se tem como proibir o órgão ministerial de oferecer uma denúncia ou o particular de oferecer a queixa. Por outro lado, no segundo momento, em que se faz uma

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