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Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR): técnica processual antídoto para alívio de problemas processuais contemporâneos

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INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR): TÉCNICA PROCESSUAL ANTÍDOTO PARA ALÍVIO DE PROBLEMAS PROCESSUAIS CONTEMPORÂNEOS.

Rômulo Araújo dos Santos

Resumo: O presente trabalho visa refletir sobre o Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas, mecanismo processual introduzido no Direito brasileiro pelo Novo Código de Processo Civil de 2015, em seus artigos 976 a 987. Esse instrumento objetiva amenizar a sobrecarga que assola o poder judiciário brasileiro, onde questões repetidas em processos distintos atrasam a prestação jurisdicional, bem como acarretam em decisões diferentes para temas idênticos, trazendo insegurança jurídica e ofensa à isonomia. O estudo abrangerá uma breve reflexão sobre a evolução da vida em sociedade e consequente massificação das relações jurídicas, tratará sobre a cultura da busca excessiva da jurisdição e da insistente discordância das decisões judiciais, discorrerá sobre a problemática da obstrução do judiciário com questões de direito idênticas e os mecanismos de desobstrução, debaterá acerca do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas com análise de sua origem, natureza jurídica, pressupostos e aplicação prática. Serão utilizados subsídios doutrinários, legais e jurisprudenciais.

Palavras-chave: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Processos em massa.

Processo Civil.

1 INTRODUÇÃO

Com a evolução da vida em sociedade despontam como consequência inúmeros fatos positivos e negativos, e o Direito como ciência inerente à vida social sofre reflexos diretos da mesma.

A atual massificação das relações humanas nos diversos ramos da vida coletiva, em via de consequência, também torna massificadas e semelhantes as relações jurídicas, transbordando o Poder Judiciário com inúmeras questões similares.

A consequência deste congestionamento de questões idênticas é desastrosa para o sistema judiciário, posto que atrasa a efetiva prestação jurisdicional, ocupa o julgador com casos menos importantes em detrimento de matérias de maior relevância, além de ferir o princípio da isonomia e trazer enorme insegurança jurídica, haja vista a discrepância entre as decisões concernentes a temas análogos, provocando descrédito social em relação ao poder judiciário, já que a prestação jurisdicional se torna muitas vezes uma verdadeira loteria, a mercê da distribuição e do juízo onde a questão será julgada.

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Deste modo, surge a necessidade de a comunidade jurídica criar mecanismos que possam auxiliar na diminuição dos problemas gerados pela evolução natural da sociedade, cujas relações se massificam, pela cultura de se socorrer excessivamente ao poder judiciário em detrimento de outros meios de solução de conflitos, bem como pelo hábito de se recorrer insistentemente das decisões judiciais, muitas vezes se utilizando do sistema para procrastinar a relação processual.

Assim como o corpo humano necessita de medicamentos para o trato de doenças no dia a dia, a comunidade jurídica se viu obrigada a encontrar antídotos para os problemas que padecia o sistema jurídico. Deste modo, introduziram-se no sistema alguns mecanismos, entre os quais podemos citar as Tutelas Judiciais Coletivas, Súmulas dos Tribunais Superiores, Súmulas Vinculantes do STF, julgamentos de recursos repetitivos pelos Tribunais Superiores, Incidente de Assunção de Competência e, mais recentemente, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).

O legislador brasileiro foi buscar no Direito Comparado uma forma de solucionar a problemática das questões repetitivas, inspirando-se principalmente no Musterverfahren Alemão e no Group Litigation inglês para criar o IRDR.

Debutando no direito brasileiro através do Novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105/2015, o IRDR se caracteriza pela detecção de diversas questões similares em processos distintos, quando um dos integrantes do rol expresso no art. 977 e incisos, do CPC/2015, requer a instauração do incidente. Ato contínuo, deferida a instauração do incidente pelo órgão competente do tribunal, o processo que deu origem ao requerimento é captado para ampla discussão social e instrução processual, causando o sobrestamento dos demais processos para julgamento ou construção de tese em cima daquele caso que serviu de modelo, tornando-o diretriz para o julgamento dos processos suspensos, bem como para futuros casos. Com isso, pode se esvaziar consideravelmente o poder judiciário de questões idênticas, fazendo fluir melhor a jurisdição e tornando-se tangíveis os princípios da isonomia e da segurança jurídica.

O presente Artigo visa pesquisar e refletir sobre as inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, mais precisamente sobre o IRDR e temas relacionados a ele, através da busca e estudo de conhecimentos doutrinários, legislativos e práticos.

O primeiro capítulo traz a introdução ao trabalho, com o contexto geral do tema e demonstração do que se exporá no Artigo.

No segundo capítulo será feita uma reflexão sobre a evolução da vida em sociedade e consequente massificação das relações contratuais e jurídicas, além de tratar sobre

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a cultura da busca excessiva da jurisdição e da insistente discordância das decisões judiciais, o que acarreta em obstrução do judiciário com questões de direito idênticas, e a consequente busca por mecanismos de desobstrução do mesmo.

O terceiro capítulo debaterá acerca do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas com análise de sua origem, natureza jurídica e pressupostos, além de traçar paralelos entre opiniões doutrinárias divergentes a respeito das peculiaridades do tema.

No quarto capítulo se trará exemplos de aplicação prática do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, com exemplos de casos reais de utilização do tema.

Por fim, se discorrerá conclusivamente sobre os temas abordados no presente Artigo.

2 ASPECTOS DA EVOLUÇÃO SOCIAL E DAS RELAÇÕES JURÍDICAS

A vida em sociedade apresenta mudanças diárias concernentes a sua evolução natural, ao crescimento demográfico e às variações nas relações humanas em todos os seus aspectos. Como consequência, as relações sociais se adaptam ao crescimento do meio coletivo, trazendo inúmeras formas de relacionamento jurídico.

Segundo opina Humberto Theodoro Junior:

A sociedade contemporânea sofreu profunda modificação no que toca aos conflitos jurídicos e aos meios de resolução em juízo. As crises de Direito deixaram de se instalar apenas sobre as relações entre um e outro indivíduo e se expandiram para compreender outras numerosas relações plurilaterais, ensejadora de conflitos que envolvam toda a coletividade ou um grande numero de seus membros. Surgiram, assim, os conflitos coletivos, a par dos sempre existentes conflitos individuais. (THEODORO JUNIOR, 2017, p. 920).

Corroborando com o ensinamento acima, aduz Aluisio Gonçalves de Castro Mendes:

A realidade do século XXI vem apontando para a conjugação de elementos que confluem para o incremento progressivo de conflitos em massa e da procura de mecanismos de solução dos litígios em escala. O aumento da população, especialmente sentido em países continentais, como o Brasil, é um dos fatores. Por outro lado, a melhoria gradativa das condições de vida, do acesso às informações e à educação impulsiona o esclarecimento, propiciando o que Norberto Bobbio

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denominou de “era dos direitos”, com efeitos multiplicadores nos Estados Democráticos de Direito. (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 03).

Deste modo, a mutação constante da convivência humana desencadeou na homogeneização e consequente massificação dos conflitos jurídicos.

2.1 DA MASSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS

A contemporânea massificação das relações jurídicas, onde produtos, serviços, contratos, entre outros elementos, são produzidos em blocos, fez refletir no poder judiciário numerosos processos que possuem forma semelhante, com pedido e causa de pedir parecidos.

A respeito do tema, se posicionou Aluisio Gonçalves de Castro Mendes:

O desaguadouro natural das esperanças, desilusões e pretensões passa a ser o Poder Judiciário, que, por sua vez, também sofre com as limitações de recursos materiais e humanos para fazer diante do desabrochar desta procura incessante e crescente.

(GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 03).

Deste modo, devido às similaridades das questões jurídicas atuais, surgiram questões comuns dentro de diversificadas relações, ou seja, problemas jurídicos idênticos dentro de múltiplos processos distintos.

Sobre esse aspecto, leciona Sofia Temer:

A concentração demográfica nos centros urbanos, a globalização, a distribuição seriada de produtos, a universalização do acesso a serviços e sua precarização, a virtualização das relações jurídicas, entre inúmeros outros fatores, vêm gerando o crescimento e a repetição dos vínculos jurídicos e, por consequência, dos conflitos levados ao judiciário. (TEMER, 2017, p. 31).

Nesta esteira, Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha ilustram:

Na sociedade atual, caracterizada pela crescente complexidade das relações jurídicas, há um enorme agigantamento na quantidade de litígios, sendo praticamente ilusório tentar conter tal crescimento. Há alguns fatores que contribuem para o aumento constante de litígios em massa, tais como a ampliação dos meios de comunicação social, o aumento da consciência jurídica dos cidadãos, o desenvolvimento desenfreado de novas tecnologias e da oferta de novos produtos,

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aumentando as necessidades do consumo humano, a fúria legislativa, entre outros. (DIDIER JUNIOR E CARNEIRO DA CUNHA, 2016, p. 584).

Portanto, é notório o crescimento desenfreado de litígios equivalentes, que são efeitos colaterais naturais das relações humanas, aos quais não se pode brecar, cabendo à comunidade jurídica se adequar e trazer novos meios de resolução desses conflitos homogêneos.

2.1 DO EXCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO E DA INVETERADA DISCORDÂNCIA DAS DECISÕES JUDICIAIS

Já há algum tempo em que a sociedade se utiliza do poder judiciário para qualquer problema. Brigas de vizinhos, produtos com defeito, compras on-line com entrega fora do prazo, danos morais para tudo, etc.

Inegável e imprescindível a garantia constitucional ao principio da inafastabilidade da jurisdição, que diz que a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito. Porém, criou-se uma cultura de judicialização exacerbada em que o poder judiciário é socorro para qualquer questão, por menor que seja.

Não é difícil se notar que a sociedade brasileira não busca outros meios de solução de conflitos, como por exemplo a Arbitragem, que ainda engatinha, e não bastasse isso, ainda existe a cultura de se evitar acordos, seja pra tentar uma vitória melhor no final ou mesmo por birra entre as partes ou má-fé em alguns casos.

Ademais, o juízo de primeira instância no país, na maioria esmagadora dos casos, é tratado apenas como uma transição, haja vista que o intuito é sempre de se recorrer da decisão, em caso de derrota ou meia vitória, em feitos onde se tem consciência da ausência do direito material para o recurso.

Mais graves são os casos em que são utilizados recursos procrastinatórios em decisões interlocutórias, muitas vezes de má-fé, atrasando a prestação jurisdicional e trazendo à sociedade uma sensação de demora e injustiça.

Esse excesso de judicialização e de não aceitação às decisões judiciais acarretam em entrada e retorno de inúmeras questões idênticas no poder judiciário, facilitados pela legislação permissiva e jurisprudência demasiadamente discrepante.

Assim, já se têm buscado meios de resolução dos conflitos que são inseridos em série no sistema jurídico, como por exemplo, nos casos das Tutelas Judiciais Coletivas,

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Súmulas dos Tribunais Superiores, Súmulas Vinculantes do STF, julgamentos de recursos repetitivos pelos Tribunais Superiores, e, mais recentemente, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).

3 DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

3.1 DAS DEMANDAS REPETITIVAS

A massificação das relações contratuais geram direitos semelhantes a uma grande quantidade de pessoas, provenientes de relações individuais, porém com mesmo objeto, objetivo, e outras características idênticas.

Apesar de cada relação contratual ser única, existem casos em que há pontos de convergência entre elas. Como exemplo podemos citar uma empresa de telefonia que vende o plano x para y pessoas, onde os termos do contrato e a empresa fornecedora são os mesmos, alterando apenas a parte consumidora.

Não raramente, os consumidores dessa relação se sentem prejudicados de alguma forma e buscam no judiciário a resolução do seu problema, requerendo direitos idênticos provenientes de relações contratuais distintas.

Esses direitos recebem a denominação de “individuais homogêneos” por se tratarem de zonas de similaridade dentro de relações jurídicas diversas.

O desequilíbrio se encontra quando o poder judiciário é obrigado a julgar inúmeras vezes as mesmas questões de direito, atrasando a prestação jurisdicional e ocupando o julgador com questões menores em detrimento de outras de maior relevância.

Ademais, a maior gravidade se encontra quando juízes diferentes julgam os processos provenientes desse bloco de demandas idênticas, trazendo decisões adversas para temas análogos, gerando insegurança jurídica e ferindo fatalmente o princípio da isonomia.

O sistema processual brasileiro nasceu para resolver litígios individuais, onde A litiga contra B. Porém, com a evolução da sociedade e massificação das relações contratuais e jurídicas, o sistema teve que adaptar seus procedimentos, introduzindo em sua estrutura mecanismos de controle dos requerimentos semelhantes que adentram em grande escala no poder judiciário.

Sobre esse aspecto, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes se posicionou da seguinte maneira:

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Busca-se, assim, a racionalização e eficiência dos meios processuais, que precisam se reinventar para fazer frente às novas demandas. Neste cenário, é que se inserem os mecanismos que possam tentar realizar a árdua tarefa de julgar os litígios envolvendo direitos individuais homogêneos de centenas, milhares ou milhões de pessoas, mediante uma ou poucas ações coletivas ou outros meios de resolução coletiva de demandas repetitivas, de massa ou plúrimas. E também os instrumentos voltados para a solução de questões comuns enfrentadas pelos órgãos judiciários, ainda que em demandas heterogêneas, com o escopo de se garantir, ao mesmo tempo, a economia processual e o princípio da isonomia. (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 03).

Dentre esses dispositivos se destaca o noviço Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, inserido no sistema jurídico brasileiro pelo CPC/2015.

3.2 DA INSPIRAÇÃO NO DIREITO ALIENÍGENA 3.2.1 DO MUSTERVERFAHREN ALEMÃO

Sendo a maior fonte de inspiração do legislador brasileiro para criação do IRDR, o Musterverfahren (Procedimento-Modelo) começou a surgir embrionariamente na Alemanha nas décadas de 60, 70 e 80, quando da proposição de milhares de processos administrativos movidos por cidadãos contrários às construções de usinas nucleares e aos projetos de aeroportos naquele país.

Esses processos administrativos acabaram por desaguar no judiciário, que se viu diante de situação inédita, com milhares de processos semelhantes para julgar.

Sobre isso, informa Aluisio Gonçalves de Castro Mendes:

A legislação alemã prevê a possibilidade de um controle administrativo dos projetos públicos, com a possibilidade de se acessar a Justiça Administrativa contra a decisão proferida no procedimento de controle perante a Administração Pública. Este controle massivo administrativo deslocou-se, no momento seguinte, para o ramo especializado do Poder Judiciário. A quantidade elevada de procedimentos administrativos e judiciais começou a ser percebido pelo governo alemão e pela academia. No ano de 1975, o então professor da Universidade de Speyer, Hans-Werner Laubinger, elabora, atendendo solicitação do Ministério da Justiça, um parecer sobre um possível regramento legal futuro para procedimentos de massa no Direito Processual Administrativo e no Direito Processual para as Cortes

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Administrativas (Gutachten über eine künftige gesetzliche Regelung für Massenverfahren im Verwaltungsverfahrensrecht und im Verfahrensrecht für die Verwaltungsgerichte). (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 29). Devido ao incomum acontecimento jurídico acima exposto e sem base legislativa para agir, o poder judiciário alemão foi obrigado a arquitetar um novo procedimento, escolhendo alguns processos para julgamento e sobrestando os demais até o julgamento daqueles. A respeito disso Aluisio Gonçalves de Castro Mendes esclarece:

Em 1979, diante do projeto de construção do aeroporto internacional de Munique, foram ajuizadas 5.724 demandas perante o Tribunal Administrativo de Munique. Considerando a avalanche de demandas, as dificuldades para o andamento concomitante destes processos e verificando que havia uma identidade muito significativa, em termos de fatos e alegações, o órgão judicial de primeiro grau (Verwaltungsgericht München) resolve inovar, efetuando uma triagem inicial de 40 procedimentos, que teriam seguimento para processamento, produção de provas e julgamento. Os demais permaneceriam suspensos, por tempo indeterminado, aguardando o julgamento paradigmático dos procedimentos-modelo (Musterverfahren). (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 29).

Porém, legislativamente, o Musterverfahren surgiu no ano de 2005, através da Lei de Introdução do Procedimento-Modelo para os Investidores em Mercados de Capitais (Gesetz zur Einführung Von Kapitalanleger-Musterverfahren) conhecida por sua abreviação (KapMuG), que foi elaborada em virtude do ajuizamento de milhares de ações idênticas ocasionadas por condutas fraudulentas de uma empresa na Bolsa de Frankfurt, o que quase paralisou o tribunal da cidade.

Deste modo, o legislador alemão resolveu intervir criando a lei supracitada, aperfeiçoando e positivando o mecanismo processual já utilizado na prática administrativa e judiciária alemã, para que pudesse racionalizar a prestação jurisdicional naquelas demandas idênticas provenientes dos casos de Frankfurt, desenvolvendo assim o Musterverfahren (procedimento-modelo), onde se busca a solução de questões idênticas em diversas ações através do julgamento de um processo individual, que após julgado é tomado como paradigma para os seus semelhantes, proporcionando celeridade processual, isonomia entre os jurisdicionados e segurança jurídica.

Apesar de ter servido de base para a criação do IRDR brasileiro, o Musterverfahren apresenta algumas diferenças daquele, haja vista que o incidente brasileiro

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foi contextualizado à realidade no Brasil, levando em consideração as especificidades culturais e jurídicas locais, conforme se demonstrará mais adiante.

3.2.2 DA GROUP LITIGATION ORDER INGLÊSA

A chamada Group Litigantion Order (Ordem para Litigância em Grupo), foi introduzida no sistema jurídico inglês no ano de 2000 através de uma emenda ao Civil Procedure Rules, que traz as regras de processo civil utilizadas pelos tribunais superiores ingleses.

A GLO é uma ferramenta processual que tem o intuito de solucionar de forma conjunta múltiplas ações parecidas, que contenham questões comuns de fato ou de direito, por meio de uma Test-Claim (Ação Teste), ação esta que inicia o procedimento, da qual se extrai uma tese que servirá de paradigma para os demais processos cujas partes aderiram ao mecanismo, haja vista que no caso da GLO os interessados têm que demonstrar o interesse em participar do expediente processual.

No caso da GLO, os processos que aderiram ao procedimento ficam numa listagem de onde poderá ser escolhida uma ou mais ações para servirem de ações-teste, das quais serão feitas amplas instruções processuais. Ademais, o tribunal concederá um prazo para que ações sejam inseridas ao grupo e após este prazo não poderá mais haver ingresso, somente em caso de permissão do próprio tribunal.

3.3 INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Trata-se de um mecanismo processual cuja possibilidade de existência nasce a partir da observância da repetição de inúmeras questões de direito idênticas provenientes de processos distintos, momento em que pode ser requerida sua instauração, efetuando-se a escolha de um dos processos que contenha a demanda repetida para que esta demanda tenha uma ampla instrução processual e julgamento, ou elaboração de tese, que servirá de diretriz para a resolução das questões similares nos processos sobrestados, bem como para as futuras ações que possuam o tema objeto do IRDR. Após o fim do incidente, o processo é remetido ao órgão de origem para prosseguimento do feito original, com vinculação ao IRDR.

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O instituto quer viabilizar uma verdadeira concentração de processos que versem sobre uma mesma questão de direito no âmbito dos tribunais e permitir que a decisão a ser proferida nele vincule todos os demais casos que estejam sob a competência territorial do tribunal julgador. (SCARPINELLA BUENO, 2016, p. 791).

A seguir, tratar-se-á das peculiaridades do tema, senão vejamos. 3.3.1 NATUREZA JURÍDICA

A natureza jurídica do IRDR é de incidente processual, ou seja, surge dentro de um processo preexistente, ocasionado pela repetição de inúmeras questões idênticas dentro de diversos processos diferentes.

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes atenta para a necessidade de se deixar clara a natureza incidental do IRDR, quando adverte em sua obra:

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, como a denominação já indica, não se trata de uma demanda individual ou coletiva, mas, sim, de um incidente processual. (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 101).

Há na doutrina divergência a respeito da natureza jurídica do incidente quanto ao conteúdo do seu julgamento, posto que alguns autores entendem que o IRDR julga a causa que deu ensejo a sua instauração, e outros defendem que há decisão apenas da questão pontual de direito dentro do processo, não adentrando o julgador aos fatos subjetivos, nem decidindo a demanda completa.

Entre os que defendem a existência de julgamento do processo completo está Alexandre Câmara, que diz:

O processo em que tal instauração ocorra será afetado para julgamento por órgão a que se tenha especificamente atribuído a competência para conhecer o incidente, o qual julgará o caso concreto como uma verdadeira causa-piloto, devendo o julgamento desse caso concreto ser, além da decisão do caso efetivamente julgado, um precedente que funcionará como padrão decisório para outros casos, pendentes ou futuros (...) Esse órgão colegiado, competente para fixar o padrão decisório através do IRDR, não se limitará a estabelecer a tese. A ele competirá, também, julgar o caso concreto (recurso, remessa necessária ou processo de competência originária do tribunal), nos termos do art. 978, parágrafo único. Daí razão pela qual

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se tem, aqui, falado que o processo em que se instaura o incidente funciona como verdadeira causa-piloto. (FREITAS CÂMARA,2016, p.479).

Nesta esteira seguem os entendimentos de Antônio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer, que lecionam:

Após a inserção pelo Senado Federal do art. 978, parágrafo único, o incidente de resolução de demandas repetitivas será, via de regra, uma causa-piloto. O novo CPC é claro em afirmar que o tribunal, ao julgar o incidente, decidirá também o processo originário (recurso, remessa necessária ou causa de competência originaria) (...) A opção pelo parâmetro de processo-teste ou causa-piloto, fazendo com que o tribunal julgue o caso, faz com que a cognição no IRDR seja empreendida à luz de direitos subjetivos concretos, postulados pelas partes em juízo. (DO PASSO CABRAL E CRAMER, 2015, p.1418).

Em sentido oposto, Sofia Temer entende que o IRDR apenas fixa tese, julgando questões pontuais de direito, não resolvendo o caso concreto. Opina a autora:

Adotamos a posição segundo a qual o incidente de resolução de demandas repetitivas apenas resolve a questão de direito, fixando a tese jurídica, que será posteriormente aplicada tanto nos casos que serviram de substrato para a formação do incidente , como nos demais casos pendentes e futuros. Entendemos, portanto, que no incidente não haverá julgamento de “causa-piloto”, mas que será formado um “procedimento-modelo”. (TEMER, 2017, p.68).

Reforçam o entendimento da autora supra as opiniões de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Roberto Rodrigues, que estabelecem:

O procedimento-modelo idealizado no Projeto de novo Código e Processo Civil (LGL\1973\5) reveste-se da natureza de processo objetivo, uma vez que tem por escopo não a resolução da lide individual da qual surge, mas sim a elaboração de uma “decisão-quadro”, de uma tese jurídica aplicável às questões de direito comuns que dão origem à multiplicidade de demandas idênticas. . (MENDES E RODRIGUES, set/2012, versão digital).

Outra importante opinião que corrobora com os pareceres acima expostos é de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, que entende:

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Nesse sentido, cabe aqui reiterar os fundamentos anteriormente expostos1, quanto ao objeto do julgamento, a ser realizado pelo órgão definido no regimento interno, que deve se limitar ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, não se prolongando sobre o caso concreto, que deverá ser examinado, em regra, pelo juízo natural de primeiro grau ou pelo respectivo órgão fracionário do tribunal. Mesmo se, por alguma razão, o processo dependente do IRDR estiver em tramitação no tribunal e, segundo o regimento interno, o órgão interno for o mesmo, para o julgamento do incidente e da causa originária ou do recurso, ainda assim não se deve confundir o julgamento de ambos. (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 197).

Portanto, entende-se que o incidente apenas fixa a tese que servirá de diretriz para o caso do qual se instaurou o IRDR, para os processos suspensos e para os futuros, havendo apenas análise da questão de direito objetiva. Mesmo no caso em que o tribunal julgue o IRDR e o recurso do processo principal do qual se extraiu aquele, serão feitos julgamentos distintos, um para o incidente e posteriormente para o processo principal, onde no primeiro se julgará a questão de direito objetiva, formulando tese, e no segundo se julgará o processo principal, com análise fática subjetiva e de mérito do objeto principal da demanda.

3.3.2 CABIMENTO DO INCIDENTE

O Código de Processo Civil de 2015 em seu artigo 976, caput e incisos, define os requisitos para instauração do IRDR, quando estabelece:

Art. 976 - É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Deste modo, a efetiva existência de repetição de processos que tenham questão de direito idêntica capaz de trazer risco à isonomia e à segurança jurídica dá ensejo ao direito de se requerer o incidente. Tais requisitos são cumulativos e a ausência de um deles impossibilita a implementação do IRDR.

Apesar de muito ter se discutido durante a tramitação do projeto do CPC sobre uma provável aplicabilidade preventiva do IRDR nos casos em que se pudesse constatar uma possível futura repetição de processos com questões idênticas, tal teoria caiu por terra quando da feitura do texto que efetivamente entrou em vigor, afinal o inciso I é claro ao exigir a

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concreta repetição de processos com a mesma questão de direito. Sobre o tema opina Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia:

Perceba-se que o IRDR apenas poderá ser intentado se demonstrado já haver a efetiva repetição de processos (causas seriais) e que isso signifique risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Tais questões são importantes uma vez que, originalmente, ele foi previsto como forma de se lidar com questões que “poderiam” gerar a multiplicação de demandas e, então, o Incidente teria função “preventiva”, o que foi rechaçado pois que significaria um reforço da “jurisprudência defensiva” que se quis combater no CPC/2015. Melo Franco Bahia, 2015, p.1527).

Caminha no mesmo sentido o entendimento de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, que leciona:

Em síntese, havendo efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre questão comum de direito, de ofício ou a requerimento, poderá ser suscitado o incidente, que será apreciado, em termos de admissibilidade e mérito, pelo tribunal de segundo grau, com a suspensão de todos os processos na área do tribunal que dependam da resolução da questão de direito. (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 106).

Ademais, a lei não prevê um número mínimo de casos para a instauração do IRDR, o que se vê é uma convenção entre doutrina e prática de que este número seja razoável e que atenda aos requisitos basilares do instituto. Nesta esteira, leciona ainda Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia:

Não há um número mínimo de processos que autorize o uso do Incidente e nem matérias jurídicas que possam (ou não possam) ser submetidas ao procedimento. (Melo Franco Bahia, 2015, p.1527).

Compartilha deste mesmo julgamento Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, que diz:

No direito brasileiro, não se exigiu um número mínimo de requerimentos. Pelo contrário, se permitiu que houvesse a provocação até mesmo de ofício, pelo juiz ou pelo relator. Portanto, o importante é que haja um número suficiente a tornar

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conveniente a utilização do incidente. (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 106).

Partilhando do mesmo pensamento, importantes processualistas brasileiros positivaram seu entendimento no Fórum Permanente de Processualistas Civis, quando, a respeito do tema, concluíram:

87. A instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas não pressupõe a existência de grande quantidade de processos versando sobre a mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da isonomia e de ofensa à segurança jurídica. (Grupo: Recursos Extraordinários e Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas). (ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS, 2017, p. 18)

Por outro lado, não se pode ignorar a existência de brecha para discussão doutrinária ou judicial quando o inciso II do artigo 976 do CPC define o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica como requisito do incidente, posto que o mero risco não requer um processo instalado. Sobre essa possível ambiguidade interpretativa expressa Daniel Amorim Assumpção Neves:

Enquanto o inciso I do art. 976 do Novo CPC exige a existência de múltiplos processos repetitivos para a instauração do IRDR, o inciso II do mesmo dispositivo exige apenas que exista um risco de que as decisões nesses processos sejam ofensivas à isonomia e à segurança jurídica. Se o requisito exige apenas o risco, é possível se concluir que mesmo sem divergência real instaurada, seja cabível o incidente ora analisado. (AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, 2017, p.1630).

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes discorda do entendimento acima, avaliando que é necessário o risco atual e concreto, causado pela existência da variedade de processos com causa comum no poder judiciário, e não pela mera possibilidade de risco fora do mundo judiciário. Aduz o autor:

O segundo requisito, disposto no art. 976, inciso II, do Código de Processo Civil, é que haja risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Pode-se falar aqui em risco concreto e não abstrato. A simples existência de vários processos em tramitação perante órgãos judiciais já potencializaria um risco eventual de que fossem decididos de modo diverso, havendo, em tese, a possibilidade de quebra da isonomia e da segurança jurídica. No entanto, se assim fosse, bastaria, na verdade, o

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primeiro requisito, indicado no inciso I, do art. 976, do CPC. Não basta, portanto, que haja a controvérsia entre partes, mas que esta esteja efetivamente ensejando divergência no seio do Poder Judiciário, capaz de comprometer, de fato, o princípio da isonomia e da segurança jurídica. E este risco deve ser atual, como por exemplo alguns juízes começam a conceder e outros a negar a concessão de liminares ou de antecipação de tutela. Do mesmo modo, se alguns magistrados estiverem julgando procedente o pedido, enquanto outros improcedente. Entretanto, se a questão já se encontra pacificada, com a observância da tese, mesmo que em razão de eficácia meramente persuasiva, a existência de divergência passada, ainda que este posicionamento continue a ser apenas ressalvado, de modo isolado, por um único ou poucos magistrados, não enseja o IRDR, se estes votos ou manifestações não estiverem produzindo resultados negativos em concreto, por serem quantitativamente insignificantes, isolados ou não estejam sendo reiterados na atualidade7. Contudo, se o problema ainda é contemporâneo, na medida em que ainda haja a efetiva repetição de processos e decisões proferidas em contraposição ao entendimento predominante, com a capacidade de reiteração, haverá interesse (necessidade-utilidade) na instauração do incidente, considerando-se o efeito vinculativo da decisão proferida no IRDR. . (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 109).

Outrossim, o § 4º do mesmo artigo apresenta um pressuposto negativo à instauração do IRDR, ou seja, a existência de tal condição impede a instauração do incidente. Aduz o citado parágrafo:

§ 4º - É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

Dessa forma, já tendo sido selecionado recurso pelo STF ou STJ para definição de tese sobre determinada questão de direito material ou processual reiterada, incabível a instauração do incidente sobre aquela matéria.

A respeito da razão de ser do requisito imposto pelo § 4º, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes informa:

A razão é a falta de interesse, pois a questão de direito, nesta hipótese, já será resolvida, em grau superior e com efeito vinculativo em âmbito nacional. Portanto, não faz sentido que concorram, em paralelo, o instrumento regional ou estadual com

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o mecanismo nacional, que deveria, naturalmente, prevalecer. (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 110).

Outra divergência doutrinária concernente ao cabimento do IRDR se dá quanto ao seu acolhimento em relação a ações em trâmite na primeira ou segunda instância. Alguns autores entendem que deve haver no mínimo uma ação em grau de recurso, enquanto outros concluem que pode haver instauração do incidente mesmo com todos os processos contendo questões repetidas em curso no primeiro grau de jurisdição.

Duas importantes vozes que engrossam o coro defensor da obrigatoriedade de existência de ao menos um processo tramitando no tribunal são de Leonardo Carneiro da Cunha e Fredie Didier Junior que em uma de suas obras orientam:

Sendo o IRDR um incidente, é preciso que haja um caso tramitando no tribunal. O incidente há de ser instaurado no caso que esteja em curso no tribunal". Se não houver caso em trâmite no tribunal, não se terá um incidente, mas um processo originário. E não é possível ao legislador ordinário criar competências originárias para os tribunais. As competências do STF e do STJ estão previstas, respectivamente, no art. 102 e no art. 105 da Constituição Federal, as dos tribunais regionais federais estão estabelecidas no art. 108 da Constituição Federal, cabendo às Constituições Estaduais fixar as competências dos tribunais de justiça (art. 125, § 10, CF). O legislador ordinário pode - e foi isso que fez o CPC - criar incidentes processuais para causas originárias e recursais que tramitem nos tribunais, mas não lhe cabe criar competências originárias para os tribunais. É também por isso que não se permite a instauração do IRDR sem que haja causa tramitando no tribunal. (DIDIER JUNIOR E CARNEIRO DA CUNHA, 2016, p. 625).

Em sentido oposto, concepção não menos importante de Sofia Temer entende que não há necessidade de processo em grau de recurso para cabimento do incidente, podendo haver sua instauração com todos as ações tramitando em primeiro grau. Leciona Sofia Temer em sua obra que:

Apontamos, em estudo anterior, argumentos favoráveis e contrários a ambas as posições, e, com respeito às posições divergentes, pensamos que o melhor entendimento acerca da questão é o que permite a instauração do incidente sem que haja, necessariamente, causa pendente de julgamento no tribunal. (TEMER, 2017, p. 104).

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Em breve posicionamento sobre o tema, Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia concorda com Sofia Temer quanto a não obrigatoriedade de processo em trâmite no tribunal para instauração do incidente. Diz o autor:

O art. 977 trata da legitimidade ativa para o IRDR e da competência para o seu julgamento. Quanto a esta última, o Incidente pode ocorrer em face de uma ação que esteja em 1º ou 2º graus e o pedido, de qualquer forma, é dirigido ao respectivo Presidente do Tribunal (TJ/TRF) – ver também o art. 978. (Melo Franco Bahia, 2015, p.1528).

Portanto, a divergência entre opiniões sobre o requisito de se haver ou não processo em grau de recurso para a instauração do IRDR há de ser solucionada pela prática jurídica, através da jurisprudência, ou pela inserção de novo texto no CPC que venha solidificar o entendimento neste particular.

3.3.3 PROCEDIMENTO, JULGAMENTO, EFEITOS

O IRDR pode conter 6 etapas: requerimento, instauração, instrução, decisão, recurso e decisão do recurso, a partir do qual o incidente passará a surtir seus efeitos.

3.3.3.1 LEGITIMIDADE PARA REQUERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DO IRDR

A legitimidade para requerimento de instauração do incidente é expressamente prescrita no art. 977 do CPC/15, que informa:

Art. 977 - O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal: I - pelo juiz ou relator, por ofício; II - pelas partes, por petição; III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição. Parágrafo único - O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

Isto posto, o rol taxativo trazido pelo CPC declara de maneira expressa que os legitimados para pedir a instauração do IRDR são o juiz ou relator, as partes de um dos processos que contenham a questão de direito repetitiva, o Ministério Publico e a Defensoria Publica.

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No que concerne ao Parquet e à Defensoria Pública, Cassio Scarpinella Bueno chama a atenção para o detalhe de que tais instituições podem participar do IRDR de outras formas, além da já citada legitimidade inicial. Leciona o Mestre:

A menção feita pelo inciso III do art. 977 ao Ministério Público e à Defensoria Pública merece ser interpretada amplamente, tanto quanto a do § 1o do art. 947, que trata do Incidente de Assunção de Competência. A legitimidade daqueles órgãos dá-se tanto quando atuam como parte (em processos coletivos, portanto) como também quando o Ministério Público atuar na qualidade de fiscal da ordem jurídica e a Defensoria estiver na representação de hipossuficiente ou, de forma mais ampla, desempenhando seu papel institucional em processos individuais. O Ministério Público, ademais, será necessariamente ouvido na tramitação do Inci- dente de Resolução de Demandas Repetitivas, na qualidade de fiscal da ordem jurídica, como preveem expressamente os arts. 976, § 2o, 982, III, 983, caput, e 984, II, a. Também cabe ao Ministério Público assumir a condução do Incidente em caso de desistência ou abandono (§ 2o do art. 976). (SCARPINELLA BUENO, 2016, p. 795).

O pedido de instauração do incidente, conforme ordena o parágrafo único do NCPC, deverá obrigatoriamente conter em seu ofício ou petição, a depender do legitimado, os documentos indispensáveis à comprovação da existência dos requisitos inerentes à instituição do mecanismo processual.

3.3.3.2 INSTAURAÇÃO DO IRDR

O requerimento de instauração do incidente será dirigido ao presidente do tribunal, regional ou federal, a depender do caso, sem custas, haja vista a gratuidade do IRDR, que o remeterá ao órgão colegiado indicado no regimento interno do respectivo tribunal, órgão este responsável pela uniformização de jurisprudência, que tenha familiaridade com a matéria em questão no incidente, que fará o juízo de admissibilidade.

A decisão que admite ou inadmite o IRDR é obrigatoriamente feita por um colegiado, sendo vedada a decisão monocrática, conforme esclarece o enunciado 91 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:

Enunciado n. 91: Cabe ao órgão colegiado realizar o juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas, sendo vedada a decisão monocrática. (Grupo: Recursos Extraordinários e Incidente de Resolução de

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Demandas Repetitivas). (ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS, 2017, p. 19).

Não havendo os requisitos necessários para instauração do incidente este será inadmitido, podendo vir a ser requerido posteriormente em caso de preenchimento dos pressupostos obrigatórios.

Sendo Admitido o IRDR, este será registrado e amplamente divulgado por meio de cadastro no tribunal e no Conselho Nacional de Justiça, sendo atualizado conforme o andamento processual. Sobre este pormenor opinou Elpídio Donizetti:

A instauração, a admissão e o julgamento do incidente impõem ampla e específica divulgação e publicidade, que ocorrerão, no sistema pátrio, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça, além de outras formas que vierem a ser adotadas pelos tribunais (arts. 979 e 982, § 1º). (DONIZETTI, 2017, p. 825).

Porém, o cadastramento dos IRDRs encontra uma série de dificuldades, consoante observa Aluisio Gonçalves de Castro Mendes:

Embora formalmente criado, o Cadastro Nacional de Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas enfrenta dificuldades para a sua efetivação, reproduzindo situação anteriormente vivenciada para a implementação de outros bancos e registros no CNJ, a exemplo do que ocorreu com o Cadastro Nacional de Ações Coletivas10. Esse fato parece decorrer de um problema maior que é o da falta de integração entre os sistemas eletrônicos dos tribunais no âmbito nacional. Isso reflete, de certo modo, o distanciamento administrativo e operacional entre os diversos ramos e esferas do Poder Judiciário, que somente pode começar a ser enfrentado a partir da criação do Conselho Nacional de Justiça, com a Emenda Constitucional nº 45/2004. Entretanto, uma década não foi suficiente ainda para estabelecer os laços operacionais mais efetivos entre os sistemas, notadamente de informática, possibilitando-se, assim, uma troca de informações e de relacionamento mais amigável e interativo entre os tribunais. Como medida paliativa, foram sendo criados cadastros e formulários variados, normalmente alimentados individual e manualmente, sobrecarregando magistrados e servidores com atividades burocráticas, diante das dificuldades de alimentação e integração automática entre os sistemas judiciais. (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 168).

Após o cadastramento, o relator suspenderá todos os processos que contenham a questão objeto do incidente, sejam individuais ou coletivos, que estejam tramitando no estado

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ou na região do tribunal federal, inclusive nos Juizados Especiais. Porém, apesar da suspensão processual, poderão ser pleiteados tutelas de urgência que serão dirigidos e julgados pelo juízo do processo original. A suspensão pelo IRDR terá o prazo de até 1 ano, quando cessará automaticamente, podendo ser prorrogada antes do seu término por decisão fundamentada do relator.

Sobre a suspensão processual ocasionada pela admissão do IRDR, o Fórum Permanente de Processualistas Civis se manifestou:

Admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, também devem ficar suspensos os processos que versem sobre a mesma questão objeto do incidente e que tramitem perante os juizados especiais no mesmo estado ou região. (Grupo: Recursos Extraordinários e Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas). (ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS, 2017, p. 19).

A suspensão processual ordenada pelo tribunal poderá atingir ações nas quais as partes entendam não haver questão de direito a ser debatida no incidente, ou deixar de incluir processos em que os sujeitos deste acreditem fazerem jus à sua inclusão no IRDR. A estes cabe a demonstração da distinção (distinguishing) ou afinidade entre seu processo e os afetados pelo incidente, para que, deste modo, possam ter seu processo excluído ou incluído no procedimento, após análise do tribunal.

Sobre os casos de distinção, Cassio Scarpinella Bueno esclarece:

Sobre a suspensão dos processos prevista no inciso I do art. 982, cabe acrescentar, com base no que, para o recurso extraordinário ou especial repetitivo, dispõem os §§ 8o a 13 do art. 1.037, que, da intimação respectiva, poderá a parte requerer o reexame da de- cisão respectiva, apresentando elementos que permitam a distinção entre o caso concreto e o que está sujeito ao tratamento no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, requerendo, consequentemente, o prosseguimento do processo. A iniciativa é harmônica com o que o próprio CPC de 2015 trata como “casos repetitivos” (art. 928) e mostra-se indispensável na construção de uma teoria de precedentes, ainda que à brasileira, o nosso direito jurisprudencial. (SCARPINELLA BUENO, 2016, p. 801).

Deste modo, sendo comprovada e julgada procedente a distinção entre os casos do IRDR e o processo objeto do distinguishing, este último segue seu trâmite normal.

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3.3.3.3 PROCESSAMENTO DO IRDR

Com o incidente instaurado, o relator tem a faculdade de requerer esclarecimentos e informações ao juiz ou desembargador do processo matriz do IRDR, bem como aos juízes ou desembargadores de qualquer das ações que se encontrem sobrestadas por terem sido afetadas pelo incidente, os quais terão o prazo de 15 dias para tanto.

Ato contínuo, o relator ouvirá as partes do processo diretriz, os órgãos e entidades interessadas na questão debatida, além de qualquer pessoa que possa acrescentar conhecimentos ao tema em análise, que atuará como amicus curiae. Todos esses sujeitos têm o prazo de 15 dias para juntar documentos e diligências que contribuirão para o entendimento do assunto. Por conseguinte o Ministério Público se manifestará no mesmo prazo.

Ademais, poderá o relator determinar a oitiva de pessoas com experiência e domínio da matéria, que em audiência pública prestarão seus depoimentos, expandindo o debate.

Cassio Scarpinella Bueno destaca importância da ampla participação dos ramos sociais que tenham relação com os temas objetos do IRDR em julgamento. Opina o autor:

Importa evidenciar, contudo, que tais audiências públicas e a oitiva do amicus curiae merecem ser tratadas como as duas faces de uma mesma moeda, isto é, como técnicas que permitem a democratização (e, consequentemente, a legitimação) das decisões jurisdicionais tomadas em casos que, por definição, tendem a atingir uma infinidade de pessoas que não necessariamente far-se-ão representar pessoal e direta-mente no processo em que será fixada a interpretação da “questão jurídica”. A audiência pública, esta é a verdade, é um local apropriado para que a participação do amicus curiae seja efetivada. (SCARPINELLA BUENO, 2016, p. 806).

No que concerne a esta fase do incidente, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes chama atenção para seus principais objetivos. Aduz o autor:

Portanto, deve-se deixar claro que, nesta etapa de preparação do julgamento do IRDR, dois objetivos são centrais: a) a correta identificação e formulação da questão ou das questões a serem elucidadas no incidente; b) o aprofundamento do contraditório em torno do objeto do incidente, para que este esteja devidamente instruído, em termos de extensão e profundidade, quanto aos fundamentos e argumentos expendidos sobre a questão a ser resolvida. (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 193).

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Após, concluída a ampla instrução processual do incidente, o relator solicitará data na pauta para julgamento do IRDR.

3.3.3.4 JULGAMENTO DO IRDR

Na data de julgamento do incidente serão obedecidos os mandamentos do art. 984 do CPC, segundo o qual se obedecerá ao seguinte sistema: O relator fará a exposição do objeto do incidente, seguindo-se das sustentações orais do autor e do réu do processo matriz e do Ministério Público, pelo prazo de trinta minutos para todos. É permitida ainda a apresentação de sustentação oral pelos demais interessados, no prazo de trinta minutos, o qual será dividido entre todos, sendo imposta a inscrição com dois dias de antecedência. Poderá ainda haver ampliação do prazo da sustentação oral, em virtude da profundidade e complexidade do debate.

O julgamento do incidente terá preferência sobre outras demandas, já que o intuito do mesmo é evitar a obstrução do judiciário, com exceção de casos que tratem de réu preso e pedido de habeas corpus.

O acórdão que julga o IRDR deverá enfrentar todos os fundamentos produzidos, favoráveis e contrários, que tratem da tese debatida. Sobre isso positivou entendimento o Fórum Permanente de Processualistas Civis, que em seu enunciado n. 305 instrui:

305: No julgamento de casos repetitivos, o tribunal deverá enfrentar todos os argumentos contrários e favoráveis à tese jurídica discutida, inclusive os suscitados pelos interessados. (Grupo: Precedentes; redação revista no V FPPC-Vitória). (ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS, 2017, p. 42).

Ainda sobre a obrigatoriedade dos julgadores de analisar todas as questões suscitadas no incidente, Cassio Scarpinella Bueno se posiciona de maneira crítica ao costume do poder judiciário que, na sua visão, não enfrenta todos os pontos trazidos aos processos. Aduz o autor:

Não se pode tolerar – e o CPC de 2015 é bastante enfático quanto a isto – a vivên-cia cotidiana de os órgãos jurisdicionais não se sentirem obrigados a responder, uma a uma, as teses aptas a sustentar o entendimento a favor e o entendimento contra. Se

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estas teses não são convincentes, se elas merecem ser repelidas, quiçá até por serem impertinentes, é importante que tudo isto seja expressamente enfrentado e dito. Tanto quanto as razões, todas elas, que dão sustento ao entendimento que acabou por prevalecer no julgamento do Incidente. (SCARPINELLA BUENO, 2016, p. 807).

Portanto, o acórdão emitido pelo órgão colegiado julgador deve enfrentar todos os argumentos e provas produzidas constantes nos autos do IRDR.

3.3.3.5 RECURSOS

Da instauração do incidente, passando pelo seu trâmite, até sua decisão, cabem alguns recursos.

Conforme observado anteriormente, a decisão que admite ou inadmite o IRDR é obrigatoriamente feita por um colegiado, e este julgamento é irrecorrível. Porém, não há óbice para a interposição de embargos de declaração nesta fase. Sobre esse aspecto se posicionou o Fórum Permanente de Processualistas Civis, quando em seu Enunciado de número 556, informa:

556. É irrecorrível a decisão do órgão colegiado que, em sede de juízo de admissibilidade, rejeita a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, salvo o cabimento dos embargos de declaração. (Grupo: Precedentes, IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência). (ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS, 2017, p. 69).

No decorrer da tramitação e instrução do incidente, haverá decisões interlocutórias por parte do relator, das quais pode será ser interposto agravo interno para o respectivo órgão colegiado.

Importante se ressaltar que da decisão que defere a intervenção por amicus curiae não cabe recurso, porém, a decisão que rejeita a participação daquele é recorrível por meio de agravo interno.

Em oposição ao acórdão proferido em sede de IRDR cabe recurso extraordinário ou recurso especial, a depender da matéria em questão, sendo de natureza constitucional ou infraconstitucional, consoante explicação de Elpídio Donizetti:

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Contra o acórdão que julgar o mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas será cabível recurso especial ou recurso extraordinário, a depender da existência de violação a lei federal ou de violação direta à Constituição Federal. (DONIZETTI, 2017, p. 826).

Segundo Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha, não cabe ação rescisória contra acórdão do IRDR, entendem os autores:

O tribunal, quando julga o IRDR, também decide a causa afetada para julgamento. O sistema brasileiro, como já se viu, é o da causa-piloto. Não cabe ação rescisória contra a decisão que fixa o entendimento a ser seguido pelos demais juízos, mas cabe a ação rescisória contra a parcela do julgamento que decida a causa afetada ou escolhida para exame e decisão. Esse núcleo da decisão resolve o caso concreto e produz coisa julgada. (DIDIER JUNIOR E CARNEIRO DA CUNHA, 2016, p. 641).

O recurso contra o acórdão do incidente, seja especial ou extraordinário, terá efeito suspensivo, e somente após seu julgamento o IRDR produzirá efeitos.

3.3.3.6 EFEITOS DO IRDR

O julgamento do incidente resulta em uma decisão diretriz, a partir de qual todas as demais ações que foram suspensas por conterem questões de direito equivalentes terão que se espelhar, posto que aquele julgado surge como uma verdadeira norma abstrata de uso obrigatório para os demais.

Sobre o tema, observa Aluisio Gonçalves de Castro Mendes:

A tese fixada no julgamento de mérito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas possui um reforçado comando geral no sentido de observância e vinculação, vertical e horizontal, por parte de todos os órgãos jurisdicionais situados no âmbito territorial do respectivo tribunal. Nos arts. 927 e 985 do CPC-2015, a norma é expressa ao determinar a observância e aplicação da tese fixada na decisão de mérito proferida no IRDR a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem (inciso I do art. 985) ou venham a tramitar (inciso II do art. 985) na respectiva área do tribunal. Por fim, no art. 988, inciso IV, o estabelecimento de medida para a garantia da observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas. (GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 2017, p. 226).

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Com relação à mesma minúcia, opinou Elpídio Donizetti:

Guardadas as diferenças, a decisão proferida no incidente tem verdadeira força de lei no que se refere aos serviços concedidos, permitidos ou autorizados, na hipótese de a questão jurídica com eles guardar pertinência. O que restar decidido no incidente deve ser observado nas relações futuras com os usuários de tais serviços, cuja fiscalização caberá à agência reguladora competente. (DONIZETTI, 2017, p. 826).

Importante se ressaltar que o IRDR não faz coisa julgada, pois não há julgamento da lide principal, apenas do incidente, porém este passa a ter efeito vinculante em relação aos casos semelhantes.

Ademais, no caso de desobediência aos efeitos da decisão do IRDR, o prejudicado tem o direito de propor Reclamação diretamente no tribunal julgador do incidente. Este é o entendimento positivado do Fórum Permanente de Processualistas Civis, que em seu enunciado de número 349 prescreve:

349: Cabe reclamação para o tribunal que julgou o incidente de reso- lução de demandas repetitivas caso afrontada a autoridade dessa decisão. (Grupo: Precedentes). (ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS, 2017, p. 47)

Portanto, se insurge como efeito central do incidente a aplicação da tese fixada a todos os processos, presentes e futuros, que contenham a matéria julgada no IRDR, dentro da jurisdição de julgamento deste. Como exemplo, um IRDR julgado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina vincularia todas as ações com questões de direito semelhantes no estado. Se o julgamento do incidente se desse pelo Tribunal Federal da região, estariam vinculados os processos nos estados pertencentes à jurisdição, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No caso de julgamento de recurso de IRDR pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, todos os processos em nível nacional com o tema debatido no incidente estariam subordinados ao decisum.

3.3.4 REVISÃO DA TESE

Como é sabido, a tese criada pelo IRDR tem o propósito de garantir, entre outras coisas, segurança jurídica. Porém, o dinamismo da vida em sociedade pode trazer mudança de

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contexto, o que tornaria a tese do incidente ineficaz, acarretando na necessidade de modificação ou mesmo de construção de um texto contemporâneo do IRDR.

Sobre essa maleabilidade social, que dá ensejo a mudanças legislativas, jurisprudenciais e de precedentes judiciais, bem observa Cassio Scarpinella Bueno:

́́É fundamental que as questões jurídicas, ainda que fixadas para aplicação presente e futura (art. 985, I e II), possam ser revistas consoante se alterem as circunstâncias fáticas e/ou jurídicas subjacentes à decisão proferida. É assim com a edição de novas leis e não haveria razão para ser diverso com os “precedentes judiciais”. (SCARPINELLA BUENO, 2016, p. 810).

Deste modo, o CPC/15 traz em seu artigo 986 a previsão de revisão da tese do incidente. Ordena o código:

Art. 986 - A revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III.

Nesse diapasão, havendo a necessidade jurídico-social de retificação da tese do incidente, o próprio tribunal pode fazê-la, de ofício, ou por solicitação do Ministério Público ou a Defensoria Pública.

Apesar da existência codificada da previsão de revisão da tese do IRDR, o texto do código não prevê o trâmite da retificação, deixando esta lacuna para ser preenchida pela doutrina e jurisprudência.

Nesse contexto, Sofia Temer entende que o trâmite da revisão da tese do incidente deve seguir o mesmo procedimento da instauração inicial do IRDR, com o acréscimo da uma comprovação efetiva da necessidade de alteração do texto inicial. Em sua obra leciona a autora:

Quanto ao procedimento propriamente dito, entendemos que, na ausência de previsão expressa do Código, deve ser seguindo aquele estabelecido para a instauração de IRDR para fixação da tese, instaurando-se um incidente-revisor. Todas as garantias estabelecidas para definição da tese devem ser seguidas para que haja novo juízo sobre sua permanência, notadamente os que dizem respeito à publicidade e participação dos envolvidos. Haverá, certamente, um requisito adicional de cabimento, que dirá respeito à comprovação das alterações políticas, econômicas, sociais, normativas, dentre outras, que justifiquem a revisão da tese.

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Tais elementos devem ser suficientes para provocar uma nova reflexão do tribunal sobre o tema e, por isso, devem ser relevantes e significativos. (TEMER, 2017, p. 255).

Portanto, quando o contexto social impõe, poderá haver modificação da tese fixada no IRDR.

4 DA APLICAÇÃO PRÁTICA DO INCIDENTE.

O Novo Código de Processo Civil entrou em vigor no dia 18 de março de 2016 e dois meses depois, mais precisamente em 20 de maio de 2016, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro admitia o primeiro IRDR da justiça brasileira.

Suscitado pela Juíza da 5ª Vara de Fazenda Pública da capital fluminense e em julgamento no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o IRDR de n. 0023205-97.2016.8.19.0000 visa a analise da aplicação do percentual de 11,98% à remuneração dos servidores públicos estaduais, em razão de diferenças salariais ocasionadas pela conversão da moeda URV para Real no ano de 1994, bem como tratava do pagamento das parcelas que porventura fossem devidas de forma retroativa. Tal situação é objeto de inúmeras ações em trâmite naquele tribunal.

Em Santa Catarina, o primeiro incidente foi suscitado em maio de 2016 pelo Desembargador Ronei Danielli, relator da apelação n. 0302355-11.2014.8.24.0054, que deu origem ao incidente, o qual foi admitido pelo Grupo de Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça, órgão colegiado competente para julgamento do IRDR no TJSC.

Relacionado à saúde, tema que contém milhares de processos naquele tribunal sobre as mais variadas peculiaridades, o incidente supracitado tinha como objeto matéria de direito relacionada à necessidade ou não de ser comprovada a carência de recursos financeiros do cidadão que reclama medicamentos ou procedimentos ao Sistema Único de Saúde (SUS).

No que concerna à Justiça Federal, o Tribunal Regional Federal (TRF4), responsável pelos estados da região sul do país, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, teve seu primeiro IRDR admitido em setembro de 2016, IRDR n. 5024326-28.2016.4.04.0000, tratando sobre a controvérsia causada pela Resolução nº 543/2015 do CONTRAN que versa sobre a inclusão de aulas em simulador de direção veicular para os candidatos à obtenção da Carteira Nacional de Habilitação – CNH. Tamanha era a importância e amplitude do tema que houve reflexos no STJ,

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resultando na primeira suspensão nacional de processos ocasionada por IRDR naquele tribunal superior, que deferiu o sobrestamento de todas as ações individuais ou coletivas em curso no território brasileiro, inclusive nos Juizados Especiais, que versassem sobre a questão objeto daquele incidente.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em análise ao Painel de Consulta ao Banco Nacional de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios, atualmente, entre pendentes e julgados, são 134 IRDRs no país, sendo 102 na Justiça Estadual, 11 na Justiça Federal, e 21 na Justiça do Trabalho, que ocasionaram em um sobrestamento total de 65.255 processos, sendo 60.375 na Justiça Estadual, 2.962 na Justiça Federal e 1.918 na Justiça do Trabalho.

Portanto, nota-se uma crescente utilização do IRDR por todos os tribunais do país e em todas as áreas do direito, restando claro o sucesso inicial do incidente na prática jurídica, o que traz uma visão otimista de um futuro cuja realidade seja de maior proteção aos princípios da isonomia e segurança jurídica, além de gerar celeridade processual, fator fundamental para provocar na sociedade o sentimento de justiça.

5 CONCLUSÃO

O presente artigo tinha a intenção de ponderar sobre o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, nova técnica processual inserida pelo Código de Processo Civil de 2015, que foi criada com as missões de desafogar o judiciário e dar eficácia aos princípios da isonomia e segurança jurídica através da resolução de numerosas questões de direito idênticas provenientes de processos distintos, que vinham abarrotando o poder judiciário, causando lentidão na prestação jurisdicional, e sendo decididas de maneiras diferentes, acarretando enorme insegurança jurídica e ferindo a isonomia.

Importante se ratificar alguns aspectos estudados no artigo para que se possa solidificar o entendimento sobre o tema. Vejamos.

A evolução natural da vida em sociedade e consequentemente do Direito, como ciência inerente à vida social, ocasionou a massificação das relações humanas e, em via de consequência, das relações jurídicas, transbordando o Poder Judiciário com inúmeras questões similares, causando enorme congestionamento de processos, atrasando a efetiva prestação jurisdicional e ferindo os princípios da isonomia e segurança jurídica, haja vista o contraste entre decisões concernentes a temas análogos.

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Isto posto, foram criados mecanismos para auxiliar na diminuição dos problemas gerados pela massificação e equidade das relações jurídicas, nascendo assim instrumentos processuais como as Tutelas Judiciais Coletivas, Súmulas dos Tribunais Superiores, Súmulas Vinculantes do STF, julgamentos de recursos repetitivos pelos Tribunais Superiores, Incidente de Assunção de Competência e, mais recentemente, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), este inspirado principalmente no Musterverfahren Alemão e no Group Litigation inglês.

O IRDR pode ser descrito como um mecanismo processual onde, a partir da detecção de diversas questões de direito similares em processos distintos, um dos legitimados presentes no rol taxativo do art. 977 e incisos do CPC/2015 requer sua instauração. Esta sendo aceita pelo órgão competente do tribunal, o processo em que figura o requerente do instituto é colhido para ampla instrução processual e discussão social, causando a suspensão dos demais processos que contenham questão idêntica para julgamento ou construção de tese em cima daquele caso que serviu de modelo. Esta ação será diretriz para o julgamento dos processos suspensos e para futuros casos, especificamente no que concerne à questão de direito objeto do IRDR.

Por meio de uma análise aos dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, nota-se que após 2 anos de vigência do novo CPC e consequentemente do IRDR, a utilização prática do incidente é crescente, demonstrando, a priori, sucesso deste mecanismo processual no que diz respeito a sua aceitação e uso. Porém há a necessidade de se aguardar um lapso temporal maior para que se conclua sobre sua eficácia no que concerne ao atingimento de seus objetivos, que são a desobstrução do poder judiciário e obtenção de maior efetividade dos princípios da segurança jurídica e isonomia.

Não obstante o sucesso inicial, o IRDR não significa a solução cabal dos problemas relacionados ao congestionamento do poder judiciário, à insegurança jurídica e ao desrespeito à isonomia, porém pode contribuir bastante para diminuição desses transtornos.

O núcleo gerador da problemática é a própria sociedade, sua educação e cultura. A cultura brasileira é da litigância excessiva, onde se busca o socorro judiciário por qualquer motivo, se recorre de qualquer decisão, correta ou não, além de inexistir o costume de se procurar meios alternativos de solução de conflitos, a exemplo da arbitragem, seja pelo custo financeiro alto, seja pela falta de confiança social em um julgamento privado, em contrapartida a um julgamento estatal.

Portanto, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas surge como um importante mecanismo processual que, dentro de um contexto e aliado a outros meios

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judiciais de solução de conflitos em massa, vem para causar alívio ao poder judiciário, desnecessariamente abarrotado de questões semelhantes, o que prejudica a eficiência da prestação jurisdicional, e consequentemente a eficácia, causando descredito social e prejudicando os princípios da segurança jurídica e da isonomia, pilares fundamentais em qualquer estado de direito.

REPETITIVE DEMAND RESOLUTION INCIDENT (RDRI): ANTIDOTE PROCESSING TECHNIQUE FOR RELIEF CONTEMPORARY PROCESSUAL PROBLEMS.

Abstract: This paper aims to reflect on the Incident of Resolution of Repetitive Claims, a

procedural mechanism introduced in Brazilian Law by the New Code of Civil Procedure of 2015, in its articles 976 to 987. This instrument aims to soften the burden that plagues the Brazilian judiciary, where Repeated issues in distinct cases delay judicial performance, as well as lead to different decisions on identical issues, bringing legal uncertainty and offense to isonomy. The study will include a brief reflection on the evolution of life in society and consequent massification of legal relations, will deal with the culture of excessive search for jurisdiction and the persistent disagreement of judicial decisions, will discuss the problem of obstruction of the judiciary with identical issues of law and clearing mechanisms, will discuss the Incident of Resolution of Repetitive Demands with analysis of its origin, legal nature, assumptions and practical application. Doctrinal, legal and jurisprudential subsidies will be used.

Keywords: Incident of Resolution of Repetitive Demands. Mass processes. Civil lawsuit.

REFERÊNCIAS

BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Código de Processo Civil Anotado. AASP;

OAB/PR, São Paulo; Paraná, p. 1527-1528, 2015.

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. Saraiva, São Paulo, p. 791-810, 2016.

CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Forense, Rio de Janeiro, p. 1418, 2015.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. Atlas, São Paulo, p. 479, 2016.

DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil Comentado. Atlas, São Paulo, p. 825-826, 2017.

ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS, Florianópolis, p. 18-69, 2017.

Referências

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