DECISÃO
Processo nº: 0185880-40.2011.8.06.0001
Classe Assunto: Ação Civil Pública - Concurso Público / Edital
Autor: Núcleo de Defensoria Pública do Estado do Ceará
Réu: Fundaçao Universidade Estadual do Ceara/ Comissao Executiva do Vestibualr -CEV e outro
Vistos em despacho...
Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA promovida pela
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ contra a FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE/COMISSÃO EXECUTIVA DO VESTIBULAR – CEV e ESTADO DO CEARÁ, com pedido de tutela
antecipada e pelas razões fáticas e jurídicas expostas na exordial de fls. 01/16.
A Defensoria Pública do Estado do Ceará ingressou com a presente ação, no intuito de que duas questões da prova objetiva do concurso de agente penitenciário (Edital nº. 29/2011-SEPLAG/SEJUS), sejam anuladas, tendo em vista que a redação das mesmas é dotada de erro material, induzindo os candidatos a dúvida.
Tais questões seriam a 48 e 50, da Prova Objetiva Tipo 4, cujo texto se refere, erroneamente, à Lei Estadual nº. 9.926, de 14 de maio de 1974, quando, na verdade, tratava da Lei Estadual nº. 9.826 de 14 de maio de 1974.
Entendendo que este erro material levou candidatos a dúvidas, o Poder Judiciário estaria autorizado a proceder a anulação das citadas questões.
Requer a antecipação da tutela antecipada para que sejam adotadas as medidas necessárias à anulação das questões acima apontadas, com a suspensão do certame até que seja publicada nova lista de candidatos aprovados na
primeira fase do concurso, considerando o gabarito a ser publicado com a inclusão da nulidade apontada. Requer ainda, a reabertura dos prazos aos candidatos aprovados após a mencionada retificação, para que apresentem os exame médicos e demais documentos necessários.
Com a inicial supra, veio a documentação de fls. 17/100.
Despacho de fls. 101 estabelecendo um prazo de 72 (setenta e duas) horas para que o Estado do Ceará se manifestasse sobre o pedido de tutela antecipada.
Decorrido o tempo estabelecido, foi apresentada a peça de fls. 112/123, alegando que o mero erro de digitação das questões não ensejaria a nulidade das mesmas, pois o conteúdo ali inserido estava abrangido pelo Edital, requerendo o indeferimento do pedido liminar.
Em síntese, são essas as principais alegativas do Autor presente na peça vestibular. Passo a decidir sobre o pedido de antecipação de tutela.
Recebo a petição inicial em seu plano formal.
Cediço é que a antecipação só se faz possível, de forma parcial ou total, existindo prova inequívoca, convencer-se o magistrado da verossimilhança da alegação autoral.
Dentre as inovações do Código de Processo Civil, encontra-se a faculdade dada ao Juiz de antecipar, total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, convença-se o Magistrado da verossimilhança da alegação e que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou, ainda, quando ficar caracterizado o abuso de
direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.
Como se constata, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida tem uma amplitude muito além das concessões de liminares deferidas em ações mandamentais e, ainda, em demandas cautelares. Aqui, como bem sugere o próprio nome do instituto jurídico, antecipa-se a entrega do direito pretendido, mesmo que seja de modo parcial. Ao contrário do que ocorre na referida antecipação, naquelas demandas, basta que se demonstrem a presença da fumaça do bom direito, ainda que precário, e o perigo de seu próprio perecimento, pela demora na prestação jurisdicional.
Com bastante propriedade assevera LUIS GUILHERME MARINONI que:
“É possível a concessão de tutela antecipatória não só quando o dano é apenas temido, mas igualmente quando o dano esta sendo ou já foi produzido.
No primeiro caso devem estar presentes elementos ou circunstancias de fato que permitam ao Juiz concluir, ainda que com base em probabilidade que o dano é iminente (pode ocorrer brevemente) e que, por isso, é justificável - considerada a natureza que se visa a proteger - a concessão da tutela.” (In Marinoni, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela na reforma do Processo Civil. Pag. 57. 2ª Ed. Malheiros, São Paulo, 1996.)
Em relação ao controle jurisdicional relativo à legalidade na aplicação/elaboração das provas de concurso público, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se inclinou no sentido de que a atuação do Poder Judiciário, nestes casos, não pode, em substituição à banca examinadora, reexaminar os critérios de correção das provas e o conteúdo das questões formuladas. Vejamos:
CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DA REPÚBLICA. PROVA OBJETIVA: MODIFICAÇÃO DO GABARITO PRELIMINAR. REPROVAÇÃO DE CANDIDATA DECORRENTE DA MODIFICAÇÃO DO GABARITO. ATRIBUIÇÕES DA
BANCA EXAMINADORA. MÉRITO DAS QUESTÕES: IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. A modificação de gabarito preliminar, anulando questões ou alterando a alternativa correta, em decorrência do julgamento de recursos apresentados por candidatos não importa em nulidade do concurso público se houver previsão no edital dessa modificação.2. A ausência de previsão no edital do certame de interposição de novos recursos por candidatos prejudicados pela modificação do gabarito preliminar não contraria os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.3. Não cabe ao Poder Judiciário, no controle jurisdicional da legalidade, substituir-se à banca examinadora do concurso público para reexaminar os critérios de correção das provas e o conteúdo das questões formuladas (RE 268.244, Relator o Ministro Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 30.6.2000; MS 21.176, Relator o Ministro Aldir Passarinho, Plenário, DJ 20.3.1992; RE 434.708, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 9.9.2005). (27260 DF , Relator: Min. CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 29/10/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-02 PP-00454, undefined)
Porém, analisando a pretensão do requerente, percebo que o controle jurisdicional da legalidade buscado, não interfere nos critérios de correção das provas, tampouco é relativo ao conteúdo das questões formuladas. Pelo contrário o erro de digitação nas questões 48 e 50, da Prova 04, é de ordem material, legitimando a intervenção do Poder Judiciário para que a falha seja anulada, notadamente quando o erro é perceptível de plano e não exige qualificação específica para a sua interpretação. Vejamos o entendimento jurisprudencial sobre o tema:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROVAS. CONTROLE JURISDICIONAL. LIMITES.I- Não é vedado ao Judiciário o exame de questão de prova de concurso público para aferir se esta foi formulada em obediência ao conteúdo programático, desde que não exija qualificação específica para tanto, porquanto a Administração, na formulação das questões, vincula-se às regras estabelecidas no instrumento convocatório. Precedentes do c. STJ e do c. STF.II- Desde que seja perceptível de plano, e não exija qualificação específica para a sua interpretação, pode o Judiciário, excepcionalmente, declarar a nulidade de questão de prova contendo erro material. Recurso ordinário provido para determinar o retorno dos autos ao e. Tribunal a quo, para que julgue o writ nos estritos limites do pedido.
(21649 ES 2006/0070424-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 02/08/2007, T5 - QUINTA TURMA, Data de
Publicação: DJ 17/09/2007 p. 309, undefined)
Portanto, tendo em vista que as nulidades apontadas não tratam de reexame dos critérios de correção e do conteúdo das questões formuladas, entendo pela plausibilidade das medidas pretendidas, pois, indiscutivelmente, tratando-se de erro na formulação dos enunciados, os candidatos encontraram dúvida no enfrentamento das referidas questões, conforme demonstram as declarações anexas à exordial (fls. 18/19).
Ora, se a prova tratasse de uma questão subjetiva e o candidato, em sua resolução, indicasse erroneamente uma lei na sua resposta, mesmo que estivesse tratando da correta, certamente a banca examinadora lhe retiraria a pontuação neste sentido.
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, por sua vez, está consubstanciado frente aos prejuízos que aqueles candidatos prejudicados sofrerão caso não sejam anuladas as questões apontadas, com a possível perda de seus direitos subjetivos caso tenham que aguardar até o julgamento final desta ação.
Pelo exposto, CONCEDO a antecipação dos efeitos da tutela pretendida para determinar, até ulterior deliberação deste Juízo, a nulidade das duas questões apontadas na inicial (questões 48 e 50 do caderno 4º) onde constou “Lei Estadual 9.926 de 14 de maio de 1974”, quando deveria constar “Lei Estadual 9.826 de 14 de maio de 1974”, determinando que os Promovidos adotem as seguintes providências:
a) DIANTE DA NULIDADE ACIMA DECLARADA,
SUSPENDAM O CONCURSO PARA O CARGO DE AGENTE PENITENCIÁRIO, ATÉ QUE HAJA A PUBLICAÇÃO DE NOVA LISTA DE APROVADOS, CONSIDERANDO O
GABARITO A SER PUBLICADO COM AS QUESTÕES ANULADAS.
b) PROCEDAM A REABERTURA DOS PRAZOS AOS CANDIDATOS EVENTUALMENTE APROVADOS APÓS A RETIFICAÇÃO DO
GABARITO, PARA QUE APRESENTEM EXAMES MÉDICOS E DEMAIS
DOCUMENTOS NECESSÁRIOS, SUBMETENDO-OS INCONTINENTI, ÀS FASES DO CERTAME QUE JÁ TENHAM SIDO REALIZADAS.
Desde logo imponho a aplicação de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) em caso de descumprimento destas medidas, cuja incidência incidirá a partir da data da ciência da ordem judicial.
Citem-se e intimem-se os Promovidos, dando-lhes conhecimento desta ordem para o seu fiel cumprimento e para, se querendo, respondam a demanda proposta.
Exps. cabíveis.
Fortaleza, 19 de janeiro de 2012.
MARIA VILAUBA FAUSTO LOPES Juíza de Direito da 5ª Vara da Fazenda Pública
