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RELATO DE UM CASO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO DE UM ADOLESCENTE

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RELATO DE UM CASO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO DE UM ADOLESCENTE

Autora: Sandra Regina Ferreira Marques de Vasconcelos Contato: sandrareginafm@hotmail.com Outubro/2015 Resumo

O objetivo deste trabalho foi o de descrever a evolução de um caso clínico, de um adolescente do sexo masculino, 14 anos, com transtorno psíquico grave. Acompanhamento se deu por um período aproximado de um ano, e as observações da acompanhante foram interpretadas no contexto da teoria psicanalítica. As atividades ocorreram nos espaços do cotidiano característicos da clínica de rua, com recursos terapêuticos bastante simples, porém providos de sentidos, resultando na reintegração do paciente a uma rede de relacionamentos sociais, promovendo seu retorno à escola e motivando a realização de atividades lúdicas diversas. A atuação demandou além das teorias, uma sensibilidade que sustentasse uma escuta cuidadosa e respeitosa.

Palavras-chave: Acompanhamento terapêutico, transtorno psíquico grave, cuidados alternativos.

Introdução

As experiências clínicas, centradas na atitude de permanecer junto ao paciente transtorno psíquico grave, classificadas como uma forma de Acompanhamento Terapêutico (AT), tomaram impulso a partir de meados do século XX. Na atualidade, são reconhecidas por terem provocado uma alteração profunda na mentalidade de psicólogos, médicos e profissionais de saúde, por diferir do modelo contratual de atendimento em consultórios. O AT no Brasil vem apresentando características peculiares e próprias que apontam para a construção de um caminho inovador no campo teórico comum às diversas formas de suporte e intervenção comunitários.

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Os primeiros acompanhantes terapêuticos surgiram na Argentina, por volta de 1970, como “assistentes psiquiátricos” para exercer uma forma alternativa, e cuidados a pacientes que não obtinham sucesso com as práticas terapêuticas tradicionais. Por muito tempo, a atuação do AT esteve relacionada a casos de longas internações, mas com o tempo, abrangeu também outras funções, destacando sua contribuição como coadjuvante em situações urgentes e críticas e em casos de evidente cronicidade. Atualmente, é compreendida como uma forma de intervenção em saúde mental, baseada em cuidados domiciliares, LONDERO; PACHECO, (2006); LINS; OLIVEIRA; COUTINHO, (2007).

Segundo Metzger (2006), o AT tem por objetivo “levar relações humanas terapêuticas para qualquer lugar”, não as restringindo em consultórios clínicos. Londero e Pacheco (2006) relatam que a indicação do AT se faz necessária quando o paciente apresenta incapacidade de desempenhar atividades funcionais, tais como executar as ações básicas para os cuidados com higiene, alimentação ou demais atividades da vida diária. Além disso, a clínica do AT, também conhecida como uma forma de clínica ampliada,por mais simples que seja, não é desprovida de sentido e pode significativamente ampliar o espaço social e relacional dos pacientes atendidos (PALOMBINI, 2002).

O objetivo deste trabalho foi o de descrever alguns aspectos do acompanhamento terapêutico de um jovem de 14 anos, incapacitado para realizar, sozinho, as atividades da vida diária e em total isolamento social, em decorrência de transtorno psíquico grave.

Metodologia

O acompanhamento ocorreu, aproximadamente, por um período de um ano e todo o planejamento terapêutico foi supervisionado por uma equipe de psicólogas de referência em AT.

O paciente acompanhado foi um jovem de 14 anos, aqui denominado Jorge, que frequentava o Centro de Atenção Psicossocial à Infância e à Adolescência (CAPSI). As atividades de acompanhamento foram realizadas em praças, sorveterias, shoppings, cinemas e em outros locais característicos da

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clínica de rua. Após certo tempo, houve a inserção de Jorge em um Centro de Convivência, que se constituiu num espaço público que acolhe pessoas portadoras de transtornos mentais, para que participasse de oficinas terapêuticas.

O adolescente mora com os pais e uma irmã mais velha em Uberlândia, MG. O principal cuidador é o pai, com quem Jorge passava o dia todo, uma vez que não mais frequentava a escola. Era acompanhado por um psiquiatra que não conseguiu estabelecer um diagnóstico definitivo, ou seja, podia se tratar de síndrome de Tourette, transtorno obsessivo-compulsivo ou esquizofrenia.

O primeiro encontro com o paciente, para o acolhimento da demanda, ocorreu na residência da família e foi pré agendado e intermediado pela psicóloga que o atendia no CAPSI. Na ocasião, as principais queixas da família foram: a dependência de Jorge para a realização nas atividades da vida diária (AVDs), a alternância entre comportamentos dóceis e agressivos, a ocorrência de intensas crises, nas quais permanecia por horas no banheiro ou próximo a ele, exigindo a permanência constante de seu pai junto a ele. Além disto, Jorge recusava-se a tomar banhos, não escovava os dentes há meses, e fazia uso de fraldas no período noturno. O adolescente tinha dificuldades de comunicação e apresentava postura envergada. Os tiques eram constantes, bem como os rituais de contagem.

O adolescente não frequentava nenhum outro espaço social extra-familiar, não conseguindo sair de casa nem mesmo para ir ao médico, o que demandava atendimento domiciliar. No entanto, foi empático com a acompanhante terapêutica, mostrando-se disposto a participar do planejamento das atividades que poderiam ser realizadas nos próximos encontros. Ainda no primeiro contato foi definido o contrato de trabalho, que teria inicialmente dois encontros semanais, cada um com duração aproximada de uma hora.

Resultados e Discussão

Logo no primeiro encontro algo interessante aconteceu, surpreendendo a acompanhante, pois, aquele garoto considerado pelos pais como anti-social declarou desejar frequentar um parque da cidade

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O silêncio permeava os encontros e, por muitas vezes, houve necessidade do acompanhante adotar uma postura instigante - “de jornalista”, termo usado por Jorge em alguns dos encontros. Recursos como jogos, piadas e música foram valiosos nesse processo, pois algumas perguntas mais diretas eram intercaladas com os jogos e/ou brincadeiras, a fim de proporcionar uma situação mais descontraída. Suas respostas eram dadas com poucas palavras e de forma rápida. Porém, mostrava-se interessado nos jogos, agindo descontraída e participativamente, a não ser quando questionado sobre sua história de vida, após o que, mostrava-se incomodado, emitindo “tiques”.

Muito foi investido no cuidado com o vínculo entre acompanhante e acompanhado para assegurar que toda a programação seria estabelecida, a partir do desejo de Jorge. Após cerca de dois meses do início do acompanhamento, o vínculo já estava estabelecido e Jorge demonstrava apreciar o trabalho que estava sendo realizado.

Em pouco tempo foram percebidos alguns avanços em diversas áreas. Houve redução dos “tiques” e dos rituais de colecionamento e contagem, melhora da comunicação, redução dos níveis de ansiedade e, principalmente, a diminuição de tempo de permanência no banheiro ou próximo a ele. Os avanços e melhoras no quadro geral de adoecimento do paciente foram também percebidos pela família, especialmente a redução no número de crises de agressividade.

As observações da acompanhante foram interpretadas no contexto da teoria psicanalítica, norteadoras de reflexões acerca do desenvolvimento psicossexual do paciente. Freud (1923) apontou a importância do desenvolvimento da sexualidade humana, partindo da premissa de que a sexualidade é parte inerente ao ser humano e exerce grande influência nas relações sociais. Além disto, outras referências foram consideradas. Andrade e Gorenstein (2015) afirmam, por exemplo, que “a ansiedade se refere ao fenômeno que, dependendo de sua circunstancialidade ou intensidade, pode ser útil ou tornar-se patológico, prejudicando o funcionamento psíquico e somático” e este fato foi observado em diversos momentos do acompanhamento terapêutico.

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Em determinado encontro, a acompanhante sugere a Jorge uma visita ao CAPSI e o convite foi aceito sem resistência. Apesar de duas outras visitas terem sido feitas ao local, não foi possível dar continuidade a esta atividade por falta de motivação do paciente, que preferiu retornar às atividades usuais do acompanhamento terapêutico.

Ao longo do processo terapêutico, o paciente passou gradativamente a transferir seus sentimentos para o analista, nele confiando cada vez mais, o que facilitou o trabalho de análise (FREUD, 1923). Não demorou muito, Jorge voltou a frequentar a sala de aula. Nesta ocasião, mostrava-se mais feliz, o que facilitava de algum modo as conversas durante as caminhadas, as brincadeiras e as idas às sorveterias. Além disto, ao longo de conversas tranquilas, fazia considerações sobre seus sonhos e frustrações. Foi dito, por exemplo, que gostaria de ter uma pipa, jogar basquete e andar de skate e que nunca havia levado um amigo para brincar em sua casa. Nesse momento, foi possível levantar a hipótese de que o afastamento de Jorge do convívio social poderia estar sendo agravado por atitudes da família e não promovido por vontade própria.

De fato, ao solicitar a participação dos pais na realização dos projetos do filho, houve muita resistência, por exemplo, com relação à aquisição de bola e cesta de basquete para ser instalada na varanda da residência da família. Somente após diversas argumentações de que a atividade física poderia reduzir os episódios de agressividade de Jorge, os pais concordaram com a compra apenas da bola. Sobre isto é importante salientar que o sistema familiar caracteriza-se por sua complexidade e é nele que o trabalho do acompanhante terapêutico se dá, a partir da compreensão das relações intra e intersubjetivas.

Outro grande desafio foi a confecção de uma pipa, pois as habilidades de coordenação fina precisavam ser superadas e Jorge nem sempre aceitava ajuda. O desejo do acompanhante em oferecer ao acompanhado a tão sonhada pipa, se juntou ao desejo do próprio acompanhado e juntos puderam descobrir os segredos de fazer pipa voar. Dias depois, em uma praça, pôde-se ver um menino, antes enclausurado, correndo atrás de uma pipa!

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Conclusão

O trabalho de acompanhamento terapêutico pôde proporcionar a reintegração do paciente Jorge a uma rede de relacionamentos sociais, promovendo seu retorno à escola e motivando a realização de atividades lúdicas diversas. O paciente passou a ser mais comunicativo e menos agressivo, apresentando comportamentos menos compulsivos. A amizade que se desenvolveu entre acompanhante e acompanhado foi muito importante para promover as transformações observadas. A acompanhante terapêutica percebeu, ao longo do processo, que sua atuação demandou muito mais do que teorias, uma sensibilidade que sustentasse uma escuta cuidadosa e respeitosa.

Referências Bibliográficas

ANDRADE L.H.S.G.; GORENSTEIN C. (2015). Aspectos gerais das escalas de avalição de ansiedade. Disponivel em:

http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol26/vol25/n6/ansi256a.htm#1. Acessado em 13/09/2015

METZGER, C. Um olhar sobre a transferência no acompanhamento terapêutico. In: SANTOS, R.G. (Org.). Textos, texturas e tessituras no Acompanhamento Terapêutico. São Paulo: Hucitec, p.173-187. 2006.

LINS, C.E.; OLIVEIRA, V.M.; COUTINHO, M.F. Clínica ampliada em saúde mental: cuidar e suposição de saber no acompanhamento terapêutico. Rio de janeiro: Programa de pós-graduação em saúde da criança e da mulher/ Saúde coletiva. 2007.

LONDERO, I.; PACHECO, J.T.B. Por que encaminhar ao acompanhante terapêutico? Uma discussão considerando a perspectiva de psicólogos e psiquiatras. Psicologia em Estudo, Maringá, v.11, n. 2, p. 259-267. 2006.

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FREUD, S. Um caso de Histeria. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade e outros trabalhos. Vol. VII. (1901-1905). Ed. Imago. Rio de Janeiro. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas.

PALOMBINI, A.L., et al (2004).Acompanhamento terapêutico na rede pública. A clínica em movimento. Porto Alegre: UFRGS. 2004.

PALOMBINI, A. L. O acompanhamento terapêutico em cena: metapsicologia e incidências subjetivas dos espaços e tempos do cotidiano. Tese de Doutorado, Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.

Referências

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