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Uma análise do humor irônico em duas traduções brasileiras de Jakob Der Lügner de Jurek Becker

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Academic year: 2021

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CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO

UMA ANÁLISE DO HUMOR IRÔNICO EM DUAS TRADUÇÕES BRASILEIRAS DE JAKOB DER LÜGNER DE JUREK BECKER

MARISE JANKE BUTZKE

Florianópolis 2007

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UMA ANÁLISE DO HUMOR IRÔNICO EM DUAS TRADUÇÕES BRASILEIRAS DE JAKOB DER LÜGNER DE JUREK BECKER

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Tradução. Linha de pesquisa: Teoria, crítica e história da tradução. Orientador: Prof. Werner Heidermann, Dr.

Florianópolis 2007

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UMA ANÁLISE DO HUMOR IRÔNICO EM DUAS TRADUÇÕES BRASILEIRAS DE JAKOB DER LÜGNER DE JUREK BECKER

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Tradução.

Aprovada pela comissão examinadora em Florianópolis, 19 de outubro de 2007.

____________________________________________________ Prof. Dr. Werner Heidermann

UFSC - Orientador

____________________________________________________ Profa. Dra. Rosvitha Friesen Blume

UFSC

____________________________________________________ Prof. Dr. Maurício Mendonça Cardozo

UFPR

____________________________________________________ Prof. Dr.

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Ao professor Dr. Werner Heidermann, que generosamente aceitou e conduziu este projeto.

Aos professores da primeira turma do curso de Pós-Graduação em Estudos da Tradução Dra. Andréia Guerini, Dra. Marie-Hélène Torres, Dr. Markus Weininger, Dr. Mauri Furlan, Dr. Walter Carlos Costa e Dr. Werner Heiderman, os quais com entusiasmo, competência e simpatia, alargaram meus horizontes.

Aos professores Dr. Markus J. Weininger e Dr. Mauri Furlan pela presença, atenção e sugestões por ocasião da banca examinadora para qualificação do projeto.

A Paulo Afonso, Companheiro em todas as horas. A Guilherme Eduardo, pequeno ponto em ebulição. A Chico e Lilli, dois outros modos de viver a vida.

À Ornella Pezzini, pela amizade que nasceu e permanece e pelo abstract. À Mara e Rúbia, pela impressão e pelo escaneamento das imagens. Aos colegas da primeira turma do curso, com saudades.

Às pessoas da Secretaria do Centro de Pós-Graduação em Estudos da Tradução, pela cordialidade e presteza.

Aos professores componentes da banca, Dr. Maurício Mendonça Cardozo e Dra. Rosvitha Friesen Blume, pela leitura, pelos questionamentos e orientações.

À Universidade Federal de Santa Catarina e ao Curso de Pós-Graduação pela oportunidade a mim concedida.

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AS PALAVRAS RESSUSCITARÃO As palavras envelheceram dentro dos homens separadas em ilhas, as palavras se mumificaram na boca dos legisladores; as palavras apodreceram nas promessas dos tiranos; as palavras nada significam nos discursos dos homens públicos. E o Verbo de Deus é uno mesmo com a profanação dos homens de Babel, mesmo com a profanação dos homens de hoje. E por acaso, a palavra imortal há de adoecer? E, por acaso, as grandes palavras semitas podem desaparecer? E, por acaso, o poeta não foi designado para vivificar a palavra de novo? Para colhê-la de cima das águas e oferecê-la outra vez aos homens do [continente?] E, não foi ele apontado para restituir-lhe a sua essência, e reconstituir seu conteúdo mágico? Acaso o poeta não prevê a comunhão das línguas, quando o homem reconquistar os atributos perdidos com a Queda, e quando se desfizerem as nações instaladas ao depois de Babel? Quando toda a confusão for desfeita, o poeta não falará, do ponto em que se encontrar, a todos os homens da terra, numa só língua – a linguagem do Espírito? Se por acaso viveis mergulhados no momento e no limite, não me compreendereis, irmão!

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BUTZKE, Marise Janke. Uma análise do humor irônico em duas traduções brasileiras de

Jakob der Lügner de Jurek Becker. Florianópolis, 2007. 88 f. Dissertação (Mestrado em Estudo da Tradução) – Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina.

O objetivo desta dissertação é analisar a tradução do humor irônico em duas versões brasileiras do primeiro romance do escritor de origem judaico-alemã, Jurek Becker (1982). A teoria que embasa a nossa análise é a metodologia desenvolvida por Katharina Reiß na Alemanha (1971), mediante a qual a autora visava a uma crítica de tradução mais objetiva, que contemplasse a especificidade do texto traduzido. A presente pesquisa analisa a qualidade dos equivalentes propostos por dois tradutores no translado do humor irônico em torno do elemento de enredo, um fabuloso rádio, com o qual o personagem central da narrativa Jakob der Lügner espalha sinais de esperança em um gueto judeu. Para avaliar a qualidade dos equivalentes propostos, a pesquisa emprega a categoria lingüística e a categoria pragmática da crítica de tradução da abordagem de Reiß e seu conceito central, a equivalência.

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BUTZKE, Marise Janke. An analysis of the ironic humor in two Brazilian translations of

Jakob der Lügner by Jurek Becker. Florianópolis, 2007. 88 f. Dissertação (Mestrado em Estudo da Tradução) – Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina.

The aim of the present thesis is to analyse the translation of ironic humour in two Brazilian translations of the first novel of the German Jewish writer Jurek Becker (1982). The theoretical background for our analysis is the methodology developed by Katharina Reiß in Germany (1971), which aims at objective translation criticism that takes into account the specificity of a tranlated text. The present research analyses the quality of the equivalents proposed by two translators with respect to the ironic humour surrounding an element of the narrative, a fabulous radio, through which the main character of Jakob der Lügner (Jacob, the Liar) brings a flash of hope in a Jewish ghetto. To assess the quality of the equivalents proposed, the research employs the linguistic and the pragmatic categories of Reiß translation criticism and its central concept, the equivalence.

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1 INTRODUÇÃO ...9

1.1 JUSTIFICATIVA ...12

1.2 DELIMITAÇÃODOOBJETODEPESQUISA ...15

2 METODOLOGIA...17

2.1 PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS ...17

2.2 OCORPUS...17

2.3 OSPROCEDIMENTOSDEANÁLISE...19

3 MARCO TEÓRICO...20

3.1 ACATEGORIAPRAGMÁTICANACRÍTICADETRADUÇÃO...25

3.1.1 Determinantes que vinculam o texto a uma circunstância específica ...26

3.1.2 Determinantes que vinculam o texto ao conhecimento do seu objeto específico ...27

3.1.3 Determinantes que vinculam o texto ao ambiente/cenário...27

3.1.4 Fatores que derivam da instância produtora do texto...28

3.1.5 A vinculação do texto ao receptor-fonte...28

3.1.6 A vinculação do texto ao determinante de época ...29

3.1.7 A vinculação do texto às implicações de afetação ...31

4 AUTOR E OBRA ...33

4.1 ABIOGRAFIAEAPRODUÇÃOLITERÁRIADEJUREKBECKER ...33

4.2 ARECEPÇÃODEJAKOBDERLÜGNER...37

4.3 JUREKBECKEREATRADUÇÃODEJAKOBDERLÜGNER...39

5 O HUMOR ...43

5.1 OHUMORDICIONARIZADO...46

5.1.1 A ironia...48

5.1.2 A Comicidade em Jakob der Lügner ...49

5.1.3 O rádio ...50

5.1.4 O rádio, o escritor e o romance Jakob der Lügner ...55

6 DISCUSSÃO ...57

6.1 ANÁLISE01 ...57

6.2 ANÁLISE02 ...60

6.3 ANÁLISE03 ...63

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6.6 ANÁLISE06 ...72

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS...74

REFERÊNCIAS ...78

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1 INTRODUÇÃO

Nós somos as cantoras do rádio / Levamos a vida a cantar. / De noite embalamos teu sono, / De manhã nós vamos te acordar. Nós somos as cantoras do rádio. / Nossas canções, cruzando o espaço azul, / Vão reunindo, num grande abraço, /Corações de Norte a Sul.1

(EDUCA TERRA, 2006, site).

A canção de João de Barro2 reflete todo o frenesi produzido pela grande novidade que representa o rádio em sua época de ouro através das popularíssimas radionovelas (daí apelidado de noveleiro), do famoso Repórter Esso, das músicas ao vivo a cruzar o espaço azul das terras brasileiras. Com este maravilhoso invento radiofônico a arrebatar corações nos anos vinte e quarenta do século passado, nós topamos no romance Jakob der Lügner, do escritor de origem judaico-alemã, Jurek Becker. Este texto, juntamente com as duas versões brasileiras sob o título homônimo, Jakob o Mentiroso, são a base deste estudo.

Mas na história Jakob der Lügner o ambiente do enredo é um gueto judeu3. E em guetos judeus, durante a segunda guerra mundial, além de milhares de outras coisas, a presença de rádios está expressamente proibida por decreto. Se alguém for pego em flagrante com um rádio, escutando rádio ou comungando com alguém que tenha um rádio, sua pena será o fuzilamento. A despeito disto, um dia, o personagem central, Jakob Heym, afirma que tem um rádio. Procedendo assim, primeiramente ele salva o jovem e esfomeado ex-lutador de boxe, Mischa, - prestes a atacar um vagão carregado de batatas - do fuzilamento. Logo em

1 Numa canção de João de Barro, as irmãs Aurora e Carmem Miranda cristalizaram as múltiplas funções do novo

veículo de comunicação, segundo A cultura de massas na década de 30 (EDUCA TERRA, 2006, site).

2 Apelidado Braguinha desde a infância, ainda estudante de arquitetura, adotou o pseudônimo João de Barro,

porque não queria que a família e os amigos soubessem de seu envolvimento com a música popular, profissão que na época carregava enorme preconceito. Nos anos 30 fez enorme sucesso como compositor de músicas de carnaval, entre elas "Pastorinhas" (com Noel Rosa). Em 1937 escreveu a letra da música de Pixinguinha que se tornou uma das mais conhecidas da música brasileira de todos os tempos: "Carinhoso". Suas músicas foram gravadas por praticamente todos os grandes nomes da era do rádio. Na década de 40 trabalhou com dublagens para cinema e compôs outros clássicos, como "Copacabana", imortalizado na voz de Dick Farney, e "Chiquita Bacana". Também fez adaptações musicadas para histórias infantis, que nos anos 76 atingiu a marca de 5 milhões de cópias vendidas. A influência de sua música se faz sentir até hoje, por meio de vários espetáculos e homenagens feitos por artistas de cinema, música e teatro. Em 1984 sua vida inspirou o enredo "Yes, Nós Temos Braguinha", que deu à Mangueira o título de campeã do carnaval daquele ano (CLIQUE MUSIC, 2007, site).

3 Gueto. 1 na maioria das cidades européias, bairro onde todo judeu era obrigado a residir. 2 Derivação por

extensão de sentido: bairro de uma cidade onde vivem os membros de uma etnia ou outro grupo minoritário, freq. devido a injunções, pressões ou circunstâncias econômicas ou sociais 3 Derivação: por extensão de sentido. Todo estilo de vida ou tipo de existência resultante de tratamento discriminativo. Etimologia it. ghetto (1516) 'região onde, em algumas cidades, os judeus eram obrigados a morar', fig. 'ambiente fechado, não acessível', segundo o Dicionário de Língua Portuguesa, Houaiss (2007, site). Já segundo Kreuzer (2007, site), “a palavra ghetto é o nome de uma ilha em Veneza na qual em 1516 foi erguido o primeiro gueto para judeus”.

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seguida, Jakob Heym percebe que o rádio reacende a chama da esperança nas pessoas do gueto, que já não tinham mais esperança de serem salvas daquele lugar e infortúnio. Isto o leva a inventar boas notícias todos os dias. Estas boas notícias que o radio de Jakob Heym transmite, transformam-se em “princípio da esperança” (KUTZMUTZ, 2004, p. 50). Para os habitantes do gueto, sem vislumbrar futuro nenhum, “bem de repente, amanhã ainda é outro dia” (BECKER, 1982, p.32).

Desta feita, também o rádio de Jakob Heym, um rádio fabuloso, mentido, provoca delírio e furore entre os moradores do gueto. Não por inebriar seus radiouvintes com canções envolventes, mas sim, por transmitir esperança, invenção desesperada, em meio ao desespero total. Mas o rádio, inusitado elemento de enredo - que ameniza a dor e a miséria das pessoas no gueto -, surpreende também por seus aspectos de comicidade e ambivalência. Comicidade, por que diverte e provoca o riso no leitor. A ambivalência, por suscitar sentimentos contraditórios intensos na narrativa e por trás da qual se encontra o humor irônico. Em determinado momento na história de Jakob der Lügner, a voz narradora exaltada qualifica o rádio, motivo de esperança, de modo depreciativo e deveras agressivo, remetendo, por fim, a uma outra realidade. Em uma aproximação de Jakob der Lügner e as duas traduções brasileiras Jakob o Mentiroso, a surpresa pelo aspecto da ambivalência aumentou. A comparação das duas traduções entre si e estas com o texto de saída apresentava diferenças significativas no tocante ao corpus recortado, isto é, a diferença de reprodução do humor irônico nos textos de chegada e em contraposição ao texto de saída.

Estes aspectos percebidos confluíram no propósito de analisar a tradução do humor irônico assentado em Jakob der Lügner nas duas versões brasileiras realizadas por Reinaldo Guarany em 1987 e Marcos Mariani de Macedo em 2000. E analisar a tradução do humor irônico dado significa, para nós, verificar os meios lingüísticos envolvidos na complexa reprodução de humor, como apontam os resultados desta pesquisa. Hickey (2006, site), professor na Universidade de Salford, anotou que o humor “viaja mal, costuma murchar no mais curto trajeto, chegando acabado, se não em cacos, ao seu destino”. Conseqüentemente, apesar da complexidade de uma análise de tradução de humor, cremos ser interessante assuntar a existência de meios lingüísticos da língua-alvo que minimizem, por assim dizer, os efeitos detonantes do jet lag sobre o humor em virtude de sua viagem tradutória. E, ademais dos meios lingüísticos, principalmente verificar a qualidade dos equivalentes propostos pelos tradutores na tradução do humor irônico de Jakob der Lügner para as duas versões brasileiras, Jakob o Mentiroso. A realização desta empreitada gerou vários assuntos e temas, como veremos em seguida.

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Ao pesquisarmos sobre o escritor Jurek Becker, constatamos sua atração por aquilo que é cômico, mas também pelo humor e pela ironia, que determinam seu modo de narrar, sua biografia e sua atitude diante da vida. Em virtude de ser seu tipo de humor um humor fino e melancólico, assuntamo-lo na perspectiva do humor filosófico e judaico. Assim, lidamos neste estudo com um humor fino, sutil e pontiagudo, e não escrachado, ruidoso ou destruidor. O rádio, que é o elemento de enredo, atiçou nossa curiosidade além da narrativa de Becker (1982). Por isto nos pusemos no encalço de sua história para compreender melhor sua figura na narrativa em questão. Esta busca nos levou além dos limites do Volksempfänger mencionado logo no início do romance. Descobrimo-lo como meio de comunicação de massa empregado pelo regime nazista durante a segunda guerra mundial na Alemanha de Hitler e figurando em um romance ambientado no Rio Grande do Sul no Brasil de Getúlio Vargas. Aqui, parte do enredo gira em redor de um rádio da marca Telefunken que transmite discursos nazistas e fascistas. E para fundamentar e organizar a análise de tradução de humor recorremos à abordagem de crítica de tradução formulada pela tradutora e professora Katharina Reiß na Alemanha em 1971.

A seguir, apresento as partes que constituem esta pesquisa.

O capítulo II, reservado à metodologia, apresenta os propósitos desta pesquisa, descreve os passos adotados na confecção do corpus e nos procedimentos de análise dos excertos que constituem o corpus do estudo.

O capítulo III destina-se, por vários motivos, à apresentação da abordagem de Reiß (1971). Através dela, a autora quer rever a idéia de crítica de tradução e propor uma crítica de tradução orientada ao objeto específico da tradução, ou seja, quando se analisa um texto traduzido, que este seja visto como tal e não como um texto de modo geral, qualquer. Afinal de contas, por detrás deste texto existe um outro texto, o original; um autor que o criou com os meios lingüísticos e extralingüísticos que a sua língua e cultura lhe colocaram à disposição; um “mediador”, o tradutor, que o transportou para uma outra língua/cultura. Além disto, a abordagem quer contribuir para que as traduções fiquem “melhores”.

O capítulo IV destina-se ao escritor Becker (1982) e a sua obra, por crermos que uma tradução integral (e não somente um romance) contribuiria na aproximação de duas línguas e culturas tão diferentes entre si. Ela ajudaria a perfurar esse “círculo de giz que é o idioma dentro do qual só há espaço de entendimento para os membros da mesma comunidade lingüística”, como anota Paes (1995, p. 4). Esse círculo, segundo o poeta, tradutor e ensaísta, “exclui o forasteiro ou o intruso que não foi iniciado na esotérica fala da tribo” (PAES, 1995, p. 5). Neste capítulo, destinamos uma seção para a biografia e produção literária, outra para a

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recepção de Jakob der Lügner e uma para a relação entre o autor e a tradução de seu primeiro romance, Jakob der Lügner.

Já no capítulo V abordamos o humor. Nele, anotamos observações sobre o humor dicionarizado, apresentamos o humor a partir do ponto de vista filosófico, falamos sobre as formas de manifestação do humor: a ironia e a comicidade. Neste mesmo capítulo, destinamos uma seção ao aparelho receptor de rádio, que foi sensação tanto em terras brasileiras como em alemãs e elemento de enredo na prosa literária da cultura de saída e da cultura de chegada.

No capítulo VI, destinado à Discussão apresento os textos que perfazem o corpus, analiso os textos de chegada, contrapondo-os entre si e com o texto de saída. Através da análise comparativa, demonstro as diferenças que apresentam entre si os excertos do texto de chegada e em relação ao texto de saída.

Com o capítulo VII Considerações Finais chegamos ao desfecho desta dissertação, acenando ao caminho que deixamos para trás.

E, por fim, anotamos as Referências Bibliográficas e acrescentamos os Anexos: uma foto do aparelho receptor de rádio Telefunken; um cartaz, fazendo propaganda do Volksempfänger; um cartaz com um texto de resistência a nazistas da Verband Proletarischer Freidenker, Associação dos Proletários Livre-pensadores; um cartaz anunciando o primeiro filme, Jakob der Lügner, na Alemanha Oriental.

1.1 JUSTIFICATIVA

Esta investigação insere-se no contexto dos Estudos da Tradução e da crítica de tradução e seu ponto de partida é o projeto individual de pesquisa sobre Literatura alemã do século XX em traduções no Brasil, dirigido pelo professor Werner Heidermann na Universidade Federal de Santa Catarina. Dentre as inúmeras obras literárias em língua alemã, traduzidas e disponíveis, decidi-me pelo primeiro romance do escritor de origem judaico-alemã, Becker, Jakob der Lügner. A narrativa, publicada em 1969 na Alemanha Oriental, deu origem a duas traduções de autores diferentes em português do Brasil sob o título homônimo de Jakob o Mentiroso. As duas traduções foram encomendadas pela editora Companhia das Letras sob ISBN semelhante. A primeira, em 1987 e a segunda, em 2000.

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humor. A tragicidade da Shoá4, do genocídio judeu, e o humor em torno do fabuloso rádio que Jakob Heym, o personagem central, diz ter. O rádio, o elemento do enredo, exerce um fascínio sobre os moradores do ambiente do enredo, um gueto. Ele provoca reações ambivalentes nos judeus e provoca risos no leitor. Mas a incompatibilidade entre o trágico e o humorístico em Jakob der Lügner é só aparente. Ainda que a narrativa tenha piada, o humor nela não tem nada a ver com gargalhadas estrondosas ou com piadas ou chistes de qualquer gênero. Em Jakob der Lügner, o humor provoca o riso sim, mas pelas pontas agudas da ironia. E a ironia provoca um contraste entre a condição trágica dos personagens e a ação transformadora de um rádio inexistente. Esse contraste revela uma discrepância cujo efeito, de tão absurdo, é cômico, risível.

Mas, por detrás da provocação do riso, revela-se um propósito, que, considerando ao que a Shoá reduziu a vida de milhões de judeus e minorias étnicas, só poderá ser de teor crítico e que leve à reflexão. Esta incongruência desvelada pela ironia se impôs de forma bem marcante na leitura de Jakob der Lügner, porém de forma apagada, nas duas versões brasileiras.

Enquanto o texto-fonte emociona, provoca o riso e promove surpresa e reflexão, a leitura das traduções, pelo que nos parece, revelou-se uma experiência de estranhamento. Denominamo-la como uma experiência de riso/humor deslocado e alquebrado. Com isto, a surpresa e a reflexão acontecem em função de uma mudança de sentido de determinado enunciado que não tem nada a ver com o enunciado presente no original - em determinadas passagens.

A percepção deste deslocamento e/ou apagamento nas versões brasileiras foi a mola propulsora para iniciar com a construção deste projeto.

Entendemos que o campo de pesquisa dos Estudos da Tradução é vasto e multíplice. Que ele possibilita utilizar diferentes abordagens e modos de investigação para examinar determinado corpus, escolhido sob a perspectiva da atividade tradutória. Como seu repertório é inesgotável, ele oportuniza escolhas instigantes dentre as teorias existentes, sejam elas descritivas ou prescritivas. Embora pareça irônico, decidimos construir nossa pesquisa em torno de uma perspectiva teórica prescritiva do século passado, entrementes ultrapassada por

4 Shoá, também escrito da forma Shoah, Sho'ah e Shoa, que em língua iídiche (um dialeto do alemão falado por

judeus ocidentais ou “asquenazitas”) significaria calamidade, outro termo deste idioma para o Holocausto. É usado por muitos judeus e por um número crescente de cristãos devido ao desconforto teológico com o significado literal da palavra Holocausto que tem origem do grego e conotação com a prática de higienização por incineração; estes grupos acreditam que é teologicamente ofensivo sugerir que os judeus da Europa foram um sacrifício a Deus. É no entanto reconhecido que a maioria das pessoas que usam o termo Holocausto, não o fazem com essa intenção (WIKIPEDIA, 2005, site).

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três décadas e por uma dezena de teorias descritivas, largamente discutidas. E mais, uma abordagem que não fornece ferramentas específicas para analisar a tradução de humor. Muito pelo contrário, ele alerta para o fato de que justo ali se encontram os limites mais perceptíveis na crítica de tradução.

A abordagem que orienta a análise do corpus é o método de crítica de tradução de Reiß, Möglichkeiten und Grenzen der Übersetzungskritik: Kategorien und Kriterien für eine sachgerechte Beurteilung von Übersetzungen, publicado na Alemanha em 1971. Trata-se de uma abordagem de crítica de tradução mencionada em publicações sobre traduções as mais diversas e traduzida por Erroll F. Rhodes para o inglês (2000) e por Cathérine Bocquet para o francês (2002).

Embora um dos objetos de tese de doutoramento de Cardozo pela USP em 2004, Solidão e Encontro: Prática e Espaço da Crítica de Tradução Literária, a abordagem de crítica de tradução de Katharina Reiß ainda não foi traduzida no Brasil5. Por isso, enxergamos o nosso projeto como uma experiência exploratória da abordagem reißiana com seus critérios e categorias, resgatando-a do esquecimento, talvez até do desconhecimento.

Vale lembrar que foi com Katharina Reiß e sua abordagem, Möglichkeiten und Grenzen der Übersetzungskritik, que os estudos em torno da tradução iniciaram na Alemanha, nos anos de 1970.

Além do mais, as reflexões reißianas sobre tradução e crítica de tradução em sua época, sobre a qualidade das traduções e de uma crítica que venha ao encontro das necessidades específicas de um texto traduzido, podem tranquilamente ser os nossos, brasileiros também, ainda que algumas décadas mais tarde. Tanto aqui como acolá, as perguntas e a busca por soluções ou caminhos na prática tradutória e na crítica de tradução não são, necessariamente, tão díspares, apesar dos fatores tempo, geográfico, cultural e lingüístico.

Experiência exploratória também é o nosso propósito, ou seja, analisar a tradução de humor em nível de mestrado. Reportamos aos resultados da pesquisa de Rosas (2002, p. 16). Nela, a autora menciona três artigos e cinco dissertações e/ou trabalhos acadêmicos sobre tradução de humor do inglês para o português, constatando que o humor é tido como “o patinho feio” na Academia. E de fato, não conseguimos detectar trabalhos publicados em nível de mestrado sobre tradução de literatura alemã para o português, cujo objeto de análise fosse o humor. Do mesmo modo percebemos que, no âmbito acadêmico, não abundam

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discussões sobre teorias normativas de como avaliar traduções de forma “objetiva”, no sentido da abordagem proposta por Reiß (1971).

Dentro das possibilidades dos Estudos da Tradução, nossa pesquisa constitui-se, então, de um romance escrito em língua alemã e publicado no contexto cultural, geográfico e histórico da Alemanha do pós-guerra, dividida em Alemanha Oriental e Ocidental. Já as duas traduções para o português do Brasil, foram encomendadas para o contexto cultural brasileiro. Sobre os eventuais motivos da tradução e retradução não obtivemos informações por parte da editora responsável.

O objeto de análise do estudo é o humor irônico em torno do rádio. O humor é incomum em um tema sombrio e macabro como a Shoá, bem como um rádio mentido, como elemento de enredo, não seja recorrente em ficção literária. Em Jakob der Lügner, encontramos os dois. Aqui, o rádio é inusitado duplamente, por ser elemento de enredo e por ser um rádio mentido no enredo.

Assim, do ponto de vista tradutológico-literário, examinar as escolhas dos tradutores no translado do humor irônico em Jakob der Lügner para Jakob o Mentiroso mediante a abordagem de Katharina Reiß, em nível de mestrado, é uma experiência enriquecedora. De um lado, por poder divulgar um autor tão interessante como o escritor Jurek Becker. E de outro lado, por discutir e aplicar uma abordagem dentre muitas, contribuindo para a reflexão e crítica de tradução no âmbito dos Estudos da Tradução.

1.2 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

Dentro dos Estudos da Tradução há várias possibilidades de examinar a tradução de humor nos textos literários em questão: o modo de narrar em primeira pessoa de um narrador muito indiscreto e escarnecedor, cujo efeito é humorístico, mas que difere completamente nas versões brasileiras e em relação ao texto de saída; analisar os chamados erros de tradução, que acabam sendo engraçados, sim até macabros; outros, polêmicos; analisar as trapalhadas cômicas do personagem central da narrativa, Jakob Heym, em função de se dizer dono de um rádio fictício em um gueto, sempre atrasado em relação às demandas impostas pelas condições de precisão dos sobreviventes no gueto.

O presente trabalho, porém, detém-se no exame da qualidade dos equivalentes escolhidos pelos tradutores Reinaldo Guarany e Marcos Mariani de Macedo para traduzir o humor em torno do rádio. A análise compreende um corpus composto de seis excertos ao

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todo. O primeiro excerto diferencia-se dos outros por ser um tema abordado pelo autor. Ele chama a atenção para o humor propriamente dito. Além de apontar para a necessidade de humor em uma situação extrema, ele também argumenta em favor do humor em uma narrativa sobre a Shoá. Sua percepção é importante para traduzir o humor em Jakob der Lügner.

Nos cinco trechos que lhe seguem, o humor irônico ressalta nos adjetivos dados ao rádio que estrutura toda(s) a(s) história(s) no romance beckeriano. Dentre as formas de manifestação do humor em Jakob der Lügner, esta pesquisa foca, portanto, o humor irônico.

Para realizar a análise do corpus, a dissertação utiliza como referencial teórico da abordagem de Reiß (1971) duas das cinco categorias com que a autora trabalha: a categoria lingüística e a categoria pragmática para avaliar a adequação das escolhas dos equivalentes em nível lexical que deveriam reproduzir humor nos textos brasileiros traduzidos.

A pesquisa emprega ainda, em maior ou menor grau e de acordo com as necessidades, os seguintes conceitos reißianos: crítica de tradução retrospectiva, tipologia textual, contexto lingüístico, contexto situacional. Ademais, trabalhamos com o conceito central da obra de Reiß (1971, p. 11-12), a equivalência, a saber, os equivalentes potenciais e os equivalentes ótimos.

Por conseguinte, os principais objetivos deste trabalho acadêmico são:

- investigar o humor irônico em torno de um rádio, assentado no original e sua tradução em duas versões brasileiras;

- verificar, pelo prisma da crítica de tradução de Katharina Reiß, se este humor irônico, assentado no texto-fonte, foi traduzido adequadamente com os recursos lingüísticos da língua-alvo;

- avaliar, a partir das possibilidades objetivas de uma crítica de tradução, a qualidade e a adequação dos equivalentes escolhidos pelos tradutores para traduzir o humor irônico;

- identificar, do ponto de vista da subjetividade da crítica, os limites de uma crítica de tradução;

- contribuir para o aperfeiçoamento da discussão sobre tradução de literatura alemã para o português no âmbito dos Estudos da Tradução.

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2 METODOLOGIA

Neste capítulo, descrevemos os passos adotados para chegar aos objetivos; descrevemos a seleção do corpus; descrevemos os procedimentos de análise para os excertos escolhidos. Em seguida, partimos para o Marco Teórico e a Categoria Pragmática na Crítica de tradução.

2.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa examina e discute a adequação dos equivalentes propostos pelos tradutores Reinaldo Guarany e Marcos Mariani de Macedo na tradução do humor irônico em torno do rádio em Jakob o Mentiroso. Para tanto, emprega como referencial teórico da abordagem de Reiß (1971) a categoria lingüística e a categoria pragmática para realizar a crítica de tradução. Examina a tradução de humor irônico em seis excertos recortados do romance em língua alemã com as respectivas versões para o português. Os seis excertos que constituem o presente corpus estão vinculados i) ao tema abordado pelo escritor na narrativa, a saber, o humor; ii) ao momento de maior dramaticidade em que o rádio enfrenta caracterização e adjetivação ambivalentes.

2.2 O CORPUS

O corpus desta pesquisa é resultado da aplicação da abordagem reißiana, que orienta a crítica de tradução no sentido de Reiß (1971, p. 38): “ao invés de, como geralmente acontece, fixar-se em alguns elementos ou avaliar o todo a partir de alguns recortes, dever-se-ia inicdever-se-iar com a determinação do tipo de texto, a ser feita a partir do original”. Isto resultou em um texto obviamente expressivo, por se tratar de um texto literário, e de um texto “operativo”. Texto operativo por que a estes textos Reiß (1971, p. 44) “lhes é típico possuírem sempre um propósito, um objetivo específico, um efeito extralingüístico [...] que seja evocada no ouvinte ou leitor uma reação específica, por vezes, até a ativação de uma ação concreta”. Este “propósito” e esta “reação”, por sua vez, substanciam-se, no texto em estudo, no humor irônico que leva à reflexão por parte do leitor e são marcantes nos trechos escolhidos para a análise crítica.

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Estes excertos estão arranjados no quadro 1 que segue para uma melhor visualização do leitor, os quais, a esta altura, comentamos comparativamente de modo breve.

Texto-alvo 2 Texto-alvo 1 Texto-fonte

1 “um toque de humor não estaria fora de propósito” “o humor não deve ser frustrado” “der humor soll nicht zu kurz kommen” 2 “o que o rádio vem

noticiando”

“o que o rádio estava dizendo”

“was das Radio denn so plaudert”

3 “desgramado desse rádio” “esse funesto rádio” “diesen unglückseligen Radio”

4 “este horror que é seu aparelho” “sua terrível caixa” “deinen schrecklichen Kasten” 5 “elefante branco a lhe pôr a

vida em risco”

“mortal acolhedor de pó” “einen lebensgefährlichen Staubfänger”

6 “aparelho” “caixa” “Kasten”

Quadro 1 - Excertos do corpus

Fonte: Pesquisadora (2007).

Para a noção de que não se deveria perder o humor, ou o humor não deveria faltar apesar de uma situação extremamente séria, contrapõem-se os equivalentes: não frustrar o humor/um toque de humor viria a calhar; para um rádio (inexistente) tagarela, uma forma verbal formal e outra coloquial: noticiar/dizer; para um rádio cheio de infelicidade/privado de felicidade ou perseguido pelo infortúnio, pela desgraça: rádio funesto/desgramado; para a designação disfêmica, ou seja, um rádio enorme, com aparência grosseira: caixa/aparelho horroroso; para a designação pejorativa de um rádio que de repente só serve para pegar poeira/catar poeira em função de um apagão: acolhedor de pó/elefante branco.

Este grupo de excertos transformou-se em corpus de pesquisa devido ao apagamento do humor irônico neles constatado. Quanto ao apagamento do humor nestes trechos, o leitor vai compreendê-lo melhor, no momento da discussão. Ali, os excertos serão apresentados em seu contexto. Mesmo assim, neste momento, de modo geral, já é possível demonstrar a disparidade entre os equivalentes nos textos traduzidos e entre eles e o texto-fonte quanto à escolha dos equivalentes para as unidades em questão (o que não quer dizer, de início, que traduções díspares signifiquem um problema tradutório ou “erro”). O que chama a atenção é justo o apagamento e/ou deslocamento do humor irônico oriundo desta disparidade, o distanciamento que ocorre entre texto de saída e textos de chegada.

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2.3 OS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Concluídas as etapas da determinação do tipo de texto e da demarcação do corpus, parte-se para a avaliação comparativa dos equivalentes em nível lexical nas versões brasileiras, contrapondo-os com o original, a fim de verificar sua adequação. Estes procedimentos estão dispostos da seguinte maneira na Discussão:

- cada texto em discussão vem acompanhado de uma contextualização da situação; - neste texto contextualizado, o último período - antes dos três excertos em análise -

é uma interpretação minha do enunciado do texto original e contraproposta às propostas nos textos traduzidos; todos eles são passíveis de avaliação por parte do leitor deste trabalho;

- os três excertos estão arranjados, em letra reduzida, um embaixo do outro, nesta ordem: retradução, tradução e original, ou seja, do texto mais recente ao original; - os itens lexicais passíveis de análise estão em negrito em cada recorte;

- os recortes estão inseridos na unidade frasal, para sua melhor compreensão, ainda que isto nem sempre seja o suficiente para compreendê-los em sua totalidade. Em cima desta disposição técnica, acontece a análise comparativa dos excertos dados da seguinte maneira:

- primeiramente entre tradução e retradução, apontando para eventuais semelhanças e para as diferenças. Analiso os itens lexicais no contexto lingüístico: o micro e macrocontexto na medida em que for necessário e lanço mão do contexto situacional, o contexto extralingüístico sempre que for necessário;

- na seqüência, analiso os itens lexicais em seu significado na língua e no texto de saída, retorno às traduções, aciono o contexto em que se aloja e do qual ressalta a ironia, argumentando a favor ou contra a escolha dos equivalentes propostos; - finalizo, apresentando uma contraproposta que possa ser considerada “ótima” a

partir da análise comparativa e avaliação.

Ao fim e ao cabo, teço as considerações finais, apresento as referências bibliográficas e os anexos, compostos de quatro textos. Mas antes, iremos nos delongar na abordagem de Reiß (1971), Möglichkeiten und Grenzen der Übersetzungskritik.

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3 MARCO TEÓRICO

A teoria nos ensina a ordenar a experiência, a recuperar informações valiosas, a criar argumentos enfim, para justificar as escolhas que são, impreterivelmente, diferentes de tradutor para tradutor (AZENHA JR., 2003, p. 48).

Em sua obra Möglichkeiten und Grenzen der Übersetzungskritik: Kategorien und Kriterien für eine sachgerechte Beurteilung von Übersetzungen, Katharina Reiß parte, de modo pioneiro em 1971, de duas constatações-problema dentro do âmbito da crítica de tradução/texto na Alemanha:

- da “arbitrariedade” da crítica de tradução à época, “unilateral e subjetiva” demais por “desconhecer” ou não “possuir uma noção sólida do que seja um processo de tradução” (REIß, 1971, p.7);

- do fato de que um “autor e obra não são avaliados mediante o texto original, porém a partir de uma tradução e do representante do autor, o tradutor” (REIß, 1971, p.10).

A autora constata uma situação equivocada no sentido de que “a crítica de tradução ainda se confunda, em grande medida, com a crítica de texto propriamente dita” e aponta que a crítica de tradução existente à época é “simplesmente insuficiente” (REIß, 1971, p.14). Por isto a autora afirma que, “difundindo uma crítica de tradução objetiva, isto é, que contemple a coisa específica da tradução, é possível fomentar traduções melhores” (REIß, 1971, grifo no original, p. 7).

Para Reiß (1971, p. 7), a tradução é, de modo geral, um meio de comunicação importante no intercâmbio cultural entre os povos e, devido a sua àquela época “inegável importância e à quantidade de traduções produzidas, é preciso dar atenção especial à qualidade delas”, uma vez que esta contingência “produza e publique inevitavelmente traduções defeituosas”.

Em função do estado de coisas à época, Reiß (1971, p. 9) quer discutir/apresentar um “modelo metodológico sustentável e explorável”, que seja capaz de “abarcar todos os tipos de textos e classificar todos os fenômenos da tradução, mas que não seja especializado e detalhado ao ponto de tornar-se impraticável”. Para isto, o modelo deverá, segundo a autora,

- ser “objetivo”, isto é, “passível de verificação”, em outras palavras, “o contrário de arbitrariedade e insuficiência de provas”. Isto significa que “toda crítica de

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tradução, seja ela positiva ou negativa, venha fundamentada e acompanhada de provas” e que haja espaço para “outras decisões, eventualmente subjetivas”; - “contemplar o objeto específico da tradução”;

- ser “construtivo”, ou seja, em caso de “objeções a escolhas do tradutor”, que haja “contrapropostas melhores” (REIß, 1971, p. 12-13).

Para colocar isto em prática, a autora propõe uma “tipologia de textos voltada para a tradução” com “critérios e categorias específicos” que funcionem como “estacas de orientação” (REIß, 1971, p. 8). Um dos critérios de sua abordagem é a crítica de tradução “retrospectiva” (CARDOZO, 2004, p. 45). Que não se realize uma crítica de tradução, segundo Reiß (1971, p.11), “sem comparação entre texto-fonte e texto-alvo”, cujo pré-requisito é o “domínio do par de línguas” em que se atua para “avaliar a tradução mediante o original”. O mesmo pressuposto vale para a ação de traduzir, que Reiß (1971, p.11) assenta como um

processo bipolar que se realiza na tessitura de um texto-alvo em constante relação com o texto-fonte. Nisso, o tradutor deverá se esforçar constantemente para encontrar equivalentes ótimos para o texto-alvo, orientando-se precisamente pelo texto-fonte a fim de assegurar a adequação destas equivalências no texto-alvo.

E para que a prática da crítica de tradução, que é a avaliação do resultado deste processo bipolar, da “tradução concreta” não permaneça no nível da “espontaneidade” (REIß, 1971, p.12), é fundamental haver critérios objetivos e específicos.

Outro critério, dentro das potencialidades de uma crítica de tradução objetiva, está assentado no que Reiß (1971) chama de “categorias”. Estas, a autora classifica em cinco tipos: “literária”, “lingüística”, “pragmática”, “funcional” e “pessoal”.

A categoria literária, auxilia na “determinação do tipo de texto” e, consequentemente, “influencia as estratégias de tradução” (REIß, 1971, p. 24). Como cada texto tem suas marcas típicas, tradução e crítica de tradução enfrentam desafios que variam de acordo com as necessidades de cada tipo de texto, segundo as características da linguagem e a função que ela nele exerce. Reiß (1971) parte do modelo das funções da linguagem elaborado pelo médico, psicólogo e filósofo alemão, Karl Bühler. Daí esta categoria estabelecer o que deverá ser preservado em primeiro lugar durante o processo tradutório.

Do ponto de vista da crítica de tradução, esta categoria pressupõe que durante o ato de traduzir tenha sido preservado: “nos textos informativos, sobretudo a invariância de conteúdo” (REIß, 1971, p.37); “nos textos expressivos, além da invariância do conteúdo, sobretudo a analogia da forma e a emoção estética” (REIß, 1971, p.52); “nos textos

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operativos, sobretudo a obtenção do efeito cogitado pelo autor, a preservação do apelo imanente ao texto” (REIß, 1971, p. 47 grifo no original); “nos textos áudio-visuais, sobretudo os condicionantes midiáticos e o papel dos recursos de expressão não-lingüísticos” (REIß, 1971, p.53).

A segunda estaca de orientação é a categoria lingüística, constituída das “instruções intralingüísticas e seus equivalentes na versão-alvo” (REIß, 1971, p.54). Aqui, especificamente, trata-se de “examinar pormenorizadamente como a tradução como processo bipolar, isto é, a procura por equivalentes para as unidades de tradução do texto-fonte comporta-se na tessitura-alvo” (REIß, 1971, p. 54). O processo de tradução Reiß (1971) vê como “o rastreamento de equivalentes potenciais e a posterior decisão por um equivalente ótimo – tanto para cada unidade de tradução como também na soma de cada um destes equivalentes individuais – para todo o texto” (REIß, 1971, p. 56). E o que ajuda a encontrar “clareza sobre os equivalentes ótimos”, segundo Reiß (1971, p. 56), é em parte o “contexto lingüístico, que define o significado das palavras, pois elas se limitam mutuamente, se restringem, e quanto mais denso for o texto, tanto maior seu efeito”, e em parte o contexto extralingüístico/situacional, que veremos mais adiante.

Com contexto lingüístico subentenda-se o “microcontexto, que abarca, de modo geral, somente as palavras contíguas às palavras vizinhas e que raríssimas vezes ultrapassa a unidade frasal” (REIß, 1971, p.58); “o macrocontexto, que pode se estender de um parágrafo até o todo do texto”. Mesmo que estes dois contextos “não sejam grandezas possíveis de serem delimitadas de forma exata e definida, elas são decisivas para fixar os equivalentes ótimos no nível intralingüístico”, acrescenta Reiß (1971, p.58).

Com relação às instruções intralingüísticas como categoria lingüística na crítica de tradução, o crítico vai verificar no texto-alvo, numa relação constante com o texto-fonte,

a equivalência para os elementos semânticos; a adequação para os elementos lexicais; a correção para os elementos gramaticais e a correspondência para os elementos estilísticos, pois somente a combinação da compreensão e interpretação corretas destes elementos pode assegurar o sentido do original no texto traduzido (REIß, 1971, p. 68).

A terceira categoria da crítica de tradução objetiva, segundo Reiß (1971), é a categoria pragmática que complementa a categoria lingüística. São os chamados “determinantes extralingüísticos ou o contexto situacional” (REIß, 1971, p. 70, grifo no original). Trata-se de fatores que se encontram fora do sistema da língua, mas que são compartilhados pelos falantes de uma mesma língua, pois

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eles influenciam de modo decisivo a tessitura do texto-fonte e do texto-alvo, e se eles não forem considerados durante a análise de uma tradução, a crítica permanecerá invariavelmente incompleta, porque justo eles, na maioria das vezes, ajudam a clarear se os equivalentes encontrados não são somente potenciais, mas também de qualidade ótima (REIß, 1971, p. 69).

A categoria dos fatores extralingüísticos sofre exposição pormenorizada um pouco mais adiante.

Assim, partindo de uma crítica de tradução retrospectiva para examinar os equivalentes propostos pelo tradutor em dada tradução, o crítico, assim como o tradutor, recorrerá às categorias literária e lingüística. A tipologia de texto (categoria literária) ajudará tradutor e crítico a detectarem as marcas textuais típicas. As instruções intralingüísticas (categoria lingüística) “mostram ao tradutor o caminho para encontrar equivalentes ótimos” (REIß, 1971, p.70) e orientarão o crítico na avaliação da escolha destes equivalentes. Tanto tradutor quanto crítico deverão observar a função que a linguagem exerce naquele texto a fim de preservar em primeiro lugar o conteúdo em textos informativos; a forma em textos expressivos; o apelo em textos operativos e os condicionantes midiáticos em textos audio-visuais.

Em segundo lugar, para de fato poder dar um parecer sobre/avaliar os equivalentes escolhidos pelo tradutor, é indispensável o crítico recorrer ao contexto situacional, às “circunstâncias extralingüísticas” (REIß, 1971, p.70) em que o texto-fonte foi produzido, ou seja, aos determinantes extralingüísticos, que constituem a categoria pragmática. Ela é importante, por que ajuda a esclarecer, em caso de dúvida, sobre a pertinência dos equivalentes escolhidos pelo tradutor para cada unidade de tradução bem como em relação ao todo do texto.

Na terceira parte de sua obra, Reiß (1971) dedica cerca de vinte páginas aos limites da crítica de tradução, finalizando com quatro teses. Reiß (1971) constata que “na prática há procedimentos que se desviam da conduta normal de traduzir um texto para uma outra língua”, como por exemplo, quando uma tradução “precisa preencher uma função especial, não prevista no original” (REIß, 1971, p. 90). Neste caso, prossegue a autora, “no lugar de uma categoria literária, lingüística ou pragmática da crítica de tradução, entra em cena a categoria funcional, também objetiva” (REIß, 1971, p. 90, grifo no original). Esta vai orientar a avaliação sobre a pergunta “se a função especial cogitada para esta tradução foi efetivamente alcançada” (REIß, 1971, p. 91). Neste caso, a autora fala não mais de tradução, mas de uma “Übertragung” (REIß, 1971, p. 91, grifo no original) e o crítico deverá perguntar se dada Übertragung “conseguiu preencher a função a ela destinada” (REIß, 1971, p.91, grifo

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no original). Como a ela não se aplicam os critérios e as categorias previstas para a tradução propriamente dita, a Übertragung pertence ao âmbito dos “limites” (REIß, 1971, p.90) da crítica de tradução.

Um segundo fator que pode produzir “desvios até significativos”, agora não mais objetivos, mas subjetivos numa tradução em relação ao original, “encontra-se na pessoa do tradutor que invariavelmente imprime à tradução sua característica” (REIß, 1971, p.91). Entra em cena, então, a “categoria pessoal”, subjetiva, que se subdivide em duas componentes, segundo Reiß (1971, p. 92), a saber, i) “a capacidade de interpretação do tradutor” e ii) “a estrutura da personalidade do tradutor”.

Aqui, de acordo com a autora, a crítica de tradução “toca nos seus limites, por que assim como o tradutor, o crítico de tradução também está sujeito a esta categoria” (REIß, 1971, p. 92, grifo no original). Estes limites estão atrelados ao que chama de “condicionantes subjetivos do processo hermenêutico” (REIß, 1971, p.106), uma vez que “toda tradução seja inevitavelmente também interpretação” (REIß, 1971, p. 107, grifo no original). Segundo a autora, claro está que “durante uma mera leitura entra em ação um processo de interpretação” (REIß, 1971, p.106). Mas não somente naquele sentido expresso por R. L. Politzer, em que o tradutor “precisa tomar decisões para as quais o texto original não oferece nenhum ponto de referência” (REIß, 1971, p.106). Para Reiβ, pode-se partir do pressuposto de que o tradutor seja capaz de

interpretar as estruturas divergentes de ordem lexical ou gramatical, que exigem do tradutor tomadas de decisões bem claras na tessitura do texto de chegada, porém daquela interpretação em um sentido mais amplo, que parte da compreensão de todo o texto, o processo hermenêutico, pois, que inicia com a mera leitura de um texto. Este processo é decisivo no tocante a tudo o que o leitor deduz ou supõe como sentido de um texto (REIß, 1971, p.107).

A autora diz também que cada tradutor é primeiramente um leitor de um texto, que “forma o seu respectivo material de tradução”, mas um tradutor que,

levando a sério a sua tarefa e cônscio de seu papel de mediador imparcial de pensamentos, opiniões, argumentos, intenções e vontade de criação do autor do original, não procederá a leitura como entretenimento e erudição pessoais, porém, tendo em vista, como leitor, a sua tarefa mediadora, exerce a leitura como análise, requisito indispensável para a prática tradutória (REIß, 1971, p.107).

Mas o tradutor, (REIß, 1971, p.107), “por mais que queira entrar na pele do autor durante a tradução, não vai mudar nada no fato que tradução é interpretação”. Isto explica a “possibilidade e a necessidade de retraduções de um mesmo original e os diferentes resultados

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tradutórios deste original”, e o “caráter provisório” das traduções, pelo fato de “cada tradutor ser também um intérprete” (REIß, 1971, p.107). A isto acrescenta que “há limites que se impõem a partir da pessoa do tradutor, uma vez que a interpretação ergue-se e cai com a pessoa do intérprete” (REIß, 1971, p.107). Portanto, as condicionantes subjetivas arroladas na abordagem reißiana não estão relacionadas somente à “complexidade hermenêutica da língua estrangeira, do estranhamento e da superação dela” (REIß, 1971, p.107).

Para a autora da abordagem, há limites inerentes à pessoa do intérprete:

Suas faculdades intelectuais, sua índole, o fato de estar atrelado ao meio em que vive, mas também o grau de conhecimento do par de línguas com que lida e sua formação impõem a sua capacidade de interpretação limites subjetivos e o levam a ressaltar suas preferências e fazer suas escolhas e decidir o que e como ele quer traduzir (REIß, 1971, p. 107, grifo no original).

A estes limites o crítico também está sujeito, diz Reiß (1971, p. 108), “o que leva a pressupor que ele não deva arvorar-se em juiz, em função deste limite humano”.

Em última análise, na compreensão reißiana, a categoria pessoal possibilita, na melhor das hipóteses, “contrapor modos de interpretação e de concepções estéticas, compará-las mutuamente e verificar como ecompará-las se comportam no original e se manifestam na tessitura da versão-alvo” (REIß, 1971, p.114). A categoria pessoal “impede o crítico de emitir julgamentos absolutos”, pois a avaliação é “relativa e deve sê-lo. Mas a crítica permanece objetiva, isto é, ela não é arbitrária, uma vez que considera as implicações de ordem pessoal”. (REIß, 1971, p. 114)

Enfim, levar em conta as condicionantes subjetivas é praticar uma crítica de tradução objetiva, na compreensão reißiana.

Seguimos, agora, com a apresentação da categoria pragmática como crítica de tradução.

3.1 A CATEGORIA PRAGMÁTICA NA CRÍTICA DE TRADUÇÃO

Como já vimos acima, o primeiro passo tanto para traduzir um texto como para analisá-lo criticamente, segundo a abordagem de Reiß (1971), é verificar o tipo de texto dado. Isto ajuda na decisão por uma estratégia de tradução adequada e na verificação, por parte do crítico, se o essencial, o que caracteriza o tipo de texto, foi preservado na tradução. Em seguida, o crítico analisa as instruções intralingüísticas e seus equivalentes na versão-alvo. Isto significa examinar detalhadamente como a escolha dos equivalentes para as unidades de

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tradução do texto-fonte se configura na língua-alvo. Aqui, parte-se do pressuposto de que, durante o processo tradutório, dentre os equivalentes potenciais, tenham sido escolhidos, no nível da parole, os “equivalentes ótimos”. O que auxilia nesta decisão é o contexto lingüístico.

Contudo, levar em conta somente a categoria lingüística não é suficiente, como observa Reiß (1971). Quando se analisa os equivalentes escolhidos pelo tradutor, é necessário considerar também o contexto situacional, isto é, os determinantes extralingüísticos. São eles que, segundo a autora, muitas vezes ajudam a precisar a equivalência ótima de unidades traduzidas ou do texto traduzido. Estes determinantes extralingüísticos, define-os como sendo

uma ampla gama de fatores presentes na língua, dentre os quais o autor seleciona determinados recursos para se dirigir aos seus leitores ou ouvintes assim como ele quer. Eles lhe permitem alusões ou supressões e ainda assim ser compreendido por sua comunidade lingüística (REIß, 1971, p. 69).

Estes meios nem sempre estão explícitos ou explicados no texto; eles estão no pensamento do autor, mas não expressos completamente. No entanto, como os leitores do texto de saída compartilham do mesmo repertório do autor, eles conseguem inferir estes expedientes empregados sem prejuízo da compreensão. O que, como vimos, por questões ideológicas, por que as pessoas viviam no momento e no limite, para usar as palavras de Lima (1997), não sucedeu de fato de início quando da publicação do primeiro romance beckeriano.

Em seguida, passo a apresentar estes determinantes em duas partes. O primeiro grupo constitui-se dos determinantes que vinculam um texto a uma circunstância específica, ao conhecimento da especificidade do objeto de um texto, a um ambiente/cenário e a fatores que derivam da “instância produtora do texto” (CARDOZO, 2004, p. 48).

O segundo grupo compõe os determinantes que vinculam um texto a uma época, ao receptor-fonte e às implicações de ordem de afetação. Para a nossa pesquisa interessa mais o segundo grupo, determinantes que consideramos agirem de forma mais acentuada no romance em questão. Vejamos então, o primeiro grupo.

3.1.1 Determinantes que vinculam o texto a uma circunstância específica

São trechos ou momentos nos quais o autor, por meio de interjeições, passagens com reticências ou alusões a obras literárias, fatos históricos, modas, modismos, dirige-se ao seu círculo de leitores, os quais “a partir da situação dada conseguem completar todo o resto”,

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anota Reiß (1971, p.72). Nestes casos, tradutor e crítico estarão “desamparados se não conseguirem se colocar na situação dada” (REIß, 1971, p.72).

3.1.2 Determinantes que vinculam o texto ao conhecimento do seu objeto específico

Parte do pressuposto de que ao traduzir um texto “não basta conhecer suas palavras, é preciso conhecer as coisas das quais trata o texto” (REIß, 1971, p.73). Trata-se neste momento, de textos técnicos, cuja “terminologia e fraseologia precisa ser adequada ao uso da língua de chegada” (REIß, 1971, p.73). No entanto, não são somente textos técnicos para os quais este pressuposto vale. Estes determinantes valem também para “todos os tipos de textos cuja tradução requer conhecimentos específicos” (REIß, 1971, p. 73). Ao traduzir dado texto técnico, é preciso observar sua elaboração em nível lexical e tomar cuidado para que este não acabe ficando “laico” demais na língua de chegada (REIß, 1971, p.73).

3.1.3 Determinantes que vinculam o texto ao ambiente/cenário

Sob este determinante entenda-se, de acordo com Reiß (1971, p.77), “realidades e particularidades atreladas a país e povo da língua de saída bem como àquelas ligadas ao cenário de um fato narrado.” E o que pode ser “especialmente difícil para traduzir adequadamente, é quando os elementos relacionados ao ambiente não dizem nada à cultura-alvo, pelo fato de ela não ter noção nenhuma deles” (REIß, 1971, p.77). O tradutor conseguirá “obter um grau de aproximação o maior possível, se ele considerar o determinante de ambiente, isto é, se ele traduzir não a palavra, mas sim a realidade do que está sendo caracterizado” (REIß, 1971, p.77). O ideal, tanto para tradutor como para o crítico, seria “conhecer de perto a realidade vinculada ao ambiente/local” (REIß, 1971, p.78). Por outro lado, “os meios de comunicação de massa e o crescente turismo alçam estas realidades ao inconsciente geral” (REIß, 1971, p.80). E para lidar com os problemas de tradução “condicionados pela cultura”, Reiß (1971, p. 79) enumera quatro possibilidades para superá-los: 1) “tomar emprestado o termo”; 2) “traduzir o termo emprestado”; 3) “citar o termo e acrescentar nota”; 4) “explicar o termo”. Estas possibilidades “não devem ser usadas à revelia, porém de acordo com cada tipo de texto”, acrescenta a autora (REIß, 1971, p.79).

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3.1.4 Fatores que derivam da instância produtora do texto

São fatores extralingüísticos que “co-determinam a linguagem do autor bem como a linguagem de suas criaturas em função da época, escola ou corrente literária, ou mesmo o estilo do autor” (REIß, 1971, p. 84, grifo no original). Em romances, por exemplo, eles ressaltam no nível sintático, gramatical e de estilo. Pode ser a “maneira como um personagem (uma lavadeira, um repórter, uma criança) fala” (REIß, 1971, p.84). Nos textos operativos, a título de informação, o autor vai “adequar a fala dos personagens à obtenção máxima de efeito” (REIß, 1971, p.85).

Interessante neste ponto, a meu ver, seria analisar no nível sintático, a pequena palavra “man”, marcante em Jakob der Lügner por seu efeito de expressividade no texto-fonte, mas que se perdeu/se confundiu nas versões brasileiras. Além de designar o índice de indeterminação do sujeito (se), ‘man’ engloba, como pronome pessoal indefinido na língua alemã, nesta sua indefinição, um sujeito determinado em forma de ‘eu’ ou ‘nós’, quando não se quer nem salientá-lo expressamente nem desvinculá-lo completamente de uma totalidade de uma generalização ou de uma indeterminação (DAS DEUTSCHE WÖRTERBUCH DER GEBRÜDER GRIMM, 2005, site). Mas que contém também a noção da locução “a gente”, existente na língua portuguesa. Esta locução abarca “a pessoa que fala; eu; a pessoa que fala em nome de si própria e de outras; nós”, de acordo com dicionário de língua portuguesa, Houaiss (2007, site). No romance Grande Sertão: Veredas, de Rosa (1986), pode-se conferir este recurso bastante utilizado pelo personagem tagarela, Riobaldo.

Após a apresentação do primeiro conjunto de determinantes, passamos para aquele que, a nosso ver, é interessante para a análise do corpus deste estudo.

3.1.5 A vinculação do texto ao receptor-fonte

Este determinante revela-se por meio de expressões idiomáticas, provérbios, máximas, ditados populares, comparações etc. “que levam o autor a construir o texto de saída do modo como ele o faz com vistas aos leitores aos quais ele quer falar” (REIß, 1971, p. 81 grifo no original). Especialmente ao se tratar de textos expressivos, “deve-se considerar o modo como se diz algo e o tradutor deve proceder de tal maneira que o leitor-alvo possa enquadrar o texto no seu próprio contexto cultural e a partir dele entendê-lo” (REIß, 1971,

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p.81). Na tradução destes recursos lingüísticos, “espera-se valor e freqüência de uso semelhante com respeito ao estilo e a mesma essência semântica” (REIß, 1971, p.82).

Porém, Reiß (1971, p.83) diz que “se partimos do pressuposto de que uma tradução é feita em primeiro lugar para leitores que desconhecem a língua de saída, não poderá haver nela nunca nenhuma alusão que o leitor de chegada não consiga entender”. Por isto, “metáforas ou comparações, pertencentes ao mundo do receptor do texto original, devem ser transportadas para o universo do leitor de chegada, isto é, devem ser dele depreendidas” (REIß, 1971, p.84). As expressões traduzidas, na explicação reißiana, devem “soar comuns aos ouvidos do leitor de chegada” e não exigir do leitor que este tenha de “adivinhar” o que se está querendo dizer (REIß, 1971, p.84).

3.1.6 A vinculação do texto ao determinante de época

Este determinante, diz Reiß (1971, p. 74), “torna-se, via de regra, importante quando um dado texto está fortemente atrelado à linguagem de determinada época [...] e em textos operativos e expressivos, eles podem ser de importância fundamental”, uma vez que o “fator época normalmente influencia as estratégias de tradução”. Daí a sugestão da autora ao tradutor para que, na tradução de textos mais antigos,

atenha-se, se possível, estreitamente ao uso da língua-fonte na escolha das palavras, de elementos morfológicos ou sintáticos ultrapassados, na opção por certas figuras de estilo. E isto tanto mais, sendo a língua um organismo vivo, em constante transformação, cunhado por condicionantes de época que precisam ser reproduzidos na tradução, sobretudo em textos expressivos e operativos (REIß, 1971, p. 75).

O romance Jakob der Lügner, não pertence, obrigatoriamente, à classe de “textos antigos da literatura universal” que “traz à baila o conhecido fenômeno do envelhecimento das traduções”. (Muito embora, futuras traduções de Jakob der Lügner, mais cuidadas e críticas, fossem bem interessantes). Ou cuja “compreensão de seu conteúdo e de seu caráter”, de suas “particularidades” possa sofrer “profundas mudanças, oriundas de novas pesquisas históricas, filológicas e da crítica textual”, e que por isso demande “novas traduções em interstícios mais longos” (REIß, 1971, p.74). No entanto, como vamos analisar os equivalentes escolhidos no texto-alvo para as respectivas unidades do texto-fonte com vistas a um rádio circundado por um conjunto de fatores de época, a consideração do determinante de época é pertinente.

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Rádio Nacional, fundada em 14 de setembro de 1936, líder de audiência absoluta nas décadas de 40 e 50, na inesquecível “Época de Ouro” do rádio brasileiro. O então presidente Getúlio Vargas soube tirar partido desta circunstância, incorporando-a ao seu governo, pois queria o poder do rádio, a força do rádio; que o rádio fosse porta-voz da cultura brasileira, como relata o ex rádio-ator, Roberto Salvador6. Com a inauguração da TV Tupi de São Paulo em 18 de setembro de 1950, o rádio perdeu, sucessivamente, sua posição de meio de comunicação de massa para a televisão (RADIOBRAS, 2007, site).

Um rádio fictício como elemento de enredo, que transmite sinais de esperança em um gueto judeu há sessenta anos, diverte e entretém o leitor, mas que salienta, ao mesmo tempo, a miserável condição humana imposta, pode ter, a princípio, algo de caráter extraordinário para o leitor-alvo. Lembremos que o leitor-fonte, a princípio, compartilha o mesmo repertório do autor e vice-versa, o que poderia ser um parâmetro para a compreensão de uma obra. O leitor-alvo, porém, cuja cultura não produziu guetos - para aniquilar o povo judeu e minorias étnicas -, em que um rádio fez toda a diferença e suscita sentimentos ambivalentes, tem, a princípio, somente como critério o texto traduzido. E será a linguagem de que se constitui este texto que determinará como o leitor-alvo vai compreendê-lo, e mais, compartilhar dele.

Reiß (1971, p. 76) observa que o determinante de época é um “fator complexo, cuja consideração, de acordo com o tipo de texto, poderá demandar do tradutor e do crítico de tradução, em maior ou menor grau, um sentido bastante aguçado para língua e estilo”. Por isso, parafraseando Reiß (1971), eu diria que, de modo geral, a despeito de ser o tradutor da era digital, Jakob o Mentiroso deve parecer um texto traduzido, que consegue traduzir o espírito daquela extensão de tempo, cujas características específicas dizem respeito a um “sistema que planejou, organizou e levou a cabo o extermínio de milhões de seres humanos”, como afirmou, recentemente, o escritor alemão Günter Grass em uma entrevista ao jornal El País7 (UOL, 2007, site).

E de modo específico, com relação ao nosso corpus, o texto-alvo deveria traduzir um rádio que diverte, que figura como símbolo de esperança e desgraça na narrativa, perseguido pelo infortúnio como Jakob Heym e seu povo, e como instrumento em favor da vida. Contudo, “isto não se consegue alcançar, deixando-se guiar somente pelas instruções

6 Roberto Salvador é professor de rádio e televisão da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e no

Centro Universitário Moacyr Bastos, também no Rio de Janeiro. Mas foi na Rádio Nacional que aprendeu o seu atual ofício. Lá entrou aos 13 anos, exatamente no dia 18 de setembro de 1952. Inicialmente, como rádio-ator, fez papéis infantis no programa Clube Juvenil Toddy. Ficou até acabar o programa, em 1957. Foi, então, trabalhar nas rádio-novelas e, posteriormente, no noticiário Repórter Esso (RADIOBRAS, 2007, site).

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intralingüísticas do texto-fonte, pois elas poderiam deixar transparecer, em parte, bem outros equivalentes na língua atual”, observa Reiß (1971, p.74.). E isto também aconteceu, em grande medida, na tradução para o português de Jakob der Lügner.

3.1.7 A vinculação do texto às implicações de afetação

Estes determinantes atuam, em maior grau, “no plano lexical e estilístico, mas também no gramatical” (REIß, 1971, p.85). Segundo a autora, Charles Bally, um dos criadores da Estilística, já havia reconhecido o significado destes determinantes no arranjo de um texto anteriormente. Para Bally, conforme Reiß (1971, p.85), “estava claro desde o início que na língua existem valores afetivos, recursos de expressão, elementos afetivos do pensamento, um caráter afetivo dos meios de expressão, aspectos afetivos de recursos lingüísticos, uma sintaxe afetiva e tal”.

No que diz respeito à verificação na tradução destes componentes emocionais, o crítico, segundo Reiß (1971, p.85),

terá de examinar se estas implicações encontraram seu devido eco na língua de chegada. Ele terá de ver se o tradutor reconheceu e interpretou corretamente os recursos lingüísticos que no original expressam humor ou ironia, desprezo ou sarcasmo, irritação ou entusiasmo, e os reproduziu de maneira equivalente, com os recursos da língua de chegada.

Mas nem sempre é possível deduzir “o tipo de afetação”, ou “um sinal de afetação” (REIß, 1971, p.86) somente mediante as instruções lingüísticas do original. Daí que, na maioria dos casos, só seja possível depreender o “tipo de afetividade” (REIß, 1971, p.86), examinando o contexto situacional, ou seja, os determinantes extralingüísticos. Assim,

xingamentos, palavras obscenas, interjeições de todo tipo, apelidos, alcunhas e suas associações nas diversas línguas; nomes de animais com tom despectivo ou carinhoso, uso do diminutivo etc., deveriam ser sondados quanto ao seu conteúdo de afetação antes que seus equivalentes sejam julgados como ótimos em uma língua de chegada (REIß, 1971, p.87).

Curiosamente, justo na avaliação dos determinantes de afetação, encontra-se um dos limites “mais perceptíveis” (REIß, 1971, p. 87) da crítica de tradução objetiva. Inevitavelmente, emergem aqui as “diferentes interpretações condicionadas pela subjetividade” (REIß, 1971, p. 88).

Referências

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