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A diversificação dos leiteiros da secção São Miguel: um estudo comparativo das rendas numa comunidade rural de Francisco Beltrão - PR entre os anos 2013 e 2018

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MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL

JÉSSICA RAMOS POLETTO

A DIVERSIFICAÇÃO DOS LEITEIROS DA SECÇÃO SÃO MIGUEL:

UM ESTUDO COMPARATIVO DAS RENDAS NUMA COMUNIDADE

RURAL DE FRANCISCO BELTRÃO/PR ENTRE OS ANOS 2013 E 2018

DISSERTAÇÃO

PATO BRANCO 2019

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JÉSSICA RAMOS POLETTO

A DIVERSIFICAÇÃO DOS LEITEIROS DA SECÇÃO SÃO MIGUEL:

UM ESTUDO COMPARATIVO DAS RENDAS NUMA COMUNIDADE

RURAL DE FRANCISCO BELTRÃO/PR ENTRE OS ANOS 2013 E 2018

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Desenvolvimento Regional, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Pato Branco, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional – Área de concentração: Desenvolvimento Regional Sustentável.

Orientador: Prof. Dr. Miguel Angelo Perondi

PATO BRANCO 2019

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AGRADECIMENTOS

São muitos os agradecimentos ao se finalizar a escrita de uma dissertação. O caminho não foi fácil, mas durante todo esse trajeto acadêmico, recebi apoio de pessoas que tornaram o caminho mais bonito, agregaram boas lembranças e me tornaram num melhor ser humano.

Quero agradecer em especial a minha família, que sempre deu todo apoio emocional e de onde tirei suporte para traçar esse trajeto. Meus pais, Gilmar e Dalva, que desde sempre incentivaram e lutaram para que eu conseguisse chegar até aqui. Ao Leonardo, parceiro de vida, que desde a graduação tem sido um dos maiores incentivadores, que sempre deu apoio e carinho quando precisei.

Agradecer aos mestres e doutores, que dispuseram seu tempo, seus conhecimentos e até o ombro quando esse foi necessário, afinal, nem só de alegrias se faz um mestrado. Foram muitas dúvidas, inseguranças, desafios, que foram vencidos com o apoio dos professores e de toda estrutura que o PPGDR oferece. Agradecimento especial ao meu orientador, prof. Miguel, que apesar de todas as minhas fraquezas, soube me dar apoio moral, emocional, fazendo com que eu acreditasse na minha capacidade e sendo tão doce até ao tecer as críticas, tão necessárias para todo esse processo.

Aos meus colegas, a oitava melhor turma do PPGDR, de onde nasceram amizades, despertaram novos interesses, onde um apoiava o outro nos momentos de dificuldade e incertezas. Especialmente as minhas colegas, Aline, Andreia B, Raiana e Pahola, que foram parceiras em sala de aula, mas principalmente fora dela.

Agradecimento à banca, que trouxeram novos olhares para o projeto de pesquisa e que ao mesmo tempo, fizeram parte do meu trajeto acadêmico. A prof. Roselaine, que foi minha orientadora ainda na graduação, que sempre apoiou e incentivou que eu desse sequência na pesquisa, cursar o mestrado e continuar ampliando meu olhar sob os Agricultores Familiares. Prof. Gazolla, que conheci por uma disciplina eletiva, que sempre trazia com seus questionamentos novas ideias e interesses. Prof. Norma, que mesmo não participando das suas aulas, foram tantas conversas e momentos compartilhados que com certeza agregaram muito ao processo. Prof. Hieda, que se tornou amiga e companheira de trajetória, onde tive o prazer de compartilhar momentos inesquecíveis ao longo desses últimos três anos.

Por fim, agradecimento especial a todos os agricultores que abriram suas casas, para que eu pudesse coletar todas as informações para essa pesquisa, que compartilharam suas vidas, a intimidade da família e também detalhes de todas as atividades produtivas que executam nas

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suas propriedades. Essa dissertação é apenas uma ínfima amostra de tudo o que esses agricultores acrescentaram à minha vida e a minha trajetória acadêmica.

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RESUMO

A agricultura familiar tem papel de destaque no desenvolvimento do Sudoeste do Paraná, principalmente se considerarmos sua rede de relações com as cooperativas, agroindústrias e o comércio em geral, o que dinamiza a economia local. Essa agricultura enfrenta um crescente processo de modernização e integração técnica e financeira, que são mais profundas à medida que obtém acesso a uma nova modalidade de crédito. Portanto, essa pesquisa se propôs a acompanhar um conjunto de dez famílias produtores de leite da Comunidade Secção São Miguel de Francisco Beltrão/PR por um período de 5 anos, o objetivo desta pesquisa foi o de acompanhar a trajetórias de modernização de um conjunto de agricultores e acompanhar sua evolução histórica dos capitais: humano, físico, financeiro, social e natural. Desse estudo, pode-se observar uma tendência de diversificação das fontes de renda, principalmente das rendas não agrícolas e da aposentadoria, onde apenas uma família passou a ter sua renda unicamente agrícola dentre todas. Observou-se também que a maioria das famílias modernizaram seus equipamentos agrícolas, fazendo uso de operações de crédito rural. No tocante às estratégias produtivas, foram observadas desde famílias que diversificaram a renda agrícola quanto casos de outras que especializaram a renda agrícola. A questão que tornou mais vulnerável a fonte de renda agrícola foi o problema da saúde, sendo que num dos casos, a família encerrou todas as atividades agrícolas comerciais e vendeu os equipamentos agrícolas devido a um problema de saúde. Por fim, a pesquisa também obteve algumas conclusões sobre a questão sucessória ao observar que as oportunidades de renda não agrícola estão permitindo a permanência dos jovens no campo.

Palavras-chave: Diversificação da renda, renda rural, sistema de produção, leite, mercantilização.

ABSTRACT

Family farming plays a prominent role in the development of southwestern Paraná, especially considering its network of relations with cooperatives, agro-industries and trade in general, which boosts the local economy. This agriculture faces a growing process of modernization and technical and financial integration, which deepens as it gains access to a new form of credit. Therefore, this research aims to accompany a group of ten dairy families from the Community Section of São Miguel de Francisco Beltrão / PR for 5 years. The objective of this research was to follow the modernization trajectories of a group of farmers. and follow its historical evolution of capitals: human, physical, financial, social and natural. From this study, one can observe a trend of diversification of income sources, especially non-agricultural income and retirement, where only one family has only its agricultural income. It was also observed that most families modernized their agricultural equipment, making use of rural credit operations. Regarding the productive strategies, it was observed from families that diversified the agricultural income as cases of others that specialized the agricultural income. The issue that made the source of farm income more vulnerable was the health problem, and in one case the family closed all commercial farming activities and sold the farm equipment because of a health problem. Finally, the research also drew some conclusions on the succession issue by noting that non-farm income opportunities are enabling young people in rural area.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Uma das residências da propriedade da Família 1...40

Figura 2: De um lado a produção de mandioca para o autoconsumo e logo em seguida inicia a produção vegetal voltada ao mercado, ao fundo a outra residência da Família 1...42

Figura 3: Algumas das estruturas construídas na propriedade: estufa para as hortaliças e ao fundo garagem de máquina e um galpão...46

Figura 4: Na frente as plantas ornamentais e ao fundo o pomar, de onde são produzidas as frutas pra o consumo familiar in natura e também em compotas...48

Figura 5: Melhoria e ampliação da estrebaria...52

Figura 6: A estufa construída para a produção de tomates...54

Figura 7: Algumas estruturas da propriedade da Família 4, a frente alguns dos bovinos para a produção leiteira...58

Figura 8: Silagem para o consumo animal, ao fundo um pequeno açude e outras benfeitorias da propriedade...60

Figura 9: Algumas das estruturas da propriedade da família 5...63

Figura 10: Alguns animais, ao fundo um pedaço de pasto para alimentação dos bovinos...65

Figura 11: O trator adquirido em 2014...69

Figura 12: Bovinos de leite soltos no pasto...71

Figura 13: Com a interrupção das atividades agrícolas voltadas ao mercado, sobraram poucos equipamentos na garagem...74

Figura 14: Para o consumo familiar, criação de suínos...76

Figura 15: O resfriador de leite adquirido em 2013...80

Figura 16: Milho secando...82

Figura 17: A produção de milho e leite...86

Figura 18: Horta para o autoconsumo familiar...87

Figura 19: Uma das garagens de máquinas, que comporta uma parte dos maquinários da Família 10...91

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LISTA DE TABELAS/GRÁFICOS

Tabela 1 – Propriedade, fontes de renda e atividades desenvolvidas pelas famílias no ano de

2013...37

Tabela 2 - Sistema de produção, fontes de investimento, sucessão e estratégia de renda das

famílias no ano

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2. AGRICULTURA FAMILIAR ... 13

2. 1 A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA ... 13

2.2 AGRICULTURA FAMILIARMODERNA NA PERSPECTIVA DO ATOR ... 20

3. ESPECIALIZAR OU DIVERSIFICAR A RENDA RURAL? ... 28

3.1 O CRÉDITO RURALNA (DES) CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA ... 29

3.2 A DIVERSIFICAÇÃO DOS MEIOS DE VIDA NO RESGATE DA AUTONOMIA ... 31

4. METODOLOGIA ... 32

5. MARCO ZERO DA PESQUISA (EM 2013) ... 37

6. MESMAS FAMÍLIAS CINCO ANOS DEPOIS (EM 2018) ... 40

6.1 FAMÍLIA 1: O impacto da sucessão familiar no processo de tomada de decisões! ... 40

6.2 FAMÍLIA 2: Quando a escassez de mão de obra interrompe a produção!... 46

6.3 FAMÍLIA 3: Uma diversidade que se autofinancia! ... 52

6.4 FAMÍLIA 4: A escassez de mão de obra motivando a aquisição de máquinas! ... 58

6.5 FAMÍLIA 5: Expectativas do não-agrícolas no futuro! ... 64

6.6 FAMÍLIA 6: Quando a família é numerosa, mas tem pouca mão de obra! ... 69

6.7 FAMÍLIA 7: Quando os problemas de saúde interrompem a produção! ... 74

6.8 FAMÍLIA 8: A aposentadoria que sustenta o minifúndio! ... 80

6.9 FAMÍLIA 9: Cresce contando com a perspectiva da sucessão geracional! ... 85

6.10 FAMÍLIA 10: Endividar-se para produzir mais do mesmo! ... 91

7. SÍNTESE COMPARATIVA DOS CASOS ... 97

8. CONCLUSÕES ... 103

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 106

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1 INTRODUÇÃO

De acordo com o último censo agropecuário, os estabelecimentos agrícolas de pequeno porte no Brasil de até 100 hectares representam 89,3% dos estabelecimentos (IBGE 2017) e, apesar de não ocupar a maior parte da área agrícola produtiva do país, a agricultura familiar mantém sua grande importância na produção de alimentos para a população em geral. O Estado do Paraná é o terceiro maior produtor de leite a nível nacional e a região Sudoeste é reconhecida como uma das maiores produtoras de leite do estado.

Essa agricultura de base familiar é importante para o desenvolvimento regional, principalmente pela estreita relação que mantém com as várias cooperativas e agroindústrias locais, gerando emprego e renda para a economia local, como nos frigoríficos avícolas, laticínios e cooperativas de comercialização e crédito, bem como, com o próprio consumo decorrente do acesso às políticas públicas de custeio e investimento.

Essa pesquisa é uma continuidade do que foi inicialmente desenvolvido na monografia de graduação da pesquisadora. Na época, o interesse era compreender quais eram as características produtivas e econômicas dos produtores de leite, da Comunidade Secção São Miguel, integrados à um laticínio do município de Francisco Beltrão, no ano de 2013.

A Comunidade Secção São Miguel, localizada no município de Francisco Beltrão-PR, foi formada entre os anos 1950 e 1960, principalmente por famílias vindas dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essas famílias migraram com o objetivo de desenvolver suas atividades, com a promessa de terras produtivas para o desenvolvimento de atividades agrícolas. Ainda hoje, as principais atividades desenvolvidas nessa localidade são atividades agrícolas e o que torna essa comunidade diferente em relação às comunidades vizinhas, é a proximidade com a área urbana do município (distância aproximada de oito quilômetros entre a igreja da comunidade e o centro do município).

Naquele ano de 2013 foram entrevistadas dez famílias que residiam na comunidade, sendo que em 2018, como parte da pesquisa de campo do mestrado, foram revisitadas e novamente entrevistadas as mesmas famílias, porém, com um roteiro e foco mais amplo que a primeira pesquisa, neste caso, o de investigar quais foram as atividades chaves e estratégias desenvolvidas pelos agricultores familiares a partir das opções de investimento e se esses indivíduos conseguem manter as suas condições de produção e reprodução social.

Assim, pergunta-se: qual é a atual estratégia de renda das famílias que haviam sido pesquisadas em 2013 e qual foi sua trajetória de diversificação entre 2013 e 2018?

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Portanto, o objetivo geral dessa pesquisa é definir as estratégias de renda dessas famílias entre o marco zero da pesquisa (2013) e o segundo levantamento realizado em 2018, ou seja, quais as escolhas sobre o que produzir e investir desses agricultores nesses dois marcos temporais.

De forma específica, pretende-se: (1) restabelecer o contato e atualizar o cadastro das famílias que foram pesquisadas em 2013; (2) dimensionar o capital humano, social, físico, financeiro e natural das famílias da pesquisa no ano de 2018; (3) estimar a renda agrícola do estabelecimento, as outras rendas do trabalho agrícola fora do estabelecimento, as rendas do trabalho não agrícola, as transferências sociais e as rendas outras que não são fruto do trabalho para cada família em 2018; (4) analisar as diferenças e similaridades ocorridas no tempo entre o sistema de produção e a estratégia de renda entre os anos 2013 e 2018.

Inicialmente foi feito um resgate teórico sobre os principais aspectos e conceitos que permeiam essa discussão acerca da agricultura familiar, especialmente o processo de modernização e seus impactos na produção agrícola, o conceito de agricultor familiar como discussão teórica e o entendimento do agricultor familiar enquanto um ator que reage ao processo de modernização e o avanço de novas tecnologias, políticas públicas e processo de decisão sobre o que e como produzir dentro do seu estabelecimento, considerando os capitais humanos, sociais, financeiros e naturais que possui.

Para atingir os objetivos citados, optou-se por desenvolver a coleta dos dados da seguinte maneira: de posse de um questionário que serviu como roteiro, foram realizadas visitas nos estabelecimentos dessas famílias, onde por meio de uma entrevista foram preenchidas as informações consideradas necessárias levando em consideração o ano agrícola de 2018.

De posse dos dados coletados em 2013 e 2018, foi possível fazer uma síntese do que se observou de mudanças nas estratégias produtivas e de renda adotadas pelas famílias nesses marcos temporais, considerando os recursos disponíveis, de forma individual e comparativa. Observando uma diversidade de situações e estratégias adotadas por essas dez famílias.

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2. AGRICULTURA FAMILIAR

2. 1 A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA

O processo crescente de modernização, entre outros aspectos, trouxe muitos avanços tecnológicos. No meio rural, as novas tecnologias em equipamentos, sementes e meios de cultivo impactaram fortemente nas atividades desenvolvidas dentro das propriedades rurais, em muitas dessas propriedades o mono cultivo e especialização produtiva têm sido intensificados. O avanço da modernidade possui diversas facetas e influências nas relações sociais e econômicas. A modernidade vai muito além de (e não pode ser reduzida) a somente aos avanços tecnológicos dela decorrentes. São também uma mudança nos costumes, aspectos da organização social e organização mercantil e produtiva, que transformaram principalmente o ocidente desde o início do século XVII e que tem reflexos no mundo todo contemporâneo. Como já abordado anteriormente, o processo que ficou conhecido como “modernidade” exerceu grande influência e alterou significativamente os meios de vida de toda a sociedade. Diversos autores têm se preocupado em descrever esse processo. No caso específico desse trabalho, utilizaremos principalmente conceitos abordados por Giddens (1991), que em muitos aspectos vem de encontro com os impactos que a modernidade teve no caso do chamado “agricultor familiar”.

Giddens descreve a “modernidade” como um “estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (GIDDENS, 1991, p.11). O que delimita a modernidade a um período e a uma localização geográfica. Para o autor, ainda não estamos indo em direção a uma “pós-modernidade”, mas sim para um período em que as consequências da modernidade estão cada vez mais radicais e universais.

Na abordagem do autor, as instituições modernas são, sob alguns aspectos, únicas, diferentes das de ordem tradicional, por isso é preciso “capturarmos” a natureza das descontinuidades para analisar o que a modernidade realmente representa e quais as suas consequências. O sentido da descontinuidade pela abordagem de Giddens, diz respeito à ideia de que a história humana não tem uma forma homogênea de seu desenvolvimento, e que esses modos de vida produzidos pela modernidade, “nos desvencilharam de todos os tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira que não tem precedentes” (GIDDENS, 1991, p. 14).

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Ao apontar diversos aspectos dessa “descontinuidade”, Giddens enfoca no ritmo da mudança, escopo da mudança e a natureza intrínseca das instituições modernas; as mudanças ocorrem cada vez mais rápido, alcançam virtualmente toda a superfície da terra e não mais apenas um local limitado e também a forma como nos organizamos em sociedade atualmente é muito distinta das sociedades tradicionais.

O modo de vida moderno é muito diferente do tradicional, passamos por diversas mudanças no que diz respeito à maneira que nos organizamos enquanto sociedade e como buscamos a nossa sobrevivência. No que diz respeito à Agricultura Familiar, pode-se destacar a crescente modernização do campo e as mudanças nas estruturas familiares, culturais e sociais dentro das propriedades rurais.

Giddens considera a modernidade como “um fenômeno de dois gumes”, que teria criado oportunidades maiores aos seres humanos, mas também teria seu lado “sombrio”. Ele enfatiza inclusive, que os fundadores clássicos da Sociologia – Marx, Durkheim e Weber, acabaram ignorando alguns pontos importantes sobre os impactos que a modernidade causaria nas questões ambientais e sociais. Portanto, as crises ambientais, políticas e até mesmo econômicas, acabaram impactando na perda da crença dos indivíduos em relação ao progresso advindo da modernidade.

Há uma separação do tempo e espaço nas condições da vida moderna. Há deslocamento entre as relações sociais e sua reestruturação em extensões indefinidas de tempo e espaço, o que causa uma espécie do que Giddens denomina como “desencaixe”. Existem dois tipos de mecanismos de desencaixe que estão envolvidos no desenvolvimento das instituições sociais modernas; a criação de fichas simbólicas e os sistemas peritos.

As fichas simbólicas são os meios de intercâmbios em circulação pela sociedade moderna, o dinheiro é um desses meios, é um modo de adiantamento e tem o poder de retardar o tempo e também separar transações de um local para o outro, ou seja, tem papel de distanciar o tempo-espaço. O dinheiro é um meio de troca e pode ser distinguido entre dinheiro no sentido de moeda, como também o dinheiro advindo de relações contratuais com bancos ou instituições financeiras.

Trazendo a discussão acerca do dinheiro para as relações atuais entre a Agricultura e o sistema financeiro, podemos destacar o distanciamento que ocorreu entre as relações de troca dos produtos advindos do campo e os consumidores. A relação de compra e venda de alimentos possui cada vez mais intermediários, como por exemplo, os supermercados, onde o consumidor não tem contato nenhum com o produtor daquilo que está comprando. Na época pré-moderna, as relações de compra e venda de alimentos eram bem diferentes e muitas vezes até baseadas

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no escambo, onde trocavam-se produtos de acordo com a necessidade dos participantes na transação.

As relações não se baseiam mais apenas na reciprocidade, mas sim no intercâmbio entre meios de troca, nesse caso o produto e o dinheiro.

Além de possuir o papel de distanciar o tempo do espaço, as relações baseadas no uso de fichas simbólicas, dependem de relações de confiança. A confiança baseia-se nesse caso no dinheiro, não necessariamente nas pessoas com as quais são realizadas as transações. Além das fichas simbólicas, os sistemas peritos também são denominados por Giddens como mecanismos de desencaixe.

Giddens (1991, p.35), define como sistemas peritos os “sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje”. Os sistemas peritos são frutos da crescente especialização de funções da era moderna, afinal, dependemos de diversos profissionais “peritos” no nosso dia-a-dia; engenheiros que desenvolveram os carros que utilizamos para nos locomover, médicos para diagnosticar nossos problemas de saúde e até mesmo nossas funções específicas de trabalho dentro das empresas.

No caso da agricultura, com o afastamento cada vez maior entre o produtor e o consumidor, por intermédio das relações que se estabeleceram de compra e venda dos produtos, acabamos criando relações de confiança com os intermediários que atuam nesse sentido. Portanto, quando vamos ao supermercado adquirir uma leguminosa, por exemplo, confiamos que através da relação da troca do dinheiro com esse produto, estamos adquirindo um alimento que pode ser consumido por nossa família. Assim como o dinheiro, a existência dos sistemas peritos remove algumas relações sociais do contexto das trocas, nesse caso do supermercado, não temos contato algum com o produtor do alimento que estamos adquirindo.

Sendo assim, todas essas novas relações advindas da modernidade, são baseadas fundamentalmente na confiança.

A confiança pode ser definida como crença na credibilidade de uma pessoa ou sistema, tendo em vista um dado conjunto de resultados ou eventos, em que essa crença expressa uma fé na probidade ou amor de um outro, ou na correção de princípios abstratos (conhecimento técnico) (GIDDENS, 1991. p.41).

Essa confiança é construída socialmente, porém ao mesmo tempo em que fundamentamos nossas relações nesse princípio, também emerge a questão do risco dessas

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relações. Nem sempre estamos cientes do risco quando efetuamos uma troca ou até mesmo quando dependemos dos sistemas peritos diariamente. Mas esse risco existe.

Um dos conceitos importantes em Giddens (1991) é a respeito da reflexividade e suas relações com a modernidade. Após salientar as relações sociais de confiança e risco dentro da sociedade moderna, o autor inicia um debate a esse respeito.

O autor considera que a reflexividade é uma característica que define toda a ação humana. Nas culturas tradicionais, há uma valorização dos símbolos e do passado, o que seria uma maneira de lidar com o tempo e espaço. Nas civilizações pré-modernas, a reflexividade está limitada a reinterpretação e esclarecimentos da tradição. Giddens (1991, p.44) esclarece que “a tradição não é inteiramente estática, porque ela tem que ser reinventada a cada nova geração conforme esta assume sua herança cultural dos precedentes”.

A tradição é um aspecto fundamental quando abordamos a agricultura familiar. Pois as relações de trabalho dentro da pequena propriedade rural são baseadas em costumes e tradições passadas de geração em geração. Porém, para o autor, mesmo que a tradição ainda continue a ocupar um papel na sociedade moderna, esse é menos significativo do que nas civilizações anteriores.

A reflexividade da vida social moderna está no fato de que “as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre essas próprias práticas”, na era da modernidade, essa revisão é radicalizada a todos os aspectos da vida humana (GIDDENS, 1991, p.45).

Esse “novo modelo” transformou os meios de vida de toda uma sociedade. No caso desse trabalho, especificamente trataremos da chamada “Agricultura Familiar”, que dentre outros aspectos, foi fortemente influenciada por esse processo de modernização intensiva pela dita “revolução verde”.

A integração técnica da indústria com agricultura que já havia ocorrido em outros países, como por exemplo, Estados Unidos e Europa Ocidental (início do séc. XX) vai ocorrer no Brasil por volta dos anos 1960-1980. Durante esse período, houve o estímulo da adoção de pacotes da chamada “Revolução Verde”, que eram considerados sinônimos de modernidade, o que incentivou um processo de aprofundamento nas relações de crédito rural (DELGADO, 2012).

Essa proposta de desenvolvimento que se modelou a partir do início dos anos 1950, teve influência do projeto nacionalista do presidente Vargas, de recomendações de duas missões norte-americanas no Brasil executadas nos anos 1940 e, principalmente, pela estratégia de desenvolvimento formulada pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), criada

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pelas Nações Unidas. Nesse momento, a estagnação da produção agrícola, foi vista como um obstáculo para o crescimento econômico (GRAZIANO DA SILVA, 1999).

A agricultura brasileira possuía um caráter heterogêneo, seja do ponto de vista social, técnico ou regional, o que foi aprofundado nesse processo de modernização. Pode-se observar um “pacto agrário modernizante e conservador”. Nesse processo de “modernização conservadora”, conviviam no Brasil uma agricultura tradicional não industrializada, um sistema agroindustrial e um movimento de expansão horizontal da fronteira agrícola (DELGADO, 2012).

Esse meio século de industrialização e urbanização acelerada que ocorreu no Brasil a partir dos anos 1930, foi o que deu condições para a transformação técnico-econômica da agricultura – o que ocorreu principalmente durante o período que ficou conhecido como “modernização conservadora”, entre os anos 1965 e 1980. Porém, ao mesmo tempo, houve um aprofundamento na desigualdade de todo o sistema econômico (DELGADO, 2012).

Esse processo de modernização da base técnica da produção agrícola promoveu a substituição dos elementos que antes eram produzidos internamente, por compras extra-setoriais e intra-extra-setoriais (máquinas, insumos, sementes e demais tecnologias), abrindo espaço para o desenvolvimento do mercado interno, refletindo um crescente aumento no consumo intermediário do setor agrícola, indicando uma maior dependência do setor de insumos para a produção (GRAZIANO DA SILVA, 1999).

Graziano da Silva (1999) destaca o processo de “lumpenização” decorrente desse processo de modernização ocorrida no país; ao contrário do que foi observado em outros países, com o processo de proletarização do campesinato, no caso brasileiro, esses camponeses não são mais “sequer convertidos em proletários”, eles permanecem como superpopulação no campo, membros não-remunerados da força de trabalho ou “são lançados nas zonas urbanas ao ‘rebotalho da sociedade’, constituído pelos trombadinhas, prostitutas, mendigos e ladrões” (GRAZIANO DA SILVA, 1999, p. 102-103).

A pequena propriedade acaba assumindo o papel de produzir alimentos e matérias-primas, atuar como reserva de mão-de-obra e desempenhar uma baixa produtividade (se comparada à produção em grande escala).

Portanto, esse processo de modernização, ao mesmo tempo em que evidencia a superioridade do desempenho da agricultura “modernizada”, desencadeia uma série de consequências sociais negativas. Graziano da Silva (1999) aponta alguns dos principais “desequilíbrios” que essa agricultura moderna esconde; Primeiro, a concentração fundiária,

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segundo, o êxodo rural, terceiro, superexploração dos empregados e quarto, concentração da renda.

Entre os anos 1972 e 1978, a estrutura fundiária brasileira passou pelo aumento do grau de concentração da propriedade da terra. Ao lado da concentração da propriedade, também houve um processo de concentração da exploração; essa estrutura se torna concentradora e excludente (GRAZIANO DA SILVA, 1999).

Esse processo de modernização, além de atuar no sentido de concentrar a propriedade da terra, também força o movimento de expulsão de trabalhadores do campo, para as áreas suburbanas das cidades. Graziano da Silva (1999) aponta que entre os anos 1960 e 1980 mais de 28 milhões de pessoas deixam o campo e migram para as áreas urbanas, o que traz diversos problemas estruturais, excesso de mão-de-obra e crises urbanas.

Além de “inchar” as áreas periféricas, com o excesso de mão-de-obra disponível nas áreas urbanas, causadas por esse processo de êxodo rural, os trabalhadores que buscam empregos nas atividades agrícolas, acabavam tendo que se submeter a condições de superexploração da sua mão-de-obra; além de jornadas de trabalho mais extensas, a renda não era compatível.

Por fim, o processo de modernização, apesar de trazer uma melhoria no nível geral da renda, ampliou a participação de algumas classes e reduziu a de outras, portanto, houve um processo de concentração de renda no campo, principalmente dos capitalistas e grandes proprietários de terras.

Quando a modernização assume um caráter de modernização tecnológica, são feitas alterações na base técnica da agricultura a partir da adoção de novas tecnologias, produzidas fora das propriedades rurais e adquiridas por meio do mercado. Portanto, esse processo de aquisição de novas tecnologias por parte do produtor, conduz a um processo inevitável de mercantilização, alterando a estrutura de custos de produção, tornando-os parciais ou totalmente monetarizados (FLEISCHFRESSER, 1988).

Essa prática – aquisição de tecnologia por parte dos produtores através do mercado – intensifica um processo de mercantilização da produção agrícola, considerando que o aumento dos custos monetários deve ser respondido por um aumento das receitas monetárias, viabilizando assim a produção e reprodução agrícola.

Fleischfresser (1988) acrescenta que essas inovações trazidas pelo avanço tecnológico, afetam perceptivelmente a base técnica de produção nas propriedades agrícolas. Elevando a produtividade da terra e do trabalho e consequentemente o custo de produção, e, para a aquisição destas no mercado, exige-se recursos em dinheiro ou acesso ao crédito rural.

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Essas tecnologias vão além do processo de “maquinização” do campo. Além de novas tecnologias nos veículos utilizados na viabilização da produção (inovações mecânicas), também há avanços tecnológicos na produção de sementes modificadas (inovações biológicas) e até mesmo aditivos químicos que visam modificar as condições naturais do solo (inovações físico-químicas) entre outras. Quando há uma combinação entre essas inovações, há uma potencialização mais decisiva desse progresso técnico (FLEISCHFRESSER, 1988).

No caso brasileiro, Fleischfresser (1988) observa que há uma tendência à homogeneização espacial da tecnologia e em contraste o aumento das diferenças socioeconômicas entre os produtores, o que está relacionado ao processo de desenvolvimento do capitalismo no país. Nos resultados da pesquisa da referida autora1, observa-se que no caso paranaense, a integração à modernização tecnológica foi intensa, o que reduziu e continua reduzindo o espaço para a pequena produção agrícola de subsistência, e apesar de haver alguns fatores que viabilizam a continuidade dessa atividade – cita inclusive que alguns estão se integrando ao mercado – muitos produtores se mantém em condições precárias no campo, dependendo de rendas não-agrícolas e também de aposentadoria.

O avanço do sistema Industrial de produção impactou na maneira como a sociedade se organiza e produz. Houve um distanciamento entre o campo e a cidade, o que culminou com o aumento populacional dos grandes centros, que promovia a busca de mão-de-obra e esvaziamento do campo, responsável por suprir as necessidades de alimentação da população. Esse distanciamento trouxe um desequilíbrio entre as necessidades humanas e a capacidade de recuperação natural da terra.

1 O objetivo do estudo de FLEISCHFRESSER (1988), era apreender as transformações tecnológicas ocorridas na

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O agricultor familiar é um indivíduo que exerce um contato direto com a natureza como meio de sobrevivência e manutenção de sua condição social, já que vive da produção da terra. Por isso, é fundamental discutir essa categoria quando pensamos em desenvolvimento regional.

A categoria “agricultor familiar”, por assim dizer, possui características específicas de relação entre homem e natureza, como também relações de trabalho específicas em sua propriedade. Sua família sobrevive da terra e é dessa relação entre família, propriedade e trabalho que se constrói sua identidade perante a sociedade. São relações complexas que não podem ser simplificadas apenas ao aspecto produtivo e econômico. Esse enraizamento do agricultor na sua propriedade, na sua terra, vai muito além do produzir alimentos e comercializar no mercado. É preciso analisar outros aspectos que constroem a identidade desses agricultores, como exemplo os laços familiares, tradições, aspectos culturais e também manutenção de sua reprodução social.

No caso da pequena produção agrícola, a configuração da propriedade e da relação com os meios de produção que existem na vivência desses agricultores é bem distinta da forma que se tornou convencional como descrição da produção capitalista. Essa descrição do que seria o sistema capitalista basicamente possui três fatores principais: o detentor do capital, os meios de produção e a exploração da força de trabalho. No caso da agricultura familiar, a ótica produtivista é diferente, já que o detentor do capital e dos meios de produção é o próprio agricultor, a força de trabalho também é do agricultor e de sua família. Portanto, mesmo esse processo tendo um fim produtivista, possui estrutura diferente da que foi definida como “capitalista”.

Contemporaneamente duas têm sido as qualificações atribuídas a esse produtor; camponês e/ou agricultor familiar. No entanto, se se considera a perspectiva de um dos teóricos mais importantes que trata da temática da agricultura familiar no Brasil, o que se percebe é que há de fato uma distância significativa entre o camponês e o agricultor familiar.

Na perspectiva teórica de Abramovay (2007), o agricultor familiar seria a negação do camponês. Para apreender mais adequadamente é importante ressaltar que a denominação agricultura/agricultor familiar ganha importância no Brasil a partir da obra “O Capitalismo Agrário em Questão”. Nessa obra, Abramovay empreende uma forte crítica aos paradigmas clássicos, de base marxista, que indicavam para o fim da agricultura do tipo camponesa e enfatiza que é necessário diferenciar a agricultura camponesa da agricultura familiar, pois na sua perspectiva a agricultura de base camponesa não seria compatível com o capitalismo.

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Abramovay tenta explicitar as diferenças entre agricultura familiar e agricultura camponesa evidenciando o desenvolvimento do capitalismo em países de maior desenvolvimento, como é o caso, por exemplo, dos Estados Unidos e da França. A partir de sua pesquisa ele conclui que o campesinato não conseguiria sobreviver no capitalismo pela sua incompatibilidade com o ambiente econômico. Ele defende que quando o capitalismo atingisse determinado estágio de desenvolvimento, ocorreria um processo de integração plena e ao voltar-se para o caso brasileiro destaca que os camponeses do sul do Brasil estão imersos num processo de integração que modifica tanto a base técnica quanto o círculo social. Em sua ótica, quando os camponeses se integram às estruturas de mercado metamorfoseiam-se em agricultores profissionais, convertendo o que antes era um modo de vida em uma profissão. Em outros termos, o camponês por não se adequar ao sistema seria aniquilado pelo capitalismo. Portanto, para subsistir ele deveria se transformar, transformar seu modo de vida em uma profissão, adequando-se assim ao sistema pela conversão em agricultor familiar.

No rastro do paradigma do “Capitalismo Agrário em Questão” se desenvolveram no âmbito nacional uma série de estudos que tratavam da chamada agricultura familiar, considerando ou não o camponês como integrante de tal categoria. Nomes como José Ely da Veiga, Zander Navarro, Sérgio Schneider, Maria Nazaré Braudel Wanderley, dentre outros teceram importante contribuição no referido sentido. No entanto, como diz o próprio Schneider, a empreitada que envolve definir limites a partir dos quais se considere um dado pequeno produtor agrícola de base familiar como agricultor familiar ou não é algo bastante complexo.

Assim, na opinião do referido autor seria mais viável e, inclusive mais produtivo do ponto de vista teórico-conceitual pensar a agricultura familiar como uma categoria mais ampla, que pudesse abarcar distintas formas de se fazer agricultura e de se relacionar com o mercado, mas que tivessem pontos determinantes comuns. A tarefa seria então a seguinte, encontrar o que há de comum entre as distintas formas sob as quais aparece a pequena produção agrícola de base familiar – num extremo a agricultura de base camponesa e, no outro a agricultura familiar pautada por uma racionalidade mais empresarial, como a definida por Abramovay. É partindo de tal questionamento que Schneider e Niederle (2008, p. 06), mencionam:

O que há de comum entre ambas as noções é que trabalho, produção e família formam um conjunto que opera de forma unificada e sistêmica, cultivando organismos vivos e gerenciando processos biológicos através dos quais buscam criar condições materiais que visam garantir sua reprodução enquanto grupo social. Isso significa que a organização social e econômica, o processo de trabalho e de produção, as relações com o mercado e as formas de transmissão patrimonial são fortemente influenciadas por relações de consanguinidade e parentesco, que são tributárias tanto do modo como as famílias gerenciam seus recursos materiais como dos valores culturais e simbólicos que definem sua identidade.

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Cumprida a tarefa de se enquadrar dentro de uma categoria ampla figuras e formas tão distintas de se desenvolver a prática da atividade rural, é preciso então evidenciar a base conceitual que servirá de subsídio para o entendimento desta tão ampla e diversa agricultura familiar que conforma o mundo contemporâneo. O propósito de se explicitar tal base conceitual é para além de permitir visualizar dentro da categoria agricultura familiar as mais distintas formas de se fazer agricultura, apreender a razão da sua persistência no mundo contemporâneo, apesar do indicado pelos paradigmas clássicos de base marxista.

Essa base conceitual vale ressaltar, deve ser vista como resultado de um esforço coletivo histórico de pensar a pequena produção agrícola de base familiar e o seu futuro sob o avanço do capitalismo. É nesse sentido que a contribuição dada pelos paradigmas clássicos, tanto os que apontaram para o fim (Lênin e Kautsky) ou para a permanência (Chayanov) da pequena produção agrícola de base familiar como tendência não podem ser desprezados.

A esse respeito, vale ressaltar, como destaca Barrinha (2011), que apesar dos muitos estudos que se ocuparam da crítica dos paradigmas clássicos que apontavam para o fim da pequena produção agrícola de base familiar, poucos se ocuparam em visualizar o ponto a partir do qual os autores clássicos faziam as suas análises. Para a referida autora, tal perspectiva é fundamental para se entender a conclusão trazida por cada paradigma, fosse ela o fim ou a permanência do campesinato. De outra forma, a mesma autora ainda ressalta que não se pode esquecer que a conclusão de Lênin e de Kautsky é apontada como tendência, ou seja, a questão não era negar que subsistisse a pequena produção agrícola de base familiar, mas que ela não subsistiria como forma de produção dominante, porque de uma forma geral a concorrência imanente ao capitalismo transformaria o camponês em proletário ou em capitalista.

Ainda de acordo com Barrinha (2011), tanto a análise de Lênin quanto a de Kautsky foi feita do plano geral para o particular, ou seja, do plano no qual as leis imanentes ao capitalismo eram visíveis para o plano no qual a ação destas era ainda incipiente. Em outros termos, de fora para dentro da propriedade rural.

De outra forma, quando se fala da perspectiva presente no paradigma elaborado por Chayanov, que enfatizava a permanência da pequena produção agrícola de base familiar, há que se ratificar que a sua análise se efetivou sob perspectiva oposta à dos dois outros autores anteriormente mencionados, ou seja, ele estava – conforme menciona Barrinha (2011) – olhando de dentro da pequena propriedade agrícola de base familiar para fora.

Foi dessa forma, sob tal perspectiva que procurou compreender de que maneira, por quais meios ou arranjos a tendência apontada por Lênin e Kautsky poderia ser negada. Barrinha (2011) argumenta que não vê na análise de Chayanov uma negação da tendência apontada por

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Kautsky e por Lênin, mas a afirmativa de que haveria possibilidade de que a tendência fosse perturbada em função da própria especificidade de organização da produção da pequena propriedade agrícola de base familiar, que permitiria a sua persistência em condições nas quais uma produção pautada na forma especificamente capitalista de produção não subsistiria.

A partir dessa ponderação, compreende-se a contribuição contemporânea de autores acerca da agricultura familiar e sua diversidade, como no Brasil com Schneider e Niederle (2008), Escher (2012), dentre outros. E, no âmbito externo, a perspectiva encontrada em Norman Long (2001) e em Ploeg (2009), dentre outros, por exemplo.

O consenso desses autores está em que o pequeno produtor agrícola de base familiar se adapta às mudanças trazidas pelo processo de desenvolvimento capitalista com vistas a manter as condições de produção. Para tanto, ele não raramente altera a forma de produzir e a forma na qual organiza as atividades dentro da própria unidade de produção agrícola familiar. Em outros termos, essa perspectiva reconhece que o desenvolvimento capitalista impacta sobre a propriedade agrícola familiar, mas esse impacto não vem apenas de fora para dentro determinando o futuro do agricultor familiar e de sua família. Ou seja, o agricultor familiar tem também um papel ativo nesse processo, ele reage ao processo de desenvolvimento capitalista modificando a forma de produzir, modificando a forma de se relacionar com o mercado. Ele não é, portanto, um simples agente passivo no processo, ele participa da transformação histórica e, por meio dela assume uma condição de maior ou de menor envolvimento com o mercado.

Dessa forma, o processo de mercantilização do espaço rural não se daria de forma homogênea em todas as unidades de produção agrícola de base familiar, e muito menos tão somente determinada de fora para dentro. Esse processo seria também determinado a partir das decisões tomadas pelo próprio agricultor familiar. Em resumo, o processo de mercantilização ocorreria em níveis desiguais dentro das distintas unidades de produção agrícola de base familiar, conforme destaca Ploeg (1993). Tal perspectiva tornaria possível entender as distintas formas de se produzir dentro das referidas unidades. Tal perspectiva permitiria entender, por exemplo, o pequeno produtor agrícola de base familiar que produz alimentos – de origem vegetal e/ou animal - de forma diversificada na propriedade visando garantir ao máximo o atendimento das necessidades familiares de subsistência. Tal modalidade não exclui a sua participação no mercado, na medida em que vende seus excedentes e utiliza recursos próprios que relativizam sua dependência com o mercado.

Essa mesma perspectiva permitiria também entender a forma de produzir do agricultor familiar que possui um maior nível de especialização, que opta, por exemplo, por produzir na propriedade apenas o milho para alimentar o gado leiteiro do qual ele extrai leite para fornecer

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a um laticínio, cooperativa e/ou agroindústria particular. Esse agricultor, dada a sua condição mais especializada teria uma relação mais estreita com o mercado, na medida em que ele depende muito mais intensamente deste para a absorção do seu produto e para o atendimento de suas necessidades, mesmo as de subsistência.

Não se pode negar que mesmo em casos nos quais existe um maior envolvimento com o mercado, ainda assim, existe uma ação ativa do agricultor para manter controle sobre as condições de produção, em busca de autonomia. Não se pode negar que a depender do contexto, a decisão do investimento pode limitar as escolhas futuras, portanto, o agricultor é um sujeito histórico determinante no entendimento das distintas formas da agricultura familiar.

Nas palavras de Schneider e Niederle (2008, p. 45), por meio de seu papel ativo no processo histórico os agricultores familiares seriam capazes de: “modificar, neutralizar, resistir e, por vezes, até acelerar os resultados da mercantilização [...]” via mobilização de “[...] um amplo repertório de recursos fora dos mercados [...]” criando, portanto, “[...] ‘espaços de manobra’ e estratégias para manter e ampliar sua autonomia”.

Por conseguinte, em um dado contexto econômico, é provável encontrar estilos muito diferentes de agricultura, alguns deles fortemente ligados aos mercados e outros suficientemente longe deles para permitir um espaço de manobra considerável. Desta forma, os mercados em si não podem ser compreendidos como fatores de causa que explicam as particularidades da prática agrícola. Ademais, um aumento ou diminuição do grau de mercantilização na unidade agrícola raramente pode ser visto como uma consequência não intencional, muito menos como resultado cego de forças econômicas extremamente intensas (LONG e PLOEG, 2011, p.37).

Assim, ao buscar a referida autonomia, o agricultor familiar estaria se colocando - por meio das estratégias adotadas com vistas a manter as condições de produção -, ora mais próximo da condição camponesa – o que denotaria menor especialização e menor dependência com relação ao mercado -, ora mais próximo da condição de agricultor familiar proposta por Abramovay, cuja forma de produzir se aproximaria mais da lógica empresarial, envolvendo portando maior nível de especialização e maior índice de produtividade.

Quando se fala dessa condição camponesa, há que se ressaltar que o que se pretende não é admitir a sua existência nos tempos atuais como uma reprodução da condição clássica do camponês. Ao contrário, a condição camponesa é entendida como uma condição passível de ser encontrada em qualquer tempo histórico, na medida em que o que ela evidencia é a busca do produtor em manter a sua condição de garantir a reprodução material envolvendo uma relação de produção com a terra da forma a mais autônoma possível. Dessa forma, a condição camponesa não estaria restrita, portanto, ao período feudal e nem mesmo ao continente europeu.

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Wanderley (2009) entende como agricultura familiar, aquela “em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo”. Porém, chama atenção para que esse caráter familiar não seja apenas um “mero detalhe superficial e descritivo”, pois isso tem consequências importantes para a forma que essa estrutura produtiva age social e economicamente.

A agricultura camponesa tradicional vem a ser uma das formas sociais de agricultura familiar, uma vez que ela se funda sobre a relação acima indicada entre propriedade, trabalho e família. No entanto, ela tem particularidades que a especificam no interior do conjunto maior da agricultura familiar e que dizem respeito aos objetivos da atividade econômica, às experiências de sociabilidade e à forma de sua inserção na sociedade global.

Henri Mendras identifica cinco traços característicos das sociedades camponesas, a saber: uma relativa autonomia face à sociedade global; a importância estrutural dos grupos domésticos, um sistema econômico de autarcia relativa, uma sociedade de interconhecimentos e a função decisiva dos mediadores entre a sociedade local e a sociedade global (WANDERLEY, 2009).

Outro ponto importante que a autora cita, é a respeito da autonomia, que entre outras maneiras, pode ser expressa “pela capacidade de prover a subsistência do grupo familiar”. Portanto, o agricultor tendo que enfrentar o presente, bem como o futuro, resgata no passado

(...) um saber tradicional, transmissível aos filhos e justificar as decisões referentes à alocação dos recursos, especialmente do trabalho familiar, bem como a maneira como deverá diferir no tempo, o consumo da família. O campesinato tem, pois, uma cultura própria, que se refere a uma tradição, inspiradora, entre outras, das regras de parentesco, de herança e das formas de vida local etc. (WANDERLEY, 2009).

Lamarche (1993) entendia a exploração familiar, como uma “unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família”. Esses três fatores – propriedade, trabalho e família – geram relações complexas e também abstratas. O autor chama atenção para a heterogeneidade dessa formação social; “Em um mesmo lugar e em um mesmo modelo de funcionamento, as explorações dividem-se em diferentes classes sociais segundo suas condições objetivas de produção” (LAMARCHE, 1993, p.18).

Nas sociedades modernas surgem outras formas da agricultura familiar que não são camponesas. Sob o impacto das transformações de mercado, sociais, econômicas - bem como a dualidade campo e cidade - tentam adaptar-se a este novo contexto de reprodução, transformando-se interna e externamente em um agente da agricultura moderna.

É bem verdade que a agricultura assume atualmente uma racionalidade moderna, o agricultor se profissionaliza, o mundo rural perde seus contornos de sociedade parcial e se integra plenamente à sociedade nacional. No entanto, parece-me importante sublinhar - e o formularia como uma terceira hipótese - que estes “novos

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personagens”, ou pelo mesmo uma parte significativa desta categoria social, quando comparados aos camponeses ou outros tipos tradicionais, são também, ao mesmo tempo, o resultado de uma continuidade (WANDERLEY, 2009)

Essas modificações não dizem respeito apenas à chamada agricultura de grande escala, que encerra as extensas lavouras de commodities que caracterizam as grandes propriedades rurais. Elas se referem também e, especialmente as modificações vivenciadas pelas pequenas propriedades agrícolas de base familiar.

Kaustky (1980) já tratava sobre os impactos da industrialização na agricultura;

Em tal sentido, devemos incluir as máquinas entre os fatores principais de transformação. Os brilhantes resultados obtidos pelo maquinismo na indústria suscitaram naturalmente a ideia de sua introdução na agricultura. A grande empresa moderna tornava a coisa possível em virtude da divisão do trabalho - 'de um lado a divisão dos trabalhadores em trabalhadores manuais e trabalhadores servidos de cultura científica, de outro lado a especialização dos instrumentos e ferramentas (KAUTSKY, 1980, p.29).

Do ponto de vista do agricultor, parece evidente que suas estratégias de reprodução, nas condições modernas de produção, em grande parte ainda se baseiam na valorização dos recursos de que dispõem internamente, no estabelecimento familiar, e se destinam a assegurar a sobrevivência da família no presente e no futuro.

Veiga (2012, p. 203) acrescenta que um sistema agrário de tipo camponês nunca é apenas “tradicional” ou “de subsistência”, expressão muito em voga entre os economistas. Ele tem uma dinâmica. Sofre um contínuo processo de adaptação às mudanças que vão ocorrendo ao seu redor. Os camponeses formam grupos sociais que fazem parte de sistemas econômicos mais complexos e estão expostos, em maior ou menor medida, às forças de mercado. Nesse sentido, as políticas agrícolas passaram a buscar combater esse fator de “instabilidade”, compatibilizando a necessidade de reduzir gradualmente os preços alimentares ao consumidor, com a necessidade de garantir um aceitável nível de vida aos agricultores.

Portanto se faz necessário uma abordagem dinâmica quando se trata das mudanças sociais, abordagem que dê a devida importância às interações e determinações mútuas dos fatores e relações internas e externas, reconhecendo a consciência do ator social.

A Perspectiva Orientada ao Ator (POA) é uma abordagem que se opõe à análise estrutural. Sua base é o entendimento de que, por mais que as mudanças estruturais sejam resultado de mudanças externas (por exemplo, o mercado e o Estado), ainda há a participação dos indivíduos e grupos sociais, portanto “são mediadas e transformadas por esses mesmos atores e estruturas locais”. Essas “forças sociais” alteram o comportamento dos indivíduos,

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possibilitadas através da configuração, direta ou indireta das percepções, experiências e ações destes (LONG e PLOEG, 2011, p.23).

De acordo com González, Pereira e Dal Solgio (2014), a Perspectiva Orientada ao Ator é um arcabouço teórico-metodológico que tem sido construído ao longo das últimas décadas por diversos pesquisadores. O caráter metodológico está em pensar nos atores sociais como o foco da pesquisa, exigindo uma sensibilidade do pesquisador em tentar compreender do ponto de vista do ator participante da pesquisa.

No caso dessa pesquisa, os agricultores familiares são os atores, não sendo, portanto, agentes passivos, mas participantes ativos, que processam informações, e também se utilizam de estratégias, nas suas relações com demais atores sociais e também agentes locais e externos. Um conceito principal dessa abordagem é o de agência; que “em termos gerais, [...] atribui ao ator individual a capacidade de processar a experiência social e de delinear formas de enfrentar a vida, mesmo sob as mais extremas formas de coerção”. A agência, não é “um atributo do ator individual”, ela acarreta relações sociais e só pode se tornar efetiva através dessas relações. Requer capacidade de organização (LONG e PLOEG, 2011, p.25).

Aplicada aos estudos sobre as mudanças agrárias, a abordagem orientada aos atores salienta a importância de valorizar a forma como os próprios agricultores moldam os padrões de desenvolvimento agrário [...] os agricultores não devem ser vistos como receptores passivos ou vítimas de uma mudança planejada, nem como não envolvidos na rotina que simplesmente seguem regras ou convenções estabelecidas. Como outros atores, os agricultores desenvolvem formas de lidar com situações problemáticas e combinam recursos de forma criativa [...] para resolver os problemas (LONG e PLOEG, 2011, p.29).

A articulação entre o ambiente político-econômico e a unidade agrícola, não pode ser compreendida considerando os agricultores como tomadores de decisões independentes, nem num enquadramento estruturalista, onde as práticas agrícolas são moldadas prioritariamente por forças externas (LONG e PLOEG, 2011, p.31).

Os principais pilares da Perspectiva Orientada ao Ator podem ser resumidos como: assume-se que a vida social é heterogênea, compreendendo uma série de formas sociais e culturais, sendo necessário entender como tais diferenças são produzidas, também reproduzidas e transformadas identificando os processos sociais envolvidos. Considerar a capacidade dos atores para processar suas experiências e agir sobre elas, bem como a capacidade de controlar habilidades relevantes, acesso aos recursos materiais e não materiais, e também práticas de organização específicas. Essa análise, portanto, deve abordar as complexidades e dinâmicas das relações entre os mundos da vida que se diferenciam, bem como os processos de construção cultural (LONG, 2001).

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3. ESPECIALIZAR OU DIVERSIFICAR A RENDA RURAL?

Perondi e Schneider (2012, p.118), quando trata sobre o debate do desenvolvimento em áreas rurais, propõem que se desloque o foco das ações sobre variáveis, como por exemplo, a disponibilidade de recursos ou da capacidade de exploração e privilegiar o foco sobre o fortalecimento dos meios e modos que os indivíduos dispõem para lidar com as adversidades dos contextos em que vivem. Portanto, fortalecer os “meios de vida”, seria então criar mecanismos de diversificação de estratégias de trabalho e renda, podendo assim estimular a capacidade desse indivíduo para lidar com crises, ou seja, preservar a capacidade desse indivíduo prover de estratégias alternativas para lidar com situações desfavoráveis.

Portanto, quando se amplia as capacitações dos indivíduos, e por consequência das próprias famílias rurais, pode-se realizada a diversificação das formas de organização econômica e produtiva. Assim, pode-se afirmar que quanto mais diversificada é a unidade produtiva familiar, maiores são as chances e oportunidades de que essa família possa ter opções de escolha, podendo estabelecer uma maior quantidade de oportunidades e estratégias perante as distintas formas de vulnerabilidade (PERONDIe SCHNEIDER, 2012).

Ellis (2000) sugere que a diversificação dos meios de vida seja uma contribuição decisiva ao desenvolvimento rural em vários níveis; Primeiro, através da distribuição de renda, já que existe uma correlação positiva entre a diversificação das fontes de rendimentos e a superação da pobreza das famílias rurais. Segundo, aumentando a produtividade rural considerando a diversificação das atividades, até mesmo via a obtenção de rendas não agrícolas que melhoram o custeio das atividades agrícolas. Terceiro, através do meio ambiente. Quarto, através das relações de gênero, pois, melhorando a distribuição da renda entre os componentes das famílias, podem-se alterar as relações de dominação. Quinto, por meio de uma maior segurança perante situações adversas estabelecidas por relações macroeconômicas de mercado.

O avanço das políticas públicas de modernização da agricultura provocou e continua provocando modificações nas condições de produção na agricultura familiar, o que se contrasta com estratégias e práticas sociais adotadas por esses atores. A pluriatividade – combinação de atividades agrícolas e não agrícolas - passa a ser reconhecida como uma estratégia de desenvolvimento rural, que pode fortalecer as formas de reprodução social e econômica dos agricultores familiares.

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Quando debatemos sobre o tema pobreza, podemos analisar como sendo uma privação das capacitações desses indivíduos e não apenas no sentido de uma renda insuficiente. O foco dessa abordagem dos meios de vida é em torno das capacidades e não nas necessidades.

A questão da diversidade deve ser analisada num contexto amplo, podendo ser até mesmo, segundo Perondi e Schneider (2012), um indicador de desenvolvimento rural. Entretanto, a diversificação dos meios de vida, não deve ser considerada como sendo o mesmo que uma diversificação da renda. Pois a diversificação da renda se relaciona com as entradas e movimentações monetárias, já a diversificação dos meios de vida inclui a variável tempo, o que torna necessária uma observação de atividades no tempo e não apenas num instante qualquer.

3.1 O CRÉDITO RURAL NA (DES) CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA

O reconhecimento conferido a agricultura familiar e a construção de políticas diferenciadas para um vasto grupo social que até então não havia sido contemplado com ações especificas não foram mudanças triviais, e é por isto que ganharam repercussões no cenário nacional e internacional.

A integração técnica entre agricultura e indústria, que ocorreram nos EUA e Europa Ocidental já no séc. XX, só veio a ocorrer no Brasil num cenário recente, entre as décadas de 1960 e 1980. Foi apenas com a articulação do Sistema Nacional de Crédito Rural (1965), que ocorreu uma reorientação de políticas agrícolas dos institutos por produto e o fortalecimento das estruturas de fomento desse setor (DELGADO, 2012.).

Nesse período (anos 1960), houve um estímulo para adoção de pacotes tecnológicos da chamada “Revolução Verde”, que eram considerados como o avanço da modernidade ao meio rural, incentivando um aprofundamento das relações de crédito da agricultura, onde havia a mediação desses pacotes com mecanismos de seguro de preços e seguro do crédito.

O crédito chegava ao meio rural através dos extensionistas. As atividades da Extensão foram estruturadas buscando resolver os principais problemas das famílias agricultoras, onde destacavam-se: os problemas nos lares, pobreza, êxodo rural e baixa produtividade, que seriam resolvidos a partir da ação dos extensionistas pelo acesso ao crédito rural e assistência técnica. A Extensão Rural tinha o papel de adequar os processos de trabalho na agricultura às novas máquinas, sementes, raças, bens e serviços de consumo gerados pelo progresso (FIGUEIREDO, 1984).

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Os pequenos agricultores eram considerados atrasados, a imagem do pequeno agricultor era retratada de forma negativa. As tradições do meio rural, o saber fazer, eram retrocessos perante o avanço tecnológico do capitalismo e costumes europeus e norte-americanos.

O campesinato – incluindo os modos de vida, tradições e costumes do campo – foi considerado um problema dominantemente social, que deveria ser resolvido pela Extensão Rural e modernização do campo. Com “o objetivo de aumentar a produção e consequentemente o consumo, o extensionista atuaria no duplo papel de melhorar as condições da propriedade agrícola em termos de maior produtividade de comercialização e de elevar o nível de aspiração das populações rurais”. Era necessário convencer o extensionista de sua “missão salvadora” (SEIFFERT, 1990, p. 17).

A ação educacional resolveria os problemas das famílias agricultoras. O êxodo rural seria resolvido pelo aumento do conforto. Através da concessão do crédito rural supervisionado, além do crédito era oferecida a assistência técnica, buscando atender todas as necessidades familiares, e também da produção. Porém até esse momento, o crédito não era de acesso livre a todas as classes de agricultores, principalmente os agricultores familiares.

Grisa e Schneider (2015) ressaltam que mudanças importantes ocorreram no cenário político institucional e nas dinâmicas sociais nos últimos vinte anos no Brasil, sendo a Agricultura Familiar reconhecida como categoria social e política apenas recentemente. “Todavia, fixar uma marca temporal é sempre complicado quando se trata de entender os processos sociais e suas mudanças, especialmente quando sabemos das interfaces entre passado e presente”.

E os autores complementam que historicamente o sujeito agricultor familiar sempre esteve à margem das ações e políticas do Estado brasileiro. E foi partir da Constituição de 1988, que se iniciou novos espaços de participação social e também o reconhecimento de diretos:

A criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (Pronaf) em 1995 desencadeou a emergência de outras políticas diferenciadas de desenvolvimento rural; a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em 1999, e da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) no interior deste em 2001, institucionalizaram a dualidade da estrutura agrária e fundiária no país; e, em 2006, foi regulamentada a Lei da Agricultura Familiar que reconheceu a categoria social, definiu sua estrutura conceitual e passou a balizar as políticas públicas para este grupo social (GRISA e SCHNEIDER, 2015, p.20).

Nesse contexto, como já citado, destaca-se a importância do crédito rural para essa categoria, já que este viabiliza processos produtivos, através de diversas modalidades de crédito diferente. O crédito pode ter várias finalidades; custeio, investimento e comercialização (BANCO CENTRAL, 2017).

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3.2 A DIVERSIFICAÇÃO DOS MEIOS DE VIDA NO RESGATE DA AUTONOMIA A diversificação impacta a distribuição de renda, pois permite que uma mesma família, ao buscar diferentes atividades produtivas, possa aumentar o rendimento familiar. Por exemplo o caso de uma família agricultora, onde um ou mais membros, busca atividades não-agrícolas (ou atividades agrícolas fora da propriedade da família) como complemento da renda. Em alguns casos, essa renda externa, assume um papel de superar dificuldades financeiras dessa família, ou até mesmo garantir uma fonte de recursos nos períodos de escassez das atividades rurais, portanto, servindo como um instrumento de superação da pobreza.

Além disso, a diversificação pode colaborar para o aumento da produtividade agrícola, pois quando uma família produz diversos produtos em sua propriedade, consegue um aproveitamento maior dos recursos naturais e mão-de-obra disponíveis. Também há famílias que desenvolvem atividades não-agrícolas dentro da propriedade, com o objetivo de diversificar e aumentar a renda e também viabilizar a continuidade das atividades agrícolas da propriedade. A diversificação também pode atuar como um agente de modificação nas relações de poder entre os membros de uma família, principalmente no que se refere a questões de gênero. Quando a mulher consegue desenvolver uma atividade produtiva e obter sua renda, possibilita a alteração nos níveis de poder dentro da sua família, portanto, essa fica menos submissa ao seu parceiro, pois também contribui para o sustento da família.

Já no que diz respeito aos riscos financeiros, a diversificação tem um papel importante de agente minimizador desses riscos, pois quando há uma diversidade de opções de fonte de renda para uma família, essa estará menos sujeita aos riscos oferecidos pelo mercado. Por exemplo, uma família especializada em determinada atividade produtiva, estará sujeita às oscilações de mercado desse produto, obtendo uma renda maior ou menor de acordo com os preços praticados. Já uma família que possui mais que uma fonte de recursos, tem um maior portfólio, o que a deixa menos vulnerável.

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4. METODOLOGIA

Para caracterizar os produtores de leite da Comunidade Secção São Miguel - do município de Francisco Beltrão, na região Sudoeste do Paraná – em 2013, na época, esta pesquisa procurou aplicar um questionário semiestruturado com questões sobre as características das famílias, da propriedade e das atividades desenvolvidas pelos agricultores, além da atividade leiteira, pois todos mantinham um contrato de fornecimento com um mesmo laticínio da região.

Nessa primeira etapa (POLETTO, 2013), foram escolhidas dez famílias (de um total de aproximadamente 70 famílias que residiam na comunidade) para a coleta dos dados, e na época já se observou o uso em maior ou menor grau de linhas de crédito rurais e a presença de estratégias de diversificação de renda dessas famílias.

Em 2013, a escolha da amostra se deu por conveniência, onde o “pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que estes possam, de alguma forma, representar o universo” (GIL, 2010, p.94). Essa seleção foi feita aleatoriamente na Comunidade Seção São Miguel, já que esta era a mais próxima da área urbana de Francisco Beltrão, onde as informações sobre quem produzia leite e repassava ao Laticínio era dada pelos próprios produtores de leite, estabelecendo assim um limite de 10 famílias, por considerar uma amostra significativa o suficiente para atingir os objetivos daquela pesquisa.

O segundo momento da pesquisa ocorreu com essa pesquisa de dissertação, que exigiu um retorno a campo entre o período de 2017-2018, onde se optou por reencontrar os mesmos agricultores familiares, estabelecer um estudo comparativo de quais foram as estratégias de renda que se consolidaram nesse intervalo de cinco anos, entre 2013 e 2018.

Podemos classificar esse estudo como uma Pesquisa Social. Essa especificação compreende “o processo que, utilizando a metodologia científica, permite a obtenção de novos conhecimentos no campo da realidade social”. Realidade social aqui compreendida num sentido amplo, “envolvendo todos os aspectos relativos ao homem e seus múltiplos relacionamentos com outros homens e instituições sociais” (GIL, 2010, p.26) - nessa pesquisa identificados como os Agricultores Familiares de uma determinada comunidade e as demais Instituições no contexto social ao qual estão inseridos.

Podemos definir esta pesquisa como um Estudo de Caso, que de acordo com Gil (2010, p.57) é “caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado”.

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