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A mediação como tratamento adequado para a solução de conflitos em casos de separação, divórcio e dissolução de união estável

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ADRIELE CRISTINE DE SOUZA

A MEDIAÇÃO COMO TRATAMENTO ADEQUADO PARA A SOLUÇÃO DE CONFLITOS EM CASOS DE SEPARAÇÃO, DIVÓRCIO E DISSOLUÇÃO DE

UNIÃO ESTÁVEL

Ijuí (RS) 2018

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ADRIELE CRISTINE DE SOUZA

A MEDIAÇÃO COMO TRATAMENTO ADEQUADO PARA A SOLUÇÃO DE CONFLITOS EM CASOS DE SEPARAÇÃO, DIVÓRCIO E DISSOLUÇÃO DE

UNIÃO ESTÁVEL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. Unijuí – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc. Lisiane Beatriz Wickert

Ijuí (RS) 2018

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Dedico este trabalho primeiramente a Deus, autor da vida, criativo, poderoso e amoroso, que enviou seu Filho Jesus para que Este fosse o MEDIADOR entre nós e Ele. À minha mãe, que esteve presente em todos os momentos de minha vida, amando, aconselhando, apoiando, sustentando, incentivando, orando, cuidando de mim.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que me concedeu a vida, a capacidade, deu-me uma família incrível que tanto amo e zelo, o maior tesouro que tenho! Além disso, agradeço por permitir a realização de mais esta etapa em minha vida.

À minha mãe, Noemia Tereza Neves da Cruz, mulher de fé, forte, determinada, destemida, que tanto batalhou ao longo anos. Seguiu trabalhando mesmo já estando aposentada e, por vezes, enferma, abnegando-se por amor a mim, para que eu pudesse realizar meus sonhos. Obrigada pelo exemplo, pelos ensinamentos, por não desistir de mim, por ser quem é!

À minha irmã, Cheila Cristiane de Souza, por todos os cuidados desde que eu era neném de colo até minha vida adulta. Pelo amor e alguns bons “puxões de orelha”; você foi como uma segunda mãe e, apesar de nossos desentendimentos e divergências de ideias, posso afirmar, com toda certeza, que você é a melhor irmã que eu poderia ter!

Ao meu sobrinho, Calebe Miguel, que alegra meus dias e toda casa. A sua chegada realizou um de meus sonhos: tornar-me tia! Conte sempre comigo!

Ao meu cunhado, Luiz Carlos Souza, pelo exemplo de homem batalhador, que busca por seus sonhos apesar da deficiência auditiva; que enfrenta preconceitos, quebra tabus, pois, veja só, eu nunca tinha visto alguém com essa característica fazer Mestrado. Ele é altruísta e um homem de fé; obrigada por todo apoio!

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Ao meu namorado, Samuel Vinícius Borges Vieira, amigo, amoroso, atencioso, compreensivo, meu cúmplice e inspirador; grande homem, que tanto me apoia me tratando com tanta ternura. Obrigada por compreender a necessidade de dedicação à confecção deste trabalho.

Aos meus familiares, em especial meu querido primo Carlos Rogério Neves da Cruz.

Aos amigos de perto e de longe, sempre presentes, companheiros, parceiros e compreensivos, que, embora não nominados, estão em meu coração!

Ao doutor Antônio Amaral, Eloá Bagetti e Giovana Rodrigues, por toda escuta ativa, incentivo, cobranças e aconselhamentos, por acreditarem em mim. Sem dúvida, vocês são excelentes profissionais!

Aos professores Marcelo Loeblein dos Santos e Aldemir Berwig, atual coordenador do curso e ex-chefe do Departamento (DCJS), respectivamente, por todo apoio e compreensão (...).

À professora Ester Hauser, por ter me concedido a oportunidade de atuar como voluntária no Projeto de Extensão Cidadania Para Todos, e por transmitir seu vasto conhecimento em Práticas Restaurativas, tema que, inclusive, influenciou na escolha do assunto deste trabalho.

Ao professor Doglas Cesar Lucas, por ter me concedido a oportunidade de ser bolsista; pelas conversas, pela compreensão e transmissão de conhecimento.

Àqueles que foram meus colegas e supervisores na Promotoria de Justiça onde estagiei, pois, mesmo desenvolvendo atividade cartorária, foi um momento em que pude reconhecer de fato as mazelas sociais, em especial às da infância e juventude; foi um espaço de transformação em minha vida.

À equipe da 1ª Vara Cível, em especial ao doutor Guilherme Correa, Patrícia Seibt, Juliana Corrêa e Manuela Allebrandt; aprendi muito ao longo dos dois anos de estágio; foi um momento de grande aprendizado, crescimento pessoal e profissional, em que fiz descobertas, visualizei na prática o funcionamento do Poder Judiciário, esclareci diversas dúvidas, além de vivenciar momentos especiais de descontração. Obrigada por tudo (...)!!!

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À Letícia Buchmann, que regeu o Coral Unijuí pelo período de dez anos, por ter me aprovado na avaliação que realizei para ingresso no grupo cultural referido no ano de 2012, por ter acreditado em mim e no meu potencial, por todo conhecimento transmitido sobre canto, coral e técnica vocal, e, da mesma forma, também à Helena Sala, que assumiu a regência no ano de 2015; obrigada pelos ensinamentos, por entender minhas faltas em virtude da confecção deste trabalho! Sem dúvida, participar de um grupo como este ao longo da Graduação fez muita diferença em minha vida. Muitas vezes foi lá que encontrei refúgio e pude respirar quando a faculdade ou o trabalho estavam demandando muito de mim; fiz amizades, diversas apresentações e viagens pela região levando o nome da Instituição. Integro este grupo com muito orgulho!

À Vice-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da Unijuí, à qual o Coral Unijuí é vinculado, pela bolsa concedida durante quase toda a Graduação. Essa bolsa auxiliou no pagamento dos componentes curriculares, na compra de livros, passagens de ônibus e van para deslocamento até a Universidade, lanches, enfim, na minha manutenção como acadêmica. Muito obrigada!

Aos meus chefes, Cesar Seidler, Ingo Christmann e Celso Vedolin, pelas conversas, por serem acessíveis, pelas trocas de horários e por compreenderem as diversas saídas do trabalho para a realização de atividades acadêmicas e também para apresentações juntamente com o Coral. Obrigada, serei eternamente grata.

À minha orientadora, MSc. Lisiane Wickert, que, de pronto, aceitou meu convite; pelas conversas, atenção, dedicação, transmissão de conhecimento e orientação.

Ainda, ao corpo docente da Unijuí, assim como todos os professores que tive desde a tenra idade, passando pelo Ensino Fundamental e Médio, todos especiais, cada um a sua maneira; obrigada por contribuírem na construção do saber.

Por fim, e não menos importante, aos funcionários colaboradores da Instituição, todos sempre solícitos, prontos para auxiliar dentro de suas funções, por sempre deixarem a Universidade limpa, conservar o gramado, podar as árvores, pois tudo isso contribui para um ambiente saudável de aprendizado. Obrigada!

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“A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira” (BÍBLIA SAGRADA, 2015, livro de Provérbios 15:1).

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise acerca do instituto da Mediação e sua aplicação nos conflitos resultantes nos casos de separação, divórcio e dissolução de união estável. Retrata a historicidade do Direito de Família, passando pela Antiguidade até a contemporaneidade, e, em seguida, faz um estudo sobre a positivação do divórcio e da dissolução da união estável. Com o intuito de compreender o crescente e elevado número de cisão entre cônjuges e companheiros, será brevemente trabalhada a ideia de relações líquidas, a partir do conceito de Modernidade Líquida criado por Zygmunt Bauman. Nessa perspectiva, passa a explorar o instituto da Mediação. Assim, tece algumas considerações sobre aspectos da Mediação, discorre sobre o Provimento 67, apresenta a distinção entre ela e os institutos de Conciliação e Arbitragem e, por fim, analisa o ponto central deste trabalho, que é sua aplicação como tratamento consensual de resolução de conflitos nas ações de separação, divórcio e dissolução de união estável.

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ABSTRACT

This monographic research analyzes the institute of Mediation and its application in resulting conflicts in separation, divorce and stable union dissolution cases. It depicts the history of Family Law, from ancient times to contemporaneity, to continue with the study on the affirmation of separation, divorce and dissolution of stable union. Aiming to understand the growing and large numbers of separation between spouses or partners, the notion of liquid relationships is briefly addressed through the concept of Liquid Modernity developed by Zygmunt Bauman. In this perspective, it explores the institute of Mediation. Thus, it makes a few remarks on the aspects of Mediation, discusses the Provision 67 and presents its distinction from the the institutes of Conciliation and Arbitration. Finally, it analyzes the main point in this paper, which is the application of Mediation as a consensual treatment of conflict resolution in lawsuits of separation, divorce and dissolution of stable union.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 DIREITO DE FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE ... 12

1.1 Construção histórica da família: do patriarcalismo à afetividade ... 13

1.2 Separação, divórcio e dissolução de união estável ... 18

1.3 As relações líquidas ... 23

2 A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO FACILITADOR DO DIÁLOGO ... 26

2.1 Aspectos da mediação ... 27

2.2 Distinção entre mediação, conciliação e arbitragem ... 32

2.3 Mediação nas ações de família: separação, divórcio e dissolução de união estável ... 34

CONCLUSÃO ... 41

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INTRODUÇÃO

A instituição da família tem sofrido profundas transformações estruturais. Percebe -se, ao longo dos tempos, que o modelo patriarcal de família, fundado no casamento indissolúvel, tem perdido força em detrimento de outros modelos familiares contemporâneos. A dissolução das uniões não é mais exceção como no passado e, sim, um fenômeno social crescente.

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1 (IBGE) apontam a instalação de uma cultura divorcista, posto que, desde o ano de 1984, em que se iniciou as pesquisas, quase uma década após o início da vigência da Lei do Divórcio, até o ano de 2016, houve um aumento de 1.300% (aproximadamente) no número de divórcios, enquanto o número de casamentos cresceu apenas 22,22% (mais ou menos), isso ao longo de 32 anos de pesquisa. Os dados mostram que um a cada três casamentos termina em ruptura do casal.

A separação, o divórcio e a dissolução de união estável estão relacionados a uma crise individual e familiar. Nela estão envolvidos o casal, os filhos, as famílias de origem dos cônjuges e companheiros, seus amigos, a escola e amigos dos filhos, desencadeando profundas mudanças na dinâmica familiar como, por exemplo, a definição de guarda, o pagamento de prestação alimentícia, visitação, entre outros.

1 Cálculos efetuados a partir dos números apresentados no gráfico do IBGE (INSTITUTO..., 2018), portanto são

números aproximados. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arqui vos/7008b7eee18577ef910339f1cc678bc2.pdf

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Considerando esta realidade, a pesquisa pretende trabalhar as questões que ensejam esta “onda de desmembramento familiar”, e também buscar esclarecer como a mediação pode servir de instrumento consensual para a resolução de conflitos decorrentes de ações de divórcio, dissolução de união estável e separação.

Para tanto, inicialmente, no primeiro capítulo, será estudado o histórico das transformações familiares, momento em que serão analisadas as fases que a família percorreu ao longo dos anos até chegar nos moldes contemporâneos. Em seguida, será investigada a positivação e o avanço legal em relação ao divórcio, separação e dissolução de união estável, além de breve estudo sobre as relações líquidas existentes na modernidade líquida, quando será possível compreender a escalada nos índices de ruptura do relacionamento a dois.

Como boa parte dos desmembramentos familiares são resultantes de conflitos mal resolvidos, que geram dor, ressentimento, depressão, raiva, mágoa, sentimentos que desencadeiam o afastamento e, por vezes, a não comunicação do ex-casal, e que não são considerados no procedimento comum, no segundo capítulo analisar-se-á o instituto de mediação como método facilitador do diálogo, momento em que serão abordados os aspectos da mediação, o incentivo pelo Código de Processo Civil de 2015 à autocomposição, seus princípios, o papel do mediador, breve levantamento sobre o Provimento 67, de março de 2018, da Corregedoria Nacional de Justiça, e, além disso, será apresentada a distinção existente entre os institutos de mediação, conciliação e arbitragem, e, ao final, será examinado o ponto central do presente trabalho, qual seja: a mediação aplicada em casos de separação, divórcio e dissolução de união estável.

Sinala-se que a confecção deste trabalho se deu por meio do método de abordagem hipotético-dedutivo, tendo como metodologia a pesquisa doutrinária em diversos livros e artigos científicos, os quais foram colhidos no meio físico e eletrônico, sendo, ainda, utilizada a consulta jurisprudencial de julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Ao final será apresentada a conclusão obtida, assim como as referências pesquisadas.

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1 DIREITO DE FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE

O estudo da família está ligado à própria vida, e, dentre todas as instituições – sendo elas públicas ou privadas –, a família tem maior significação. O direito de família teve relevância desde a Antiguidade greco-romana. A família preexiste ao Estado, e, hodiernamente, sua constituição, se dá em virtude de vínculos afetivos. Ela é o núcleo inicial de desenvolvimento do ser humano. Ao longo dos anos a família sofreu grandes transformações, passando por fases históricas, as quais serão apresentadas no presente capítulo.

Durante um largo período, o casamento foi regido pelas normas da Igreja, sendo considerado indissolúvel. Nessa linha, as regras eclesiásticas permitiam somente a separação de corpos, o que mantinha intacto o vínculo matrimonial. Mesmo após o Estado ter se tornado laico e ter positivado o divórcio, para obtenção da acessibilidade ao instituto que se tem hoje enfrentou-se barreiras legais que, com o passar dos anos e influência dos costumes, foram transpostas.

Atualmente não se encontram mais barreiras legais para a dissolução de uniões, ou seja, a dissolução não é mais uma exceção como no passado, e sim um fenômeno social crescente. A ampla busca pelo divórcio e dissolução de união estável em nome da felicidade, evidencia uma modernidade líquida caracterizada pela fragilidade dos laços humanos em que, segundo Zygmunt Bauman (2001, p. 187): “[...] Compromissos do tipo ‘até que a morte nos separe’ se transformam em contratos do tipo ‘enquanto durar a satisfação [...]’” É nesse contexto que se busca compreender o elevado índice de divórcio no país.

Feitas essas primeiras colocações, esclarece-se que o presente capítulo tem por objetivo analisar a historicidade do direito da família, ou seja, passando pela Antiguidade até a contemporaneidade, e, em seguida, serão estudados os institutos do divórcio, separação e união estável apresentando-se as alterações na legislação em relação aos referidos institutos. Após isso, será possível compreender em que contexto as relações líquidas e frágeis estão inseridas na sociedade e por que resultam na solubilidade do casamento e união estável.

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1.1 Construção histórica da família: do patriarcalismo à afetividade

O ser humano, ao nascer, torna-se integrante da entidade familiar. Nela desenvolve vínculos afetivos que perduram durante sua existência, conforme assevera Washington de Barros Monteiro (1994, p. 1): “[...] O entrelaçamento das múltiplas relações, estabelecidas entre os componentes da referida entidade, origina um complexo de disposições, pessoais e patrimoniais, que formam o objeto do direito de família.” A família é reconhecida como a base da sociedade. Ela é o núcleo inicial de desenvolvimento do ser humano, pois é nela que se recebe amor, se constrói o caráter e a personalidade do sujeito, se transmite valores, costumes, princípios e regras. Verônica A. da Motta Cezar-Ferreira afirma que:

É no grupo familiar que a pessoa vai receber a transmissão de valores, crenças e mitos, desenvolver uma visão de mundo e começar a adquirir seu conhecimento tácito. E esse conhecimento advindo da infância e mesclado, mais tarde, a outros conhecimentos adquiridos pelo indivíduo, terá peso significativo nas ações e relações de sua vida. Isso, portanto, não pode ser desconsiderado, quando uma família recorre à Justiça, porque retomando a metáfora, pode-se dizer que por “pré-escolas”, embora diferentes, passaram todos, tanto os membros do casal em separação, quanto os profissionais que os assistem (2011, p. 59).

Ao longo dos anos a família sofreu grandes transformações, passando por três fases históricas, sendo elas a Antiguidade, a Idade Média e a Contemporaneidade. Tais fases serão mais bem examinadas a partir do estudo da historicidade da família, chegando até os dias de hoje.

Atualmente não predomina mais o modelo de família patriarcal instituído pela religião. A família antiga greco-romana era constituída por pai, mãe, filhos e escravos, e quem estava acima do pai era a religião doméstica, que, segundo Fustel de Coulanges (2003, p. 63) em seu livro A cidade antiga,

O que une os membros da família antiga é algo mais poderoso do que o nascimento, o sentimento, a força física: é o culto ao deus Lar e aos antepassados. A religião faz com que a família forme um corpo, nesta vida e na outra. A família antiga é mais uma associação religiosa do que uma associação natural [...]

As bases da família greco-romana não estavam fundadas no afeto, pois o direito grego e romano o desconsiderava, mas, sim, no poder paterno ou marital. A mulher era considerada inferior e vivia subjugada pelo marido. A posição de inferioridade não era apenas da mulher, mas também dos filhos (COULANGES, 2003).

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Assim, é possível constatar-se que, diferentemente da contemporaneidade, a família antiga era baseada exclusivamente nos laços consanguíneos, e não estava vinculada a laços de afetividade. O afeto não era o principal elemento para a constituição de uma família, tampouco a razão para a manutenção da mesma ao longo dos anos.

Fábio Ulhoa Coelho (2012) ensina que, na Antiguidade, a família era a principal unidade de produção de bens. Tudo o que era necessário para a subsistência do ser humano era produzido pela família. O trabalho acontecia dentro da família, estando nela inclusos os escravos. Além disso, era também o núcleo religioso. Cada família adorava seus próprios deuses e o pater era o sacerdote dos rituais.

Destarte, por longos anos a família antiga foi estruturada nestes moldes, sendo desnecessário fazer uso do direito da força ou da autoridade de qualquer poder social para construí-la regularmente, com todas as características do direito privado (COULANGES, 2003).

Na Idade Média, a partir do século 4º, Constantino, imperador do Império romano, instalou no direito romano a visão cristã da família, e, com o passar do tempo, a família romana foi evoluindo no que diz respeito à limitação gradual da autoridade do pater, concedendo-se maior autonomia à mulher e aos filhos (GONÇALVES, 2012).

A igreja passou, então, a legislar por meio de um compilado de normas que nominou de cânones, visando a diferenciá-las das leis que emanavam do Estado. O conjunto dessas normas editadas pela igreja passou a ser chamado direito canônico. A partir deste período, o matrimônio passou a ser entendido como sacramento, ou seja, o casamento não poderia ser desfeito pelas partes; somente a morte poderia separar a união indissolúvel simbolizada pelas alianças.

Na obra de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2001, p. 33) encontra-se o seguinte esclarecimento:

Com essa nova visão, pretendeu a Igreja atribuir ao homem, através do sacramento do matrimônio, a graça necessária para auxiliar a afastar a concupiscência, conservando-se dentro do amor. [...] A partir de tais considerações a Igreja passou a entender que, sendo o matrimonio um sacramento e sujeito à indissolubilidade, todas as outras uniões entre homem e mulher fora do casamento eram uniões precárias de pronta dissolução, apresentando-se como “concubinato”.

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Entende-se, portanto, que a união de casais que optavam por conviver juntos – hoje designadas de união estável – sem a bênção do padre, não era aceita pela igreja, ou seja, quem mantinha esse tipo de união estava em pecado.

A era moderna foi marcada pela industrialização, fenômeno que produziu uma das maiores mudanças culturais e sociais, e, nesse cenário, o antigo modelo de família ruiu com a revolução industrial, conforme aduz Maria Berenice Dias (2011, p. 28, grifos do autor):

Esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão-de-obra, principalmente nas atividades terciárias. Assim a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e a sua prole. Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação dos seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo

afetivo que envolve seus integrantes. Existe uma nova concepção de família,

formada por laços afetivos de carinho, de amor. A valorização do afeto nas relações familiares não se cinge apenas ao momento de celebração do casamento, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que cessado o

afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo é

o único modo de garantir a dignidade da pessoa.

Com a passagem da economia agrária à economia industrial, a industrialização transformou drasticamente a composição da família, a qual deixou de ser uma unidade de produção em que todos trabalhavam sob a autoridade de um chefe (pater).

As mulheres se obrigaram a buscar lugar no mercado de trabalho, passando a exercer dupla jornada em razão da necessidade de subsistência. De lá para cá, o salário mais baixo tem sido o da mulher, realidade que lentamente vem sendo mudada, considerando o princípio da igualdade.

De acordo com Ana Morena Sayão Capute Nunes (2016, p. 44), foi “neste período (final do século XIX) que se passou a celebrar o amor romântico e que surgiu a família nuclear da forma como é entendida atualmente.”

Nesse contexto, a família vem se adaptando às transformações sociais, podendo perceber-se que o “novo modelo de família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, [...]” (DIAS, 2011, p. 43, grifo do autor).

Assim, a constituição da família na contemporaneidade tem como mola propulsora o afeto, sentimento que, quando experimentado, é capaz de unir vidas, característico das relações familiares,

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por isso, segundo Luciane da Costa Móas (2009, p. 70), “[...] a família moderna deve ser pensada como uma comunidade de afeto, um lugar privilegiado para que direitos sejam respeitados[...]”.

Sinala-se que a “ideia de família sempre esteve ligada à de casamento” (DIAS, 2011, p. 294, grifos da autora). Assim, durante muito tempo as “uniões, surgidas sem o selo do matrimônio, eram identificadas com o nome de concubinato”, não sendo aprovadas pela sociedade (DIAS, 2011, p. 167, grifo do autor). Com o passar do tempo, todavia, os costumes foram evoluindo, e as uniões extramatrimoniais acabaram sendo aceitas e reconhecidas pela sociedade, momento em que uma nova dimensão à concepção de família surgiu. As uniões de fato entre homem e mulher foram reconhecidas e intituladas união estável; além disso, a Constituição de 1988 as recepcionou, e passaram a ser reconhecidas como entidade familiar (DIAS, 2011).

Hodiernamente o sistema jurídico brasileiro reconhece quatro espécies de família: a matrimonial, a monoparental, a união estável e a família substituta (VIANNA, 2011).

A família matrimonial é o modelo tradicional e único existente até 1988. Ela se constitui por intermédio do casamento, que se dá por atos solenes e formais, e os nubentes ingressam espontaneamente.

A família monoparental é aquela formada por um dos genitores e seus descentes. Esta modalidade foi reconhecida pela Constituição, em seu artigo 226, §4º, como entidade familiar:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (…)

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

A união estável é uma união formada entre homem e mulher, sendo ela pública, contínua e duradoura,2 não havendo necessidade de qualquer ritualística ou solenidade, também não precisa ser oficializada pelo Estado, tampouco registrada em órgão público (opcional). Ela foi reconhecida expressamente pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3º, como entidade familiar.

2 Código Civil, artigo 1.723: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,

configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

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A família substituta é aquela que vem substituir temporária ou permanentemente a família natural da criança ou do adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente elenca três formas para se efetuar a colocação em família substituta em seu artigo 28: a tutela, a guarda e a adoção.

Roberta Carvalho Vianna (2011) apresenta quatro novas espécies de famílias: a anaparental, a pluriparental, a eudemonista e a homoafetiva.

A família anaparental é constituída pelo convívio entre parentes, e não possui vínculo de ascendência ou descendência. O Projeto do estatuto das famílias dispõe, no seu artigo 69, que: “As famílias parentais se constituem entre pessoas que têm relação de parentesco ou mantêm comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar”. Dito isso, entende-se que nesta configuração familiar há ausência dos genitores.

A família pluriparental ou mosaico, por sua vez, é formada após o desfazer de relações afetivas pretéritas, ou seja, é a reconstrução e recomposição do arranjo familiar formado por casais egressos de casamentos, uniões anteriores e até mesmo viuvez, no qual um ou ambos de seus integrantes levam para a família filhos gerados em relações prévias e, muitas vezes, têm filhos em comum (DIAS, 2011). Essa modalidade familiar é totalmente aceita pela sociedade, tendo em vista que o divórcio, a separação e a dissolução de união estável tornaram-se comuns e crescentes no atual cenário social.

Já a família eudemonista “diz respeito à família que busca a realização plena de seus membros, constituindo-se pela comunhão de afeto recíproco, consideração e o respeito mútuo entre seus membros, independente do vínculo biológico” (VIANNA, 2011, p. 524). Do mesmo modo, Dias (2011) ensina que o eudemonismo é a doutrina que coloca em evidência o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade, e ressalta que a afetividade é o elemento constitutivo dos vínculos interpessoais e que o afeto entre as pessoas organiza e orienta o seu desenvolvimento.

Por fim, a família homoafetiva é formada pela união de pessoas do mesmo sexo. Não é reconhecida como família pela Constituição Federal, tampouco foi regulamentada pelo Código Civil, entretanto o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento e reconheceu essa união como família (VIANNA, 2011), conforme ementa:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE

REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE

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RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme a Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. [...] INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme a Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219-01 PP-00212, BRASIL, 2018). É importante destacar que a Lei Maria da Penha3 incorporou o conceito legal de família, pois, além de inserir no ordenamento jurídico as uniões homoafetivas, também consagrou “no âmbito infraconstitucional, a ideia de que a família não é constituída por imposição de lei, mas sim por vontade dos seus próprios membros” (DIAS, 2011, p. 209).

Diante do exposto, percebe-se que, diferentemente da formação familiar na Antiguidade, o que une os membros da família contemporânea é o afeto. Da mesma forma como o afeto passou a ser o motivo das uniões e formação da família, no entanto, sua ausência resulta em cisão dos casais. Os modos de ruptura da união entre casais serão analisados na próxima seção.

1.2 Separação, divórcio e dissolução de união estável

A partir do estudo das fases históricas da família, foi demonstrado que as transformações sociais foram progressistas e significativas no que diz respeito à formação da família por intermédio do casamento. Inicialmente o afeto era desconsiderado para a constituição da família e, posteriormente, passou a ser o motivo das uniões; além disso, o divórcio, que não era aceito pela sociedade antidivorcista, passou a ser e também foi legitimado. Diante disso, nesta seção será analisada a separação, o divórcio e a dissolução da união estável, e, também, a historicidade e aspectos legais de cada um no ordenamento jurídico.

3 Lei Maria da Penha, artigo 5º, parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de

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A dissolução do casamento foi legalmente tratada de diversas formas no cenário jurídico brasileiro. Inicialmente, o “decreto n. 181, de 1890, que instituiu o casamento civil no Brasil, previa o divórcio a thoro et mensa (divórcio canônico), que acarretava somente a separação de corpos, mas não rompia o vínculo matrimonial”, segundo esclarece Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 203).

A dissolução da sociedade conjugal passou a ocorrer – também sem extinção do vínculo matrimonial –, pelo desquite –, o que corresponde à separação judicial. Este termo foi empregado no artigo 315, inciso III, do antigo Código Civil de 1916. O desquite ocorria mediante a separação de corpos e bens dos desquitandos. Neste período não havia possibilidade jurídica de contrair formalmente novas núpcias, o que gerava “famílias clandestinas”, alvo de preconceito e rejeição social (GANGLIANO; FILHO, 2013).

Com a ideia de indissolubilidade ainda presente – herdada da concepção cristã – na década de 30, a resistência ao divórcio foi positivada na Constituição de 1934,4 o que perdurou até a penúltima Constituição Federal (GANGLIANO; FILHO, 2013).

A indissolubilidade do vínculo matrimonial foi suprimida pela aprovação da Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977, dando nova redação ao §1º do artigo 175 da Constituição Federal de 1969, dispondo que: “§1º O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos.” Tem-se, portanto, que o divórcio não era direto, e tinha como pré-requisito a separação judicial por mais de três anos.

Esclarece-se que o desquite seguiu positivado até ser sancionada a famosa Lei do Divórcio, em 26 de dezembro de 1977, que alterou a nomenclatura para separação.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu bojo, a redução do tempo de prévia separação para conversão em divórcio, conforme dispõe o §6º do artigo 226: “§6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

4 Constituição Federal de 1934:

“Art. 144. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.

Parágrafo único: A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso exofficio, com efeito suspensivo”.

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Destarte, a Constituição inovou criando a possibilidade de divórcio direto, após comprovação da separação de fato por mais de dois anos. Gonçalves (2012) afirma que “a separação judicial passou a ser facultativa, uma vez que os cônjuges poderiam optar pelo divórcio direto, comprovando a separação de fato por mais de dois anos” (p. 203). Referente à separação judicial, esta tinha o condão de ser convertida em divórcio após um ano de separação judicial, possibilitando a reconciliação do casal antes da conversão em divórcio (GONÇALVES, 2012).

Em 2007 ocorreu nova mudança no ordenamento jurídico em relação à separação e ao divórcio com a entrada em vigor da Lei n° 11.441/07. Foram inseridas na legislação as espécies administrativas dos institutos, possibilitando-se o divórcio cartorário – extrajudicial – nos casos de a extinção do vínculo matrimonial ser consensual e houver o preenchimento certos requisitos. O artigo 3º da referida lei inseriu no Código de Processo Civil de 1973 o artigo 1.124-A, que dispõe sobre os requisitos para a realização de divórcio em cartório:

Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.

§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

§ 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.

A Lei n° 11.441/2007 permitiu que qualquer cidadão formalizasse divórcio, separação, inventário e partilha em cartório, no caso de não haver interesse de filhos incapazes e a realização se der de forma consensual sem a presença de um juiz.

A Emenda Constitucional n. 66/2010 veio para facilitar o acesso ao divórcio e minimizar a burocracia no seu processo. Assim, a parte final do §6º do artigo 226 da Constituição foi suprimida, desconsiderando a separação judicial, inclusive como pré-requisito voluntário para a conversão ao divórcio. Após esta emenda, o artigo 226 §6º, da Constituição Federal de 1988, passou a ter a seguinte redação: “§6º o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Atualmente os casais podem dispor da ruptura do vínculo conjugal a qualquer tempo, sem a prévia separação, considerando que o divórcio tornou-se um procedimento simples e rápido, podendo, até mesmo, ser realizado por escritura pública, desde que observados os

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requisitos estabelecidos no Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 733 e parágrafos, quais sejam: ser consensual, não haver nascituro ou filhos incapazes e estarem assistidos por advogado ou defensor público.

Além do divórcio por escritura pública, também chamado de divórcio administrativo, há também o divórcio judicial consensual, este utilizado quando o casal não preenche os requisitos para o divórcio administrativo, e o divórcio judicial litigioso.

Quanto à separação, esta permanece vigente no ordenamento jurídico, pois, segundo o artigo 1.571 do Código Civil, é uma das formas de término da sociedade conjugal, não se extinguindo o vínculo matrimonial. Neto (2018) explica que “a sociedade conjugal significa o convívio, os deveres entre os cônjuges, já o vínculo matrimonial seria o casamento válido propriamente dito, sendo o vínculo matrimonial um instituto maior que a sociedade conjugal”.

A separação pode ser judicial e de fato, considerando que, em ambas, os cônjuges não podem contrair novas núpcias em decorrência de não ter sido rompido o vínculo matrimonial. Ela é ajuizada por um cônjuge contra o outro. Se o réu consentir com o pedido, a separação é convertida em separação consensual. A separação de fato resulta da não conjunção carnal entre cônjuges, sem intervenção judicial, sendo “um casamento sem comunhão de vidas, um elo de direito, sem vinculação fática [...]” (ALVIM, 1995, p. 209).

Muito discutiu-se se a Emenda Constitucional n. 66/2010 havia revogado ou não a separação. A celeuma foi resolvida após decisão do STJ, uma vez que o entendimento da relatora, ministra Isabel Gallotti, da 4ª Turma, em julgamento de recurso especial, foi de que a Emenda apenas suprimiu o requisito temporal e o sistema bifásico para que o casamento possa ser dissolvido pelo divórcio. Segue a ementa:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/10. DIVÓRCIO DIRETO. SEPARAÇÃO JUDICIAL. SUBSISTÊNCIA.

1. A separação é modalidade de extinção da sociedade conjugal, pondo fim aos deveres de coabitação e fidelidade, bem como ao regime de bens, podendo, todavia, ser revertida a qualquer momento pelos cônjuges (Código Civil, arts. 1.571, III e 1.577). O divórcio, por outro lado, é forma de dissolução do vínculo conjugal e extingue o casamento, permitindo que os ex-cônjuges celebrem novo matrimônio (Código Civil, arts. 1571, IV e 1.580). São institutos diversos, com conseqüências e regramentos jurídicos distintos. 2. A Emenda Constitucional n° 66/2010 não revogou os artigos do Código Civil que tratam da separação judicial.

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(REsp 1247098/MS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 16/05/20171. BRASIL, 2018)

Torna-se visível que atualmente a separação caiu em desuso, posto que os casais optam pelo divórcio direto.

No que respeita à união estável, não era reconhecida pelo Código Civil de 1916 como forma de constituição familiar. A Constituição Federal de 1988 inovou o conceito de família, recepcionando, em seu bojo, a união estável como entidade familiar, protegida pelo Estado, conforme dispõe o artigo 226, § 3º da Constituição Federal: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

A união estável pode ser dissolvida por duas formas: a judicial e a extrajudicial. Na primeira, ajuíza-se uma ação de dissolução de união estável que será decretada pelo Judiciário; na segunda, a dissolução poderá ser feita no Cartório de Notas, momento em que será lavrada escritura pública de dissolução de união estável, caso seja consensual e os companheiros não possuam filhos incapazes, isso sem a necessidade do amparo do Poder Judiciário, mas com a presença obrigatória de um advogado ou defensor público.

A sociedade já não é mais antidivorcista. Ao haver quebra do vínculo amoroso, esta resulta em separação do casal. Assim sendo, pode-se afirmar que a lógica do consumo tem gotejado nas relações humanas da atualidade, posto que casais, após terem dividido momentos de felicidade e satisfação, decidem enfrentar o ritual da separação – até mesmo reiteradamente –, tendo em vista que o relacionamento prévio se tornou insustentável por diversas variáveis – cessando a harmonia, o afeto e o prazer da convivência –, e, com isso, vão em busca de outros relacionamentos que proporcionem aquilo que foi perdido no anterior. Na próxima seção serão apresentadas as concepções do sociólogo Zygmunt Bauman (2001) acerca da modernidade líquida, na tentativa de se compreender porque o divórcio vem crescendo desde a sua positivação no sistema jurídico.

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“Felizes para sempre” e “até que a morte nos separe”, são afirmações antagônicas ao noticiado na mídia, posto que a informação é a de que o número de divórcio no Brasil tem crescido (VEJA, 2018).

Os laços afetivos se rompem e o amor chega ao fim. Então, por que continuar com o cônjuge ou companheiro se é possível buscar felicidade e realização afetiva em outro relacionamento?

A cultura divorcista é crescente e está instalada na sociedade, conforme verifica-se nos dados estatísticos do registro civil representados pelo Gráfico a seguir:

Gráfico 1 – Dados estatísticos – Divórcios X Casamentos – 1984-2016

Fonte: INSTITUTO...,2018.

Os números mostram5 que, desde o ano de 1984 – início das pesquisas – até 2016, houve uma escalada de 1.300% (aproximadamente) no número de divórcios, enquanto o número de casamentos teve um aumento de apenas 22,22% (mais ou menos). Isso significa que, a partir do ano de 1977, quando a Lei do Divórcio foi sancionada, o rompimento dos casamento cresceu muito e, paulatinamente, passou a ser aceito pela sociedade, tornando-se um evento comum da sociedade pós-moderna.

A crescente dissolução de uniões pode ser entendida a partir da interpretação dos pensamentos do sociólogo Zygmunt Bauman para esse comportamento humano. Na sua visão, a sociedade atual é líquida e sucessora da sociedade sólida.

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Segundo Bauman (2008, p. 43), a sociedade sólida é entendida como sociedade de produtores, uma vez que nesta era de sociedade sólido-moderna “a satisfação parecia de fato residir, acima de tudo, na promessa de segurança a longo prazo, não no desfrute imediato de prazeres”.

Já a sociedade líquida é entendida como sociedade de consumidores. Esta sociedade transferiu a lógica das relações de consumo – mercadoria e consumidor – para as relações humanas. Nas palavras de Bauman (2008, p. 19), a “sociedade de consumidores se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e à semelhança, das relações entre os consumidores e os objetos de consumo.” Nessa sociedade há predomínio da incerteza e insegurança, posto que,

A condição efêmera da vida líquida torna-se aparente nas mudanças bruscas e constantes que o indivíduo precisa acompanhar e que, muitas vezes, o tornam inseguro frente a tais desafios. Percebemos isso, claramente, na rapidez com que as coisas ocorrem e se transformam nesse modelo de sociedade; apegar-se ao passado e a suas experiências torna-apegar-se totalmente inviável para esapegar-se estilo de vida, que se reinicia constantemente [...] (MASHIBA; ZENNI, 2017, p. 230).

Na sociedade contemporânea líquida fica em evidência a fluidez, a decadência do planejamento a longo prazo, a transitoriedade e, principalmente, a fragilidade dos laços humanos.

A obsolescência programada é uma característica do mercado capitalista, uma vez que os produtos são substituídos instantaneamente por modelos atualizados e com funções adicionais que apetecem o consumidor. A troca é efetuada mesmo estando o produto ultrapassado ainda em boas condições de uso, em razão de estar na moda, ser novo ou pela promessa de trazer bem-estar, realização e alegria. Assim, a relação do consumidor com a mercadoria se assemelha às relações entre casais, pois, ao encontrar dificuldades, insatisfação, desarmonia e desentendimento no relacionamento, este é logo desfeito, buscando-se, então, pessoas mais interessantes e atraentes que proporcionem felicidade e satisfação pessoal.

Esse comportamento de compra e descarte ou, no caso das relações conjugais e de companheirismo, união e separação – por vezes de forma reiterada –, é observado na música Mais um Adeus, de Vinicius de Morais (2018):

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Uma separação Outra vez, solidão Outra vez, sofrimento Mais um adeus Que não pode esperar O amor é uma agonia Vem de noite, vai de dia É uma alegria

E de repente

Uma vontade de chorar [...]

A partir do exposto, o que se percebe é a banalização das relações amorosas, ou seja, uma profunda inconstância, em que os casais não conseguem resolver o problema criado por eles mesmos e acreditam que o caminho mais fácil é dissolver a união, considerando que, por vezes, o diálogo tornou-se impossível pelas mais diversas variáveis que existem num relacionamento a dois. Assim, dissolve-se a união e parte-se para outro relacionamento.

A passagem pelo processo de dissolução de união pode gerar dor, sofrimento, intensificar sentimento de mágoa e, por vezes, tornar inviável o diálogo. Desse modo, por envolver sentimentos complexos, merece tratamento diferenciado.

Considerando isso, após a tentativa de buscar compreender o porquê de os dados estatísticos fornecidos pelo IBGE indicarem crescimento no número de divórcios em relação ao número de casamentos, no próximo capítulo será analisado como o instituto da mediação pode suscitar soluções pontuais e amigáveis para as divergências geradas no processo de divórcio e dissolução de união estável.

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2 A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO FACILITADOR DO DIÁLOGO

No capítulo anterior foram apresentadas, dentre outros pontos, as mudanças ocorridas nas famílias ao longo dos anos, assim como o histórico da positivação e desburocratização do divórcio e a dissolução de união estável na legislação brasileira. O divórcio, a separação e a dissolução de união estável fazem parte das transformações sociais; são eventos comuns na sociedade hodierna, e um dos motivos pode se dar pelo fato de o casal não mais nutrir o amor, afinal, como dispõe o livro de Provérbios, “Sem lenha o fogo se apaga […]” (BÍBLIA SAGRADA, 2015, p. 613), ou por outros diversos motivos, levando-se em conta a questão das relações líquidas, trabalhada na última sessão do capítulo anterior.

A ruptura do casal gera distanciamento afetivo, físico, conflitos emocionais (ressentimento, mágoa, ódio...) e relacionais, além de o diálogo tornar-se inviável, e é neste cenário que se faz necessário o instituto da mediação, uma vez que é um meio alternativo de resolução de conflitos, não adversarial, em que o casal protagoniza a resolução do litígio, não precisando levar ao processo os problemas do casamento e da união estável, somente as soluções (CEZAR-FERREIRA, 2011) e, além disso, também prepara o ex-casal para possíveis divergências no futuro, como, por exemplo, a discussão sobre a escola dos filhos, os dias de visitação do pai ou da mãe, as férias escolares, dentre outros.

Assim, neste capítulo será examinado o instituto da mediação como caminho seguro para resgatar a urbanidade e restabelecer o diálogo, tendo em vista que a passagem pelo processo de ruptura do relacionamento a dois merece tratamento diferenciado, pois abarca sentimentos complexos e, em havendo descendentes, refletindo nestes.

Para tanto, será examinada a questão do estímulo à autocomposição pelo Código de Processo Civil, alguns aspectos da mediação, como os princípios que a regem, assim como características do mediador; explanar-se-á brevemente sobre o Provimento 67, de março de 2018; em seguida serão mostradas as diferenças entre mediação, conciliação e arbitragem; e, por fim, será trabalhado o instituto da mediação nas ações de família, em especial divórcio, separação e dissolução de união estável, à luz da legislação brasileira vigente.

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2.1 Aspectos da mediação

A Resolução n. 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi criada com o intuito de normatizar o tratamento de conflitos por vias não adversariais, por meio da aplicação de políticas públicas de pacificação social, sendo a mediação uma política pública que passou a ser regulada pelo anexo 3 da referida Resolução, pelo Código de Processo Civil de 2015 e, por fim, pela Lei de Medição n. 13.140/2015.

Na análise do Código de Processo Civil de 2015 percebe-se que outras práticas foram adotadas em razão da nova visão do legislador, qual seja: a visão não adversarial ou consensual na disputa judicial. Assim, pode se depreender a instalação de nova cultura: o estímulo à autocomposição, à mediação, à conciliação e à arbitragem.

Essa concepção leva as partes a se preocupar com o futuro da relação em questão, ou seja, em cumprir o entabulado no acordo, em refletir sobre possíveis saídas que possam gerar benefício mútuo, quando a solução da disputa é construída em conjunto sem levar em consideração quem está certo ou errado e de forma colaborativa (CONSELHO..., 2018).

Neste sentido, sobre estímulo aos meios consensuais, Fernanda Tartuce (2018a) afirma que os números apontam 39 dispositivos do Código de Processo Civil em que a mediação é citada, “[...] a conciliação aparece em 37, a autocomposição é referida em 20 e a solução consensual consta em 7, o que totaliza 107 previsões”. A exemplo, tem-se os artigos 3º, § 3, 139, inciso V e 3, §§ 1º e 5º.

A palavra mediação vem do latim mediare, que significa mediar, intervir, dividir ao meio. O termo mediação tem como significado centro, meio, e nos leva à ideia de um terceiro elemento, que se encontra entre as duas partes; por isso, o instituto da mediação é um processo por intermédio do qual um terceiro – mediador – intervém no conflito, não para dar uma solução, como o juiz, por exemplo, mas para facilitar o diálogo, para que as próprias partes desenvolvam a solução, chegando a um consenso, de modo a resgatar laços afetuosos entre os envolvidos no conflito (SPENGLER, 2016).

A mediação é norteada por sete princípios dispostos no Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 166, sendo eles: princípio da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. Fredie Didier Jr. (2017, p. 310) comenta sobre cada um dos princípios:

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A independência rege a atuação do mediador e do conciliador, que têm o dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento [...]

A imparcialidade é, realmente, indispensável em um processo de mediação ou conciliação. Mediador e conciliador não podem ter qualquer espécie de interesse no conflito. Trata-se de um reflexo do princípio da impessoalidade, próprio da administração pública (art. 37, caput, CF/1988). A aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar um ambiente favorável à autocomposição, não ofende o dever de imparcialidade (art. 166, § 3º, CPC) [...]

O princípio do autorregramento da vontade é, como se sabe, corolário da liberdade. Na mediação e na conciliação, é um pressuposto e, ao mesmo tempo, a sua própria razão de ser: tudo é pensado para que as partes definam a melhor solução para o seu problema jurídico. O respeito à vontade das parte é absolutamente fundamental, podendo ser considerado, aliás, o princípio mais importante no particular. O mediador e o conciliador estão, por isso, proibidos de constranger os interessados à autocomposição. [...]

A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas ao longo do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes (art. 166, §1º, CPC). Mediador e conciliador têm, assim, o dever de sigilo profissional. Ambos, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou mediação (art. 166, § 2º, CPC). [...] A oralidade e a informalidade orientam a mediação e conciliação. Ambas dão a este processo mais “leveza”, sem o ritual e a simbologia próprios da atuação jurisdicional. Mediador e conciliador devem comunicar-se em linguagem simples e acessível e não devem usar nenhum tipo de roupa solene (veste talar, toga, etc.). É conveniente que a negociação se realize em ambiente tranquilo, se possível sem barulho, em mesa redonda e com as paredes pintadas com cor clara. Todos são aspectos cênicos importantes, pois permitem um diálogo mais fraco, reforçando a oralidade e a informalidade.

Em outras palavras, o princípio da imparcialidade indica que o mediador deve atuar sem tomar partido ante os litigantes na sessão de mediação, não privilegiando nenhuma das partes em detrimento de outra, dentro do espaço de autocomposição. Fabiana Marion Spengler (2017, p. 147) lembra que:

[...] não se trata de uma imparcialidade fria, significa sim ter “atenção para não embarcar aqueles que pediram uma mediação em um barco de sentimentalismo”. Assim, o mediador ou conciliador deve estabelecer um terceiro espaço, ser ele mesmo este espaço intermediário [...] e que não seja outra coisa além de um mediador/conciliador: um advogado, por exemplo, ou um psicoterapeuta. Ainda sobre a imparcialidade, evidencia-se que aos mediadores se aplicam os mesmos motivos de impedimento e suspeição aplicados aos magistrados, posto que o artigo 144 do Código de Processo Civil trata do impedimento e o artigo 145 do referido código trata da suspeição.

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Entende-se que o princípio da autonomia da vontade sinaliza o dever de respeitar os mais diversos pontos de vista dos envolvidos, de modo que as partes sintam-se à vontade para colocar suas ideais, sentimentos e interesses sem sentirem-se julgadas, além de assegurar que os interessados decidam sobre os rumos de seu destino. Tal princípio garante também que os litigantes podem, a qualquer momento, suspender ou interromper esse processo de interação qualificada. Ainda, este princípio indica que as partes não terão a obrigação de fazer acordo, conforme assegura o artigo 2º, § 2º, da Lei n. 13.140/2015: “Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação.”

O princípio da confidencialidade é o dever de que todos possuem em relação a todas as informações obtidas durante o procedimento de mediação. Com isso, as partes, os mediadores e os advogados devem observar tal princípio, o qual propicia às partes liberdade de colocar os reais motivos que desencadearam o conflito, sem a possibilidade de ser informado no processo, oportunizando, assim, a construção de uma solução para a contenda.

Sinala-se algumas importantes exceções face ao princípio da confidencialidade. A primeira diz respeito à administração pública, no sentido de que não pode ser utilizada para burlar o Fisco, ou seja, para que as partes deixem de prestar as informações tributárias ao Fisco, conforme artigo 30, §4º, da Lei n. 13.140/2015:

A regra da confidencialidade não afasta o dever de as pessoas discriminadas no caput prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas nos termos do art. 198 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

A segunda exceção é que as partes podem dispor desse princípio em relação as suas próprias informações, nos termos do artigo 31 da Lei n. 13.140/2015: “Será confidencial a informação prestada por uma parte em sessão privada, não podendo o mediador revelá-la às demais, exceto se expressamente autorizado.”

Já a terceira exceção o art. 30, § 3º, da Lei n. 13.140/2015, dispõem que “Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação pública.”

Em relação ao princípio da oralidade e informalidade, ambos trazem “elasticidade” para a sessão de mediação, ou seja, aproximam as partes, oportunizando-as a debaterem, expressarem seus

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sentimentos e levantarem em conjunto uma solução razoável, resolvendo, então, o litígio. Assim, com a ausência do formalismo procedimental, oportuniza-se a agilidade no andamento do processo.

Os princípios não foram esgotados, posto que a Lei nº 13.140/2015, que trata da mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, em seu artigo 2º, acrescentou ao rol do artigo 166 do Código de Processo Civil mais três princípios que regem a mediação: isonomia entre as partes, busca do consenso e boa-fé.

Renato Montans de Sá (2016) leciona que a isonomia está garantida na CF/88 em seu artigo 5º, caput, o qual dispõe que todos são iguais perante a lei. Tal regra também está positivada nos artigos 7º e 139, I, do Código de Processo Civil, e informa ao juiz para que assegure tratamento igual aos litigantes.

Quanto ao princípio da busca do consenso, este “[...] é a própria razão de ser da atividade de mediação, sendo a direção para onde todos os esforços dever ser apontados” (DIDIER JR., 2017, p. 313). Em relação ao princípio da boa-fé, tem-se que as partes devem agir sem interesses escusos, e expor com transparência as questões conflituosas, elaborando soluções de forma mútua.

O mediador “[...] é um facilitador da comunicação entre as partes que se opõem [...]” (CEZAR-FERREIRA, 2011, p. 154), sendo um terceiro imparcial, e possui papel secundário, considerando que quem protagoniza a sessão de mediação são os litigantes; “ele não pode unilateralmente obrigar as pessoas a resolverem a contenda ou impor decisão” (SPENGLER, 2017, p. 30).

Assim, o mediador deve ser neutro, ter habilidade de comunicação, ser humanista, ser estrategista, ter visão global do conflito para que, com destreza, conduza a uma negociação satisfatória para ambas as partes, ter inteligência emocional para não se envolver com as partes e saber interagir com todo o tipo de pessoa nos mais variados conflitos, sempre tratando de forma equânime os envolvidos; tudo isso estimulará sentimento de confiança das partes para com nele (LEITE; PEREIRA, 2018).

Neste sentido, Azevedo (apud SPENGLER, 2017, p. 31) aborda algumas características que o mediador deve possuir, quais sejam:

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a) Capacidade de aplicar diferentes técnicas autocompositivas de acordo com a necessidade de cada disputa;

b) Capacidade de escutar a exposição de uma pessoa com atenção, utilizando de determinadas técnicas de escuta ativa (ou escuta dinâmica);

c) Capacidade de inspirar respeito e confiança no processo;

d) Capacidade de administrar situações em que os ânimos estejam acirrados; e) Estimular as partes a desenvolverem soluções criativas que permitam a compatibilização dos interesses aparentemente contrapostos;

f) Examinar os fatos sob uma nova ótica para afastar perspectivas judicantes ou substituí-las por perspectivas conciliatórias;

g) Motivar todos os envolvidos para que, prospectivamente, resolvam as questões sem atribuição de culpa;

h) Estimular o desenvolvimento de condições de eventuais impasses;

i) Abordar com imparcialidade além das questões juridicamente tuteladas, todas e quaisquer questões que estejam influenciando a relação (social) das partes.

O mediador, deve, então, por meio de coleta de informações sobre o problema, na escuta ativa, entender a razão da discórdia e levar as partes ao reconhecimento do fato gerador do conflito e às opções de resolução, sem brigas ou acusações, momento em que ambas as partes abrem mão de determinadas exigências para solucionar o litígio, e em que a empatia pelo outro pode vir a ser restaurada.

O artigo 11 da Lei n. 13.140 (Lei de Mediação) dispõe que para atuar como mediador judicial é preciso ser graduado, há pelo menos dois anos, em qualquer área de formação. Tal requisito não se aplica ao conciliador, que pode, inclusive, atuar antes de colar grau em Ensino Superior. Tanto o mediador judicial quanto o conciliador, entretanto, estão obrigados a realizar capacitação por meio de curso oferecido pelos tribunais ou por entidades formadoras reconhecidas pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). Ainda, a Resolução 125/2010 dispõe sobre Código de Ética e sobre regras que regulamentam o procedimento de mediação e conciliação.

A inovação do momento é que mediação e conciliação não é mais atividade exclusiva do Poder Judiciário, pois o CNJ autorizou, por meio do Provimento 67, de março do corrente ano, os cartórios extrajudiciais do Brasil a oferecerem estes serviços. De acordo com o referido Provimento da Corregedoria Nacional de Justiça, os cartórios deverão atuar dentro da área em que têm especialidade e sob fiscalização das corregedorias-gerais de justiça e do juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da jurisdição a que estejam vinculados os serviços notariais e de registro.

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Segundo o Provimento 67, direitos disponíveis e indisponíveis que admitam transação poderão ser objeto de conciliação e mediação, podendo versar sobre todo o conflito ou parte dele. Em se tratando de direitos indisponíveis, mas transigíveis, o acordo entabulado deverá ser homologado em juízo, na forma do artigo 725, VIII, do Código de Processo Civil e do artigo 3º, §2º, da Lei n. 13.140/2015, sendo este procedimento de jurisdição voluntária.6 Ressalta-se que cabe ao cartório encaminhar ao juízo o termo de conciliação ou de mediação, assim como os documentos que instruíram o procedimento, e, após homologação, deverá entregar às partes. Os requisitos do requerimento para a realização da conciliação ou da mediação são a qualificação do requerente e do requerido, a indicação de meio idôneo de notificação da outra parte, breve relato do conflito e, obtendo proposta de acordo, descrevê-la, e, por fim, demais informações relevantes.

Em havendo acordo, será lavrado o termo, momento em que as partes assinarão a última folha, rubricando as demais. Findo o procedimento, o termo será arquivado no livro de conciliação e mediação.

Por fim, os cartórios deverão manter espaço reservado em suas dependências para a realização das sessões de mediação e conciliação.

2.2 Distinção entre mediação, conciliação e arbitragem

O Código de Processo Civil de 2015 não conceitua mediação e conciliação, entretanto, estabelece uma distinção entre ambas. O artigo 165, §3º, estabelece que o mediador deve atuar preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, e o referido parágrafo vai além, pois esclarece que ao mediador cabe auxiliar os interessados a compreender questões e os interesses em conflito, para que os próprios envolvidos passem a restabelecer a comunicação e a identificar, por si próprios, soluções consensuais que beneficiem todos os envolvidos.

O §2º do referido artigo 165 estabelece que o conciliador deve atuar preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, uma vez que a ele é permitido

6 Para DIDIER JR. (2017, p. 209), “jurisdição voluntária é uma atividade estatal de integração e fiscalização.

Busca-se do Poder Judiciário a integração da vontade, para torná-la apta a produzir determinada situação jurídica.”

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sugestionar soluções para o deslinde do litígio, porém, é proibido constranger ou intimidar as partes visando à conciliação.

O Manual de Mediação Judicial do CNJ (CONSELHO..., 2018, p. 20) expõe que a mediação é “como uma negociação facilitada [...] por um terceiro”, ainda, que é um processo autocompositivo em que os litigantes são auxiliados pelo mediador, que é um terceiro neutro no conflito, com o objetivo de chegar a uma composição (CONSELHO..., 2018).

Spengler (2016) ensina que a mediação não é uma prática invasora, dominadora, que não aceita, inclusive, gestos de dominação; ela evidencia a busca pelo respeito e reconhece o espaço do outro.

Como, portanto, disciplina o Código de Processo Civil, de fato a mediação é a opção cabível para litígios em que que os envolvidos possuíam vínculo anterior à celeuma conflituosa.

Quanto ao instituto da conciliação, Spengler (2016, p. 168) afirma que “o objetivo é o acordo, ou seja, as partes mesmo adversárias, devem chegar a um acordo [...] para pôr um ponto final” no processo judicial. Diferente do mediador, o conciliador sugere propostas, interfere, aconselha e leva as partes a firmar acordo.

Na conciliação o conflito não é profundo. Nela, o resultado do acordo pode ser parcialmente satisfatório e gerar descontentamento apesar de, em tese, solucionado; afinal, uma das partes pode ter cedido mais do que a outra para que fosse possível. Já na mediação, ao haver acordo, este resulta em satisfação total, pois foi trabalhado o âmago do problema, e de forma consensual as partes buscaram pelo deslinde da questão controversa (SOUZA; COSTA, 2017), construindo juntas a solução que contemplasse seus direitos e deveres.

O Manual de Mediação Judicial do CNJ (CONSELHO..., 2018, 21-22) sintetiza, de forma pontual, as diferenças entre mediação e conciliação:

i) a mediação visaria à “resolução do conflito” enquanto a conciliação buscaria apenas o acordo; ii) a mediação visaria à restauração da relação social subjacente ao caso enquanto a conciliação buscaria o fim do litígio; iii) a mediação partiria de uma abordagem de estímulo (ou facilitação) do entendimento enquanto a conciliação permitiria a sugestão de uma proposta de acordo pelo conciliador; iv) a mediação seria, em regra, mais demorada e envolveria diversas sessões enquanto a conciliação seria um processo mais breve com apenas uma sessão; v) a mediação seria voltada às pessoas e teria o cunho preponderantemente subjetivo enquanto a conciliação seria voltada aos fatos e direitos e com enfoque essencialmente objetivo; vi) a mediação

Referências

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