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Sexualidade masculina em contexto prisional

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Academic year: 2021

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SEXUALIDADE MASCULINA EM CONTEXTO PRISIONAL

Oberdan Pereira

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

ÁREA DE CONHECIMENTO DAS HUMANIDADES CURSO DE PSICOLOGIA

SEXUALIDADE MASCULINA EM CONTEXTO PRISIONAL

Trabalho apresentado como requisito parcial para Conclusão de Curso de Graduação em Psicologia, sob orientação da Profa. Dra. Tânia Maria Cemin.

Oberdan Pereira

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AGRADECIMENTOS

Com o término deste trabalho, conclui-se mais uma etapa da caminhada que se iniciou em agosto de 2014, minha primeira formação em Psicologia. Primeira, pois fica clara a necessidade de pesquisa e atualização constante, nossos sonhos nunca se realizam completamente, eles escapam de nossas mãos e se transformam, nos levam sempre a uma nova etapa, a um novo processo, a uma nova busca.

Pela caminhada ao meu lado, agradeço meus familiares: agradeço ao meu pai Modesto, a minha mãe Noemi e aos meus irmãos Gilvan e Daiane, que aceitaram as minhas ausências, suportaram minha ansiedade e me auxiliaram de todas as maneiras possíveis nesse processo. Ao meu namorado, Leonardo, que há oito anos está junto de mim, sendo uma das pessoas que mais me incentivam a fazer o meu melhor. Agradeço também as minhas amigas - Tatiane, Deise, Flaviany e Cristiane - que, mais do que nunca, souberam me aconselhar e me acalmar durante a construção deste trabalho.

Agradeço à minha orientadora - a professora e psicóloga Tânia - que com o seu enorme conhecimento teórico e técnico, contribuiu para ampliar as minhas possibilidades de pesquisa e enriquecer as associações teóricas através das diversas análises e discussões que tivemos ao longo deste percurso - algumas que nem sequer couberam no trabalho final, mas que, certamente, estarão em mim ao longo de todo meu exercício profissional.

Também agradeço aos demais professores que me inspiraram ao longo do curso, pela pesquisa e compreensão da psicanálise, com destaque para as professoras: Lia Mara, Cláudia, Rosita e Olga, bem como outras que, mesmo estando em campos distintos à psicanálise, abriram os meus horizontes com perguntas não respondidas que elevaram meu interesse pela psicologia a exemplo da professora Cristina, que contribuiu com este trabalho através do seu pensamento crítico.

Concluo agradecendo a todas as pessoas que, de alguma forma, colaboraram para esse processo de formação - muitas que não vemos ou não lembramos - mas que fazem com que nossa caminhada se ilumine ou, ao menos, seja mais tranquila.

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Pai, afasta de mim esse cálice. Pai, afasta de mim esse cálice. Pai, afasta de mim esse cálice. De vinho tinto de sangue. Pai, afasta de mim esse cálice. Pai, afasta de mim esse cálice. Pai, afasta de mim esse cálice. De vinho tinto de sangue. Como beber dessa bebida amarga. Tragar a dor, engolir a labuta. Mesmo calada a boca, resta o peito. Silêncio na cidade não se escuta. De que me vale ser filho da santa. Melhor seria ser filho da outra. Outra realidade menos morta. Tanta mentira, tanta força bruta. Pai, afasta de mim esse cálice. Pai, afasta de mim esse cálice. Pai, afasta de mim esse cálice. De vinho tinto de sangue. Como é difícil acordar calado. Se na calada da noite eu me dano. Quero lançar um grito desumano. Que é uma maneira de ser escutado. Esse silêncio todo me atordoa. Atordoado eu permaneço atento. Na arquibancada pra a qualquer momento.Ver emergir o monstro da lagoa. Pai, afasta de mim esse cálice. Pai, afasta de mim esse cálice. Pai, afasta de mim esse cálice. De vinho tinto de sangue. De muito gorda a porca já não anda. De muito usada a faca já não corta. Como é difícil, pai, abrir a porta. Essa palavra presa na garganta. Esse pileque homérico no mundo. De que adianta ter boa vontade. Mesmo calado o peito, resta a cuca. Dos bêbados do centro da cidade. Pai, afasta de mim esse cálice. Pai, afasta de mim esse cálice. Pai, afasta de mim esse cálice. De vinho tinto de sangue. Talvez o mundo não seja pequeno. Nem seja a vida um fato consumado. Quero inventar o meu próprio pecado. Quero morrer do meu próprio veneno. Quero perder de vez tua cabeça. Minha cabeça perder teu juízo. Quero cheirar fumaça de óleo diesel. Me embriagar até que alguém me esqueça. (Chico Buarque)

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SUMÁRIO 1 RESUMO………...…….06 2 INTRODUÇÃO………..………07 3 OBJETIVOS………….………..10 3.1 Objetivo Geral………....10 3.2 Objetivos Específicos………...10 4 REVISÃO DA LITERATURA………...…...11

4.1 Sexualidade Masculina pelo viés Psicanalítico………..……11

4.2 Sistemas Prisionais………….………..…..17

4.3 Sexualidade em contextos de prisão………..….22

5 MÉTODO………...………....26 5.1 Fonte………...26 5.2 Delineamento………...27 5.3 Instrumento……….28 5.4 Procedimentos……….28 5.5 Referencial de Análise………....28 6 RESULTADOS………....30 7 DISCUSSÃO………...40 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS………...56 9 REFERÊNCIAS………...58

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Recortes e categorias de análise……….30

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RESUMO

A sexualidade humana é tema de grande relevância por ser entendida por diversos autores como inerente à vida, havendo repercussões em várias instâncias do convívio social, percebendo um interesse maior do assunto em meio a ambientes entendidos como controlados. Isso também acontece nos sistemas prisionais, sendo importante estudar as vivências sexuais nestes locais, suas semelhanças e diferenças em relação ao convívio social geral, ampliando a interpretação e a reflexão de alguns aspectos, que atravessam a sexualidade e a criminalidade. Assim, buscou-se estabelecer possíveis predisposições, às práticas sexuais entre homens ao longo do desenvolvimento e das vivências em contexto de cárcere, delineando o seguinte problema de pesquisa: Quais as possíveis expressões da sexualidade masculina em função de estar em um contexto prisional? Desta maneira, foram utilizadas algumas obras de Freud, Foucault, Goffman e diversos artigos científicos com publicações entre 2012 e 2018. Como método de pesquisa, os objetivos determinam a necessidade de um delineamento qualitativo, com caráter exploratório e interpretativo. Utilizou-se, como instrumento, a organização em tabela e nesta, apresentam-se os recortes dos trechos do livro, Estação Carandiru, e suas respectivas categorias: Envolvimento sexual, Caracterização dos Relacionamentos e Degradação dos Direitos Humanos. Essas categorias, foram analisadas e interpretadas a partir da revisão de literatura, promovendo algumas compreensões acerca da problemática abordada. Como discussão dos resultados, entende-se importante ressaltar que, se por um lado, as expressões sexuais são facilitadas no âmbito prisional - devido ao sistema de valores próprios existentes nesse contexto - por outro, existe uma tendência a um agravamento dos quadros de delinquência e criminalidade em decorrência da pouca ressocialização e recuperação destes indivíduos pelo estado.

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INTRODUÇÃO

Considera-se a sexualidade uma questão interessante a ser abordada, pois durante o curso houveram perguntas que merecem uma maior discussão, acerca do tema. Se faz interessante pensar no sujeito enquanto, tendo alguns comportamentos desencadeados a partir de situações específicas, como o exemplo, um sistema prisional. Tal associação de assuntos surgiu a partir de um curso de extensão no qual se discutia se a sexualidade poderia ser definida a partir de comportamentos isolados, observando a satisfação sexual isoladamente ou se esta se organiza ante uma totalidade, envolvendo outras instâncias. Pensa-se então, concepção de relações homossexuais frente a relações homoafetivas.

Em segunda instância, a escolha pela temática prisional ocorreu por acreditar ser um ambiente com relações complexas e um funcionamento social distinto aos padrões gerais, podendo colaborar com reflexões sobre a sexualidade. Neste sentido, fez-se importante a disciplina de Psicologia Institucional, pois instigou reflexões sobre as relações de poder, os impactos do aprisionamento e a convivência dos sujeitos.

Para compreender essas temáticas, entendeu-se como pertinente aprofundar o assunto pelo viés da teoria psicanalítica, o que se embasa a partir de disciplinas como: Fundamentos da Psicopatologia, Psicodiagnóstico e Psicologia e Psicoterapia Psicanalítica. Essas disciplinas, forneceram a base de alguns processos inconscientes, que se sucedem ao longo do desenvolvimento do indivíduo e que impactam em como este sujeito se comporta em dados momentos, em especial, no que tange a desejos relacionados à sexualidade. Assim, torna-se importante abordar esta temática, pois além de ser um campo de estudo psicológico, é uma temática que indiretamente atinge a maioria das pessoas, uma vez que a sexualidade impacta a todos nós de algum modo ao longo da vida.

Refletir acerca da sexualidade humana, bem como nos papéis que existem nas diferentes realidades sociais da contemporaneidade, inspiram pesquisas em relação ao que podem ser as experiências sexuais e culturais na atualidade. Nesse sentido, Duque (2017) considera que, historicamente, afirma-se a existência da diferença sexual entre o homem e a mulher, o que dá suporte a julgamentos de condutas, vindo a naturalizar e valorizar o que se entende por comportamentos esperados, masculinos ou femininos. Assim, ao pensar nos papéis existentes acerca das diferenças de gênero, é possível entender a sexualidade como uma prática que liberta, mas também aprisiona. Deste modo, no que diz respeito aos contextos sociais, se entende haver uma ligação com o sistema psíquico, conforme afirma Freud (1914/1969), ao tratar que qualquer novo avanço realizado pela libido reprimida é respondido por um novo aguçamento da interdição, sendo que, a inibição mútua de duas

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forças conflitantes produz uma necessidade de descarga, a fim de reduzir uma tensão predominante.

Mesmo em contextos considerados liberais da sociedade - por haverem expressivas quantidades de homossexuais - percebe-se tentativas de adequação a padrões esperados do ser homem, como entende Barreto (2018). O autor considera que, em alguns eventos direcionados ao público homossexual, não é tão relevante ser ativo ou passivo sexualmente, mas sim estar dentro dos padrões heteronormativos de comportamento, isto é, parecer masculino. Logo, pensa-se na valorização do masculino e não somente na aversão à homossexualidade.

Na atualidade, cogita-se haver indagações acerca da masculinidade, no que diz respeito ao modo como a sexualidade atravessa o lugar de homem que se tem na contemporaneidade. Sobre isso, Tavares (2012) enfatiza que nos escritos acerca do masculino ganham forma deslocamentos dos conteúdos sexuais, gerando como efeito a centralidade do cunho sexual nos modos de subjetivação da masculinidade. Assim, alguns discursos - especialmente em algumas revistas - contribuem para a concepção de masculinidade, compreendendo como necessário desconstruir estes escritos. Então, pensa-se conceituar um lugar de homem em falas menos amarradas a reproduções padronizadas do que é o esperado deste lugar pelo imaginário social.

Vive-se em uma sociedade agressiva e desigual - não somente no campo de gênero e sexualidade - sendo que, em algumas falas e até certas normas e convenções sociais, legitima-se o valor da diferença (Duque, 2017). Para tanto, a discussão destas temáticas pode contribuir para o aprofundamento do debate, bem como um melhor entendimento acerca das diferenças. A partir disso, considera-se importante olhar a questão dos relacionamentos em situações de cárcere, tanto para chamar atenção para as possíveis implicações políticas de um olhar renovado sobre o cárcere, mas também para falar sobre as dimensões das questões de gênero em meio à resistência, partindo de uma crítica à prisão, tanto de intelectuais como de movimentos sociais (Lago & Zamboni, 2016).

Lago e Zamboni (2016) abordam a importância dos debates sobre o sistema penitenciário, percebendo aspectos como a estrutura do sistema, mas, também, sobre hierarquias de gênero e sexualidade, com destaque a papéis machistas e transfóbicos. Observa-se em segundo plano, questões de uma eficácia - ou não - do sistema de direitos além das problematizações acerca das fronteiras entre as classes sociais. Assim, observa-se diversos aspectos sociais como: a criminalização da pobreza, do comprometimento da juventude negra, de um sofrimento produzido especialmente à mulheres e à população de

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Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), bem como, a reprodução de um padrão estrito de masculino, que realça certas formas de violência.

Ferreira (2014) afirma que, em contextos como o prisional, existe um cenário de perdas de direitos, dentre estes o da saúde, não somente como ausência de doenças, mas como um estado de bem estar físico mental e social. No que se trata de indivíduos homossexuais, isso se dificulta pela escassez de articulações promotoras de melhorias a estes sujeitos. Entende-se, haver a necessidade de uma formatação de estratégias a partir de olhares diferenciados para com essas pessoas.

Sobre os presídios, alguns fatores que podem estar relacionados às condições dos mesmos no Brasil, aparentam uma necessidade de maiores investigações. Em razão disso, Andrade e Ferreira (2014) entendem que, o sistema penitenciário brasileiro não tem bons resultados, a partir do que se propõe a fazer, isto é, a ressocialização de modo a reintegrar o preso à sociedade. Assim, quando estes sujeitos ganham a liberdade, saem “convencidos pelo sistema” de que são pessoas perigosas e que seguirão sendo vigiados e monitorados pelo estado. Em relação aos fatores que levam as pessoas à prisão, os autores apontam que, dentre outras causas destaca-se o cunho social da má distribuição de renda e investimentos em saúde e educação defasados, o que se pode entender como um sistema social falho que alimenta as desigualdades econômicas, educacionais e, consequentemente, gerador de violências.

Frente a estas reflexões, faz-se pertinente aprofundar o estudo, percebendo a importância que a sexualidade assume nas nossas vidas, mas também a sexualidade em ambientes excludentes, devido ao seu funcionamento próprio. Assim, entende-se dar continuidade ao trabalho, com a tentativa de responder ao problema de pesquisa: Quais as possíveis expressões da sexualidade masculina em função de estar no contexto prisional?

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OBJETIVOS

3.1 Objetivo Geral

Identificar possíveis expressões do exercício da sexualidade masculina em função de estar em um sistema prisional.

3.2 Objetivos Específicos

Caracterizar a sexualidade masculina na perspectiva psicanalítica;

Apresentar aspectos fundamentais de relacionamentos em um sistema prisional; Descrever acerca da sexualidade masculina em um sistema prisional.

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REVISÃO DA LITERATURA

4.1 Sexualidade Masculina pelo viés Psicanalítico

As diferentes possibilidades que as pessoas encontram para manejar as manifestações da sexualidade, estão atreladas a dois movimentos que afetam regiões psíquicas distintas, mas que muitas vezes são tratados como se fossem a mesma região: o recalque e a repressão da sexualidade (Ceccarelli & Andrade, 2018). O primeiro - recalque - diz respeito à barreira do incesto, obrigando ao abandono dos primeiros objetos sexuais. Enquanto que a repressão guarda profundas relações com a moral sexual e aos sistemas de valores que sustentam o imaginário social, a partir do qual vem à tona a moral vigente (Freud, 1905/1996). Deste modo, se pode pensar que o imaginário se organiza a partir de mitos acerca da gênese das diferentes culturas, e se modifica conforme o tempo e os costumes, sendo assim, sócio-histórico e até político (Ceccarelli & Andrade, 2018).

Para compreender alguns comportamentos, é fundamental uma revisão sobre as vivências da infância. A maioria das crianças, passa por um período de pesquisas sexuais infantis, a curiosidade da criança pode ser instigada por uma impressão acerca de algum acontecimento importante, como o nascimento de um irmão, ou mesmo pelo temor que isso possa acontecer. Na prática, isso se baseia em experiências externas que venham a representar uma ameaça a seus interesses egóicos. Neste sentido, a sublimação constitui um importante recurso para o psiquismo, sendo uma das possíveis vicissitudes resultantes da relação primitiva com os interesses sexuais. Neste contexto, pode se organizar uma predisposição especial, rara, mas especialmente interessante, em que a libido escapa ao destino da repressão, sendo sublimada desde o começo em curiosidade e ligando-se ao poderoso desejo de pesquisa como forma de fortalecimento, tornando-se até certo ponto compulsiva, de modo a funcionar como uma substituição à atividades sexuais. Sendo assim, a pesquisa sexual infantil pode agir a serviço do interesse intelectual, o fazendo evitar qualquer preocupação com temas sexuais (Freud 1910/1997). O autor cita este fenômeno raro como ocorrência possível em Leonardo da Vinci, constituindo, assim, um poderoso desejo de pesquisa e atrofia da vida sexual, restrita ao que se pode chamar de homossexualidade ideal sublimada.

Desta maneira, as pulsões e suas modificações constituem os limites que a psicanálise pode discernir; o que se segue dá lugar à investigação da biologia, assim, parece interessante procurar a fonte da tendência à repressão e à capacidade para a sublimação nos fundamentos orgânicos do caráter, sob os quais emergem, posteriormente, a estruturação mental. Com isso, se o talento artístico e a capacidade estão intimamente ligados, à sublimação,

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entende-se que a natureza da função artística também não pode entende-ser explicada através da psicanálientende-se (Freud, 1910/1997).

Ao deslocar a libido ocorre um afastamento do sofrimento no aparelho psíquico, de modo a se desenvolver mais flexibilidade para lidar com a situação. Esta tarefa consiste em afastar as metas das pulsões para que possam não ser atingidas pela frustração, vinda do mundo externo. Nessa sublimação, o melhor objetivo é alcançado quando se consegue conscientemente o ganho de prazer a partir das fontes de trabalho psíquico e intelectual. Porém, não é exatamente uma proteção ao sofrimento, a ponto de se constituir como escudo impenetrável aos danos do destino, podendo inclusive falhar, quando o próprio corpo é a fonte do sofrer (Freud, 1930/2010).

Na infância existe uma época, em que, o genital feminino é compatível com a imagem da mãe. Quando o menino começa a ter curiosidade pelos enigmas da vida sexual, ficando dominado pelo interesse que tem pelo seu próprio genital, o indivíduo passa a considerar esta parte do seu corpo como valiosa e importante para ele, acreditando que deva existir nas outras pessoas com as quais ele se acha parecido, sejam homens ou mulheres. Após ver pessoas do sexo feminino sem roupas, ainda continua a acreditar que elas possuem um pênis, mas que ele é muito pequeno e ainda crescerá. Posteriormente, desenvolve o pensamento de que elas tinham um pênis, mas que ele fora cortado e no lugar ficara somente uma ferida. Nesse sentido, o menino poderá ouvir que lhe cortarão o órgão caso demonstre um interesse aparente por ele, a partir disso, valorizará sua masculinidade e, ao mesmo tempo, menosprezará qualquer pessoa que já tenha recebido tal castigo - no caso, as mulheres (Freud, 1910/1997).

Nesse sentido, a vida sexual infantil é marcada essencialmente pelo fator autoerótico, uma vez que, seu objeto de prazer se encontra no próprio corpo, suas pulsões parciais de prazer são inteiramente desvinculadas, e independentes entre si em seus esforços pela obtenção de prazer. Deste modo, o desfecho do desenvolvimento constitui a denominada vida sexual do adulto, na qual a obtenção de prazer fica a serviço da função reprodutora, e as pulsões parciais, sob o primado de uma única zona erógena, formando uma zona sólida para a consecução do alvo sexual em um objeto alheio. De modo geral, as fases da organização sexual não enfrentam muitas dificuldades, mostrando-se apenas diante de alguns indícios. No entanto, em casos patológicos é possível perceber suas ativações e, concomitantemente a isso, a sua observação se dá de forma grosseira (Freud, 1905/1996).

A existência da bitemporalidade da escolha objetal, que é essencial ao período de latência é de suma importância para o desarranjo desse estado final, sendo assim, os resultados da escolha objetal infantil prolongam-se por épocas posteriores, conservam-se

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como tal ou passam por uma renovação na época da puberdade. Estes resultados, no entanto, podem ser inutilizados pelo recalcamento que se desenvolve entre a transição da latência para a genitalidade, assim, os alvos sexuais são amenizados. Desta forma, na escolha de objeto da puberdade tem que se renunciar aos objetos infantis e recomeçar como uma corrente sensual, sendo que a não confluência dessas duas correntes, tem como consequência, muitas vezes, a dificuldade em alcançar um dos ideais da vida sexual, que é a conjugação de todos os desejos em um único objeto (Freud, 1905/1996).

As proibições ganham força e devem sua força e caráter obsessivo ao inconsciente, existindo no desejo oculto, uma necessidade interna inacessível à inspeção consciente. O desejo se desloca constantemente a fim de fugir ao impasse e se esforça para encontrar substitutos para colocar-se em locais proibidos, como consequência a própria proibição também se desloca de um lado para o outro, estendendo-se a quaisquer novos objetivos que o impulso proibido possa alcançar, sendo que qualquer avanço feito pela libido reprimida é respondido por um novo aguçamento da proibição (Freud, 1914/1969).

Nesse sentido, a sublimação é compreendida como uma alternativa psíquica à elaboração dos conteúdos, uma vez que a principal função do mecanismo mental é aliviar o indivíduo das tensões criadas por suas necessidades. Parte disto pode vir a ser realizada, retirando satisfação do mundo externo e, para este fim seria fundamental possuir controle do mundo real. Entretanto, a satisfação de outra parte (entre elas, certos impulsos afetivos) é frustrada pela realidade, isto se reflete em uma constante tarefa de encontrar algum outro meio de manejar impulsos insatisfeitos. Assim, todo curso da história da civilização nada mais é que, um relato dos múltiplos métodos adotados pela humanidade para sujeitar seus desejos insatisfeitos, defrontando-se com a realidade, por vezes favoravelmente e outras com frustração (Freud, 1914/1969).

No que se refere à sexualidade, observa-se, em Freud, que as concepções acerca da temática, estão diretamente ligadas às interdições e proibições da vida, uma vez que as pulsões sexuais atuam como uma instância do desejo, que via de regra deve ser freada pelo superego, enquanto agente impositivo da lei. Nesse sentido, o autor refere que o desejo sexual não une o homem, mas o divide, pois como relatado em analogia ao mito do animal totêmico, o pai morto representa mais força que quando vivo, pois representa a identificação com os desejos interditados que todos os filhos alimentam, sendo assim, construído um fetichismo em relação ao pai, uma vez que cada filho quer ocupar o lugar do pai, podendo ter para si todas as mulheres da tribo. Desta forma, ao salvar a organização que os tornara fortes, estaria se fundando a nova organização sem o pai, baseada em pulsões homossexuais destes filhos, sendo organizado o desejo pelo desejo (Freud, 1914/1969).

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O que torna inaceitável o ódio pelo pai é o temor a este, pois a castração é terrível seja ela como punição, ou como preço do amor. Dos fatores que reprimem o ódio pelo pai, é importante considerar o medo direto à castração que pode ser chamado de anormal, sendo que, sua intensificação patogênica só parece surgir com acréscimo de um outro fator, que é o temor à figura feminina. Sendo assim, uma predisposição inata para a bissexualidade passa a ser uma das precondições ou reforço para a organização das patologias (Freud, 1930/2010). Com a descoberta do amor sexual - genital - proporciona-se ao indivíduo as mais fortes vivências de satisfação, corroborando para uma idealização de felicidade, devendo este continuar a buscar a satisfação vital no terreno das satisfações sexuais, colocando o erotismo genital no centro da vida. Sendo assim, torna-se dependente de uma parte do mundo externo, pelo seu objeto de amor escolhido, ficando vulnerável a este, sendo que, quando atingido pela infidelidade ou pela morte, reverbera-se em causa de um sofrimento (Freud, 1930/2010).

Geralmente, homossexuais masculinos têm uma ligação erótica muito intensa com uma mulher, muitas vezes suas mães, durante o primeiro período da infância. Essa ligação de algum modo foi encorajada ou despertada por demasiada ternura por parte da própria mãe, e reforçada, posteriormente, pelo papel secundário do pai durante a infância. Outras vezes, as mães têm perfis masculinizados, mulheres com fortes traços de caráter e capazes de deslocar o pai do lugar que o corresponde. Existe, também, os casos em que os pais se encontram ausentes desde o começo, ou abandonaram o convívio muito cedo, deixando o menino sob influência do sexo feminino, sendo que na verdade parece que a presença de um pai forte asseguraria, no filho, a escolha “correta” de objeto, ou seja, uma pessoa do sexo oposto (Freud, 1910/1997).

A tendência é que o menino reprima seu amor pela mãe, colocando-se em seu lugar. Identifica-se com ela, e toma a si próprio como um modelo que deve seguir com os novos objetos de amor. O que de fato aconteceu foi um retorno ao autoerotismo, pois os meninos que ele agora ama a medida que cresce, são figuras de substituição de sua própria figura durante sua infância, maneira como sua mãe o amava, quando ele era uma criança. Desta forma, procuram os objetos de amor, segundo o modelo narcisista a sua própria imagem. Considerações mais profundas especulam, que reprimindo seu amor pela mãe, o indivíduo conserva-o em seu inconsciente e daí por diante permanece-lhe fiel. De modo que, ao buscar outros rapazes, na realidade está, se afastando das outras mulheres que o possam levar à infidelidade com a relação materna, devido à fixação da imagem mnêmica de sua mãe (Freud, 1910/1997).

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No entanto, alguns aspectos da sexualidade requerem uma reflexão diferente, pois a escolha do objeto sexual nem sempre aparece ligada às características e à atitude da escolha sexual, uma vez que, a ligação de um desses pontos não está cristalizada ao outro. Nesse sentido, é possível que um homem com características predominantemente masculinas e que também apresenta o tipo masculino na vida amorosa, pode apresentar uma escolha sexual no tocante ao objeto, se interessando apenas por homens e não mulheres. O inverso disso, também ocorre, quando predominam traços femininos, que no amor chega a comportar-se como uma mulher e no entanto, se organiza heterossexual (Freud, 1921/1996).

Pode ocorrer uma não sujeição das pulsões parciais ao domínio da zona genital, de modo que, o que ficara independente se constrói no que se chama de perversão (sexual), podendo substituir a finalidade sexual normal pela sua própria. Dessa forma, frequentemente o autoerotismo não é superado totalmente, providenciando o surgimento de perturbações posteriores. Nesse sentido, a equivalência infantil dos sexos como objeto, pode permanecer e com isso originar no adulto uma tendência homossexual (Freud, 1910/1996). Há de se compreender perversão, no contexto estrito da sexualidade como uma expressão diferente da sexualidade normal (heterossexualidade), além do fato de que a perversão em sua amplitude pode abranger diferentes formas de satisfação sexual, a partir do sofrimento alheio, por exemplo.

O desenvolvimento normal, se torna patológico quando o anseio por um fetiche se fixa, para além da condição mencionada, se impondo no lugar do alvo sexual normal. Ainda existem casos em que, o fetiche se desprende de determinada pessoa e se torna o único objeto sexual, sendo que, nessas condições, as variações normais da sexualidade se tornam patológicas (Freud, 1905/1996). Contudo, chamando a atenção para alguns aspectos acerca do perigo das expressões pessoais do analista, frente a possíveis repugnâncias em relação às diferentes formas de manifestações sexuais, Freud (1901/1996) afirma:

Precisamos aprender a falar sem indignação sobre o que chamamos de perversões sexuais - essas transgressões da função sexual tanto na esfera do corpo quanto na do objeto sexual. Já a indefinição dos limites do que se deve chamar de vida sexual normal nas diferentes raças e épocas deveria arrefecer tal ardor fanático. Tampouco nos devemos esquecer de que a perversão que nos é mais repelente, o amor sensual de um homem por outro, não só era tolerada num povo culturalmente tão superior a nós quanto os gregos, como também lhe eram atribuídas entre eles importantes funções sociais. Na vida sexual de cada um de nós, ora aqui, ora ali, todos

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transgredimos um pouquinho os estreitos limites do que se considera normal. (pp. 32)

O que expressa algumas tentativas, já na época, de amenizar os preconceitos encontrados em meio aos analistas. Mais tarde, em 1935, ao responder a carta de uma mãe que se intitulou: Uma Mãe Grata, Freud (1951) afirmou:

Entendo por sua carta que seu filho é homossexual. Estou muito impressionado com o fato de você não mencionar esse termo em suas informações sobre ele. Posso te perguntar por que você evita isso? Certamente a homossexualidade não é uma vantagem, mas não há motivo para ter vergonha, vício, degradação, não pode ser classificada como uma doença; consideramos que é uma variação da função sexual produzida por uma certa interrupção do desenvolvimento sexual. Muitos indivíduos altamente respeitáveis dos tempos antigos e modernos têm sido homossexuais, vários dos maiores homens entre eles (Platão, Michelangelo, Leonardo da Vinci etc.). É uma grande injustiça perseguir a homossexualidade como crime e crueldade também. Se você não acredita em mim, leia os livros de Havelock Ellis. Ao me perguntar se posso ajudar, você quer dizer, suponho, se posso abolir a homossexualidade e fazer com que a heterossexualidade normal tome o seu lugar. A resposta é que, de uma maneira geral, não podemos prometer isso. Em um certo número de casos, conseguimos desenvolver os germes danificados de tendências heterossexuais que estão presentes em todos os homossexuais; na maioria dos casos, não é mais possível. É uma questão de qualidade e idade do indivíduo. O resultado do tratamento não pode ser previsto. O que a análise pode fazer pelo seu filho é executada em uma linha diferente. Se ele é infeliz, neurótico, dilacerado por conflitos, inibido em sua vida social, a análise pode lhe trazer harmonia, paz de espírito, eficiência total, se ele permanece homossexual ou se muda. Se você se decidir, ele deve fazer uma análise comigo - não espero que sim - ele deve vir a Viena. Não tenho intenção de sair daqui. No entanto, não deixe de me dar sua resposta. (pp. 787)

Portanto, este trecho sobre a homossexualidade mostra Freud compreendendo que, embora considerasse falhas no desenvolvimento “normal” da sexualidade, isso não era determinante por si só para ser melhor ou pior em relação a outros indivíduos heterossexuais, assinala apenas como uma diferença, uma variação da função sexual.

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4.2 Sistemas Prisionais

Entende-se como pertinente compreender os sistemas prisionais como formas punitivas e de adequação dos sujeitos a certas convenções sociais e culturais (Foucault, 1999). O autor cita três formas primárias existentes nas prisões: as masmorras onde a pena de encarceramento é agravada por diversas medidas no que se referem à solidão, privação de liberdade, luz e restrições à comida, por exemplo; a “limitação”, em que as medidas citadas anteriormente são atenuadas; e a prisão propriamente dita, isto é, a redução ao cárcere, puro e simplesmente. Deste modo, a finalidade primordial destes eventos se reduz a uma penalidade uniforme e melancólica.

Em alguns contextos, os cerceamentos das liberdades englobam, também, atividades de trabalho, nestes casos a implementação do trabalho penal contribui para os efeitos do funcionamento da “mecânica humana”, não sendo somente para fatores econômicos, estes por sua vez com fraco rendimento. Nesta linha de argumentação, não se trata de uma atividade de produção comum, uma vez que tem um papel intrínseco pelos princípios da ordem e da regularidade, veiculando de forma insensível os meios que se valem o funcionar de um sistema de poder rigoroso, articulando os corpos a movimentos regulares, que excluem a agitação e a distração. Deste modo, se impõe hierarquia e vigilância, que serão ainda mais bem aceitas, penetrando mais consistentemente o comportamento dos condenados, por fazerem parte de sua lógica, com o trabalho (Foucault, 1999).

Embora, até meados do século XIX, o poder sobre o corpo tenha sido um artifício usado mais recorrentemente como forma de punição, mesmo após este período suas aplicações seguiram em menor escala. De modo geral, a pena não mais se centralizava no suplício como técnica de sofrimento, tomou-se como objeto a perda da liberdade e dos direitos. Entretanto, continua havendo ocorrências constantes de castigos, como trabalhos forçados, redução alimentar, privação sexual, expiação física ou masmorra. Isto é, a simples privação da liberdade nunca funcionou sem certos complementos punitivos com referência ao corpo (Foucault, 1999). Com isso, pensa-se que as formas punitivas podem mudar conforme a região, e citando o contexto brasileiro, existem algumas especificidades sobre o sistema e a aplicabilidade das penas, bem como as tentativas de reinserção dos sujeitos ao convívio social.

Aliados aos aspectos punitivos, Goffman (1999) ressalta a perspectiva de uma perda cultural que o indivíduo sofre ao passar a integrar as instituições totais. Isto é, entendendo aqui cultura como a estabilidade da organização pessoal do indivíduo que fazia parte de um ambiente civil amplo, através do conjunto de experiências que confirmavam as concepções

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do seu eu e lhe permitiam o uso de um conjunto de defesas, que eram exercidas conforme sua vontade, para enfrentar fracassos, conflitos ou dúvidas. A mudança cultural no sujeito, acontece, pelo afastamento das oportunidades de comportamento e pelo fracasso em acompanhar as mudanças sociais recentes que ocorrem no mundo externo. Assim, nos casos em que a permanência nas instituições totais forem consideravelmente longas, pode ocorrer um destreinamento que tornaria o sujeito incapaz de enfrentar alguns aspectos da vida diária. Além disso, considera-se um conjunto de bens pessoais que podem ter uma relação com o eu, como cosméticos e roupas, sendo uma espécie de estojo de identidade para o controle de sua aparência subjetiva. No entanto, ao entrar em uma instituição total, é provável que ao indivíduo seja negado ou dele retirado, desde pentes e toalhas, até mesmo sabão, o que pode impactar na sua aparência cotidiana, e também na sua subjetividade.

Ainda, as violações podem atingir outras esferas, havendo nas instituições totais constantes perseguições sexuais, bens confiscados no momento da entrada, revistas rotineiras e agressões físicas. Além das indignidades - tanto na fala como nas ações - verifica-se no tratamento que os outros lhe dão, como profanações verbais ou em gestos, por parte das pessoas da equipe de trabalho ou mesmo dos colegas internos, nomes obscenos, xingamentos, características negativas, gozações ou falar a respeito da pessoa como se ela não estivesse presente. Em alguns casos, ocorre também a presença de desfigurações físicas, com mutilações diretas e permanentes, vistas pelas marcas no corpo, ou mesmo perda de membros (amputações) (Goffman, 1999).

Ao pensar especificamente no sistema prisional, pode-se inferir uma ideia de que o que ocorre dentro das limitações dos presídios não se estende para o restante da sociedade. No entanto, na realidade brasileira, cada vez mais - em decorrência da expansão das facções criminosas e de seu alcance social, dentro e fora dos contextos de cárcere - percebe-se um crescente entrelaçamento de mundos. Isso ocorre não somente por fatores de criminalidade, mas também por características próprias dos presídios, nos quais pode-se observar casos de funcionários do sistema presidiário, que parecem naturalizar a incidência de algum nível de afetação em relação às experiências dolorosas do cárcere. Neste sentido, estas experiências não ficam retidas nos seus espaços de trabalho, saindo das fronteiras penitenciárias e acompanhando os agentes, pelos bairros, pelas ruas, nas suas casas e invadindo até suas memórias, revelando-se no próprio exercício narrativo de suas vidas (Nascimento, 2018). Neste sentido, pode-se compreender o sistema como diverso e com possibilidades de ampliações acerca das relações que se formam entre os apenados, mas atingindo também os funcionários do sistema, relações estas não somente como obrigatórias devido à convivência

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forçada, mas também, como mecanismo de ligação, troca e potencial construção de aprendizagens.

Nascimento (2017) afirma que é comum, em presídios do estado do Ceará, identificar em dias de visita a circulação de familiares, advogados, amigos, profissionais e religiosos com malotes - sacolas com alimentos, roupas, cigarros, materiais de higiene, colchões, lençóis, medicamentos entre outros itens permitidos pela administração prisional. Isto dá sequência ao raciocínio das diferentes formas de cruzamentos entre o dentro e o fora do sistema prisional, aplicando o caráter integracionista, por vezes desprezado em alguns debates que se firmam sobre o tema.

Sobre os aspectos jurídicos das condenações, Schulz et al. (2017) consideram que a legislação é um instrumento importante na garantia de direitos, sendo especulado que, sua produção adequada deveria ser acompanhada por políticas públicas eficazes e inclusivas, direcionadas a população presa. Assim, com instâncias eficientes, se poderia atingir mais amplamente as necessidades desta parcela vulnerável da população. Desta forma, se torna necessário, o resgate da cidadania e da saúde na população prisional, para objetivar a formação de um sistema jurídico legal e político favorável na redução das desigualdades sociais, bem como na melhoria da situação das pessoas privadas de liberdade.

Schlaucher e Moraes (2014) apontam que o preso provisório é detentor dos mesmos direitos e garantias que o cidadão que se encontra em liberdade, sendo que a constituição federal de 1988 consagrou a presunção de inocência, uma vez que ninguém deve ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Em relação à assistência material, consiste ao internado e ao preso o direito de alimentação, alojamento, vestuário e instalações higiênicas, portanto dever do estado e direito assegurado ao preso e ao interno.

Quanto à assistência, os autores consideram que a legislação prevê que os indivíduos que não puderem custear os advogados - atualmente, a maioria - terão direito à assistência jurídica, que deverá ser prestada por defensorias públicas, em todos os graus de jurisdição. Cita-se, ainda, que a legislação estabelece que a assistência educacional compreenda a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado, obrigando o ensino do primeiro grau no âmbito das prisões. Mesmo assim, existe um elevado nível de analfabetismo nos presídios da atualidade. Sobre a aplicabilidade das legislações referentes às políticas educacionais, entende-se que o ensino do primeiro grau nos presídios é uma utopia e a instrução profissional inexiste. Com isso, nas prisões onde existem escolas, não há professores em quantidade suficiente, nem número de vagas e, devido a superlotação

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destes espaços, não existe a possibilidade do oferecimento de condições físicas e, tampouco, materiais de aprendizagem para a sua implementação (Schlaucher & Moraes, 2014).

Para Alves e De Arruda (2017), o que agrava a não neutralização e a seletividade na aplicação de penas privativas de liberdade é a condição desumana que os apenados são submetidos nos estabelecimentos penais dos regimes fechados do sistema. Desta maneira, verifica-se o descaso do poder público com a maioria das instituições penais, no que se refere à inobservância do que é estabelecido pela lei de execução penal. Para além das superlotações, as precárias condições de higiene, e as torturas físicas e psicológicas provocadas pelos agentes do estado, denunciam que, o problema carcerário alcançou proporções gigantescas e as consequências se notam nas ações organizadas pelas facções criminosas, que se desenvolvem e amplificam seu poder nos estabelecimentos penais como resposta às negligências estatais.

Nesse sentido, podemos pensar que, ao sofrer uma condenação penal o indivíduo, por perder a liberdade, não pode perder também sua humanidade, cidadania, e nem romper com os demais aspectos, do que se convenciona chamar de contrato social. Isso por que, a quebra do pacto social, não está vinculada, necessariamente, ao crime cometido, sendo que a própria violação de um pressuposto de convivência - contrato social - ao se submeter à punição, entende-se automaticamente, que o indivíduo está se inserindo na previsão de contrato (Alves & De Arruda, 2017). Ainda, segundo os mesmos autores, a não observância dos direitos humanos, dentro das instituições prisionais, bem como, a verificação da incompatibilidade entre a pena privativa de liberdade e os direitos humanos, não requerem maiores esforços, sendo necessários estudos para a compreensão sobre prisão enquanto afetação à dignidade humana, uma vez que, recorrentemente, os cidadãos encarcerados não são considerados humanos, quiçá cidadãos.

Diante disso, Souza e Silveira (2017) afirmam que o trabalho se configura como um fator central na sociedade contemporânea, para tanto, pensar neste como um fator de inclusão se torna algo complexo se tratando de egressos do sistema prisional. Para estes, a obtenção de um emprego, para a além de afiançar o capital financeiro imediato para satisfação das necessidades fundamentais - como alimentação, moradia, vestuário e locomoção - também contribui para a elevação da autoestima, e para a promoção da dignidade desses sujeitos, sob forma de valorização e reconhecimento de que não estão mais envolvidos com o crime, obtendo seu sustento de maneira aprovada pela sociedade. Logo, as autoras defendem mais pesquisas nesta área, a fim de avaliar as percepções dos empregadores, sejam elas positivas ou negativas, podendo contribuir de forma mais efetiva para uma melhor formulação,

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implementação e manutenção de projetos que visem a contratação de pessoas que passaram pela privação de liberdade.

Nesse sentido, percebe-se que os egressos do sistema penitenciário encontram dificuldades de conseguir emprego, pela baixa escolaridade, mas também pelo estigma. Considera-se, que o grande desafio, para programas e projetos que lidam com esses segmentos estigmatizados e marginalizados, deva ser o rompimento dos rótulos e preconceitos. Contudo, mesmo com a existência de tais iniciativas, elas ainda não são consistentes, apresentando poucos efeitos ressocializadores. Nesse sentido, se faz importante considerar que, o indivíduo egresso do sistema prisional, carrega consigo representações produzidas pela prática das instituições do sistema de justiça criminal e a moralidade pública. Assim, apresentam-se, em relação ao egresso do sistema, argumentos favoráveis a sua eliminação, incapacitação e defesa de um maior controle, por parte das instâncias do sistema de justiça criminal, o que dificultam ainda mais o processo de ressocialização dessas pessoas (Souza & Silveira, 2017).

No sistema prisional brasileiro existem algumas formas de privação de liberdade: prisão preventiva, prisão temporária e prisão domiciliar. A preventiva, é uma medida cautelar, tendo como objetivo prevenir que o réu cometa novos crimes, ou ainda que, sua liberdade dificulte a coleta de novas provas, ou mesmo que ele fuja. A prisão temporária, se caracteriza pela solicitação cautelar de prisão, através do ministério público ou da autoridade policial, sendo necessária para a continuidade das investigações, ou ainda, em casos que o sujeito não tenha residência fixa ou não seja possível juntar elementos suficientes acerca de sua identidade. Levam-se em conta, alguns crimes como tendo a prisão temporária como fundamental, como casos de homicídio doloso (com a intenção de matar), estupro, tráfico de drogas, sequestro ou cárcere privado, entre outros. O caso da prisão domiciliar, consiste na detenção de uma pessoa em sua própria residência, sendo uma medida de prevenção até o julgamento, ou mesmo após o julgamento, nos casos em que o indivíduo, já tenha cumprido parte da pena na cadeia (Schlaucher & Moraes, 2014).

Atualmente ainda não se comprovou que, a privação de liberdade efetivamente reduz a criminalidade violenta. O que se comprovou, foi que, a reincidência é menor nos indivíduos que foram condenados a uma pena privativa de liberdade inferior a um ou dois anos, ou que obtiveram o benefício de sua suspensão, se comparados aos que a cumpriram efetivamente. Por isso, já se discute sobre a necessidade de substituição do castigo (prisão), propondo-se, portanto, o aperfeiçoamento da pena de reclusão quando esta for necessária, e substituí-la quando possível e recomendável (Schlaucher & Moraes, 2014).

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4.3 Sexualidade em contextos de prisão

Todas as culturas têm seus sistemas ou códigos morais e em função de ideais históricos, estes podem ser mais ou menos conservadores ou liberais. Alguns entendimentos, apontam as culturas conservadoras como negativas, centradas na defesa das tradições, com atitudes intolerantes, que se justificam nos argumentos de continuidade ao que, ao longo do tempo deu certo, pois deste modo, compreendem estarem sob o ordenamento da natureza ou mesmo da vontade divina. Já as culturas de moral liberal, entendem que, a desobediência de específicas leis não significa intolerância e desrespeito, justificadas, pela diversidade dos estilos de vida possíveis. Assim as diferenças sexuais, divergentes dos ideais maioritários, mereceriam, nesta lógica, serem tratadas com respeito e solidariedade (Costa, 1994).

Porém, existe um movimento de crítica aos dois lados. Ao conservadorismo moral, por engessar os pensamentos acerca da moralidade explicitando repetidas proibições, conforme suas crenças pessoais. E no caso da permissividade, com o pretexto de se revolucionar a tradição, tentar construir a ideia de que tudo deve ser liberado e nada proibido. Assim, a história aponta que, do moralismo conservador nasceram a intolerância e a crueldade, e da permissividade, a monstruosidade. Uma vez que, nesta última situação - deixando de lado a ideia utópica do “é proibido proibir” - na prática ganha-se o mais forte ou o mais violento. Resulta-se então, nos campos de extermínio - ou dentro da realidade brasileira - no assassinato de crianças e travestis, por exemplo (Costa, 1994).

Nesse contexto, de permissividade ou conservadorismo, o autor nos incita a refletir qual o interesse ou valor moral em dividir as pessoas por suas inclinações sexuais. Neste sentido, qual seria a razão em classificar as pessoas em “heterossexuais, homossexuais ou bissexuais”, através de uma justificativa de razão científica, ao invés de uma forma gestáltica descritivo-valorativa das experiências sexuais. Assim, neste entendimento, ao invés de investigar as causas ou a estrutura enquanto suas particularidades cerebrais e genéticas dos sujeitos, por que não questionar qual o pressuposto ético que orienta tal divisão, ou ainda, o que se ganha ou se perde - em termos de solidariedade para com o próximo - quando se tenta fazer dos sujeitos elementos, classes ou conjuntos de espécimes sexuais? Para assim, refletir no que um arranjo do imaginário das sexualidades acrescenta para a construção de uma vida melhor, mais interessante ou virtuosa, comprometida com os ideais de vida, de decência pública e autorrealização individual (Costa, 1994).

Nesse sentido, a sexualidade humana ganha aspectos próprios, em diferentes situações e ambientes, sendo que, em contextos como os de cárcere, certos comportamentos se destacam. Zamboni (2017), entende a ideologia do crime em presídios, sendo que a

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masculinidade e o gostar de mulher são valorizados, de modo que qualquer sujeito que venha destoar disso é excluído. Controversamente, a questão levantada não é a da homossexualidade em si, mas a da virilidade, uma vez que mulheres “masculinas”, intituladas comumente de sapatas nesses ambientes, geralmente conseguem espaço em facções criminosas.

Sobre os comportamentos sexuais desenvolvidos nas prisões, em geral, não se faz suficiente, perguntar se existem práticas homossexuais, sendo preciso acrescentar no questionamento, também, acerca dos relacionamentos com mulheres de cadeia (travestis), pois estas, são consideradas pelos detentos como do sexo feminino. Além disso, em situações de possíveis desavenças, só podem responder verbalmente ao homem, conforme as mulheres fazem, jamais fisicamente, pois isso é inaceitável para o mundo do crime (Varella, 1999).

Zamboni (2017) afirma que existem unidades prisionais chamadas de seguro, em que alguns perfis considerados como inimigos pelo código de conduta da criminalidade são encaminhados, tais como policiais, funcionários do sistema penitenciário, presos vinculados a coletivos rivais, estupradores, etc. O autor relata que é comum que presos homossexuais, sejam encaminhados para estes espaços por estarem com suas vidas em risco. Nascimento (2017), aborda que no contexto cearense, por exemplo, a expansão de grupos criminosos nos presídios propiciou a exclusão de dois grupos distintos: as bichas (homossexuais) e os artigos errados (inimigos do crime), antes frequentemente violentados e discriminados no dia a dia da prisão.

Com isso, Zamboni (2017) argumenta que as eventuais separações entre indivíduos homo e hétero dentro do sistema prisional conseguem, por um lado, proteger os primeiros, mas por outro lado, consolida e institucionaliza uma lógica de segregação espacial e discriminação moral. Assim - embora recorrentemente notado nestes ambientes - o contexto da distribuição de contingentes de presos e a gestão cotidiana da vida na prisão, criam espaços exclusivos para a população LGBT e contribuem para a manutenção de um sistema binário e heteronormativo, sob o qual se estruturam as penitenciárias. Neste ponto, destaca-se uma ausência de recursos para a conscientização e debate sobre o tema, denunciando a emergência das discussões nesta área de estudo.

Os homossexuais, em situação de cárcere, comumente se fazem valer de práticas sexuais para conseguir algo em troca do parceiro - geralmente o sustento de vícios. Assim, quando os homossexuais ou travestis-mona - gíria utilizada pelos detentos para descrevê-los - se relacionam com os bofes (heterossexuais), os relacionamentos, organizam-se de uma forma diferente da anterior, não mais através de favores para a mona, mas sim, para o parceiro heterossexual (bofe). Outro aspecto que se interessante, é o da infidelidade da

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mona que é aceita como forma de sustento dos vícios do casal, porém a infidelidade do hétero não, chegando a haver casos de agressões físicas com cicatrizes (Zamboni, 2017).

Entretanto, esta regra não se aplica a todas as situações, pois conforme Varella (1999), mulher de cadeia (travestis) jamais circula pela galeria e para descer ao pátio, somente acompanhada. O marido deve estar em boa situação financeira, pois é ele quem vai prover o sustento, ela por sua vez, deve submissão ao provedor, alguns membros da cadeia são contra, mas, de modo geral, as uniões são aceitas socialmente.

Para Lago e Zamboni (2016), até a década de 1980, havia certo padrão de relacionamento com um modelo clássico da homossexualidade masculina, sendo que a sexualidade era vista ante uma polaridade entre um parceiro, percebido como feminino, contendo o estereótipo de homossexual ou mesmo de bicha (passivo), e outro visto como masculino (ativo). Nesta época, de acordo com os autores, haviam diferentes formas de manifestações, desde estupros violentos até casamentos monogâmicos reconhecidos pela massa carcerária e pelos agentes. Além disso, a ocorrência da prostituição já era presente, bem como de flertes, toques rápidos e namoros violentos.

Lago e Zamboni (2016) consideram que, após os anos 1990 houveram algumas transformações na forma como ocorrem os relacionamentos, impulsionadas pela emergência da consolidação hegemônica de presos membros do coletivo conhecido como Primeiro Comando da Capital (PCC), surgido após o massacre do Carandiru. Estudos sobre o PCC mostram que a proibição ao estupro entre presos e, mais recente, a proibição da discriminação contra homossexuais, aparecem como fundamentais, para a conquista da legitimidade que este coletivo representa frente à população carcerária.

Nesse sentido, de acordo com relatos obtidos em pesquisa, Zamboni (2017) argumenta que atualmente - com as mudanças nos códigos de convivência de algumas facções como o PCC - houveram alterações no tratamento de pessoas LGBTs. Assim, nas unidades comandadas por essa facção, o indivíduo homossexual ou travesti pode até permanecer, porém deve usar cabelo curto, roupas femininas não são permitidas, tampouco relações sexuais. Deste modo, o autor aborda que, as facções apresentam formas distintas de compreender a questão da homossexualidade. Assim, difere para qual unidade o indivíduo é encaminhado, pois, conforme a facção que a comanda, o sujeito pode ser tolerado, ter que se adaptar às regras de conduta, ou mesmo, ser rejeitado, fazendo diferença se a facção é o PCC, o Centro Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC) ou a Seita Satânica, por exemplo. Porém, ressalta-se que ainda que aceito, não é considerado membro da facção, apenas tolerado em meio aos demais.

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De acordo com Lago e Zamboni (2016) nas prisões femininas, a polaridade entre as parceiras masculinas (sapatonas) e as femininas aparece de forma menos rígida e menos atravessada, que em prisões masculinas devido ao sistema de valores contido no mundo do crime, de modo que, as relações femininas têm caráter mais fluido e situacional, ganhando sentido na lógica de prazer, afeto e cuidado.

Um efeito importante em relação ao aumento do encarceramento feminino e dos LGBTs nas cadeias do país pode ser entendido como um reflexo de políticas de enfrentamento às drogas. No caso das mulheres, em prol de um complemento na renda familiar, na associação com seus cônjuges ou, ainda, com a finalidade de sustentação de vícios. Em relação aos LGBTs - especialmente as travestis - são presos(as) na mesma lógica, muitas vezes trabalhando com o corpo e, através da prostituição, acabam sendo usados(as) pelos traficantes (Lago & Zamboni, 2017). Isso leva a pensar na associação direta das pessoas que se enquadram como identificadas socialmente ao gênero feminino, na maioria dos casos com ligação à exploração por parte de agentes masculinos, reafirmando os papéis de poder ocupados por indivíduos do sexo masculino.

Assim, o sentido de uma prisão é visto diante das suas porosidades, organizada ante à circulação de pessoas, informações, objetos e atravessamentos que marcam as diferenças nas formas de relacionamento, sendo operadas no dia a dia da prisão sob práticas sexuais criativas, expressões de gênero, relações de poder e hierarquia que excedem para além das celas. As relações produzem e são produzidas das contingências da prisão, seja pelas regras da administração ou através das regras negociadas pelos presos que marcam lugares e sistemas de produção de distinções, sendo os marcadores de diferenciação subjetivados nos estilos corporais e nas formas de experienciar as sexualidades frente às relações de poder e hierarquia na cadeia (Nascimento, 2017).

Nessa lógica de hierarquias e diferenças de gênero, reforça-se o entendimento de alguns homens sobre sua importância nos relacionamentos. Como contribuem Sousa, Silva e Palmeira (2014), enfatizando que, na percepção de alguns, o casamento e a fidelidade são aspectos diferentes, pois consideram que o casamento não está associado, necessariamente, a uma prática monogâmica. Assim, esses homens, consideram impensável a recusa há uma relação sexual, com outra mulher que não sua companheira, pois isso teria a ver diretamente com a sua virilidade. No entanto, chama atenção o fato de acreditam na fidelidade de suas esposas, sendo possível considerar a influência da questão hegemônica do papel masculino nos comportamentos sexuais e, consequentemente, nos sociais da atualidade.

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MÉTODO

5.1 Fontes

Ao observar a necessidade de levantar exemplos sobre os conceitos a serem trabalhados durante o trabalho de pesquisa, fez-se uso de um artefato cultural, a fim de dar um cunho prático às discussões. Assim, foram retirados recortes do livro Estação Carandiru de Dráuzio Varella (1999) para a identificação das atividades sexuais, bem como as organizações destas em meio aos relacionamentos.

Na época em que o livro foi escrito, a Casa de Detenção de São Paulo - conhecida popularmente como Carandiru por se localizar no bairro Carandiru - abrigava por volta de 7200 presos. O prédio foi construído ainda nos anos de 1920, sendo um conjunto formado por sete pavilhões, contendo cada um, cinco andares. Em sua arquitetura, podiam ser observados corredores que chegavam a cem metros de comprimento. As celas, contavam com portas maciças, mas possivelmente por conta da superlotação, os presos passavam o dia soltos, sendo trancados somente à noite. Dráuzio menciona que somente um dos pavilhões - o número 5 - abrigava mais de 1700 prisioneiros, o que em 1999 representava mais de seis vezes o número existente no presídio de Alcatraz, nos Estados Unidos, desativado nos anos de 1960 (Varella, 1999).

O processo de formulação do livro iniciou dez anos antes de sua primeira publicação, quando Dráuzio iniciou um trabalho voluntário de prevenção à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). O trabalho que resultou na produção do livro, se baseou, nas vivências que o autor manteve com os presos e funcionários. Assim, o livro possibilita identificar as pessoas caso a caso, mesmo em condições que podem ser entendidas como não propícias para a manifestação das subjetividades, como é o ambiente prisional. Deste modo, independente de qual seja a pena a se cumprir, todos devem seguir as normas de comportamento da instituição. Além de seguirem um código penal não escrito, elaborado pelos próprios presos, que em casos de descumprimento pode levar à morte (Varella, 1999). Outro aspecto importante sobre o livro, é que, foi escrito, a partir das vivências ocorridas entre o ano de 1989 - quando Drauzio Varella iniciou o projeto voluntário, na casa de detenção - e 1992, ano do ocorrido: “Massacre do Carandiru”, que causou repercussão pelo número de mortos, que acordo com as versões oficiais, foi de 111 presos, embora as estimativas apontem para o número superior a 250. O livro foi vencedor do “Prêmio Jabuti” como livro do ano (1999), pelo gênero de não ficção (Varella, 1999).

Neste contexto abordado pelo livro, percebeu-se a possibilidade de relacionar alguns entendimentos teóricos sobre a questão das expressões das sexualidades, em ambientes

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diferentes dos tradicionalmente estudados. Ressalta-se o fato do livro ser baseado em experiências verídicas, observando as complexidades dos relacionamentos gerais desse meio, identificando também as vicissitudes das ligações sexuais e/ou afetivas que se desenvolvem através de recortes de diferentes histórias contidas no livro. O seu conteúdo amplia as possibilidades de interpretações da sexualidade, compreendidas nas múltiplas expressões de variados sujeitos. Assim, possibilita-se a exploração de aspectos da convivência que nascem dos envolvimentos sexuais, ou mesmo o contrário, as relações que evoluem para as trocas sexuais.

5.2 Delineamento

Durante o processo de construção de um conhecimento, é importante que este, seja fundado acerca de materiais baseados, em produções científicas. Assim, quando se trabalha em uma pesquisa, se faz necessário, a utilização de preceitos de validação através das suas metodologias. Deste modo, o método é fundamental para organizar e sistematizar um estudo, que seja pautado em pesquisas, análises, classificações e investigações, por exemplo (Gil, 2002). Nesse sentido, para se alcançar maior profundidade na pesquisa em meio aos aspectos estudados, a pesquisa qualitativa é a que melhor permite entender o sentido implícito dos fatos que buscam compreensão do pesquisador, percebendo as complexidades e as singularidades. Implica, assim, extrair o saber, as significações e o processo em que os sujeitos instauram os sentidos e explicam o que são eles (Pimenta, Oliveira & Araújo, 2009). Aproximando alguns entendimentos de pesquisa e suas especificidades, entende-se que a pesquisa exploratória pode ser desenvolvida com o objetivo de proporcionar uma compreensão ampla do assunto pesquisado e, mais especificamente, sobre um determinado fato. Esta escolha, se torna interessante quando o tema foi pouco trabalhado e é de difícil formulação hipotética, tornando interessante a busca pelo aprimoramento das ideias sobre o assunto em questão (Gil, 2002). Silva e Moura (2000), afirmam que o método interpretativo, adquire uma posição particular sobre as ideias, de modo a superar a mensagem do texto. Assim, interpretar é perceber as entrelinhas e compreender o texto, assumindo uma posição própria em relação às ideias expostas. Com isso, é também relatar o que foi dito, parafraseando, mas na sequência, ir além, ao inserir a interpretação em forma de comentário, ao discutir os argumentos e criar uma elaboração acerca dos conteúdos da leitura.

Deste modo, o método de trabalho da pesquisa se refere às regras - que tem função de orientar e estabelecer um norte para os objetivos de quem pesquisa - para conseguir alcançar os conhecimentos adequados baseados em evidências. Assim, este estudo apresenta o

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delineamento de uma pesquisa qualitativa, a partir do problema estabelecido possui cunho exploratória e interpretativa.

5.3 Instrumentos

Os materiais que servem de análise para este estudo, foram retirados de livros, artigos e especialmente do artefato cultural - uma autobiografia, selecionada para entendimento e discussão. Assim, para a seleção dos recortes de análise, foi criada a tabela 1 que serviu para categorizar e emparelhar os achados teóricos e autobiográficos realizados. Isso porque são as tabelas que possibilitam a integração dos dados obtidos, trabalhando, assim, os objetivos que se deseja investigar (Laville & Dionne, 1999).

5.4 Procedimentos

Inicialmente, se realizou a revisão da literatura, na tentativa de alicerçar os objetivos de pesquisa através de dados teóricos, que resultaram de buscas em diferentes bases de dados como Scielo, Portal de Periódicos CAPES, PePSIC, além de livros do acervo da Biblioteca Central da Universidade de Caxias do Sul. Com a finalidade de interpretar os materiais teóricos, através dos objetivos de pesquisa, foram aplicados os descritores: sexualidade masculina, sistema prisional e psicanálise.

Uma vez definido o artefato cultural, foi realizada a leitura do livro, com a finalidade de identificar os trechos que melhor respondem ao problema de pesquisa. Na sequência, se realizou a categorização das cenas, que serão discutidas posteriormente. Deste modo, a integração do conteúdo obtido e interpretado, realiza a articulação dos levantamentos feitos na revisão da literatura, alcançando maiores compreensões, e a resolução da questão problema (Laville & Dionne, 1999).

5.5 Referencial de Análise

A análise de conteúdo, tem por meta desconstruir a estrutura e os elementos do conteúdo, a fim de esclarecer as suas diferentes características e significações, porém, não se trata de um método rígido, uma vez que não se necessita seguir uma sequência fixa das etapas, sendo sim um conjunto de vias possíveis para a revelação ou reconstrução do significado do seu conteúdo (Laville & Dionne, 1999).

A análise do conteúdo, se refere a uma variedade de materiais que permitem mais abrangentes investigações, nesse sentido, o objetivo dá sentido aos específicos conteúdos encontrados. A assertividade e a transparência permitem a promoção das explicações sobre as análises de entendimento. Assim, sugere-se, pensar os modelos de recortes que podem

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incitar melhores compreensões ao que se busca analisar e interpretar. Foi utilizado o processo de emparelhamento para associar os dados obtidos, analisando as ideias, de maneira comprovável (Laville & Dionne, 1999).

Com isso, na análise de conteúdo se organizaram agrupamentos por relação de sentido. As categorias foram definidas a posteriori, pois em um primeiro momento não haviam sido estabelecidas, para melhor estudá-las, realizando maiores levantamentos de informações. Além disso, as categorias foram definidas pelo modelo aberto, muito utilizado em estudos de caráter exploratório, assim, foi durante a pesquisa que a elaboração das categorias de análise foi acontecendo, de modo a se direcionar e potencializar a compreensão dos conteúdos encontrados (Laville & Dionne, 1999).

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RESULTADOS

Conforme poderá ser observado, a tabela 1 apresenta o resultado dos recortes dos trechos do livro: Estação Carandiru, de Dráuzio Varella (1999), e suas respectivas categorias, que servem como material de análise para a discussão. A tabela foi dividida em três categorias de análise (1, 2 e 3), além de oito subcategorias (de a a h), distribuídas conforme as aproximações com as temáticas de análise intituladas. Em cada subcategoria poderá haver mais de um trecho do livro, visto que, a organização se deu conforme as semelhanças dos trechos selecionados, a fim de facilitar o desenvolvimento da discussão.

Tabela 1

Recortes e categorias de análise

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS DE ANÁLISE E RECORTES

1 Envolvimento Sexual

a) Promiscuidade e alternância de parceiros sexuais

O parceiro passivo não é considerado do sexo masculino. Nos estudos que conduzimos, não bastava perguntar se mantinham relações homossexuais. Era preciso acrescentar: e com mulher de cadeia? Antes das visitas íntimas, a homossexualidade era prolífica. Uma vez, dei o resultado positivo do teste de AIDS para um ladrão desdentado e perguntei-lhe se havia usado droga injetável no passado:

- Nunca. Peguei esse barato comendo bunda de cadeia. Muita bunda, doutor! (Varella, 1999, pp. 156)

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b) Práticas sexuais a esmo da orientação sexual

Dois homens marcaram seu coração: um traficante ciumento na cadeia e um francês na avenida, que no início pensou que ela fosse mulher. Foi casada um ano com o bandido; com o francês, oito meses, ganhou pulseira de ouro, vestidos, dinheiro e um colar de pérolas que ela empenhou na caixa.

Referências

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