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O direito penal do autor e a fixação da pena-base na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: análise dos fundamentos utilizados para a valoração das circunstâncias judiciais subjetivas

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Academic year: 2021

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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

Gabriela Patrícia de Souza

O direito penal do autor e a fixação da pena-base na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: análise dos fundamentos utilizados para a valoração das

circunstâncias judiciais subjetivas

Florianópolis 2020

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Gabriela Patrícia de Souza

O direito penal do autor e a fixação da pena-base na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: análise dos fundamentos utilizados para a valoração das

circunstâncias judiciais subjetivas

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora:Prof.ª Dra. Chiavelli Facenda Falavigno

Florianópolis 2020

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Souza, Gabriela Patrícia de

O direito penal do autor e a fixação da pena-base na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: análise dos fundamentos utilizados para a valoração das circunstâncias judiciais subjetivas / Gabriela Patrícia de Souza; orientador, Chiavelli Facenda Falavigno, 2020.

127 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Graduação em Direito, Florianópolis, 2020.

Inclui referências.

1. Direito. 2. Dosimetria. 3. Pena-base. 4.

Discricionariedade. I. Falavigno, Chiavelli Facenda. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação

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Gabriela Patrícia de Souza

O direito penal do autor e a fixação da pena-base na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: análise dos fundamentos utilizados para a valoração das

circunstâncias judiciais subjetivas

Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de “Bacharel” e aprovado em sua forma final pelo Curso Direito

Florianópolis, 13 de agosto 2020.

________________________ Prof. Luiz Henrique Cademartori, Dr.

Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

________________________ Profª. Chiavelli Facenda Falavigno, Dra.

Orientadora

Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Profª. Luana Renostro Heinen, Dra.

Avaliadora

Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Profª. Marília de Nardin Budó, Dra.

Avaliadora

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho representa o final de um ciclo e, sem dúvidas, muitas pessoas foram importantes durante esse período.

Agradeço aos meus pais, por todo o suporte ao longo da minha trajetória acadêmica. Ao meu namorado Matheus, pelo especial apoio de sempre.

A Bruna, Fabrícia, Lígia e Juliana, pela parceria nesses anos de graduação.

À equipe da 5° Procuradoria de Justiça Criminal, por ter me proporcionado o primeiro contato profissional com o direito penal.

À Profª. Chiavelli, pela excelente orientação em todas as etapas desse trabalho. Por fim, agradeço a todos aqueles que, de alguma forma, fizeram-se especialmente presentes na minha vida ou que contribuíram para a minha formação ao longo dos últimos anos.

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“Considerar o homem como uma coisa: pode-se ter uma forma mais expressiva da incivilidade? Mas é aquilo que acontece, infelizmente, nove entre dez vezes no processo penal. Na melhor das hipóteses aqueles que se vão ver, fechados nas jaulas como os animais do jardim zoológico, parecem homens de mentira ao invés de homens de verdade. E se, todavia, alguém percebe que são homens de verdade, parece-lhe que são homens de outra raça ou, quase, de outro mundo. Este não lembra, quando sente assim, a parábola do publicano e do fariseu, nem suspeita que a sua seja justamente a mentalidade do fariseu: eu não sou como este”.

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo verificar a relação entre a valoração das circunstâncias judiciais subjetivas e o direito penal do autor na jurisprudência catarinense. Inicialmente, é apresentada uma pesquisa bibliográfica com os principais pontos dogmáticos e jurisprudenciais acerca da dosimetria da pena, com destaque à sua primeira etapa e às controvérsias envolvendo cada um dos vetores relacionados ao agente criminoso. Ainda nessa primeira parte são destacadas as questões mais relevantes no que diz respeito à construção teórica do direito penal do autor. No capítulo seguinte tem-se uma exposição descritiva, por meio de tabelas, dos resultados obtidos através da análise dos precedentes do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no tocante às circunstâncias judiciais da culpabilidade, personalidade, conduta social, antecedentes e motivos do crime. Os dados empíricos são apresentados de modo a conferir especial relevo aos fundamentos e elementos de prova para apreciar os aludidos vetores, bem como a argumentação da instância revisora para reformar as decisões dos juízos singulares. Por fim, no terceiro capítulo, são confrontados, sob o viés de uma análise crítica, os parâmetros definidos pelo ordenamento jurídico para a quantificação da pena-base e a atuação dos magistrados catarinenses na valoração das circunstâncias judiciais subjetivas. A revisão bibliográfica e a pesquisa jurisprudencial revelam que a sistemática de definição da pena privativa de liberdade apresenta-se como um dos pontos mais controvertidos no direito penal brasileiro, haja vista o amplo espaço de discricionariedade conferido ao julgador nessa operação. Na análise do critério trifásico de Nelson Hungria, verifica-se que esse espaço de atuação judicial é mais amplo na fixação da pena-base, tendo em vista a tipicidade aberta que caracteriza o art. 59 do Código Penal deixa ao alvedrio do julgador o “preenchimento” de cada circunstância judicial com base nos elementos do caso concreto. Nesse cenário, como não é incomum no direito penal pátrio, exsurge a relação entre discricionariedade e arbitrariedade, notadamente em relação aos vetores da culpabilidade, personalidade e conduta social, constatando-se nos precedentes colhidos a ocorrência de julgamentos puramente morais sobre o agente criminoso em detrimento da correta análise do fato delitivo.

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ABSTRACT

This undergraduate thesis aims to analyse the relation between the subjective judicial circumstances and the offender's criminal law in the state of Santa Catarina's case law. Initially, a bibliographic research presents the main dogmatics and jurisprudential aspects of the penalty, mostly about the first step of calculation and the controversies around each of the vectors related to the offender. Also, the most relevant queries about the theoretical construction around the offender's criminal law are highlighted. On the following chapter, there is a description, through tables, of the results found by analysing the precedents of the Justice Court of Santa Catarina concerning the judicial circumstances of culpability, personality, social conduct, background information and crime motive. The empirical data are presented in order to emphasize the fundamental principles and elements of proof and how they are applied to the cases, as well as the argumentation of the appellate court to reform decisions from trial court. Finally, in the third chapter, under a critical analysis, the parameters defined by the legal system for the definition of the penalty and the practice of the judges of Santa Catarina towards the value of the subjective circumstances are confronted. The bibliographic review and case law research disclose that the definition of the custodial sentences presents itself as one of the most controversial aspects of the Brazilian criminal law, mostly due to the discretion given to the judge on these cases. Analyzing the three-phase criteria of Nelson Hungria, it is verified that this discretion is amplified in the fixation of the basis penalty, while contemplating the open concept that characterises the article 59 of the Brazilian Penal Code, that leaves it up to the judge to fill the criteria of each judicial circumstances according to the case. In this scenario, as it is not uncommon in the Brazilian criminal law, the connexion between discretion and arbitrariness becomes evident, notably due to the circumstances of guilt, personality and social conduct, the precedents indicate the incidence of rulings purely based on morals of the offendant rather than that accurate analysis of the crime.

Keywords: Dosimetry. Basis penalty. Discretion. Arbitrariness. Punitivism.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Precedentes do Tribunal de Justiça de Santa Catarina referentes à culpabilidade . 48 Tabela 2 - Precedentes do Tribunal de Justiça de Santa Catarina referentes aos vetores da personalidade e da conduta social ... 55 Tabela 3 - Precedentes do Tribunal de Justiça de Santa Catarina referentes à circunstância judicial da personalidade ... 60 Tabela 4 - Precedentes do Tribunal de Justiça de Santa Catarina referentes à circunstância judicial da conduta social ... 64 Tabela 5 - Precedentes do Tribunal de Justiça de Santa Catarina referentes ao vetor dos antecedentes. ... 69 Tabela 6 - Precedentes do Tribunal de Justiça de Santa Catarina referentes à circunstância judicial dos motivos do crime ... 75

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CP Código Penal

CTB Código de Trânsito Brasileiro LCP Lei das Contravenções Penais STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1 DOSIMETRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: O MÉTODO TRIFÁSICO E A CONTROVERTIDA FIXAÇÃO DA PENA-BASE ... 16

1.1 HISTÓRICO DO SISTEMA DE DEFINIÇÃO DA SANÇÃO CORPORAL NO DIREITO BRASILEIRO ... 16

1.2 O MODELO ATUAL: LINHAS GERAIS SOBRE O CRITÉRIO TRIFÁSICO DE NELSON HUNGRIA ... 18

1.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFORMADORES DA APLICAÇÃO DA PENA ... 20

1.4 A APLICAÇÃO DA PENA-BASE: ASPECTOS GERAIS E INTRODUTÓRIOS REFERENTES ÀS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS ... 23

1.4.1 Culpabilidade ... 26 1.4.2 Antecedentes ... 28 1.4.3 Conduta Social ... 31 1.4.4 Personalidade ... 33 1.4.5 Motivos ... 34 1.4.6 Circunstâncias do Crime ... 35 1.4.7 Consequências do Crime ... 36 1.4.8 Comportamento da Vítima ... 36

1.5 CRÍTICAS À PRIMEIRA ETAPA DOSIMÉTRICA: DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL E MANIFESTAÇÃO DO DIREITO PENAL DO AUTOR ... 37

2 FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA: FUNDAMENTOS E ELEMENTOS DE PROVA UTILIZADOS PARA A VALORAÇÃO DOS VETORES SUBJETIVOS ... 42

2.1 CULPABILIDADE ... 46

2.2 PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL ... 52

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2.2.2 Conduta Social ... 62

2.3 ANTECEDENTES ... 67

2.4 MOTIVOS ... 73

3 A APRECIAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS SUBJETIVAS PELOS MAGISTRADOS CATARINENSES: ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DOS PARÂMETROS IMPOSTOS PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO ... 78

3.1 CULPABILIDADE ... 79

3.2 PERSONALIDADE ... 87

3.3 CONDUTA SOCIAL... 92

3.4 ANTECEDENTES ... 95

3.5 MOTIVOS ... 99

3.6 A AMPLITUDE SEMÂNTICA DOS VETORES SUBJETIVOS E O DIREITO PENAL DO AUTOR: JULGAMENTO DO FATO OU DO AGENTE CRIMINOSO? ... 101

3.7 CULPABILIDADE, PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL: AMPLIAÇÃO DO DECISIONISMO JUDICIAL ... 106

3.8 OS VÍCIOS DA SISTEMÁTICA ATUAL E A NECESSIDADE DE MUDANÇA: DEFINIÇÃO DE CRITÉRIOS PARA A QUANTIFICAÇÃO DA PENA-BASE ... 108

4 CONCLUSÃO ... 111

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INTRODUÇÃO

O procedimento de aplicação judicial da pena, historicamente caracterizado pelo amplo espaço de discricionariedade conferido ao julgador, provocou, na pré-modernidade, a reação iluminista ao arbítrio punitivo dos magistrados, tendo o movimento de reforma penal como um de seus principais expoentes Cesare Beccaria, defensor da humanidade das penas e da proporcionalidade entre o delito e a sua punição.

Em sua obra “Dos Delitos e das Penas”, Beccaria (1999, p. 30) afirma que

[...] só as leis podem determinar as penas fixadas para os crimes, e esta autoridade somente pode residir no legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social. Nenhum magistrado (que é parte da sociedade) pode, com justiça, aplicar pena a outro membro dessa mesma sociedade, pena essa superior ao limite fixado pelas leis, que é a pena justa acrescida de outra pena. Portanto, o magistrado não pode, sob qualquer pretexto de zelo ou de bem comum, aumentar a pena estabelecida para um delinquente cidadão [...].

Com o objetivo de impor freios ao despotismo judicial à época, o movimento iluminista, conforme esclarece Luigi Ferrajoli (2002, p. 324), incorreu no equívoco da concepção “do juiz como ‘boca da lei’, da necessidade de uma absoluta predeterminação legal da pena e da supressão de qualquer discricionariedade judicial na valoração da gravidade do delito e, por conseguinte, na medida da pena correspondente”.

Desse breve recorte histórico, é possível verificar que na aplicação judicial da pena surge o desafio de conciliar dois importantes princípios norteadores do direito penal, quais sejam, o da legalidade e o da individualização da pena, de modo a afastar a atuação de um juiz como mero aplicador da lei e, ao mesmo tempo, impor limites à atividade judicial para evitar arbitrariedades.

Esse conflito revela-se, no sistema penal brasileiro, sobretudo na primeira etapa dosimétrica da pena privativa de liberdade, haja vista que o nosso Código Penal não oferece parâmetros para a delimitação do conteúdo das circunstâncias judiciais previstas no seu art. 59, deixando a cargo do magistrado não apenas a definição semântica de cada uma delas, como também a escolha dos elementos de prova para aferir a sua carga valorativa no caso concreto.

Nesse contexto de tipicidade aberta, faz-se necessária a imposição de limites à atuação judicial na definição da pena, restando, pois, à jurisprudência e à doutrina pátrias a tarefa de definir os contornos de cada um dos vetores que quantificam a sanção-base. Entretanto, malgrado os esforços nesse sentido, o que se observa é que:

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A determinação judicial da pena é, desde muito tempo, o muro de lamentação dos penalistas, tanto do campo científico como prático. E o lamentável é que a dogmática da determinação da pena, ou seja, a elaboração sistemática dos critérios estabelecidos pela lei, não atingiu um grau de precisão e transparência como o da dogmática dos pressupostos da punibilidade [teoria do delito] (HASSEMER, 1984, p. 137, apud CARVALHO, 2002, p. 37).

De fato, basta uma rápida leitura pelas doutrinas e manuais de direito penal brasileiro para se constatar que as questões atinentes à teoria do delito são amplamente analisadas, enquanto que a teoria da pena, mormente no que diz respeito às circunstâncias judiciais, não é tratada pelos autores com a mesma profundidade, existindo, além disso, divergências no tocante à definição de cada uma delas.

Por igual, a jurisprudência nacional revela a ausência de consenso no que diz respeito tanto aos conceitos de institutos relacionados à matéria, a exemplo da definição do vetor da culpabilidade, quanto no que concerne aos critérios norteadores da fixação da pena nos espaços de discricionariedade reservado pela lei ao julgador, como se vê na limitação temporal dos antecedentes criminais.

Dessa forma, considerando a pluralidade de interpretações que pode surgir na determinação da pena-base, verifica-se que a primeira etapa dosimétrica envolve diversos pontos controvertidos e é alvo frequente de impugnação pelos acusados, de forma que se pretende analisar, na presente pesquisa, a valoração das circunstâncias judiciais subjetivas – culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade e motivos do crime – pelos magistrados catarinenses sob a perspectiva dos parâmetros impostos pelo ordenamento jurídico pátrio.

No ponto, impende anotar que, em matéria penal, muitas vezes os espaços de discricionariedade resultam em arbitrariedade e consequente aumento de punição, especialmente contra a clientela habitual do sistema penal. Por isso, a escolha pelos vetores relacionados ao agente criminoso deu-se a fim de verificar se há, na fixação da pena, relação entre a avaliação das circunstâncias judiciais e uma perspectiva de direito penal do autor.

No primeiro capítulo, serão apresentadas as principais questões dogmáticas e jurisprudenciais acerca do critério trifásico, com enfoque especial à primeira etapa dosimétrica e a cada uma das circunstâncias judiciais e suas particularidades – incluindo aquelas de natureza objetiva -, bem como as linhas gerais acerca do direito penal do autor e direito penal do fato.

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Em seguida, proceder-se-á à análise dos precedentes colhidos no recorte feito na jurisprudência catarinense, apresentando-se, de forma descritiva, os dados mais relevantes de cada processo para o presente estudo, notadamente os fundamentos e os respectivos elementos de prova utilizados pelos juízos singulares para afastar a pena basilar do seu patamar mínimo legal.

Por fim, no terceiro capítulo, será traçado um quadro comparativo entre os dados empíricos coletados e o aporte teórico trazido no capítulo inicial, objetivando-se avaliar se a atuação dos juízos singulares na valoração das circunstâncias judiciais subjetivas relaciona-se à análise do fato delitivo, considerando o princípio da individualização da pena, ou se o julgamento recai exclusivamente sobre o autor do crime.

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1 DOSIMETRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: O MÉTODO TRIFÁSICO E A CONTROVERTIDA FIXAÇÃO DA PENA-BASE

1.1 HISTÓRICO DO SISTEMA DE DEFINIÇÃO DA SANÇÃO CORPORAL NO DIREITO BRASILEIRO

A análise da atividade jurisdicional no tocante à fixação da pena-base exige, em um primeiro momento, a compreensão da sistemática de definição da pena privativa de liberdade, impondo-se, para isso, que se parta de um breve resgate histórico da sua construção no ordenamento jurídico pátrio, notadamente no que diz respeito ao espaço de atuação conferido ao julgador na aplicação da sanção.

Retornando-se ao contexto anterior ao nosso primeiro Código Criminal, quando da vigência das Ordenações do Reino, constata-se que a privação de liberdade tinha como função segregar cautelarmente o acusado ou garantir o pagamento de sanções pecuniárias. À época, tanto no regime das capitanias quanto no dos governos gerais, o cenário era de total discricionariedade na mensuração da pena por parte das autoridades (ROIG, 2015b, p. 2-3).

Das três Ordenações - Afonsinas, Manuelinas e Filipinas -, as últimas foram as que por mais tempo vigoraram no território brasileiro, tendo aplicação ainda nos primeiros anos da fase imperial e caracterizando-se, segundo Aníbal Bruno (1967, p. 160),

[...] pela dureza das punições, pela frequência com que era aplicável a pena de morte e pela maneira de executá-la, morte por enforcamento, morte pelo fogo até o corpo ser reduzido a pó, morte cruel precedida de tormentos cuja crueldade ficava ao arbítrio do juiz; mutilações, marca de fogo, açoites abundantemente aplicados, penas infamantes, degredos, confiscações de bens.

Posteriormente, em obediência às disposições da Constituição de 1824, foi elaborado o Código Criminal do Império de 1830, legislação de feições nitidamente liberais e fortemente baseada no pensamento utilitarista de Benthan, tendo despertado o interesse de penalistas de outros países e influenciado a elaboração de outros diplomas legais, a exemplo do Código espanhol de 1848 (BRUNO, 1967, p. 165).

A primeira codificação penal brasileira ainda apresentava, em certa medida, traços do sistema punitivo da Idade Média, dado que o julgador deveria individualizar a sanção conforme graus rigidamente preestabelecidos, variando estes entre mínimo, médio e máximo, a depender da quantidade de agravantes e atenuantes, sendo que na dúvida deveria prevalecer o grau médio.

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Nessa sistemática, não era conferido ao julgador poder de escolha, limitando-se ele a verificar o fato e o seu respectivo grau de reprovação para, então, aplicar a sanção correspondente, nos moldes do juiz “boca de lei” da França revolucionária (BOSCHI, 2014, p. 146).

Na república, com o Código Criminal de 1890, introduziu-se no sistema anterior graus intermediários de reprovação entre os já definidos e as circunstâncias agravantes adquiriram especial relevo na individualização da pena. Em relação a esse novo diploma legal, Boschi (2014, p. 147), citando lição de Pedro Vergara, registra que

[...] conforme a aritmética penal determinada pela necessidade de identificação de graus intermediários, a pena poderia fragmentar-se por meio de duas operações elementares: a soma e a divisão por dois entre o mínimo e o máximo (gerando o grau médio); entre o mínimo e o médio (gerando o submédio) e entre o médio e o máximo (gerando o submáximo). A ausência de agravantes implicava reconhecimento da pena no grau médio, o que, convenhamos, não escondia o propósito grosseiro do Código de fazê-las atuar sempre, ainda que não incidissem no caso concreto! Em suma, ainda na lição do saudoso e genial jurista, “não era o juiz que graduava a pena; também não era o criminoso que servia de objeto a essa graduação; a bem dizer, nem era o crime,

in concreto, que oferecia as condições dessa dosagem; a soberania do direito penal,

na sua adequação prática, que é a arte da aplicação da pena, era exercida, firme e hieraticamente, por esta deusa da medida: a aritmética”.

Elaborado às pressas e alvo de duras críticas, o Código Republicano teve acrescentado ao seu texto, por meio de leis esparsas, mudanças e aditamentos a fim de corrigir as suas imperfeições, as quais foram compiladas e sistematizadas pelo desembargador Vicente Piragibe em 1932, dando origem à Consolidação das Leis Penais (BRUNO, 1967, p. 167).

Em que pese a edição desse novo texto legal, mantiveram-se os mesmos critérios de mensuração da pena, havendo mudança nesse aspecto apenas com o Código Penal de 1940, diploma que acabou com o sistema de penas tarifadas e conferiu maior subjetividade ao processo de aplicação da pena, sobretudo porque, das seis circunstâncias judiciais nele elencadas, quatro diziam respeito ao acusado, quais sejam, os antecedentes, a personalidade, a intensidade do dolo ou grau da culpa e os motivos. Os vetores de caráter objetivo, por sua vez, limitavam-se às circunstâncias e consequências do crime (ROIG, 2015b, p. 6-9).

Dessa forma, conforme bem anotado por Boschi (2014, p. 148), observa-se que “o legislador delegou ao juiz, avisadamente, um arbítrio, prudente e relativo, como deve ser todo arbítrio, ditando normas taxativas para limitá-lo e conduzi-lo no caso concreto”.

No ponto, importa anotar que, muito embora não tenha prosperado, houve uma tentativa de substituição do Estatuto Repressivo de 1940 com a sanção do Código Penal do governo militar em 1969, diploma que possuía diferenças tecnocráticas em relação ao seu

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antecessor, apresentando, entretanto, o mesmo espírito repressivo (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2019, p. 203). Sobre esse estatuto, Roig (2015b, p. 9), observa que

Impregnado por forte influência positivista e reflexo de um Direito Penal que se apresentava como "instrumento meramente pragmático de interesses do poder que recorria à pena de prisão como uma ameaça de rotina", o Código de 1969 estabelecia como finalidade maior da pena a prevenção especial, evidenciada na redação do art. 37: "A pena de reclusão e a de detenção devem ser executadas de modo que exerçam sobre o condenado uma individualizada ação educativa, no sentido de sua recuperação social”.

Com a edição do Código Penal de 1940, iniciou-se intensa discussão doutrinária acerca do melhor método de definição da pena privativa de liberdade. Um deles, defendido por Roberto Lyra, fixava a pena-base a partir do termo médio, considerando-se de forma geral as circunstâncias judiciais e, de modo especial, as agravantes e atenuantes. Fixada a sanção base, seriam analisadas as causas de aumento ou redução da pena, caracterizando, portanto, um sistema bifásico de dosimetria da pena (ROIG, 2015b, p. 6-8).

Lado outro, Nelson Hungria defendia o seu sistema trifásico, o qual restou positivado com a reforma legislativa do Código Penal em 1984 (ROIG, 2015b, p. 8-9), como se vê no art. 51 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral:

[...] O Projeto opta claramente pelo critério das três fases, predominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fixa-se, inicialmente, a pena-base, obedecido o disposto no artigo 59, consideram-se, em seguida, as circunstâncias atenuantes e agravantes, incorporam-se ao cálculo, finalmente, as causas de diminuição e aumento. Tal critério permite o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos elementos incorporados à dosimetria. Discriminado, por exemplo, em primeira instância, o quantum da majoração decorrente de uma agravante, o recurso poderá ferir com precisão essa parte da sentença, permitindo às instâncias superiores a correção de equívocos hoje sepultados no processo mental do juiz. Alcança-se, pelo critério, a plenitude da garantia constitucional da ampla defesa. (BRASIL, 1984).

É esse o sistema ainda adotado pelo nosso ordenamento jurídico, razão pela qual impõe-se uma análise mais detalhada de suas etapas, mormente no que diz respeito à fixação da pena-base, objeto de estudo do presente trabalho.

1.2 O MODELO ATUAL: LINHAS GERAIS SOBRE O CRITÉRIO TRIFÁSICO DE NELSON HUNGRIA

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A opção pela definição do quantum da pena privativa de liberdade em três etapas está prevista no art. 68 do Código Penal, estabelecendo o dispositivo legal que, partindo-se da pena mínima abstratamente cominada para cada delito,

a pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua (BRASIL, 1940).

De início, importa observar que, conforme leciona Guilherme de Souza Nucci (2019, p. 761), o procedimento de aplicação da pena consubstancia-se em

[...] um processo judicial de discricionariedade juridicamente vinculada visando à suficiência para prevenção e reprovação da infração penal. O juiz, dentro dos limites estabelecidos pelo legislador (mínimo e máximo, abstratamente fixados para a pena), deve eleger o quantum ideal, valendo-se do seu livre convencimento (discricionariedade), embora com fundamentada exposição do seu raciocínio (juridicamente vinculada). Consiste na aplicação prática do princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF).

Outrossim, conforme esclarecem Callegari e Pacelli (2016, p. 489), fala-se em sistema trifásico tão somente para que seja possível diferenciar o objeto das considerações a serem feitas na sequência prevista no art. 68 do Código Penal, de modo que, adotando-se o método sucessivo, primeiramente deverão ser avaliadas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, com a fixação da pena-base; na sequência, são analisadas as circunstâncias atenuantes e agravantes, chegando-se à pena provisória. Ao final, verifica-se a aplicação de causas de aumento e de diminuição de pena sobre a pena provisória, chegando-se, assim, à pena definitiva.

No ponto, cumpre registrar que, segundo tese firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, “em observância ao critério trifásico da dosimetria da pena estabelecido no art. 68 do Código Penal, não é possível a compensação entre institutos de fases distintas”. Dessa forma, muito embora possa haver compensação entre atenuantes e agravantes na segunda etapa dosimétrica, por exemplo, é vedada a mesma operação entre uma circunstância judicial negativa e uma minorante (FALAVIGNO, 2017, p. 239 e 245).

Como se vê, é bastante considerável o espaço de discricionariedade reservado ao julgador nessa operação, impondo-se, dessa forma, a devida fundamentação da decisão que

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individualiza a pena, de modo a oportunizar ao acusado conhecer a razão de decidir do magistrado e avaliar a sua adequação às normas legais, sendo insuficiente, portanto, a simples menção genérica a dispositivos do Código Penal, sob pena de nulidade da sentença por ausência de fundamentação (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2019, p. 734).

Ademais, cumpre observar que as operações realizadas no cálculo dosimétrico não se resumem à simples aritmética, devendo o juiz, de forma fundamentada, indicar como analisou cada circunstância, de forma que as partes consigam entender os critérios por ele utilizados na fixação da pena (BITENCOURT, 2019, p. 839).

No mesmo sentido de que a fixação da pena não pode ser compreendida como mera aplicação matemática, Nucci (2019, p. 763) sustenta que constitui

[...] enorme vantagem aos réus, especialmente os primários e de bons antecedentes, a individualização da pena, pois é a única válvula de escape para que não sejam comparados e padronizados aos delinquentes profissionais ou habituais. Se as penas fossem matematicamente aplicadas, somente com critérios objetivos, até mesmo entre os primários, sem antecedentes, haverá injustiça, pois, o comportamento de ambos, no cometimento do mesmo crime, podem ser totalmente diversos. Somente aspectos subjetivos podem permitir ao juiz distinguir entre réus, ainda que use o fato praticado como parâmetro para julgá-los.

Destarte, apresentado breve panorama geral acerca do sistema trifásico de dosimetria da pena, observa-se que o método confere amplo espaço de discricionariedade judicial na aplicação da sanção penal, ante a ausência de parâmetros legais criteriosamente estabelecidos, sendo alvo, portanto, de inúmeras críticas diante dos equívocos e arbitrariedades cometidos pelos julgadores.

No presente trabalho, serão destacadas as críticas relacionadas à fixação da pena-base, contudo, antes de debruçar-se sobre a primeira etapa dosimétrica, faz-se necessário apontar algum dos princípios previstos na Constituição Federal que devem guiar a atividade jurisdicional na aplicação da pena.

1.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFORMADORES DA APLICAÇÃO DA PENA

São inúmeros os princípios constitucionais que norteiam as atividades de cominação, aplicação e execução das sanções penais, importando destacar, no presente estudo, apenas os principais relacionados à atividade de definição da pena no caso concreto pela autoridade judiciária.

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Conforme já registrado, o processo de definição do quantum de pena a ser imposta ao acusado consiste na aplicação prática do princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal1 .

Em obra específica sobre o referido princípio, Nucci (2014, p. 29-30) leciona que por meio dele busca-se a escolha da justa e adequada sanção ao caso concreto, fugindo-se, dessa forma, da padronização da pena com a adoção de um modelo unificado que, no seu entender, apresenta-se como empobrecido e injusto.

A individualização da pena quando da prolação da sentença, também chamada de adaptação judicial das sanções penais ou aplicação da pena, pode ser considerada, conforme destaca Francisco Bissoli Filho (2016, p. 126), com base no pensamento de Rivacoba y Rivacoba, a mais verdadeira das etapas de individualização, porquanto é nela que a abstrata ameaça penal ganha concretude.

Outrossim, considerando-se a ausência de definição legal para cada circunstância judicial do art. 59 do Código Penal, conforme se analisará adiante, cumpre ressaltar o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal 2 e no art. 1º do Código

Penal 3, prevendo a impossibilidade de aplicação de punição na esfera penal sem que a conduta

e a sanção a ela correspondente estejam previstas em lei prévia, certa, estrita e prévia, regendo esse princípio todas as etapas de cominação, aplicação e execução das penas (BISSOLI FILHO, 2016, p. 36-7).

Sobre o citado princípio, Nucci (2014, p. 39-40) esclarece que para que haja um legítimo processo de individualização da pena, é imprescindível a previsão legal não apenas da sanção penal, mas, também, e de forma expressa, de todos os critérios norteadores da sua quantificação e execução. Para o doutrinador, o princípio da legalidade, no âmbito do direito penal, equipara-se à reserva legal, não obstante o entendimento doutrinário de que a legalidade seria gênero e, a reserva legal, uma de suas espécies. Ainda, estabelecendo a relação entre o princípio da legalidade e o da individualização da pena, o mesmo autor registra, com base em lição de Anabela Miranda Rodrigues, que

[...] o que em regra se passa é que o juiz é chamado a determinar a pena em uma medida compreendida entre um máximo e um mínimo predeterminado na lei, no singular preceito incriminador. Solução que, se por um lado, como se viu, satisfaz as atuais exigências do princípio da legalidade da pena, por outro lado garante as

1 A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: [...] 2 Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. 3 Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

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exigências de individualização, numa confluência de interesses a que não é estranha a relativização que sofreram os postulados básicos das Escolas clássica e positiva, inspiradores de concepções extremas.

Ademais, mister atentar-se também ao princípio implícito do ne bis idem, relacionado com o princípio da dignidade humana, este previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, dado que, não raras as vezes, observa-se que determinado elemento presente nos autos é utilizado para agravar a pena em mais de uma de suas etapas, a exemplo do emprego da mesma condenação transitada em julgada para valorar a agravante da reincidência e a circunstância judicial dos antecedentes, resultando em uma dupla punição pelo mesmo fato (BISSOLI FILHO, 2016, p. 122-123).

E a vedação ao bis in idem relaciona-se ao também ao princípio da proporcionalidade, igualmente implícito no texto constitucional e de observância obrigatória na aplicação judicial da sanção penal, afirmando Nucci (2015, p. 284) a respeito que

A dimensão da proporcionalidade atinge outros princípios penais, visto que se torna desarmônico e desequilibrado aplicar uma pena privativa de liberdade, por exemplo, a uma infração penal insignificante; melhor indicação se tem ao aplicar o princípio da intervenção mínima, reputando-a fato atípico, diante da exígua ofensividade. Do mesmo modo, conforme o grau de individualização da pena realizado, pode tornar-se proporcional e adequado aplicar uma pena superior ao mínimo, quando se está julgando delito grave e provocador de extensa lesão. A avaliação da culpabilidade – se houve dolo ou culpa – tende a construir, proporcionalmente, sanções mais leves ou mais severas. Respeitando-se a legalidade, tem-se por correta determinada sanção previamente cominada em lei, desde que se afigure proporcional ao crime para o qual foi destinada. Em suma, desumana seria a sanção penal, quando aplicada em nítida desproporção entre o fato e o dano gerado.

Ainda, constata-se que o sistema trifásico tem por finalidade permitir a aplicação prática do princípio da ampla defesa, insculpido no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal

4, já que, ao realizar o cálculo dosimétrico, o magistrado explica ao acusado os parâmetros

adotados para a fixação da pena privativa de liberdade (CUNHA, 2016, p. 413).

E assim procedendo, o julgador cumpre o mandamento constitucional previsto no art. 93, inciso IX5, qual seja, a fundamentação de todas as decisões emanadas pelo Poder Judiciário,

buscando-se por meio desse princípio, consoante Roig (2015a, p.86),

4 Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório

e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

5 Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob

pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

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[...] ater o decisionismo judicial às margens racionalmente traçadas pelos postulados do Estado Democrático de Direito e pela prevalência dos direitos fundamentais em matéria penal, exigindo ainda da agência judicial exaustivo esforço argumentativo sempre quando não puder maximizar o amparo ao indivíduo.

Destarte, vistos alguns dos limites impostos pela Constituição Federal à aplicação da sanção penal, passa-se à análise dos parâmetros legais e jurisprudenciais estabelecidos para a fixação da pena-base e, na sequência, das críticas a essa operação sob o enfoque de uma perspectiva de direito penal do autor.

1.4 A APLICAÇÃO DA PENA-BASE: ASPECTOS GERAIS E INTRODUTÓRIOS REFERENTES ÀS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

O processo de definição da pena privativa de liberdade tem início na fixação da sanção base, conforme a sequência adotada pelo retrotranscrito art. 68 do Código Penal, etapa na qual serão analisadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do mesmo diploma legal:

O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: [...]. (BRASIL, 1940).

Os referidos vetores dividem-se em objetivos (circunstâncias e consequências do crime, além do comportamento da vítima) e subjetivos (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade e motivos), estes relacionados ao sujeito ativo do fato delitivo (BOSCHI, 2014).

Por sua vez, Juarez Cirino dos Santos (2017, p. 522) reúne as circunstâncias judicias em três grupos: elementos do agente (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade e motivo), do fato (circunstâncias e consequências do crime) e do ofendido (comportamento da vítima).

Inicialmente, deve-se observar que inexiste no atual Código Penal uma definição da pena-base como havia no estatuto repressivo de 1969, estando previsto nesse diploma legal, em seu art. 63, que "a pena que tenha de ser aumentada ou diminuída, de quantidade fixa ou dentro de determinados limites, é a que o juiz aplicaria, se não existisse a circunstância ou causa que importe o aumento ou a diminuição (Pena base) ” (BRASIL, 1969).

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A pena-base é assim chamada por ser a primeira referência quantitativa nas três fases de fixação da pena, haja vista que

[...] serve de base “[...] para alguma coisa; é precisamente; sê-lo-á, dessa agravação ou atenuação. Como poderia o juiz proceder a um aumento ou diminuição sem um termo fixo, um ponto de partida? Sem essa função não há mister indagar de base: a pena seria, logo, a concreta, individualizada, sem indagação de causas especiais ou circunstâncias comuns que influam na sua agravação ou atenuação. A pena-base, assim, surge como uma necessidade prática e vinculada à aplicação mesma do sistema. Ela se impõe como fundamento, ponto de partida de uma operação, unidade sobre assentam ulteriores acréscimos ou diminuições” [...] (DUARTE, 1942, p. 209, apud, BOSCHI, 2014, p. 159).

Nessa primeira fase objetiva-se determinar, conforme ensinam Zaffaroni e Pierangeli (2019, p. 736), quatro consequências necessárias ou eventuais, isto é, decidir quais são as penas aplicáveis e se há cominação alternativa; delimitar, tomando-se por base os limites mínimo e máximo previstos para o tipo penal, qual é a quantidade de pena que deve ser aplicada no caso concreto; fixar, em caso de pena privativa de liberdade, o regime inicial de resgate da reprimenda imposta; e, por fim, quando a pena corporal deve ser substituída por outra pena, seja restritiva de direitos ou multa.

Para o presente trabalho, importa apenas um estudo mais pormenorizado das circunstâncias judiciais que norteiam o julgador na quantificação da pena-base, as quais, conforme o legislador, têm por objetivo delimitar, em decorrência do princípio da legalidade, o espaço de liberdade conferido ao magistrado na pena cabível à espécie (CALLEGARI; PACELLI, 2016, p. 489).

Assim, inicia-se o cálculo dosimétrico com a análise da pena cominada ao tipo penal, seja este simples ou qualificado, e das circunstâncias de caráter subjetivo ou objetivo a partir das quais o juiz irá valorar a medida da culpabilidade e a necessidade da aplicação da pena em relação ao seu fim preventivo. Deve-se atentar que, muito embora o art. 59 do CP elenque 8 (oito) vetores, para Callegari e Pacelli (2016, p. 829), a análise de todos eles se resume a esses dois fatores: culpabilidade e prevenção.

Outrossim, importante anotar que as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal são assim denominadas em razão de não serem definidas pela lei, deixando-se ao magistrado a função de identificá-las e mensurá-las no caso concreto, sendo esses vetores critérios a impor limites à atividade jurisdicional (BITENCOURT, 2019, p. 829).

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São denominadas como judiciais as circunstâncias do art. 59 e de legais as demais espécies porque quem confere em concreto a carga de valor para cada uma delas é o juiz no momento em que estiver individualizando a pena-base, ao passo que a carga de valor das circunstâncias legais é estabelecida pelo legislador e não pode ser alterada pelo magistrado. Assim, por exemplo, os antecedentes ou a conduta social – como circunstâncias judiciais – poderão ser valorados positivamente num processo e negativamente em outro processo, tudo dependendo das informações sobre a folha corrida ou o comportamento do acusado em sociedade, respectivamente.

Para que o afastamento da pena do seu mínimo legal seja legítimo, segundo entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, tem-se que “o aumento da pena-base em virtude das circunstâncias judiciais desfavoráveis (art. 59, CP) depende de fundamentação concreta e específica que extrapole os elementos inerentes ao tipo penal” (REALE JÚNIOR, 2017, p. 27 e 30).

Assim, partindo-se de um juízo de reprovabilidade com a análise da culpabilidade do agente, passa-se a determinar em que medida a sua conduta deve ser censurada, tomando-se por base, com a exclusão das circunstâncias já consideradas pelo legislador quando da elaboração do tipo penal, “dados reais, relativos às circunstâncias referidas seja ao fato seja ao próprio agente em sua vida e sua personalidade, que impliquem em maior ou menor reprovabilidade aferida em constante avaliação” (REALE JÚNIOR, 2017, p. 31).

Ainda, observa-se as referidas circunstâncias são residuais, isto é, podem ser valoradas pelo julgador na fixação da pena-base desde que não constituam qualificadoras ou privilégios, causas de aumento ou de diminuição e atenuantes ou agravantes, existindo, para cada uma delas, o momento ideal de sua avaliação, seja antes do delito (como os antecedentes), no momento do fato criminoso (a exemplo dos motivos), após a prática delitiva (consequências), bem como antes e depois do delito (comportamento da vítima) (NUCCI, 2019, p. 764-765).

No ponto, importa registrar que em relação ao concurso de qualificadoras no caso concreto, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que apenas umas delas “[...] enseja o tipo qualificado, enquanto as outras devem ser consideradas circunstâncias agravantes, na hipótese de previsão legal, ou, de forma residual, como circunstância judicial do art. 59 do Código Penal” (FALAVIGNO, 2017, p. 325).

Por derradeiro, antes de prosseguir à análise sequencial de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, cumpre mencionar a existência de circunstâncias judiciais específicas na legislação extravagante, a exemplo do previsto na Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) em seu art. 42: “o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o

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previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente” (BRASIL, 2006).

1.4.1 Culpabilidade

A culpabilidade foi inserida como uma das circunstâncias judiciais para fixação da pena-base com a reforma legislativa da parte geral do Código Penal em 1984, substituindo a expressão “intensidade do dolo ou da culpa”, como se vê no art. 50 da sua Exposição de Motivos: “[...] Preferiu o Projeto a expressão ‘culpabilidade’ em lugar de ‘intensidade do dolo ou grau da culpa’, visto que graduável é a censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena [...]” (BRASIL, 1984).

De acordo com Vanzolini e Junqueira (2018, p. 601-602), observa-se que

A intensidade do dolo era comumente interpretada a partir da atual consciência da ilicitude do fato, que era estrutura do dolo normativo, próprio do causalismo e do neokantismo, mas abandonado pelo finalismo. Assim, diante do ora adotado dolo natural, queda desgastado o conceito de intensidade do dolo, que em seu estado originário já não se justifica. O grau da culpa também foi abandonado com o deslocamento de tal apreciação nas estruturas do crime. Antigamente, tal juízo era feito na culpabilidade, em que figuravam o dolo e a culpa, como era comum no causalismo e no neokantismo. No finalismo, a verificação da culpa é deslocada para a tipicidade, momento em que a apreciação do desvalor jurídico do comportamento em relação ao cuidado esperado é, ainda, algo superficial. A verificação “profunda” é feita, mais uma vez, apenas na culpabilidade. Por tal razão, o grau de culpa também não é hoje validado pela doutrina.

Inicialmente, cumpre anotar que a culpabilidade prevista no art. 59 do Código Penal é aquela compreendida em seu sentido lato, isto é, a reprovação social que deve ser atribuída ao delito e ao seu autor, dado que a culpabilidade em sentido estrito, analisada para verificar a existência de um delito, considera, além da reprovação social, a imputabilidade, a potencial consciência de ilicitude e a exigibilidade e a possibilidade de agir em conformidade com o direito (NUCCI, 2019, p. 769-771).

Aliás, sobre essa diferenciação, firmou-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a seguinte tese:

A culpabilidade normativa, que engloba a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa e que constitui elementar do tipo penal, não se confunde com a circunstância judicial da culpabilidade (art. 59 do CP), que diz respeito à demonstração do grau de reprovabilidade ou censurabilidade da conduta praticada (REALE JÚNIOR, 2017, p. 51).

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No ponto, oportuno registrar a crítica feita por Juarez Cirino dos Santos (2017, p. 523) acerca da culpabilidade enquanto um dos vetores para fixar a pena-base, argumentando o doutrinador que

[...] a culpabilidade do autor pela realização do tipo de injusto não é mero elemento informador do juízo de reprovação, mas o próprio juízo de reprovação pela realização do tipo de injusto (o que é reprovado no autor), cujos fundamentos são a imputabilidade, a consciência do injusto e a exigibilidade de comportamento diverso (porque o autor é reprovado). A inclusão da culpabilidade como circunstância judicial de formulação do juízo de reprovação constitui impropriedade metodológica, porque o juízo de culpabilidade, como elemento do conceito de crime, não pode ser, ao mesmo tempo, simples circunstância de informação do juízo de culpabilidade.

De acordo com Bitencourt (2019, p. 830), a referida circunstância judicial realiza a função de medição da pena, isto é, não deve ser compreendida como fundamento da sanção a ser imposta, mas como limitadora desta, analisando-se, neste vetor, o maior ou menor grau de reprovabilidade da conduta perpetrada pelo agente, tomando-se por base, para isso, as circunstâncias fáticas do caso concreto, notadamente a maior ou menor exigibilidade de conduta diversa.

Nesse sentido, a culpabilidade enquanto um dos critérios de fixação da pena-base é compreendida como nível de reprovabilidade social da conduta considerada no caso concreto, a partir da análise de elementos que não são expressamente previstos como circunstâncias judiciais ou legais, a fim de que não se incorra na violação ao ne bis in idem. Para isso, devem ser considerados todos os elementos que são capazes de influenciar a capacidade do sujeito de motivar as suas ações em conformidade com o ordenamento jurídico, julgando-se, no caso concreto, o homem que de fato cometeu o delito, e não um indivíduo abstrato (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2018, p. 600).

Em relação à análise dessa circunstância surge, conforme destacam Junqueira e Vanzolini (2018, p. 601-602), a polêmica acerca da história de vida do criminoso como elemento de sua valoração, não obstante a previsão da conduta social como um dos vetores previstos para fixar a pena-base. Ainda que não se pretenda adentrar, de forma pormenorizada, nessa controvérsia e em todas aquelas referentes à culpabilidade, importa registrar que, segundo esses autores, há dois posicionamentos sobre a questão:

I – [...] permitir que a pena seja influenciada pela história de vida do sujeito seria admitir o odioso direito penal do autor, ou seja, o sujeito passaria a ser punido pelo o

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que é, e não pelo que fez. Apenas as características pessoais que se concretizam em circunstâncias do caso concreto, objeto da persecução penal, é que podem ser consideradas, sem investigação sobre a “história de vida”.

II – [...] não há como valorar a reprovabilidade concreta sem considerar as circunstâncias que, de alguma forma, influenciaram na capacidade do sujeito de se comportar de acordo com o direito, ou, ainda se motivar conforme ao ordenamento. Apenas com a apreciação das circunstâncias socioculturais será possível cumprir o mandamento constitucional de individualização da pena.

Adotando-se a segunda posição, há ainda outra divergência: para alguns, as circunstâncias socioculturais do indivíduo só poderiam abrandar a pena, por outro lado, o entendimento majoritário é de que elas também podem ser usadas para a agravar a reprimenda. Em conformidade com esse segundo posicionamento, o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu no julgamento do Habeas Corpus n. 194.326/RS:

A Turma decidiu que não há constrangimento ilegal em fixar a pena-base acima do mínimo legal, considerando-se mais elevada a culpabilidade do paciente, ocupante de cargo público relevante, com alto grau de instrução, por ter apresentado, em uma barreira de fiscalização policial, documento público falsificado, praticando, assim, o crime do art. 304 do CP.[...] (BRASIL, 2017).

Ainda, Junqueira e Vanzolini (2018, p. 601- 603) destacam que no âmbito daquela Corte Superior a premeditação 6, assim como a vulnerabilidade emocional e psicológica da

vítima, já foram consideradas como elementos de valoração negativa da culpabilidade, conforme registrado, respectivamente, nos julgamentos do AgRg no AREsp 288922/SE, Rel. Min. Laurita Vaz, 5º Turma, j. 18/06/2014 e do AgRg no AREsp 781.997/PE, 6º Turma, DJe 1º/02/2016.

1.4.2 Antecedentes

O segundo vetor previsto no rol do art. 59 do Código Penal diz respeito aos fatos anteriores ao delito praticado pelo réu, sendo que a sua previsão legal, conforme defendido por Callegari e Pacelli (2016, p. 493),

[...] pode trazer graves riscos da aplicação de um direito penal do autor, por meio do qual se passa a examinar o fato, não só por ele mesmo, mas também a conduta pregressa do agente, como se seus erros anteriores devessem ser levados em consideração para fins de aumento da pena, ainda que tais erros não tenham sido objeto de reprimenda judicial (penal ou não).

6 A respeito desse fundamento, o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese de que “a premeditação do crime

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De acordo com Bitencourt (2019, p. 8300-832), esses fatos pretéritos podem ser bons ou maus, e têm por objetivo aferir a maior ou menor proximidade do réu com a prática criminosa, destacando o autor, ainda, que só podem ser considerados maus antecedentes decisões condenatórias irrecorríveis, sob pena de violação à Constituição Federal.

Assim, tem-se que inquéritos policiais em andamento ou que já tenham sido arquivados, independentemente do motivo, não podem ser considerados como maus antecedentes, estendendo-se o mesmo raciocínio às ações penais em curso ou já finalizadas com a absolvição do réu, pouco importando o fundamento absolutório empregado (BITENCOURT, 2019, p. 830-832).

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça esclareceu no enunciado da Súmula n. 444 que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base” (BRASIL, 2019, p. 239).

Ademais, no que concerne ao lapso temporal em que podem ser reconhecidos os maus antecedentes em desfavor do réu, Bitencourt (2019, p.830-832), defendendo posição minoritária, afirma que deve ser observado em relação aos maus antecedentes, por analogia, o mesmo prazo depurador previsto para a agravante da reincidência no art. 64, inciso I, do Código Penal:

Não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação (BRASIL, 1940).

No mesmo sentido, Vanzolini e Junqueira (2018, p. 605) argumentam que entendimento diverso seria inconstitucional, porquanto ter-se-ia uma consequência penal de natureza perpétua, violando-se, assim, o princípio constitucional da humanidade das penas.

Por outro lado, acerca dessa particularidade, Nucci (2019, p. 772-774) defende que, contrariamente à reincidência, não há que se falar em caducidade dos maus antecedentes, sustentando o doutrinador, ainda, que uma vez

Comprovada a reincidência, deve o juiz aplicar a agravante (art. 61, inciso I, CP), que pode gerar uma elevação da pena, na segunda fase da fixação da pena, de um sexto ou mais. Quanto aos antecedentes, a sua aplicação depende do critério do julgador, sendo de consideração facultativa. Ademais, os maus antecedentes devem ser avaliados pelo magistrado no caso concreto, justamente para que demonstrem alguma conexão com o crime cometido pelo agente.

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Outrossim, esse mesmo autor observa que a jurisprudência majoritária não leva em conta qualquer prazo depurador, destacando, contudo, precedentes do Supremo Tribunal Federal aplicando aos maus antecedentes o prazo depurador da reincidência, sendo que a questão ainda não foi levada à apreciação do Plenário para uma posição definitiva da Corte7 (NUCCI, 2019, p. 772-774).

Em relação a esse ponto, o Superior Tribunal de Justiça (2019) firmou a tese de que o prazo depurador de cinco anos previsto no art. 64, inciso I, do Código Penal, conquanto afaste os efeitos da reincidência, não obsta o reconhecimento de maus antecedentes, como se vê no julgamento do Agravo Regimental em Habeas Corpus nº. 481.419/DF:

Embora o Supremo Tribunal Federal ainda não haja decidido o mérito do RE n. 593.818 RG/SC – que, em repercussão geral já reconhecida (DJe 3/4/2009), decidirá se existe ou não um prazo limite para se sopesar uma condenação anterior como maus antecedentes –, certo é que, por ora, tanto a Quinta quanto a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça possuem o entendimento consolidado de que as condenações atingidas pelo período depurador previsto no art. 64, I, do Código Penal, embora não caracterizem mais reincidência, podem ser sopesadas a título de maus antecedentes (AgRg no HC n. 471.346/MS, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/5/2019, DJe de 27/5/2019)." (AgRg no AREsp 1.436.594/SC, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019).

Ainda no tocante às questões suscitadas em relação à essa circunstância, releva anotar que prevalece o entendimento no âmbito da mesma Corte Superior de que atos infracionais não podem exasperar a pena-base pela valoração negativa dos antecedentes, conforme consignado no julgamento do Habeas Corpus 546.923/SP:

No tocante à consideração de atos infracionais anteriores na dosimetria da pena, esta Corte é uníssona no sentido de que não podem ser sopesados na apuração de maus antecedentes para elevar a pena-base, tampouco para induzir a reincidência (BRASIL, 2019).

Outro ponto importante diz respeito às ações penais extintas pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, as quais não ensejam a caracterização de maus antecedentes em observância ao princípio da presunção de inocência, devendo-se excetuar, contudo, os casos de prescrição da pretensão executória, visto que apenas na primeira hipótese é que não há efeitos

7 No ponto, impende anotar que está pendente de julgamento na Suprema Corte o Recurso Extraordinário n.

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da condenação (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2018, p. 604 e CALLEGARI; PACELLI, 2016, p. 494).

O mesmo raciocínio se estende aos processos em que houve aceitação, por parte do denunciado, da proposta de transação penal oferecida pelo Ministério Público, tendo o Superior Tribunal de Justiça firmado a tese de que “o registro decorrente da aceitação de transação penal pelo acusado não serve para o incremento da pena-base acima do mínimo legal em razão de maus antecedentes, tampouco para configurar a reincidência” (RESTIFFE, 2017, p.139 e 140).

De mais a mais, a possibilidade de a condenação transitada em julgado, referente a fatos posteriores àqueles objetos do julgamento, ser utilizada para negativar os antecedentes do indivíduo, é outra questão que surge na análise dessa circunstância, encontrando-se, contudo, pacificado no âmbito dos Tribunais Superiores o entendimento no sentido de afastar essa hipótese (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2018, p. 607).

Cumpre anotar também que, em observância ao princípio do ne bis idem, o Superior Tribunal de Justiça, com a edição da Súmula n. 241, consolidou o entendimento de que “a reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial” (BRASIL, 2019, p. 131).

Por fim, no que diz respeito à comprovação da existência de antecedentes criminais, aquele mesmo Tribunal Superior editou recentemente a Súmula n. 636, estando previsto no verbete que “a folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência” (BRASIL, 2019, p. 378).

1.4.3 Conduta Social

A conduta social diz respeito ao comportamento do acusado no meio em que ele está inserido, a exemplo do núcleo familiar, sendo importante observar que, mesmo diante da ausência de antecedentes criminais, pode o indivíduo ter comportamento social desajustado. Entretanto, deve-se ressaltar, nem sempre é possível valorar esse vetor com base nos elementos presentes nos autos do processo, de modo que a presunção, nesses casos, deve militar em favor do réu (BITENCOURT, 2019, p. 831-832).

Oportuno destacar que a conduta social e os antecedentes não se confundem, tanto é que o legislador definiu momentos diferentes para sua valoração, sendo que estes refletem o passado criminal do agente, e aqueles traduzem a sua conduta perante a sociedade, com a exceção das infrações penais por ele cometidas (GRECO, 2018, p. 688-690).

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No ponto, deve-se relembrar que a análise da conduta social era feita juntamente com o vetor dos antecedentes, sendo que a vetorial sob enfoque adquiriu configuração própria apenas com a Reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984 (BOSCHI, 2014).

Para aferir a conduta social do acusado, é permitido o uso de diversas fontes, sendo necessário que as partes do processo, bem como o juiz que preside a instrução, atuem com boa vontade e dedicação, devendo a defesa e a acusação, primeiramente, arrolar testemunhas para esse fim. Neste particular, importa anotar que o magistrado também pode determinar a oitiva de testemunhas para reunir elementos acerca da conduta social do agente (NUCCI, 2019, p. 774-775).

No tocante à folha de antecedentes criminais para analisar o referido vetor, Nucci (2019, p. 775) entende que

Mesmo no caso de existirem registros variados de inquéritos arquivados, processos em andamento ou absolvições por falta de provas, há ausência de substrato concreto para deduzir ser o réu pessoa de má conduta social. Afinal, antes de mais nada, prevalece o princípio constitucional da presunção de inocência. [...]. Entretanto, conforme o caso, tanto a acusação quanto o próprio juiz podem valer-se da folha de antecedentes para levantar dados suficientes, que permitam arrolar pessoas com conhecimento da efetiva conduta social do acusado.

O mesmo autor ainda pontua que não pode ocorrer um exercício de adivinhação acerca do comportamento social do réu anterior à prática delitiva, porquanto a conduta social, muito embora seja circunstância de caráter subjetivo, é formada de fatos objetivos, que devem constituir o conjunto probatório dos autos para serem valorados (NUCCI, 2019, p. 776).

Em relação a algumas particularidades envolvendo a circunstância ora analisada, destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça já afastou a sua valoração negativa pelo reconhecimento da qualidade de usuário de drogas do acusado, como se vê no julgamento do

Habeas Corpus 201.453/DF, bem como precedente do Supremo Tribunal Federal no sentido

de que a prática de crime pelo réu, enquanto dirigente de empresa, não pode desabonar a sua conduta social, conforme registrado na decisão que julgou o Habeas Corpus 106.380/SP (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2018, p. 609).

Por derradeiro, vale novamente citar o enunciado da Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, como também o informativo 639 do mesmo Tribunal, este firmando a tese de que “não é possível a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado como fundamento para negativar a conduta social” (BRASIL, 2019, p.14).

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1.4.4 Personalidade

Para Bitencourt (2019, p. 832), a circunstância judicial da personalidade deve ser entendida como o conjunto das qualidades morais e sociais do agente, a fim de se verificar se o delito constitui ou não um fato isolado em sua vida, podendo-se considerar, segundo o autor, as infrações penais cometidas antes da maioridade penal e os delitos posteriores ao fato criminoso em análise para valorá-la.

Sobre o referido vetor, Nucci (2019, p. 776-777) destaca a sua constante mutabilidade e sustenta a necessidade de se analisar o meio e as condições de formação do indivíduo, afirmando que aquele que goza de boa situação familiar e econômica, ao delinquir, deve ser mais severamente punido do que aquele que comete crime a fim de garantir a própria sobrevivência.

Ademais, esse mesmo doutrinador defende que a análise da personalidade do indivíduo considera-o como sujeito de direitos e deveres, e não como simples objeto de aplicação da pena, tornando mais justa a reprimenda a ele imposta. Ainda, afirma que condenações anteriores podem ser analisadas nesse momento, acrescentando, ainda que inquéritos e ações penais nada revelam acerca da personalidade do indivíduo (NUCCI, 2019, p. 777).

Em relação às inúmeras críticas realizadas a essa circunstância judicial, o autor argumenta que os

Juízes equivocam-se, sem dúvida, na análise da personalidade e isso faz parte da formação extremamente fechada de alguns. Temos criticado o uso genérico da expressão “personalidade voltada ao crime” que não diz absolutamente nada. No entanto, é preciso lembrar que os magistrados erram também em vários outros institutos, por exemplo, na decretação exagerada da prisão cautelar; nem por isso, há quem sustente a revogação total da prisão preventiva. É preciso melhorar a avaliação da personalidade, mas não extingui-la (NUCCI, 2019, p. 783).

Em sentido contrário, Rogério Greco (2018, p. 691) advoga que

[...] o julgador não possui capacidade técnica necessária para a aferição de personalidade do agente, incapaz de ser por ele avaliada sem uma análise detida e apropriada de toda a sua vida, a começar pela infância. Somente os profissionais da saúde (psicólogos, psiquiatras, terapeutas etc.), é que, talvez, tenham condições de avaliar essa circunstância judicial. Dessa forma, entendemos que o juiz não deverá levá-la em consideração no momento da fixação da pena-base. Merece ser frisado, ainda, que a consideração da personalidade é ofensiva ao chamado direito penal do fato, pois prioriza a análise das características penais do seu autor.

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Entretanto, não obstante parte da doutrina defender a inaptidão técnica do magistrado para valorar a personalidade do agente, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que “para a valoração da personalidade do agente, é dispensável a existência de laudo técnico confeccionado por especialistas nos ramos da psiquiatra ou da psicologia” (RESTIFFE, 2017, p. 181 e 184).

Ademais, a mesma Corte Superior negativou, em outra oportunidade, a personalidade do agente que cometeu crime mediante grave ameaça contra vítima portadora de necessidades especiais, como se vê no julgamento do Habeas Corpus 188.899/SP: “[...] circunstâncias judiciais, especialmente, a personalidade da paciente evidenciada nas circunstâncias do crime, praticado com grave ameaça a pessoa deficiente” (BRASIL, 2011).

Em arremate, importante destacar mudança de entendimento recente no âmbito do mesmo Tribunal Superior, no tocante ao uso de condenações pretéritas com trânsito em julgado para valorar não apenas o vetor da personalidade, como também a conduta social do acusado, restando consolidado no julgamento do Habeas Corpus n. 481.978/MS o entendimento de que “[...] as condenações pretéritas devem ser atreladas apenas aos maus antecedentes, afastando a valoração negativa da conduta social e da personalidade do réu na primeira fase da dosimetria da pena. Precedentes” (BRASIL, 2018).

1.4.5 Motivos

Os motivos dos crimes, precedentes à conduta perpetrada pelo agente, constituem a mola propulsora da sua vontade, isto é, revelam a razão do seu agir, e estão presentes em toda prática delitiva, podendo até mesmo haver mais de um para o mesmo delito (BITTENCOURT, 2019, p. 833; NUCCI, 2019, p. 786).

Cumpre destacar que se o motivo já integra o tipo penal derivado, aumentando ou diminuindo a pena mínima abstratamente cominada ao delito, não há que se considerá-lo na fixação da pena-base, sob pena de violação do princípio do ne bis in idem (GRECO, 2018, p. 691-692).

Da mesma forma, se atuarem como agravantes ou atenuantes, majorantes ou minorantes, os motivos da prática criminosa não poderão ser sopesados na primeira etapa dosimétrica (BOSCHI, 2014).

Ainda, importante diferenciar as razões que levam o agente a delinquir com o elemento subjetivo do crime, bem esclarecendo Nucci (2014) que

Referências

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