CONSERVAÇÃO DE CHARCOS TEMPORÁRIOS MEDITERRÂNICOS
NO EFMA
Luísa PINTO 1 , Sara VALENTE1, Noemí SANTIAGO1,
1. EDIA, Rua Zeca Afonso, 2 | 7800-522 Beja | Portugal
lpinto@edia.pt
svalente@edia.pt
nsparada@edia.pt
RESUMO
Os Charcos Temporários Mediterrânicos (CTM) são ecossistemas característicos da bacia Mediterrânica, bastante peculiares pelas suas características e pelas comunidades que albergam. Apesar do seu elevado valor ecológico são habitats ameaçados, em grande parte pela exploração agrícola, devido, entre outras razões, ao desconhecimento da sua presença e da sua relevância ecológica. A região abrangida pelo Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) não é exceção a esta realidade, no entanto a EDIA tem, desde cedo, demonstrado o seu empenho e preocupação no que respeita à conservação deste habitat. Conjuntamente com outras ações no campo da sensibilização, o Departamento de Impactes Ambientais e Patrimoniais (DIAP) tem vindo a estabelecer Compromissos de Gestão com os proprietários destas unidades numa perspetiva de restruturação do Plano de Conservação dos CTM no EFMA, centrado na conservação e recuperação deste habitat na região. De forma demonstrativa deste trabalho e da cooperação entre a EDIA e os proprietários, que podemos considerar imprescindíveis para a conservação destes valores naturais, são apresentados alguns casos de recuperações de CTM em curso, identificando as principais afetações e as medidas implementadas mais relevantes no sentido da recuperação e conservação das unidades.
Palavras-Chave: Charcos Temporários Mediterrânicos; EFMA; Habitat prioritário 3170*
1. INTRODUÇÃO
Os Charcos Temporários Mediterrânicos (CTM) são habitats peculiares e vulneráveis abrangidos por legislação nacional e comunitária, que têm como característica principal a alternância obrigatória entre uma fase inundada (tipicamente do outono à primavera) e uma seca (os restantes meses) (Grillas et al., 2004). Esta alternância confere a este habitat características únicas às quais se associam comunidades animais e vegetais específicas. Para além destas comunidades típicas, estes habitats servem de zona de reprodução e/ou alimentação para diversas espécies de anfíbios, répteis, aves, mamíferos e invertebrados.
Os CTM são ecossistemas típicos da bacia do Mediterrânico, caracterizados por depressões de terreno pouco profundas, por estarem isolados de corpos de água permanentes e não conectados a linhas de água.
Apesar da afetação a que têm sido sujeitos, em larga maioria resultante da exploração agrícola uma vez que, devido ao encharcamento sazonal, tornam-se áreas improdutivas para a agricultura e florestas; estes ecossistemas têm coexistido desde sempre com a atividade agrícola tradicional, sendo possível compatibilizar as ações humanas com a sua conservação.
A EDIA, enquanto entidade gestora do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva tem pautado a sua atuação, a nível da definição dos diferentes projetos de adução e benefício hidroagrícola, de forma a evitar o
impacto da sua atividade nos principais recursos naturais e / ou patrimoniais. O desvio do layout das infraestruturas lineares ou a exclusão de áreas relevantes, como Charcos temporários e suas respetivas bacias de drenagem, dos perímetros a beneficiar da irrigação, são algumas ações definidas pela empresa em favor da conservação e proteção de habitats naturais. No entanto, apesar da exclusão das unidades dos diferentes perímetros de irrigação e em resposta ao aumento da taxa de adesão à irrigação e aprovação de novos projetos de investimento agrícola, nos últimos anos, houve um impacto crescente nestes habitats, em grande parte causados pela ignorância da sua importância ecológica ou da sua presença.
2. ENQUADRAMENTO
Consciente da importância do habitat Charcos Temporários Mediterrânicos, em 2009, a EDIA propôs-se a desenvolver um Plano de Conservação de Charcos Temporárias do Mediterrâneo na região da EFMA. Simultaneamente e à medida que os vários blocos de irrigação se desenvolveram, a conservação dos CTMs tornou-se um tema recorrente nas Declarações de Impacte Ambiental (DIA), através da definição de medidas concretas a esse respeito.
Ao longo dos tempos, os Charcos Temporários Mediterrânicos têm sido alvo de diversas intervenções, em grande maioria derivadas da exploração agrícola, que têm afetado significativamente este habitat. De facto, a afetação dos CTM no Baixo Alentejo é, em alguns casos, bastante anterior à implementação do EFMA na região, no entanto, a influência do atual projeto de regadio nestas unidades não pode ser desvalorizada. Neste sentido, e na continuidade do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela EDIA, onde tem sido possível verificar que muitas das afetações são decorrentes de um elevado nível de falta de informação sobre o habitat, estão atualmente em curso, resultante de um reajuste e adaptação da estratégia, diversas ações considerando a Conservação de CTM:
- Ações de sensibilização/fortalecimento do contacto direto com proprietários – os proprietários e/ou arrendatários de parcelas com CTM têm sido individualmente contactados sendo os mesmos informados acerca do habitat, das suas características e das principais afetações;
- Caracterização do histórico das unidades: com base em imagens de satélite de anos diversos, bem como dos levantamentos realizados no âmbito de visitas aos locais, as unidades são caracterizadas e analisadas do ponto de vista da sua conservação;
- Definição da ação e medidas a implementar de acordo com os compromissos estabelecidos: de acordo com a análise realizada é definida a ação a considerar (acompanhamento, recuperação, compensação) e um conjunto de medidas referentes a essa ação. De forma a consolidar todos os esforços no sentido da recuperação das unidades afetadas são ainda estabelecidos Compromissos de Gestão com os beneficiários.
Cada unidade considerada apresenta características diferentes, estando inseridas em contextos agrícolas diferentes, com diferentes afetações, pelo que, além de uma análise e avaliação global devem também ser tidas em conta as particularidades de cada uma. Apesar do empenho da EDIA na conservação deste habitat, é de extrema importância ressalvar que a disponibilidade e envolvimento dos proprietários/arrendatários é imprescindível para que se alcancem os principais objetivos na salvaguarda dos Charcos Temporários Mediterrânicos. Nesse sentido, e considerando os trabalhos de recuperação das unidades CTM que a EDIA tem em desenvolvimento conjuntamente com os proprietários, destacam-se alguns casos relevantes para a desmonstração da importância da informação e da cooperação entre todos os intervenientes.
CRT72
Unidade situada no Bolo de Rega Cinco Reis-Trindade. Insere-se numa parcela explorada para culturas anuais de sequeiro até 2019. Após 2013 não foi possível detetar a acumulação de água, não sendo possível definir a causa dessa ausência. No entanto, o proprietário demonstrou total disponibilidade para a conservação da unidade tendo delimitado a área de intervenção de forma a excluir a área do charco da atividade agrícola. Em 2019 a unidade foi arrendada para instalação de culturas permanentes, tendo o proprietário alertado o arrendatário do compromisso assumido para a conservação da unidade.
Afetações: Desconhecidas
Possível futura contaminação com as escorrências da cultura permanente a instalar
Medidas implementadas: Delimitação da área do charco
Exclusão da área do Charco da instalação de cultura permanente
CRT126
Unidade situada no Bolo de Rega Cinco Reis-Trindade, foi, até à implementação do Bloco de Rega, explorado do ponto de vista das culturas anuais de sequeiro, após a qual foram instalados hortícolas. Tanto o proprietário como o atual arrendatário estão empenhados e envolvidos na recuperação da unidade.
Afetações: Presença de plásticos decorrentes da atividade agrícola, Área queimada indevidamente em novembro de 2019 Escorrência de produtos aplicados na cultura
Medidas implementadas: Limpeza dos plásticos,
Avaliação da necessidade de limpeza de cinzas lavra superficial de parte do charco para avaliação da recuperação da unidade após o fogo.
CRT07
Unidade situada no Bolo de Rega Cinco Reis-Trindade, que sofreu intervenção após a implementação do bloco mas cujo proprietário se disponibilizou para a recuperação da unidade. No entanto devido a uma falha de comunicação entre os diferentes responsáveis pela exploração levou a que fossem instaladas culturas permanentes, estando em curso os trabalhos de recuperação da unidade.
Afetações: Preparação terreno para instalação de cultura permanente: nogueiras Instalação da cultura
Medidas implementadas: Arranque da cultura na área do charco
Vedação da área do charco para sinalização e limitação do acesso Possível introdução de pastoreio
Disponibilização de imagens aéreas Instalação de sonda
Fig 2. Limpeza de plásticos CRT126
Afetações: Instalação de cultura permanente: Olival Escorrências da cultura adjacente
Medidas implementadas: Arranque da cultura na área indevidamente utilizada Reposição da topografia
Reforço de um pequeno cômoro que permitirá limitar as escorrências do Olival instalado em volta para a unidade
Estas unidades serão continuamente acompanhadas de forma a constatar a evolução das mesmas permitindo a definição de medidas de acordo com as necessidades detetadas. Algumas destas ações futuras poderão passar pela implementação de barreiras ou inoculo da zona com banco de sementes.
4. CONCLUSÕES
Os Charcos Temporários Mediterrânicos são ecossistemas singulares pela diversidade e peculiaridade dos organismos que albergam e pelas funções que desempenham. No entanto, estão cada vez mais ameaçados devido à sua fragilidade e principalmente ao desconhecimento do seu valor natural. As práticas agrícolas têm sido uma das maiores fontes de afetação dos CTM na região do EFMA, uma vez que, devido às suas características, estas zonas são consideradas improdutivas do ponto de vista da exploração agrícola.
De acordo com os contactos realizados pela EDIA, no âmbito da restruturação do Plano de Conservação de CTM no EFMA, é possível, através de uma sensibilização concreta acerca destes valores naturais e do estabelecimento de uma proximidade com os principais atores da gestão do território agrícola (agricultores, empresários agrícolas), conseguir em conjunto com os mesmos, atuar em algumas unidades no caminho da conservação destes ecossistemas.
Adicionalmente, de forma a potenciar estas ações bem como aumentar o grau de envolvimento dos intervenientes, é necessário juntar a uma maior informação da população (com destaque para a população agrícola) acerca deste habitat e das suas valências ecológicas, a criação de apoios da atividade agrícola dirigidos para a conservação dos ecossistemas e destes habitats, em particular, considerando a sua valorização.