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IMPLICAÇÕES DO FATOR DE VON WILLEBRAND NA INSUFICIÊNCIA RENAL INDUZIDA PELAS MICROANGIOPATIAS TROMBÓTICAS

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IMPLICAÇÕES DO FATOR DE VON WILLEBRAND NA INSUFICIÊNCIA RENAL INDUZIDA PELAS MICROANGIOPATIAS TROMBÓTICAS

Luíla Neris Sousa Queiroz Pinto*

Resumo

O Fator de von Willebrand é uma glicoproteína multimérica composta por subunidades idênticas de 270 kD cada uma, contendo 2.050 aminoácidos. Este fator é sintetizado nas células endoteliais e nas células precursoras das plaquetas, os megacariócitos. Seu papel fisiológico inclui propiciar adesão plaquetária e formar complexo com Fator VIII. Os grandes multímeros do FvW não são encontrados no plasma de indivíduos normais, sendo sua liberação limitada aos locais de lesão endotelial. Os grandes multímeros do FvW ligam-se à GpIb com maior afinidade que os pequenos multímeros, com isso são mais ativos na interação, induzindo diretamente a agregação plaquetária. A metaloproteinase do FvW no plasma, a ADAMTS13, previne a entrada na circulação desses grandes multímeros, degradando-os por clivagem de ligações peptídicas, resultando em fragmentos menores, que por sua vez, são menos ativos na agregação plaquetária. Na última década descobriu-se, que além do papel importante do FvW na hemostasia, ele tem sido implicado na etiologia de microangiopatias trombóticas, que são condições patológicas caracterizadas pela presença de anemia hemolítica microangiopática, oclusão microvascular generalizada e trombocitopenia. As duas manifestações fenotípicas clássicas das microangiopatias trombóticas são a Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT) e a Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU). Sabe-se que as plaquetas ativadas pelo FvW podem agravar ou perpetuar lesões endoteliais, com isso cada vez mais o FvW ativa plaquetas e leva à agregação plaquetária, além de formar mais complexo com o fator VIII, resultando em um alto grau de hipercoagulabilidade e formação de trombos, com consequente comprometimento renal, que pode evoluir para uma Insuficiência Renal (IR).

Palavras-chave: Fator de von Willebrand. ADAMTS13. Insuficiência Renal. Microangiopatias trombóticas.

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INTRODUÇÃO

O Fator de von Willebrand (FvW) é uma glicoproteína multimérica composta por subunidades idênticas de 270 kD cada uma, contendo 2.050 aminoácidos (GOLDMAN L.; BENNETT J.C., 2001).

Este fator é sintetizado nas células endoteliais e nas células precursoras das plaquetas, os megacariócitos, e tem uma vida média de 20 horas (BELLESSO, 2006). A síntese deste fator ocorre inicialmente no retículo endoplasmático, onde há a formação de pré-dímeros do FvW ligados entre si na porção carboxiterminal por pontes dissulfeto. Estes pré-dímeros migram para o complexo de Golgi, onde outra ponte dissulfeto se forma na porção aminoterminal resultando nos dímeros. Estes, por sua vez, se unem posteriormente, resultando em grandes multímeros do FvW (gmFvW), que são armazenados nas células endoteliais (nos corpos de Weibel-Palade) e na plaquetas. Os gmFvW não são encontrados no plasma de indivíduos normais, sendo sua liberação limitada aos locais de lesão endotelial (ANSTADT M.P., et al, 2002).

Alguns estímulos, como dado pela histamina, toxina Shiga, fator de necrose tumoral α (TNF-α), interleucina-8 (IL-8) e interleucina-6 (IL-6) promovem a liberação dos gmFvW das céulas endoteliais para o plasma, sendo o único fator da coagulação que não é produzido pelo fígado (TONACO L.C., et al, 2009).

Observa-se que a produção do FvW aumenta em situações de estresse fisiológico agudo, como gravidez, uso de estrógenos, exercício físico exacerbado, hipertireoidismo, insuficiência renal e doença hepática. Indivíduos com o grupo sanguíneo AB têm níveis superiores desse fator, comparativamente aos do grupo sanguíneo O (BELLESSO, 2006).

O FvW exibe estrutura distribuída em domínios, sendo que múltiplos domínios designados de A a D arranjam-se na sequência D1-D2-D’-D3-A1-A2-A3-D4-B1-B2-B3-C1-C2 (ASSESSORES MÉDICOS EM HEMATOLOGIA E HEMOSTASIA, 2008). As diferentes funções do FvW são relacionadas aos domínios específicos da molécula da proteína. O domínio A1 está envolvido na ligação do VWF à glicoproteína IB (GPIb) plaquetária e ao colágeno fibrilar. No domínio A3 encontra-se um sítio de ligação ao colágeno tipo III. No domínio D3 encontram-se os sítios de

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ligação ao fator VIII. Finalmente, na porção carboxiterminal do domínio C2 encontra-se um sítio de ligação à glicoproteína IIb-IIIa (GPIIb-IIIa) plaquetária.

Figura: Representação esquemática dos domínios funcionais do FvW (ASSESSORES MÉDICOS EM HEMATOLOGIA E HEMOSTASIA, 2008)

O papel fisiológico do FvW inclui: 1) propiciar adesão plaquetária ao colágeno exposto do subendotélio, após lesão vascular, levando a ativação plaquetária com exposição da GPIIb-IIIa e subsequente agregação plaquetária; 2) formar complexo com Fator VIII, protegendo-o de sua ativação prematura e impedindo sua degradação proteolítica, o que aumenta consideravelmente sua meia-vida plasmática. A formação inadequada do FvW ou a formação normal em quantidade baixa leva à deficiência na adesão plaquetária com prejuízo na hemostasia primária e diminuição da meia-vida do Fator VIII (GOLDMAN L.; BENNETT J.C., 2001).

Os gmFvW ligam-se à GpIb com maior afinidade que os pequenos multímeros, com isso são mais ativos na interação, induzindo diretamente a agregação plaquetária (D`AMICO, E.; VILLAÇA, P.; REZENDE, S., 2006). Isso se deve provavelmente ao sítio de ligação para a GpIb na subunidade monomérica do FvW ser mais exposto nos multímeros grandes do que nos de forma pequena, que estão normalmente na circulação (POLITO, M.; KIRSZTAJN, G., 2010).

A metaloproteinase do FvW no plasma normalmente previne a entrada na circulação (ou persistência) dos gmFvW. Essa enzima descoberta recentemente degrada os multímeros por clivagem de ligações peptídicas na subunidade monomérica do FvW na posição 842-843 (entre a tirosina e a metionina) no domínio A2 do FvW, resultando em dois fragmentos de 176 e 140 kDa. Esses fragmentos, por sua vez, são menos ativos na agregação plaquetária em comparação com os gmFvW (TAMARA N.B., et al, 2006).

A metaloproteinase em questão é referida como ADAMTS13, um membro da família das proteases cálcio e zinco-dependentes. O termo ADAMTS13 corresponde a sigla de A Desintegrin And Metalloproteinase with eight TromboSpondin-1-like e o

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número 13 porque essa é a 13ª enzima de uma família de 19 enzimas (ANSTADT M.P., et al, 2002; SADLER J.E., et al, 2004). A ADAMTS13 tem uma sequência arginina-glicina-aspartato, seu gene está no cromossomo 9q34, e é produzida predominantemente nos hepatócitos. Os gmFvW são provavelmente clivados pela ADAMTS13 diretamente na superfície das células endoteliais. O domínio trombospondina 1-símile na ADAMTS13 pode ligar-se à enzima no receptor trombospondina na superfície das células endoteliais (POLITO, M.; KIRSZTAJN, G., 2010).

Na última década descobriu-se, que além do papel importante do FvW na hemostasia, ele tem sido implicado na etiologia de microangiopatias trombóticas, que são condições patológicas caracterizadas pela presença de anemia hemolítica microangiopática, devido ao estresse de cisalhamento na microcirculação; oclusão microvascular generalizada, causada pela deposição de trombos ricos em plaquetas, onde o envolvimento renal é comum; e trombocitopenia, caacterizada pelo consumo de plaquetas (D`AMICO E., et al, 2006; MOAKE J.L., 2002). As duas manifestações fenotípicas clássicas das microangiopatias trombóticas são a Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT) e a Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU) (GEORGE J.N., 2006).

Sabe-se que as plaquetas ativadas pelo FvW podem agravar ou perpetuar lesões endoteliais, com isso cada vez mais o FvW ativa plaquetas e leva à agregação plaquetária, além de formar mais complexo com o fator VIII, resultando em um alto grau de hipercoagulabilidade e formação de trombos, com consequente comprometimento renal, que pode evoluir para uma Insuficiência Renal (IR).

Considera-se como IR a redução progressiva da filtração glomerular, podendo desenvolver-se para uma perda lenta e irreversível das funções renais, resultando no desenvolvimento de sinais e sintomas conhecidos como uremia. Os pacientes com uremia apresentam níveis reduzidos de ADAMTS13, sem relação com a creatinina sérica, tomada como índice de insuficiência renal. O correlato mais importante dos níveis de ADAMTS13 é o nível plasmático do FvW. Sempre que os níveis de ADAMTS13 caem, os níveis de FvW se elevam. Esta correlação inversa entre a enzima e seu substrato, o FvW, pode ser explicada pelo consumo da enzima, como consequência de um fenômeno compensatório levando à liberação de formas de FvW com maior adesividade e agregabilidade plaquetária (GALLO, H.; MAIA, E., 2005).

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Baseado no exposto, o objetivo do trabalho é verificar as implicações do Fator de von Willebrand na Insuficiência Renal induzida pelas microangiopatias trombóticas, através de revisão da literatura com busca nos bancos de dados da Biblioteca Virtual de Saúde e Google Acadêmico, além de livros de Hematologia e Hemostasia, no período de 2001 a 2010.

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IMPLICAÇÕES DO FATOR DE VON WILLEBRAND NA INSUFICIÊNCIA RENAL INDUZIDA PELAS MICROANGIOPATIAS TROMBÓTICAS

Insuficiência Renal

A insuficiência renal (IR) atinge hoje proporções epidêmicas e constitui um problema emergente de saúde pública. Pode ser derivada de doenças renais crônicas, onde independente do insulto inicial provocado pela doença de base, a lesão progride com esclerose glomerular e fibrose intersticial (DUMMER C.D., et al, 2007). Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia (2006), no Brasil, a prevalência de pacientes mantidos em programa crônico de diálise mais que dobrou nos últimos oito anos, e a incidência de novos pacientes cresce cerca de 8% ao ano e estima-se que existam cerca de 1,2 milhões de brasileiros com IR.

A presença de inflamação é um achado consistente em pacientes com IR, o que é justificado através dos níveis elevados de marcadores inflamatórios, como a proteína C-reativa (PcR), a IL-6, o estresse oxidativo, como a peroxidação lipídica, além de outros mecanismos, tais como, a uremia per se, infecções persistentes (ex., Chlamydia pneumoniae e infecções dentárias) e o próprio processo aterosclerótico, que são encontrados em tais pacientes (STENVINKEL P., et al, 2001).

É possível que esses fatores interajam mutuamente, resultando em um ciclo vicioso em que participam diversas substâncias pró-inflamatórias, como citocinas, moléculas de adesão, quimiocinas e espécies reativas de oxigênio, culminando na formação da placa aterosclerótica e levando à oclusão arterial (DUMMER C.D., et al, 2007).

Estudos têm demonstrado estresse oxidativo (EO) exacerbado em pacientes com IR. O EO, inclusive, pode resultar da uremia per se (VAZIRI N.D., 2004). Ainda segundo Dummer (2007) estudos têm confirmado redução expressiva da capacidade antioxidante em pacientes urêmicos, dando suporte à hipótese de que estes indivíduos têm menor defesa contra a agressão do EO.

A disfunção endotelial é uma das primeiras alterações que dão origem ao processo patogênico da aterosclerose, tendo como característica a redução da síntese, liberação e atividade do óxido nítrico derivado do endotélio, que

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fisiologicamente inibe diversos componentes do processo aterogênico, como vasoconstricção, agregação plaquetária, proliferação do músculo liso vascular e adesão de leucócitos ao endotélio (NASEEM K.M., 2005).

Pacientes com uremia – característica da IR - apresentam disfunção endotelial por vários motivos, além do EO: estado microinflamatório, retenção de inibidores da L-arginina, hiperhomocisteinemia, dislipidemia, hiperglicemia, hipertensão arterial e tratamento hemodialítico (DUMMER C.D., et al, 2007).

Além disso, vale ressaltar que pacientes com uremia apresentam níveis reduzidos de metaloproteinase (ADAMTS13). Esta enzima desempenha um importante papel na trombose arterial, uma vez que previne a permanência na circulação dos gmFvW, e estes por sua vez são capazes de induzir diretamente agregação plaquetária.

MicroangiopatiasTrombóticas: Púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) e Síndrome Hemolítico Urêmico (SHU)

As microangiopatias trombóticas são distúrbios microvasculares oclusivos caracterizadas pela agregação sistêmica ou intra-renal de plaquetas, trombocitopenia e ruptura mecânica das hemácias. Na PTT, a agregação de plaquetas microvascular provoca isquemia em diferentes locais, predominantemente no cérebro. Por outro lado, na SHU, trombos de fibrina e plaquetas são depositados predominantemente nos rins (ELLIOT M.A., NICHOLS W.L., 2001).

Injúria das células endoteliais é o fator desencadeante central na sequência de eventos que levam a MAT. Perda da trombo resistência fisiológica, adesão de leucócitos no endotélio lesado, consumo de complemento, liberação e fragmentação anormais do fator de von Willebrand (FvW), e aumento do estresse de cisalhamento vascular podem sustentar e ampliar o processo microangiopático (POLITO M.G., KIRSZTAJN G.M., 2010).

Duas entidades clinicamente indistinguíveis, mas de alguma forma patologicamente diferentes, têm sido descritas, a PTT e a SHU, porém vale enfatizar que a lesão endotelial e a libertação de gmFvW estão implicados na sequência de eventos que levam à trombose microvascular (PESSEGUEIRO P., PIRES C., 2005).

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A PTT pode ser hereditária ou adquirida, instala-se de modo abrupto e é caracterizada pela oclusão difusa de arteríolas e capilares da microcirculação, levando à isquemia de tecidos. A oclusão é causada por microtrombos compostos basicamente de plaquetas, formados após agregação plaquetária intravascular. Este fenômeno resulta em um quadro de anemia hemolítica microangiopática e sintomas que incluem fraqueza e adinamia, trombocitopenia acentuada, com aparecimento de petéquias e equimoses, febre e sintomas decorrentes da isquemia dos órgãos acometidos (SADLER J.E., 2006).

O comprometimento funcional dos órgãos está diretamente relacionado ao grau de isquemia. Se os trombos ocluírem a microcirculação do cérebro ou dos rins, as consequências podem ser muito graves. No cérebro pode variar de uma simples dor de cabeça ao coma. Nos rins podem acarretar disfunção renal com proteinúria e hematúria. De modo geral, o acometimento renal grave com anúria e uremia excessiva não são típicos de PTT, o que é importante para distingui-la da SHU. A SHU é uma doença também caracterizada por anemia hemolítica microangiopática e trombocitopenia, mas com predominância do quadro renal, que evolui para insuficiência renal (SADLER J.E.,2006).

A fisiopatologia da PTT foi elucidada em 1982 ao observarem que o plasma de um paciente com PTT recorrente continha gmFvW. Então propuseram que, na PTT, as células endoteliais eram estimuladas de forma anormal a liberar os gmFvW e havia deficiência de uma protease de clivagem desses multímeros. Dessa forma, os gmFvW no plasma promoveriam a agregação intravascular das plaquetas, resultando em trombose microvascular e hemólise mecânica, especialmente em condições de fluxo sanguíneo caracterizado por alto estresse de cisalhamento como na microcirculação (EYMIN G., et al, 2008).

Os pacientes clinicamente diagnosticados com PTT apresentam deficiência de ADAMTS13. Na ausência ou deficiência desta enzima, seja por desordem qualitativa ou quantitativa resultante da mutação do gene responsável por sua síntese ou pela presença de autoanticorpos inibitórios, doenças hepáticas (a síntese de ADAMTS13 ocorre no fígado) ou por outras etiologias, as plaquetas circulantes aderem-se às fileiras de gmFVW ancoradas nas selectinas P, através dos receptores GPIb do FvW, e agregam-se resultando na formação de trombos microvasculares (constituídos basicamente de plaquetas e de gmFvW), seguido de hemólise e consumo de plaquetas (SADLER J.E., et al, 2004).

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A PTT congênita ou hereditária tem curso crônico e é caracterizada por episódios recorrentes de trombocitopenia, com ou sem isquemia de órgãos. Nesta doença tem sido identificada ausência ou redução expressiva na atividade da ADAMTS13, o que propicia a presença de gmFvW em concentrações elevadas na circulação na fase inicial da doença. A alteração da atividade da ADAMTS13 está geralmente relacionada a uma mutação no gene desta enzima e é uma condição autossômica recessiva (TSAI H.M., 2004).

As formas adquiridas da PTT são classificadas como sendo imunomediadas, com presença de autoanticorpos anti-ADAMTS13, e as formas secundárias com liberação de grande quantidade de gmFvW pelas células endoteliais estimuladas, excedendo a capacidade de degradação destes, devido à presença de níveis reduzidos de ADAMTS13 (KLAUS C., et al, 2004).

As condições fisiológicas ou patológicas que estão mais relacionadas às formas imunomediadas, as quais são frequentemente associadas à deficiência grave de ADAMTS13 (níveis menores que 10% do normal) incluem a gravidez, infecções, doenças autoimunes e o uso de drogas, tais como ticlopidina e clopidogrel (TSAI H.M., 2006). Outras condições clínicas concomitantes associadas à PTT adquirida incluem os processos cancerígenos, transplantes de órgãos sólidos ou de células-tronco, pré-eclâmpsia, uso de drogas (ciclosporina, mitomicina e α-interferon), dentre outras. Nestes casos, a deficiência de ADAMTS13, em geral, não é muito acentuada. Na maioria dos casos de PTT adquirida, ocorre um único episódio agudo esporádico. No entanto, há formas crônicas recorrentes (20%-30% dos casos), as quais têm um fator genético envolvido ou estão associadas à produção e/ou persistência de autoanticorpos anti-ADAMTS13 (FRANCHINI M., MANNUCCI P.M., 2008).

A distinção da PTT de outras condições clínicas é essencial. Enquanto a SHU é caracterizada pelos três sinais clínicos ("tríade" clássica) que são anemia hemolítica microangiopática, oclusão microvascular generalizada e trombocitopenia, a PTT é caracterizada por um conjunto de cinco manifestações, que incluem a "tríade" associada à febre e aos sinais neurológicos. Entretanto, as duas doenças são clinicamente indistinguíveis, uma vez que o espectro de manifestações clínicas é muito semelhante (GEORGE J.N., 2006).

A avaliação da função renal é importante para diferenciar a PTT e a SHU. Na PTT o comprometimento da função renal é moderado, ao contrário do que se

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observa na SHU, quando o paciente apresenta insuficiência renal franca com elevação da creatinina e ureia que rapidamente atingem níveis que exigem diálise (LOURENÇO D.M., 2001).

Na SHU os microtrombos confinam-se primariamente ao rim, originando um quadro de IR, e atingem predominantemente a vasculatura glomerular (melhor prognóstico) e pré-glomerular. A PTT, por seu lado, apresenta um envolvimento sistêmico, sobretudo do sistema nervoso central (SNC), com formação intermitente de microtrombos e, consequentemente, associada a sinais neurológicos flutuantes (PESSEGUEIRO P., PIRES C., 2005).

Atualmente, as investigações referentes à PTT têm sido focadas no FvW e ADAMTS13 e, na SHU, no mecanismo de dano ao endotélio renal (POLITO M.G., KIRSZTAJN G.M., 2010).

Inicialmente descrita como uma síndrome que compreendia insuficiência renal, anemia hemolítica e trombocitopenia, a SHU é geralmente vista como uma doença renal com complicações sistêmicas (MOAKE J.L., 2002).

A SHU típico atinge, sobretudo crianças, surgindo em geral após infecção gastrintestinal por enterobactérias, em particular pela Escherichia coli sorotipo O157:H7, que produz uma toxina chamada Shigatoxina (Stx) que comumente leva à SHU associada à diarréia sanguinolenta (SHU+D) e IR (TARR P.I., GORDON C.A., CHANDLER W.L., 2005).

A SHU+D é causada pela Stx 1 e 2, uma vez que essas toxinas se encontram na circulação, elas se ligam ao receptor Gb3, o qual se expressa amplamente nas células endoteliais glomerulares. Após endocitose mediada por receptor, a subunidade A da Stx é internalizada e ativada, levando à depuração de adenosinas específicas no RNA ribossomal 28S, que resulta na inibição irreversível do alongamento da proteína e apoptose das células endoteliais (lesão endotelial), liberando níveis significativos de gmFvW e resultando em trombos de plaquetas dentro da microcirculação. Logo, por definição, o rim é o órgão-alvo primário na SHU causada pela E. coli produtora de Stx. Essa vulnerabilidade é, em grande parte, devido à alta densidade de receptores Gb3 nas células epiteliais tubulares renais e endoteliais microvasculares, contribuindo para que os pacientes infectados desenvolvam IR. Vale salientar que a IR aguda manifesta-se em 55% a 70% dos casos, entretanto, a função renal se recupera na maioria deles (POLITO M.G., KIRSZTAJN G.M., 2010).

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A SHU atípica sem diarréia (SHU-D) é frequentemente idiopática. Envolve um grupo de pacientes sem infecção pela bactéria produtora de Stx, sendo acompanhada de deterioração lenta, mas progressiva da função renal, com evolução para a IR crônica ou morte, e envolvimento neurológico (semelhante ao observado na PTT) (PESSEGUEIRO P., PIRES C., 2005).

As formas de SHU atípica têm prognóstico ruim com mais de 50% progredindo para insuficiência renal crônica ou dano cerebral irreversível, e 25% evoluem para o óbito durante a fase aguda da doença (POLITO M.G., KIRSZTAJN G.M., 2010).

A lesão da SHU+D é indistinguível daquela da sua forma atípica (SHU-D) com base na análise histológica. Caracteriza-se por espessamento dos capilares e arteríolas, edema e destacamento endotelial, e acúmulo de proteínas e restos celulares no espaço subendotelial. Trombos de plaquetas obstruem a luz do capilar. Hemólise ocorre, e eritrócitos distorcidos e fragmentados são evidentes em lâminas de sangue periférico. As lesões tipicamente afetam o rim (principalmente glomérulos e arteríolas), porém outros órgãos podem ser envolvidos como o cérebro, o coração, os pulmões, o trato gastrintestinal e o pâncreas (POLITO M.G., KIRSZTAJN G.M., 2010).

O aspecto mais relevante para a distinção entre PTT e SHU são os casos de SHU atípica, porque a SHU+D é predominantemente uma doença de criança, e os pacientes tipicamente exibem a diarréia antes do episódio de insuficiência renal (KAVANAGH D., GOODSHIP T.H., RICHARDS A., 2006).

É bom lembrar que algum grau de envolvimento renal com proteinúria e/ou hematúria são comuns também na PTT (TSAI H.M., 2006).

Uma doença ou doenças distintas? De fato, a sua sobreposição clínica e laboratorial é compatível com a ideia de uma só doença. No entanto, trabalhos recentes demonstraram diferentes mecanismos etiopatogênicos iniciais, apesar de uma cadeia de processos em comum. Sendo a presença de gmFvW (400-20000 kDa) o responsável último pela adesão plaquetária anômala, os fatores que levam aos níveis séricos elevados em ambas as doenças parecem ser distintos. Na SHU é a disfunção endotelial a principal implicada, sendo a inibição das metaloproteinases séricas, responsáveis pela degradação dos multímeros de FvW, o principal desencadeante na PTT (PESSEGUEIRO P., PIRES C., 2005).

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De acordo com o exposto, sugere-se que a PTT e a SHU são duas síndromes distintas. Esta interpretação é sustentada por estudos que encontraram deficiência severa da ADAMTS13 (< 5% de atividade) em pacientes com diagnóstico de PTT, mas não em pacientes com SHU (MOAKE J.L., 2002). Paradoxalmente, uma deficiência da atividade da ADAMTS13 tem sido relatada em outros casos de microangiopatias trombóticas distintos da PTT (HOVINGA J.A., et al, 2004; MAL H., et al, 2006).

Finalizando, a atividade de ADAMTS13 foi tomada para indicar que a presença ou ausência desta atividade poderia ser usada para classificar os pacientes como tendo PTT ou SHU. No entanto, alguns estudos têm desafiado este paradigma, mostrando que os pacientes com diagnóstico de SHU podem ter deficiência completa de ADAMTS13 (TSAI H.M., et al, 2001).

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CONCLUSÃO

A PTT e a SHU não são de fato síndromes distintas, já que seus critérios diagnósticos essenciais - anemia hemolítica microangiopática e trombocitopenia - são os mesmos. As anormalidades neurológicas são comumente consideradas como características da PTT e a insuficiência renal como característica da SHU. Mas de maneira geral, independente se é pela deficiência da ADAMTS13, como acontece na PTT, ou pela lesão endotelial, presente na SHU, ambas apresentam o mesmo resultado final, que é a presença dos grandes multímeros do FvW na microcirculação.

A correlação de níveis elevados de FvW com maior trombogenicidade é um fato incontestável na literatura médica. Por tudo isso, conclui-se que as microangiopatias trombóticas têm como resultado níveis elevados de gmFvW, que por sua vez, são mais ativos na interação com as plaquetas, e plaquetas ativadas pelo FvW podem agravar ou perpetuar lesões endoteliais, com isso cada vez mais o FvW ativa plaquetas e leva à agregação plaquetária, além de formar mais complexo com o fator VIII, resultando em um alto grau de hipercoagulabilidade e formação de trombos, tendo como consequência final o comprometimento renal, com evolução para uma Insuficiência Renal.

Em última análise, pode-se inferir que várias questões ainda precisam ser abordadas em estudos futuros, a fim de que se possa compreender de maneira mais aprofundada tal mecanismo.

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IMPLICATIONS OF VON WILLEBRAND FACTOR IN KIDNEY FAILURE INDUCED BY THROMBOTIC MICROANGIOPATHY

Abstract

The von Willebrand factor (vWF) is a multimeric glycoprotein composed of identical subunits of 270 kD each containing 2,050 aminoacids. This factor is synthesized in endothelial cells and in precursor cells of platelets, the megakaryocytes. Its physiological function includes provide platelet adhesion and to form complex with Factor VIII. The high multimers vWF are not found in plasma of normal individuals, and its release is limited to local endothelial injury. The high multimers vWF are connected to GpIb with higher affinity than the small multimers, therefore they are more active in the interaction, leading directly to platelet aggregation. The plasma vWF metalloproteinase, the ADAMTS13, prevents access into the circulation of high multimers, degrades it by cleavage of peptide bonds, resulting in smaller fragments, which, are less active in platelet aggregation. In the last decade it was discovered that besides the important role of vWF in hemostasis, it has been implicated in the etiology of thrombotic microangiopathy, are pathological conditions characterized by the presence of microangiopathic hemolytic anemia, widespread microvascular occlusion and thrombocytopenia. The two classic phenotypic manifestations of thrombotic microangiopathy are Thrombotic Thrombocytopenic Purpura (TTP) and Hemolytic Uremic Syndrome (HUS). It is known that activated platelets by vWF can make worse or cause endothelial damage, so increasing the vWF activates platelets and leads to platelet aggregation, and form more complex with factor VIII, resulting in a high level of hypercoagulability and thrombi formation, putting at risk the kidney, which may also lead to kidney failure (KF).

Keywords: von Willebrand factor. ADAMTS13. Kidney Failure. Microangiopathy thrombosis.

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Referências

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