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O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) E A LUTA PELA EDUCAÇÃO DO CAMPO: O CASO DA ESCOLA ITINERANTE

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O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) E A LUTA PELA EDUCAÇÃO DO CAMPO: O CASO DA ESCOLA ITINERANTE

Luciele Alves Fagundes1 Ane Carine Meurer2

Introdução

O presente artigo irá abordar alguns aspectos do processo de formação do MST e sua constante preocupação com a educação, assim abordaremos algumas questões no que se refere à luta pela educação do campo. A metodologia utilizada na construção do texto consistiu em pesquisa bibliográfica, trabalhos de campo em acampamentos e assentamentos do MST no estado do Rio Grande do Sul, além de uma entrevista com o Setor de Educação do MST.

Para Souza (2006), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ultrapassa os limites do tradicional conceito de movimento social, possui conduta de movimento reivindicativo, político e antagonista. O movimento social é visto por Fernandes (1996) como uma forma de organização da classe trabalhadora, tomando por base os grupos populares, ou as camadas populares, ou ainda, os setores populares.

Cabe também destacar o caráter pedagógico deste movimento, o qual é apontado por Vendramini (2007) ao afirmar que nos acampamentos e assentamentos observa­se um conjunto de ações consideradas educativas, no campo político, escolar e técnico. A própria experiência de participação nas ações do MST é um ponto alto do processo educativo, associada a um programa de formação política, a um conjunto de cursos de formação técnica, a diversos programas educacionais desenvolvidos em parcerias e convênios com universidades e outras instituições, além do ensino escolar que acontece nas escolas instaladas no interior dos assentamentos e das escolas itinerantes nos acampamentos, especialmente nas séries iniciais do ensino fundamental.

O MST é fundado em 1984, em Cascavel/PR, durante o 1º Encontro Nacional do MST, resultado das ocupações das fazendas Macali e Brilhante, em Ronda Alta/RS. Com a atuação do movimento surgem algumas indagações que irão motivar a criação do Setor de Educação do MST, em 1985:

¹ Acadêmica do Programa de Pós­Graduação em Geografia e Geociências da Universidade Federal de Santa Maria. E­mail: lualfa_ceu@yahoo.com.br.

² Professora Adjunta do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal de Santa Maria. E­mail: acmeurer@terra.com.br.

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1 O que fazer com as crianças acampadas?

2 Como garantir escolas nos assentamentos que estavam surgindo?

A partir daí o MST incorpora a educação à luta pela reforma agrária, através da luta pela educação nos assentamentos e na elaboração de uma política pública de educação do campo.

De acordo com Souza (2006) a Educação do Campo muitas vezes é deixada à margem nas escolas urbanas e na academia pouco se fala, a didática, prática de ensino e os estágios curriculares são disciplinas orientadas para a realidade urbano­industrial. Em função disso, surge a necessidade de lutar por um profissional que tivesse conhecimento ou vontade de aprender as características dessa realidade (reforma agrária, assentamento). Com isso várias ações são empreendidas pelo Movimento em prol da educação, organizam­se cursos de magistério e de formação de educadores, a produção de materiais pedagógicos e a parceria com instituições da sociedade civil e com as universidades.

Meurer & De David (2008) compreendem que o professor formado no meio urbano geralmente não reconhece o meio rural como um lugar que apresenta uma realidade diferenciada, com uma identidade que precisa ser recuperada, valorizada e preservada. Muitos não estão habituados ao cotidiano do campo e, por sua vez, não têm disponibilidade para se integrar à comunidade escolar, a fim de conhecê­la, contribuindo no processo de construção de um currículo diferenciado. O enfrentamento dessa questão desencadeou a luta do MST pela concretização da educação nos acampamentos e assentamentos da reforma agrária, em que a escola itinerante é sua expressão emblemática.

Políticas Públicas em Educação do Campo

A educação rural começa a constar nas preocupações do governo, como política pública concomitantemente ao início da industrialização. Ou seja, porque havia a necessidade de preparar a mão­de­obra para as indústrias, isso nos leva ao fato de que as escolas não foram implementadas de acordo com a necessidade da comunidade, e sim impostas. Porém, a partir dos anos noventa tivemos uma expressiva diminuição dessas escolas. Assim, apesar de não serem do campo e, apenas estarem no campo, as escolas tinham sua relevância na educação das comunidades rurais.

Já a Educação do Campo é a ação dos movimentos sociais e as parcerias oriundas da dinâmica social do campo no final do séc. XX e prevê a valorização do trabalhador que atua no campo. Fernandes (2008, p. 41) afirma que “enquanto a educação rural é um projeto externo ao campesinato, a educação do campo nasce das experiências camponesas de resistência em seus territórios”.

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A visão urbanocêntrica, na qual o campo é encarado como lugar de atraso, meio secundário e provisório, direcionou as políticas públicas de educação do Estado brasileiro durante muito tempo. Pensadas para suprir as demandas das cidades e das classes dominantes, geralmente instaladas nas áreas urbanas, essas políticas se basearam em conceitos pedagógicos que colocam a educação do campo prioritariamente a serviço do desenvolvimento urbano­industrial (CADERNOS SECAD/MEC, 2007, p. 13).

A criação, em 2004, no âmbito do Ministério da Educação, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), à qual está vinculada a Coordenação ­ Geral de Educação do Campo, significa a inclusão na estrutura estatal federal de uma instância responsável, especificamente, pelo atendimento dessa demanda a partir do reconhecimento de suas necessidades e singularidades. A partir daí, se preconiza a superação do antagonismo entre a cidade e o campo, que passam a ser vistos como complementares e de igual valor. Ao mesmo tempo, considera­se e respeita­se a existência de tempos e modos diferentes de ser, viver e produzir, contrariando a pretensa superioridade do urbano sobre o rural e admitindo variados modelos de organização da educação e da escola.

Atualmente, a SECAD/MEC conta com o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo), o qual apoia a implementação de cursos regulares de licenciatura em educação do campo nas instituições públicas de ensino superior de todo o país, voltados especificamente para a formação de educadores para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas rurais. O Procampo é uma iniciativa do Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), em cumprimento às suas atribuições de responder pela formulação de políticas públicas de combate às desvantagens educacionais históricas sofridas pelas populações rurais e valorização da diversidade nas políticas educacionais.

Além disso, também temos o Projovem Campo­Saberes da Terra que oferece qualificação profissional e escolarização aos jovens agricultores familiares de 18 a 29 anos que não concluíram o ensino fundamental. O programa visa ampliar o acesso e a qualidade da educação à essa parcela da população historicamente excluída do processo educacional, respeitando as características, necessidades e pluralidade de gênero, étnico­ racial, cultural, geracional, política, econômica, territorial e produtivas dos povos do campo.

Vendramini (2007, p. 137) coloca que

Os movimentos sociais do campo, entre eles o MST, têm pressionado não só pela Reforma Agrária e por uma política agrícola que viabilize a pequena produção no campo, mas também por uma educação e escolarização para uma população historicamente alijada das políticas

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públicas. Ainda que o Movimento esteja envolvido diretamente nas lutas por uma educação do campo, seu projeto vai mais além, ao desenvolver ações políticas que em si são educativas e ao direcionar a formação não só para o aspecto técnico e escolar, mas essencialmente político. Nessa longa trajetória na luta pela educação do campo, se destacam alguns movimentos sociais, entre eles o MST, que luta pela construção de uma escola que seja adequada a realidade da vida rural, o que também se caracteriza como um tensionamento para fazer valer a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Em seu artigo 28, a LDB prevê a "oferta de educação básica para a população rural" com "adaptações necessárias a sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região". O texto da lei define como "adaptações necessárias", entre outros itens, a elaboração de “conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural”.

Na prática, conforme Brandão (2005), "os conteúdos desse art. 28 da LDB (...) não estão sendo efetivamente aplicados na realidade educacional brasileira", segundo o autor, por dois motivos. Um dos motivos seria o êxodo rural e o outro seria o transporte de grande parte dos alunos da zona rural para escolas na zona urbana.

A luta do MST, além da própria reivindicação por Reforma Agrária, que viria a contribuir para a reversão do processo de êxodo rural, também na educação contribui no sentido de ampliar o alcance real do art. 28 da LDB. A materialização de conquistas concretas como a aprovação de escolas itinerantes em vários estados, além das escolas de assentamento e as experiências de educação superior que vem sendo levadas adiante pelo movimento, tem sido um esforço real no sentido da revitalização desse pressuposto previsto na "Constituição do Ensino", que se refere a construção de "conteúdos e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural".

O MST insere­se nas discussões, demandas e proposições que abarcam a construção democrática no país, explicitando que a reforma agrária não é uma luta pontual, mas é a busca pela construção de uma outra sociedade, iniciando pela conquista de políticas públicas para a Educação do Campo.

A Pedagogia do Movimento Sem Terra

A Pedagogia do MST é a maneira pela qual o movimento vem historicamente formando o sujeito Sem Terra e que no dia a dia educa as pessoas que dele fazem parte. O princípio educativo desta pedagogia é o próprio movimento. O Sem Terra é um nome próprio, uma identidade, uma referência política e cultural construída na história da luta pela terra.

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Caldart (2004) coloca que para compreendermos a pedagogia do MST devemos observar dois sujeitos, se trata de compreender uma pedagogia do Movimento e não para o Movimento, no sentido de ter o movimento como sujeito educativo e como sujeito da reflexão sobre sua própria tarefa de fazer educação. A mesma autora ainda afirma que o MST produziu um movimento pedagógico ou um movimento de formação humana. Essa seria a Pedagogia do Movimento, no duplo sentido de ter o Movimento como princípio educativo e de mover a pedagogia desde as necessidades concretas da formação dos sujeitos de uma luta social com características muito particulares.

Entre as ações empreendidas pelo MST na esfera da educação podemos destacar a identificação das necessidades educacionais das crianças, jovens e adolescentes dos acampamentos e assentamentos, a elaboração de materiais didáticos e o desenvolvimento de parcerias objetivando a formação na modalidade de ensino médio (magistério e ensino técnico), educação de jovens e adultos e educação superior.

Além disso, o MST também busca o fortalecimento da educação básica no campo e a intensificação das parcerias com sindicatos e universidades, além de outras entidades para ampliar a luta e discussão da educação na sociedade.

De acordo com Branford & Rocha (2004), até 2001, cerca de 150 mil crianças estavam matriculadas em 1.200 escolas primárias e secundárias, nos assentamentos e acampamentos. As escolas empregavam 3.800 professores, muitos dos quais formados pelo Movimento. Foram proporcionados cursos de formação a 1.200 educadores que ministraram aulas para 25 mil jovens e adultos. O MST estava conduzindo cursos de formação para professores de escolas primárias na maioria dos estados e estabelecera parcerias com agências internacionais como a UNESCO e o UNICEF, bem como a Igreja Católica. Fizeram acordo com 7 institutos de educação superior, em diferentes regiões, a fim de proporcionar cursos de graduação em pedagogia para professores do movimento.Tomaram essas iniciativas não só porque o governo brasileiro requeria maior qualificação para professores especialmente de escolas secundárias, mas também porque os próprios professores desejavam melhor formação.

A proposta de educação do campo do MST prevê a dialogicidade e problematização na elaboração dos princípios pedagógicos, filosóficos e materiais pedagógicos, a base do conteúdo é a prática social dos sujeitos, o fortalecimento da identidade sem­terra e a sistematização das informações difundidas e discutidas no coletivo de educação.

A Escola Itinerante nos acampamentos estava organizada em etapas, que correspondem ao ensino fundamental, com objetivos e conteúdos próprios a cada etapa (algumas já ofereciam o EJA). Estes conteúdos são construídos no decorrer do processo pedagógico, considerando e respeitando os conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade, contextualizando­os e dando prioridade àqueles considerados socialmente úteis e com sentido concreto para as vidas dos educandos.

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As etapas previstas na Proposta Pedagógica da Escola Itinerante se caracterizavam pela flexibilização e integração. A organização curricular prevista para cada etapa tinha o intuito de possibilitar a apreensão e a sistematização de conhecimentos conforme o processo de cada educando.

A organização dos tempos e espaços é um dos pressupostos assumidos pelo MST, no fazer de sua escola e de sua pedagogia.

É, portanto, a partir disso que se passou a orientar que cada escola organize os tempos educativos de acordo com aquilo que considera necessário para fazer acontecer o seu projeto. Sendo assim, o aproveitamento do tempo se dá, segundo os propósitos a serem atingidos: de aula, de trabalho, de oficina, de estudo, de mutirão, de núcleo de base, entre outros. A realidade social e conjuntural é que determina as alterações ou a ênfase, assim como as condições reais de aprendizagem dos educandos. (CAMINI, 2009, p. 194).

No momento em que o educando construía as referências correspondentes a cada etapa, ela passava para a seguinte, ficando claro que o ingresso ou a passagem das etapas poderia acontecer em qualquer época do ano letivo, a partir de avaliação realizada pelos educadores.

Sendo esta uma Proposta Pedagógica específica e diferenciada, não seguia as determinações do período previsto na LDB, que prevê 200 dias letivos. No entanto, respeitava o tempo de cada aluno na construção do seu conhecimento. A freqüência e o horário eram fixados a partir do compromisso assumido entre educadores, educandos, comunidade do acampamento, Secretaria da Educação e MST.

A Escola Itinerante acompanhava seus educandos onde estivessem, visto que as atividades do MST ocorrem em diferentes locais. Essa condição de itinerância da escola lhe conferia inúmeras possibilidades de ensino/aprendizagem, visto que as crianças tinham acesso às inúmeras especificidades de cada local.

Uma das formas de lutar e reivindicar o direito à terra são as marchas, que segundo Fernandes (2000), se caracterizam como uma necessidade de expandir as possibilidades de negociação, para gerar novos fatos. E para Fogaça (2003) vivenciar a escola na marcha significa construir consciência, pois a escola que se constrói no cotidiano das lutas sociais pode transformar essas lutas em conteúdos sistematizados (cálculos de distância, localização, meios de transporte). Camini (2009) afirma que tecer considerações sobre a participação da escola num momento de tal significado como a marcha, destaca que o Movimento não tem deixado o mundo e a realidade passarem em branco, sem nenhum registro de seus feitos, mas que também não podemos considerar a Escola Itinerante como uma ilha dentro do Movimento.

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Um dos principais objetivos das marchas MST é a pedagogização, não só da população das cidades visitadas, mas também dos próprios integrantes do movimento, que ao participarem da marcha reafirmam sua militância na luta pela reforma agrária. Os educandos da escola também assumem um papel na dinâmica do movimento ao participarem das marchas, ou seja, eles não estão ali apenas acompanhando seus pais. Estão reivindicando seu direito à educação, saúde, moradia, enfim exercendo sua cidadania.

Buth (2006) afirma que a Escola Itinerante é resultado de um processo dialético, onde o novo supera o velho, colocando­se como elemento que comprova a necessidade de superação da velha escola formal e das antigas práticas de ensino.

Para Caldart (2001) os sem terra se educam, quer dizer, se humanizam e se formam como sujeitos sociais no próprio movimento da luta que diretamente desencadeiam. Estão sendo chamados hoje de lutadores do povo e sua atuação acaba projetando uma identidade que é sua. E nesta perspectiva, podemos dizer que a herança que o MST deixará para seus descendentes será bem maior do que a quantidade de terra que conseguir libertar do latifúndio; será um jeito de ser humano e de tomar posição diante das questões de seu tempo; serão os valores que fortalecem e dão identidade aos lutadores do povo de todos os tempos, de todos os lugares.

A Escola Itinerante do MST no Rio Grande do Sul

Neste item, pretendo explicitar algumas questões referentes aos objetivos da Escola Itinerante no Rio Grande do Sul, assinalando que se tratava de uma proposta inovadora, que estava ligada à perspectiva da educação popular.

No ano de 1982, um grupo de famílias que estava acampado em Encruzilhada Natalino, no município de Ronda Alta/RS, ocupa o local previsto para seu assentamento. Neste grupo havia 180 crianças em idade escolar, então após muita reivindicação e negociação, a Secretaria da Educação do Estado autorizou a construção da escola, e assim as aulas iniciam imediatamente. Tal escola recebe o nome de Margarida Maria Alves, porém sua legalização só se efetiva em abril de 1984, já no assentamento Nova Ronda Alta e esta se concretiza como a primeira escola de acampamento/assentamento no Brasil (CAMINI, 2009).

A segunda escola foi organizada no acampamento da Fazenda Anonni, no município de Sarandi/RS, no ano de 1985. A escola funcionava debaixo de uma lona preta, as aulas aconteciam no mesmo espaço, num sistema de três turnos, havia 23 professores para 600 alunos de 1ª a 4ª séries (CALDART, 1991, p. 91).

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O que se denota com a formação e funcionamento dessas escolas é a certeza da busca por uma escola “diferente”, ou seja, a escola de assentamento/acampamento do MST não deveria ser igual às frequentadas antes de acampar.

Duas preocupações básicas moviam a reflexão:

A de considerar que as crianças sem terra tinham uma experiência de vida diferenciada de outras crianças e isto deveria ser considerado no jeito de trabalhar com elas; e a de que a luta, de alguma forma, pudesse entrar na escola, especialmente para que fosse lembrada e valorizada pelas novas gerações. (CALDART, 2000, p. 157).

A partir das discussões dos vários segmentos acampados e assentados (pais, educandos, educadores e comunidade) começa a construção do projeto pedagógico escola itinerante para Acampamentos de Reforma Agrária do Rio Grande do Sul, o qual foi coordenado pela Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul e pelo Setor de Educação do MST, além da Escola Base – Escola Estadual de 1º Grau Nova Sociedade, localizada na Fazenda Itapuí, no município de Nova Santa Rita/RS, uma das primeiras escolas de assentamentos do estado (WEIDE, 2009).

Esse projeto funcionaria em caráter experimental implementado entre os anos de 1996 e 1998, nos acampamentos de agricultores sem terra do Rio Grande do Sul, tendo como objetivo oferecer às crianças e aos adolescentes das comunidades acampadas o acesso à educação através de uma metodologia diferenciada. Assim, em 19 de novembro de 1996 a proposta pedagógica foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Estadual de Educação, sob o Parecer nº 1313/96, com base no artigo 64 da Lei Federal nº 5.692/71 como “Experiência Pedagógica”. A qual foi prorrogada por duas vezes pelas Resoluções 237/98 e 247/99.

Camini (2009) coloca que após cinco anos de experiência, o MST já ansiava pela regulamentação da escola itinerante, tornando­a uma política pública nos acampamentos, sendo que durante este período, o setor de educação era obrigado a justificar e comprovar, através de minuciosos relatórios, todas as atividades que eram desenvolvidas na escola, durante o ano letivo.

Então, em 17 de dezembro de 2002, sob o Parecer nº 1.489/2002, o Conselho Estadual de Educação (Rio Grande do Sul, 2002, p.1):

Credencia a Escola de Ensino Fundamental Nova Sociedade, no município de Nova Santa Rita, a desenvolver, como base no artigo 81 da Lei Federal nº 9.394/06, cursos experimentais nos níveis de educação infantil – faixa etária de quatro a seis anos, ensino fundamental e ensino fundamental na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, nas escolas de acampados do Movimento dos Sem

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Terra, no Rio Grande do Sul. Aprova o Regimento Escolar da Escola­ base e Aprova o Regimento Escolar dos Cursos Experimentais. Cabe aqui destacar que a escola itinerante continuou funcionando como experiência pedagógica, ou seja, como cursos experimentais (Figura 01).

Figura 01­ Escola Itinerante Filhos de Deus – Tupanciretã/RS. Fonte: Trabalho de Campo – 29/08/2007.

No final do ano de 2007, o Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul decide produzir um relatório sobre a atuação do MST no estado e a partir disso aprova alguns encaminhamentos em relação ao Movimento. Entre eles, podemos citar a dissolução e a declaração de ilegalidade do MST, a intervenção do Ministério Público nas escolas do Movimento, além de impedir a presença de crianças e adolescentes em acampamentos, marchas e outros deslocamentos de sem terras.

Como consequência destes fatos tivemos o fechamento das escolas itinerantes, em função do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pela Secretaria Estadual de Educação, que se comprometeu a deixar de desenvolver a experiência pedagógica nos acampamentos do MST. Porém, cabe destacar que a luta do MST pela educação não se extinguiu, pois o governo estadual prometeu vagas e transporte para que as crianças sem terra estudassem na cidade e na realidade isso não foi cumprido, pois não haviam vagas suficientes, sendo assim muitos ainda continuaram estudando nos acampamentos sem o reconhecimento do Estado, até o final do ano de 2009. Porém, a partir do início de 2010, algumas famílias tiveram que se separar, sendo que o pai continua acampado, enquanto a mãe e as crianças foram forçadas a deixar o acampamento para poderem continuar estudando, e assim a Escola Itinerante deixa de funcionar completamente.

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Desde então o MST tem pressionado o Ministério Público Estadual, o qual afirmou que as escolas dos acampamentos poderiam voltar a funcionar caso a Secretaria de Educação se comprometesse com algumas melhorias no âmbito da fiscalização e infra­estrutura das escolas. A partir daí, o Setor de Educação do MST tentou retomar o projeto­político­ pedagógico, a fim de garantir a educação das crianças Sem Terra, porém sem muito sucesso, visto que não há interesse ou iniciativa por parte da Secretaria Estadual de Educação (Jornal do MST, 2010).

De acordo com o Setor Estadual de Educação do MST, a situação atual da Escola Itinerante é precária, visto que continua legalizada perante a Secretaria Estadual de Educação, porém impedida de funcionar devido ao laudo do Ministério Público, o qual afirma que a escola não pode funcionar nas condições atuais. Frente a isso, o MST tentou firmar um convênio com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por meio do Colégio de Aplicação, porém tal projeto esbarrou na avaliação do Ministério da Educação (MEC) e não foi implementado. Cabe ressaltar que a Escola Itinerante continua em pleno funcionamento nos outros dois estados da região sul, Paraná e Santa Catarina.

As perspectivas futuras consistem na possível mudança no governo estadual, a fim de tentar a reformulação do projeto da Escola Itinerante, além de algumas outras iniciativas que já estão sendo pensadas para implementação ainda este ano, uma delas é a questão do reforço escolar para as crianças assentadas. Cabe destacar, que este trabalho será realizado pelos educandos que em breve estarão concluindo o curso de magistério ofertado pelas escolas do MST. Além disso, também há a questão do Ministério Público que sinalizou com a informação de que a Secretaria da Educação teria que criar alternativas a fim de sanar os maiores problemas em relação à educação dos sem terrinha, visto que a falta de transporte, a distância e a falta de vagas estão deixando muitas crianças sem frequentar a escola.

Considerações Finais

Desde 1984, no início de sua formação, o MST já demonstra sua preocupação com a educação, uma reivindicação que foi incorporada à luta pela reforma agrária. Com isso, é importante destacar que a criação do Setor de Educação foi feita de acordo com a necessidade dos acampados, ou seja, uma ação com o intuito de sanar demandas da própria comunidade, o que caracteriza a Educação do Campo, pretendida pelo MST.

Tal educação é voltada aos anseios do trabalhador do campo, ou seja, está fundamentada na Pedagogia do Movimento Sem­Terra. Em vista disso, a legalização de experiências pedagógicas como a escola itinerante contribuiu para ampliar o sentido real

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de pressupostos previstos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB ­ 9.394/96), quando fala no art. 28 que a oferta de educação básica para a população rural deve conter “conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural”.

A Escola Itinerante se caracterizava como educação popular, ou seja, o aprendizado é constante e toda forma de relação é entendida como um aprendizado. Todo indivíduo tem o que ensinar e tem o que aprender, portanto todos aprendem e ensinam no seu fazer diário. A educação popular é utilizada pelas classes populares como forma de resistência ao sistema vigente.

A Escola Itinerante fazia o contraponto à escola do modelo capitalista, neoliberal, que prega a meritocracia e o individualismo. Esse contraponto se mostra quando se organiza em tempos educativos, ressignifica o espaço da sala de aula, vivencia a mística, modifica o processo avaliativo, incentiva a participação da comunidade escolar e a auto­organização dos educandos (CAMINI, 2009).

Outra característica marcante do MST é a coletividade, ou seja, todos aprendem que o coletivo é o grande sujeito da luta pela terra. As ocupações, as marchas, os assentamentos, os acampamentos, são obras coletivas e é fazendo parte do coletivo e das obras coletivas que as pessoas se educam, preservando sua memória e projetando o futuro.

O MST também se preocupa com a questão dos valores humanos como a solidariedade, a lealdade, o espírito de sacrifício pelo bem estar do coletivo, o companheirismo, a sobriedade, a disciplina, a indignação diante das injustiças, a valorização da própria identidade sem terra, a humildade, nesta sociedade que dia a dia se degenera por meio do individualismo, do consumismo, da apatia social, mas acredita que assumindo a tarefa de educar e reeducar as pessoas em seus valores, pode ajudar a realizar o que projeta em sua história.

A escola diferente pretendida pelo Movimento se constrói no momento que se envolve permanentemente com tudo que acontece ao seu redor, ou seja, trabalha os conteúdos obrigatórios a partir da realidade dos educandos.

O MST possui um projeto­político­pedagógico articulado à perspectiva da emancipação. Sua atuação no campo da educação tem permitido a muitas pessoas o acesso ao ensino, seja por meio da escolarização formal, cursos de formação política ou as vivências educativas no âmbito informal.

O que vemos é um amplo ataque aos movimentos sociais no estado, e com a justificativa de que as crianças acampadas terão uma melhor educação na cidade, entendo que há um retrocesso no funcionamento das políticas públicas em educação do campo. Visto que, nas premissas da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

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Diversidade do governo federal, está prevista a valorização da educação do campo, bem como o reconhecimento das necessidades e singularidades da população do campo. Referências Bibliográficas

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Referências

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