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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ LUIZ FILIPE ALVES GUIMARÃES COELHO PEDRO AFONSO E O HERÓIS DA RECONQUISTA: EL CID NA CRÔNICA GERAL DE ESPANHA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

LUIZ FILIPE ALVES GUIMARÃES COELHO

PEDRO AFONSO E O HERÓIS DA RECONQUISTA: EL CID NA CRÔNICA GERAL DE ESPANHA

CURITIBA 2009

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Luiz Filipe Alves Guimarães Coelho

Pedro Afonso e o Herói da Reconquista El Cid na Crônica Geral de Espanha

Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

Orientadora: Fátima Regina Fernandes

Curitiba Junho, 2009

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Agradecimentos

Aos meus pais que pelo amor incondicional e apoio possibilitaram tudo que sou.

À minha mãe que pelo exemplo de esforço e luta me mostrou como nenhuma barreira é intransponível.

Ao meu pai que me mostrou como nossos sonhos são importantes e como, através de muita batalha, podemos alcançá-los.

Ao meu irmão pela amizade e camaradagem que apenas irmãos podem compartilhar.

À Mariana cujo amor, carinho e apoio me renovaram as forças e possibilitaram alcançar limites impensáveis. Sua inteligência e amizade me presentearam com uma orientação valiosa fornecendo idéias e opiniões incomensuráveis.

À Yara e Nilo, sem os quais minha “saga” em Curitiba poderia ter chegado a vários fins prematuros.

À Minha orientadora, Fátima, pelo apoio, paciência e ajuda. Seu cuidado com seus “pupilos” inspira a admiração de todos os meus colegas. Sua orientação não se limitou ao campo acadêmico e me forneceu um exemplo valioso de professora, pesquisadora e profissional, que vou guardar pelo resto de minha vida.

Aos meus amigos, para os quais não é preciso citar nomes. A camaradagem e apoio não só inspiraram meu senso de propósito como deram cor à minha estória em Curitiba. Não importa a distância, nenhum, jamais será esquecido.

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Sumário

Resumo ... 5

1. Introdução... 6

2. A Lenda Castelhana ... 11

3. O Nobre Português Autor e Ator em seu tempo ... 18

4. A Crônica Geral de Espanha de 1344 ... 26

5. Conclusão ... 34

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Resumo

No ano de 1344, Pedro Afonso, conde de Barcelos, termina a produção de uma de suas maiores obras: a Crônica Geral de Espanha. Em tal escrito nota-se uma elevada importância dada a um personagem histórico de grande influência em Castela e nos reinos peninsulares, Rodrigo Diaz de Vivar, conhecido como El Cid. Este homem foi um guerreiro que durante a Reconquista ficou marcado pela grande habilidade militar e capacidade inigualável de vencer batalhas contra os mouros e por vezes mesmo contra cristãos. É sobre este personagem histórico que trata o Poema de Mio Cid, que é considerado a primeira grande obra redigida em língua castelhana, datada aproximadamente de fins do século XII e início do século XIII. Em tal obra já se pode constatar um distanciamento do homem real e o princípio da construção de um dos maiores mitos ibéricos. Partindo destes pressupostos, esta pesquisa tem como objetivo clarear o porquê de tal herói ter recebido tanto prestígio de um escritor português, após quase dois séculos e meio de sua morte.

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1. Introdução

Através da ligação entre a Literatura e a História nasce uma variedade incrível de mitos, lendas e interpretações idealizadas. Ora, este é o caso de um dos maiores heróis da cultura Ibérica. Como a própria palavra “herói” já evidencia o cavaleiro medieval, que através de sua perícia militar recebeu o título de El Cid, se tornou alvo de toda uma idealização literária. Sua vida e seus feitos até hoje geram histórias fantásticas que não mostram qualquer compromisso com alguma “verdade histórica”. Entretanto, essas interpretações, enquanto afastam e dificultam uma “busca de El Cid”, como muitos autores já se aventuraram a empreender, servem muitas vezes para a compreensão dos contextos em que as mesmas foram escritas. É a partir do viés escolhido, dos valores apontados e da escolha de diversos outros fatores pelos autores, que podemos revelar o que estava acontecendo no momento que tais obras foram escritas.

Devemos lembrar sempre que durante o desenvolvimento da literatura na Idade Média a arte de escrever se mostrava algo difícil e dispendioso, sendo assim extremamente importante que tal esforço tivesse um objetivo definido para que se alcançasse um retorno. Embora a escrita contemporânea se mostre algumas vezes despida de motivações além do entretenimento, sua antecessora medieval jamais poderia ser semelhante. Portanto, o escritor medieval sempre escreve para alguém com um objetivo claro em sua mente. É a partir dessas reflexões que essa pesquisa se origina. Quando o personagem histórico castelhano em questão é citado e relatado por um português três séculos depois, se inicia uma possibilidade de estudo através da criação de interpretações. Ora esse mesmo Cid que muitas vezes foi caracterizado de maneira idealizada, ganha agora uma leitura portuguesa. Por que Pedro Afonso, Conde de Barcelos, cronista real da coroa portuguesa em meados do século XIV, dedicou grande parte de uma de suas maiores obras, a

Crônica Geral de Espanha terminada no ano de 1344, a um herói estrangeiro,

castelhano e cruzado, sendo que a luta contra os mouros estava quase no fim (tendo tal fato sido marcado no fim da Batalha de Salado com a vitória cristã dos reinos português e castelhano em 1340)? É tal questionamento que esta

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pesquisa tenciona se não responder, colaborar para a compreensão e debate. Para a concretização deste projeto a pesquisa teve de ser dividida.

Primeiramente, por uma analise do Cid histórico juntamente com o Cid lendário, utilizando as seguintes obras respectivamente: para o primeiro, a de Richard Fletcher- Em busca de El Cid - e para o outro, La España Del Cid, de Ramon Menendez Pidal, historiador que por muito tempo foi tido como especialista nas “questões cidianas”, mas que com o avanço da historiografia foi sendo criticado e julgado como detentor de uma visão romanceada sobre o personagem em questão.

Outra fonte é o Poema de Mio Cid, considerado a primeira grande obra redigida em língua castelhana e que por muito tempo foi classificado como fonte contemporânea ao personagem histórico, mas que graças a pesquisas mais recentes foi datado de quase um século após a morte de seu objeto, o que para alguns historiadores já pode ser o suficiente para que se inicie todo um processo de mitificação e, portanto, já demonstra a existência de um afastamento entre o real e o mito.

A partir do desenvolvimento do personagem histórico e dos processos de mitificação que ocorrem ao seu redor a pesquisa mudou o foco. Mostrou-se necessário um esclarecimento sobre quem foi Pedro Afonso, quando escreveu e finalmente, por que escreveu. Para tanto, foram lidas obras que tratam sobre o contexto de Portugal à época da produção da obra e como essa realidade histórica poderia ter influenciado de alguma maneira a sua elaboração. Em seguida se iniciou um estudo sobre o próprio autor da fonte: o conde de Barcelos.

A obra que foi tomada como referência para o tema El Cid foi: Em Busca

de El Cid, de Richard Fletcher. Apesar de o próprio autor julgar em sua

introdução que seu livro não poderia ser utilizado como uma leitura acadêmica, por faltar no que concerne a “parafernália acadêmica” 1, o livro evidencia um

rico debate historiográfico relacionando os trabalhos anteriores com as descobertas atuais sobre o tema, feito a partir da visão de um historiador. Assim, apesar da modéstia do autor o livro acabou por se revelar um excelente guia para uma analise histórica de El Cid e para um acompanhamento dos

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debates historiográfico acerca desse assunto. Ramón Menendez Pidal, com seu livro La España Del Cid também foi elencado. Entretanto, devido à sua visão mais idealizada, a obra não pode ser utilizada como referência histórica sendo utilizada antes como uma visão romanceada de Cid para ser analisada e debatida pelos trabalhos mais atuais de outros pesquisadores. Assim Pidal pôde oferecer à pesquisa um exemplo de idealização de personagens históricos que pode ser utilizado para colaborar na compreensão da construção feita pelo conde de Barcelos.

Para o entendimento do contexto Ibérico foi observada a existência de uma vasta gama de livros tratando o tema, mas como grande maioria trabalhava o período de maneira semelhante apenas os de maior expressividade foram selecionados. Em primeiro lugar, por ser um livro de referência, a ser utilizado para uma primeira compreensão do assunto, foi utilizada a coleção História de Portugal organizada por Damião Perez. Esta obra forneceu uma primeira visão sobre o momento em que passavam os reinos ibéricos, oferecendo uma aproximação das figuras históricas de maior importância e dos acontecimentos que se destacaram.

A seguir para ser realizada uma analise mais aprofundada do tema, foi selecionada a obra de Jose Mattoso, História de Portugal. Nesse trabalho Mattoso, um dos historiadores de maior destaque na linha de Portugal Medieval, oferece um relato mais profundo acerca dos acontecimentos, possibilitando um conhecimento mais abrangente sobre o período em questão. Outras obras, por sua proximidade ao tema também foram selecionadas. Dentre estas, a de maior importância é a tese de mestrado de Adriana Mocelin, “‘POR METER AMOR E AMIZADE ENTRE OS NOBRES FIDALGOS DA ESPANHA’: O Livro de Linhagens do Conde Pedro Afonso no contexto tardo-medieval português”. A obra de Adriana trata a nobreza tardo-medieval através do viés de Pedro Afonso representado em uma de suas maiores obras: O Livro de Linhagens. E para tal projeto a pesquisadora, que segue a linha prosopográfica2, realizou um estudo sobre o próprio conde e sua relação com

sua conjuntura histórica. Apesar de ter apenas o mestrado concluído recentemente esta é a pesquisadora que mostra maior relevância para a minha

2 Metodologia que presa pelo estudo individual das personagens históricas com a intenção de recriar suas

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pesquisa atual. O tema abordado, tanto na conclusão da graduação, quanto na do mestrado, demonstra grande proximidade com minha pesquisa: O Livro de Linhagens de Pedro Afonso Conde de Barcelos. Por tratar do mesmo autor e de contextos muitos próximos, a autora deu grande contribuição a uma aproximação com o tema e à apresentação de outras obras de referências de onde poderíamos aprofundar nosso conhecimento.

De importância menor, porém indispensável, é a própria análise desenvolvida sobre a sua fonte (que junto com a Crônica Geral de Espanha formam as duas maiores obras de Pedro Afonso) onde através da mesma poderíamos nos aproximar do pensamento de Pedro Afonso e sua forma de expressa-lo. Ora através disto o trabalho fornece importantes informações para a solução da problemática de minha pesquisa (Por que Pedro Afonso teria escrito sobre El Cid?) no Livro de Linhagens nota-se a grande importância do Conde em tentar demonstrar o papel da nobreza, seus deveres, seus direitos e, principalmente, sua necessidade.

De grande importância para o desenvolvimento da presente pesquisa foi também as análises de Luís Filipe Lindley Cintra na introdução de sua transcrição da Crônica, transcrição esta que foi a utilizada como fonte em nosso trabalho. A contribuição de Cintra para a Historiografia Ibérica dispensa comentários e assim a pesquisa realizada pelo filólogo acerca da fonte que transcreveu demonstra um valor imprescindível à nossa análise, oferecendo grandes contribuições e novos questionamentos.

Assim esse trabalho tenciona, a partir de uma crônica medieval, ajudar no esclarecimento da situação do reino português no século XIV, explicitando como o personagem El Cid é utilizado pelo autor para relatar a sua própria época, utilizando-o como espelho, como exemplo ou para qualquer outro objetivo que possa ser desvendado. Partindo de uma visão otimista, este trabalho pode servir também para enriquecer o debate sobre a construção do conhecimento histórico. Como um personagem de destaque pode ser lido de diversas maneiras e como essas mesmas maneiras de se relatar, ou escrever história, muitas vezes dizem mais sobre o presente do autor do que o passado do qual o mesmo tenciona relatar.

É clara, para todo brasileiro, a importância da cultura lusitana na construção da nossa própria cultura e identidade. Apesar disso pouco se

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trabalha com relação à Idade Média Portuguesa em nosso país. Por meio desta pesquisa, minha intenção é desvendar porque, e como, essa cultura tão próxima da nossa constrói um herói medieval, baseada em seus próprios valores. Dessa maneira, aliando a isso o fato de o herói que usarei para trabalhar tal ponto seria um personagem castelhano, estrangeiro, portanto, em relação ao autor. Tal situação adiciona à problemática inicial um novo questionamento e uma outra linha epistemológica: a análise da alteridade, ou seja, como esse cronista medieval português iria modelar um cavaleiro castelhano para servir de modelo à nobreza baixo-medieval portuguesa e quais os objetivos desta construção em seu período.

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2. A Lenda Castelhana

Em 1099 morria o primeiro governante cristão de Valência desde a tomada da cidade pelos mouros3. Este homem, um guerreiro que lutou em

diversas batalhas e defendeu várias bandeiras, representaria na memória futura o símbolo da luta entre os cristãos e os islâmicos na Península Ibérica conhecida como Reconquista. Assim que Rodrigo Diáz faleceu um processo se iniciou: era a criação de um mito4.

Para qualquer historiador que ambiciona pesquisar sobre esse personagem histórico logo de inicio se evidencia um grande problema: as fontes. Enquanto, por um lado, quanto mais próximo do tempo de El Cid em vida mais raros são os documentos que possam oferecer informações, por outro, após a sua morte observa-se uma boa quantidade de obras escritas sobre esse herói. Citaremos aqui os principais documentos: o primeiro em que aparece o termo Cid foi um poema em latim escrito em celebração da conquista de Alméria, em 1147. O autor anônimo por duas vezes se refere a Rodrigo Díaz como mio Cidi5. A maneira como o termo é utilizado demonstra que o autor esperava uma pronta identificação por parte do seu público com o personagem ao qual se referia. O termo Cid provém de uma transliteração do árabe sayyid que significa “senhor”. Portanto, El Cid equivaleria a “o senhor” ou “o líder”. Não há registros que comprovem a utilização deste termo durante a vida de seu portador, porém não há provas para o contrário. 6

A primeira obra dedicada inteiramente ao El Cid se mostra na forma de poesia. Parte de um manuscrito copiado em Ripoll por volta do ano 1200. Um dos três poemas contidos no documento é um conjunto de versos em latim, sem título, que se dedicam às primeiras façanhas militares de Rodrigo, mencionando-o diversas vezes como campi doctor (campeador). Foi desta característica que o poema ganhou o título atual de Carmem Campi Doctoris

(Canção do Campeador). O período exatamente no qual esta obra foi

produzida ainda causa debates na historiografia. Porém existe certo consenso

3 FLETCHER, R. Em busca de El Cid, São Paulo, UNESP 2002, p 13

4 RIVAIR, José Macedo. Mouros e Cristãos: A Ritualização da Conquista no Velho e no Novo Mundo.

http://paginas.terra.com.br/arte/gtmedieval/mouros_e_cristaos.pdf.

5 FLETCHER, R. Em busca de El Cid, São Paulo, UNESP 2002, p 13 6 Ibid

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de que teria sido escrita no monastério de Ripoll, Castela, pouco tempo depois do último acontecimento relatado no poema: a batalha de Almenar que se deu em 1082.7

Por outro lado, outra obra escrita pouco tempo depois se mostra mais útil: a História Roderici. Esta também recebeu um título moderno, pois no formato que chegou a nós se encontrava desprovida de um. Estava apenas escrito em seu cabeçalho “Aqui começam os feitos de Rodrigo, o Campeador”.8

Este texto trata da vida de Rodrigo até a sua morte. Porem é depois do primeiro exílio do El Cid que o escritor demonstra um grau de detalhe consideravelmente maior do que nos capítulos anteriores. Sua data é outra grande dúvida, pois o manuscrito que chegou até os nossos tempos é uma cópia datada por volta de 1230.

Entretanto, para Fletcher o documento original poderia ser datado entre os 20 anos seguintes à morte de El Cid por dois motivos: o primeiro provém de uma análise de grafia, “no patronímico ‘Sánchez’ (filho de Sancho) no capítulo 23 do manuscrito mais antigo a letra ‘a’ foi substituída pela letra ‘u’”. Durante a passagem do século XI para o século XII a escrita tradicional castelhana foi sendo modificada, passando da escrita visigótica para a escrita que ficou conhecida como francesa. Uma das diferenças entre as duas escritas se encontrava na primeira letra do alfabeto: na escrita visigótica o “a” não era fechado na parte de cima, o que poderia causar a impressão de “u”. É nesse erro de cópia que podemos supor, segundo Fletcher, que o autor original da obra tenha usado a forma escrita visigótica o que causou uma falha na tradução muitos anos depois quando o responsável pela cópia não devia estar acostumado com a escrita visigótica. Sendo assim a obra teria sido produzida entre o final do século XI e os primeiros anos do século XII.9

A segunda razão que leva o historiador a crer na proximidade da obra com o tempo em vida do seu objeto é mais simples: segundo o pesquisador a relação entre a narrativa e o que pode ser comprovado com outros documentos

7 A obra trata dos momentos anteriores à batalha, onde se encontra Rodrigo se preparando. Entretanto o

poema é interrompido nesta parte e algo entre 10 estrofes foram apagadas, ou de forma deliberada ou pelo próprio tempo, o que poderia levar a conclusões diferentes. Ibid p. 123

8 FLETCHER, R. Em busca de El Cid, São Paulo, UNESP 2002, p 124 9 Ibid, p 127

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é tão precisa que o autor deveria estar vivo durante os acontecimentos para tê-los de maneira tão “fresca” em sua memória.10

Considerada a primeira grande obra redigida em língua castelhana, nenhum outro documento sobre El Cid recebeu tanto prestígio e foi alvo de tanto debate como o Poema de Mio Cid. O Poema chegou até nossa época em um único manuscrito copiado a mão por volta de 1350. Ao fim do texto há uma frase que gerou grande debate entre a historiografia: “Per Abbat le escrevió en

el mes de mayo en era de mil e CC xvl años” (Per Abbat escreveu no mês de

mayo na era de 1245, que na nossa datação atual seria equivalente a 1207). Tais palavras abriram um questionamento: a palavra “escrevió” se referia a uma cópia, uma anotação de uma tradição oral, ou a composição em si do canto? Isso abria a questão de quando a obra teria sido escrita. Seria Per Abbat o seu autor?

Liderados por Ramón Menedez Pidal, um grande filólogo espanhol que dedicou sua vida às questões “cidianas”, um grupo de historiadores defendia a fundamentação histórica contida no poema, principalmente no que se referia ao exílio de 1081 a 1086, o nome de membros do séqüito de Rodrigo e o seu relacionamento com o conde de Barcelona. A teoria de Pidal estava baseada na idéia de que tradições orais passadas a cada geração poderiam conter informações históricas corretas. Para sustentar suas hipóteses, Pidal tentava provar que Per Abbat era apenas um copista e que a obra tinha sido escrita por volta de 1140, quarenta e um anos após a morte do Cid. Entretanto algumas pesquisas, analisando o modo de escrita e algumas referências a procedimentos judiciais e burocráticos, sugeriram que a obra fosse datada de 1175, na verdade, mais de cento e cinqüenta anos após a morte do cavaleiro.11

Reinhardt Dozy, um pesquisador holandês que havia descoberto textos árabes que tratavam do El Cid foi pelo caminho contrário. Julgando o poema como “ficção e vazio de qualquer valor como testemunho histórico”. Dozy caracterizou Rodrigo como um homem rude, um mercenário interessado apenas em seu enriquecimento e disposto a fazer o necessário para tal e, o mais importante, “mais muçulmano que católico” 12.

10 Ibid 11 Ibid, p254 12 Ibid, p 263

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Já Fletcher utiliza três características para mostrar o El Cid do Poema de

mio Cidi como apenas fruto de uma produção literária sem grande

profundidade histórica: em primeiro lugar o fato de Rodrigo ser enfaticamente castelhano. Durante a primeira parte da obra observa-se que acima de tudo Rodrigo sente a perda de “sua terra natal” 13. Jordi Pardo Pastor, em seu texto

A Representação do Cavaleiro na Épica Espanhola: o Cid Campeador um Canto de Fronteira, corrobora essa idéia: “A pátria é o que de mais grandioso existe para o Cid. Tudo o que nela se encontra é profundamente amado por

nosso herói, os palácios, as casas, a gente”. 14 Contudo esse tipo de relação

patriótica com a terra natal é algo totalmente anacrônico se for atribuído a um cavaleiro medieval. Principalmente quando este cavaleiro em questão lutou ao lado dos muçulmanos, inclusive contra os seus antigos aliados cristãos, algo que o Poema nem menciona.

Esse ponto leva à segunda crítica que Fletcher faz ao documento: El Cid é mostrado como um cristão fervoroso. Mais do que um cristão comum, o

Poema mostra o cavaleiro “rezando, invocando São Tiago, recebendo a graça de uma visão do Arcanjo Gabriel, desejando recuperar Valência para a

cristandade” 15 e etc. As poucas vezes que o Poema menciona as várias

alianças que Rodrigo fez com os muçulmanos, estas são retratadas como meras estratégias para manipular seus tributários contra outros infiéis.

Por último, a maneira sempre leal ao rei, mesmo que o herói fosse vítima de injustiça desse mesmo senhor, demonstra outra discrepância com o El Cid histórico para Fletcher. O Cid histórico não poderia ser mais diferente que este: o cavaleiro representa na verdade insubordinação para com seu rei. O primeiro exílio de Rodrigo simboliza sua personalidade independente: após um ataque e saque feito ao castelo de Gormaz por bandidos vindos das regiões de Toledo, El Cid organiza suas hostes e, sem esperar por ordens reais, invade o reino muçulmano, saqueando e devastando suas terras. Algumas das razões que talvez tenham levado o cavaleiro a tal impetuosidade seriam as terras próximas as suas na região e a chance de recebê-las, ou tomá-las, com o ataque. De qualquer modo tal insubordinação mostra como Rodrigo agia por conta própria

13 Ibid, p 254

14 PASTOR, Jordi P.. A Representação do Cavaleiro na épica Espanhola: o Cid Campeador, um Cante de Fronteira. HTTP: \\www.hottopos.com\rih8\jordi.htm

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sem se preocupar com a autorização de seu governante, que, aliás, há anos lutava para assegurar a manutenção do governador de Toledo, seu protegido, algo que foi intensamente dificultado pelo ataque do nobre cavaleiro.

Para ajudar a compreender o Poema de Mio Cid vale a pena levar em conta o que se passava na Península Ibérica durante o período: Uma nova seita de caráter beligerante crescia entre os muçulmanos, os almôadas. Em 1173 esta seita já controlava a totalidade do al-Andaluz. Os domínios castelhanos se viam novamente divididos e com a morte de Sancho III ficou apenas seu filho, Afonso VIII, um bebe, para reinar. As disputas pela regência só tiveram fim com a maioridade do rei em 1169. Entretanto, a ameaça almôada crescia cada vez mais e em 1195 os castelhanos amargam uma derrota decisiva na batalha de Alarcos contra os muçulmanos. Apenas em 1212 que Afonso VIII conseguiria desacelerar o crescimento dos almôadas.

Não é necessária demasiada análise para perceber a relação entre o herói do poema e os problemas da época. Castela estava sendo ameaçada por um inimigo árabe novamente e pelos conflitos internos dos que colocavam seus interesses acima das necessidades do reino, esquecendo seu dever para com o rei. Era preciso um herói que mostrasse aos nobres como eles deveriam agir. O autor misterioso da obra provavelmente queria mostrar um grande cavaleiro, habilidoso no campo de batalha como nenhum outro, mas nobre de coração, fiel ao rei e temente a Deus, que, agindo por esses princípios alcançou grande prestígio e riqueza.16

José Rivair Macedo em seu texto: Mouros e Cristãos: A Ritualização da

Conquista no Velho e no Novo Mundo comenta a utilização do Cantar (Poema) de Mio Cidi para divulgar imagens e valores relacionados à cristandade e na

transformação do Cid como um exemplo a ser copiado.17 O texto de Jordi

Pastor vai pelo mesmo caminho: a idéia que o pesquisador defende é a de que o Poema tinha sido escrito por um habitante da fronteira para a fronteira. Dessa maneira o personagem mitificado de El Cid serviria para arrebatar as pessoas em um romance envolvente e ao mesmo tempo didático gerando um exemplo a

16 FLETCHER, R. Em busca de El Cid, São Paulo, UNESP 2002, p 257

17 RIVAIR, José Macedo. Mouros e Cristãos: A Ritualização da Conquista no Velho e no Novo Mundo.

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ser seguido. Pastor conclui dizendo que o El Cid encontrado no documento deveria ser enxergado como “a esperança da sociedade da época” 18

O próprio Pidal, o maior defensor do Poema de Mio Cidi, mostra-se vulnerável ao mesmo tipo de análise contextual que utilizamos à sua fonte mais querida: Ramón Menendez Pidal nasceu em Corunna em 1869 de país de origem asturiana. Foi seu tio, o marquês de Pidal, colecionador de gosto erudito, que lhe apresentou o personagem histórico El Cid, O marques havia comprado o único manuscrito do Poema de Mio Cid. E assim já pequeno Pidal iniciava uma relação que duraria por toda a sua vida.

Entretanto foi durante sua lua-de-mel que o pesquisador vivenciou um momento que marcaria sua forma de ver documentos e fontes: ele “e sua mulher ouviram uma lavadeira as margens de um rio cantar uma balada, até então sem registro, sobre a morte do filho mais velho de Fernando e Isabel, ocorrida quase quatrocentos anos antes. Eles reconheceram nela informações históricas autênticas” 19, informações estas que eram presumivelmente além do conhecimento de uma simples lavadeira.

O tratamento dado por Dozy ao Cid gerou uma revolta em Pidal, o qual anos mais tarde o acusaria de “cidofobia”. Em sua La España del Cid, Pidal crítica por inteiro a tese do historiador holandês, acusando-o de deixar se “desencaminhar pelo racionalismo”. Esta crítica demonstra a influência de outro escritor espanhol: Marcelino Menéndez y Pelayo, um defensor ferrenho da idéia de Espanha como a defensora da Fé Católica.

A última década do século XIX foram anos de humilhação para a Espanha, a decadência econômica e a perda de territórios em derrotas vergonhosas para os Estados Unidos durante a Guerra Hispano-Americana de 1898, que durou apenas três meses, faziam com que os historiadores olhassem para trás para tentar entender “onde erraram”. Foi nesse contexto de humilhação internacional e saudosismo que Pidal produz seu texto. Ora observamos com grande clareza em seu livro a tentativa de construção de uma identidade espanhola fundada em valores castelhanos. É uma tentativa do pesquisador de “levantar a moral” de seu país através de heróis do passado.

18 PASTOR, Jordi P.. A Representação do Cavaleiro na épica Espanhola: o Cid Campeador, um Cante de Fronteira. HTTP: \\www.hottopos.com\rih8\jordi.htm

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No próprio prefácio da primeira edição de La Espanha del Cid assim como na conclusão Pidal admite que sua obra tinha também um caráter didático. “Menéndez Pidal tinha lições a ensinar à sua geração, talvez de forma muito semelhante ao autor do Poema de mio Cid, que tinha lições – bastante semelhantes, por sinal – a ensinar para a versão de Pidal” ·.20

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3. O Nobre Português Autor e Ator em seu tempo

Concebido em ilegalidade por Grácia Alves no ano de 1285, o filho bastardo do rei português D. Dinis, logo seria acolhido na corte régia pela própria rainha Isabel. Tal situação era na verdade uma estratégia comum entre as rainhas européias para se utilizar destes filhos ilegítimos a fim de criar uma rede de alianças através de casamentos.

Entretanto, os bastardos eram comuns na sociedade portuguesa e os filhos fora do casamento eram tão numerosos que o termo representava apenas um conceito jurídico e não qualquer espécie de condenação ou reprovação moral, e mesmo esta diferença poderia ser revogada se o pai emitisse uma carta de legitimação, eximindo os beneficiados de ações contestatórias de suas heranças, carta esta que Pedro Afonso também recebeu de seu pai. No próprio Livro de Linhagens encontram-se filhos bastardos que procuram justificar suas linhagens, sendo, portanto o livro um eficiente instrumento ideológico, cujas personagens não valem tanto pelo que são, realmente, mas pela imagem, pela construção que é feita deles.21

Pedro Afonso contou com grande apoio de seu pai, recebendo uma série de domínios e cargos como o de Mordomo da Infanta Beatriz, o condado vitalício de Barcelos e o cargo de Alferez-mor. Os últimos sendo recebidos já em meio a guerra civil de 1319-1324

Essa realidade tende a crescer depois da adoção da sucessão agnática que definia que a hereditariedade se dava pelo parentesco masculino, diferente da cognática, em que prezava pelo parentesco por ambos os progenitores, utilizada na estrutura germânica; e a feminina característica do direito romano.22

A bastardia régia também se exibia como uma estratégia de associação com outras famílias importantes tanto de Portugal como de outros reinos, alem de prover bons auxiliares para o governo do rei, seu pai, como foi o caso dos

21 MOCELIM, Adriana, “POR METER AMOR E AMIZADE ENTRE OS NOBRES FIDALGOS DA ESPANHA”: Livro de Linhagens do Conde Pedro Afonso no contexto tardo-medieval português,

Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, 2006 p. 15

22 PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor. A nobreza portuguesa no período dionisino. Contextos e

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filhos de D. Dinis: “dois dos filhos bastardos do rei ocuparam dois dos mais importantes cargos do reino português. O conde Pedro Afonso ocupou o cargo de Alferes Mor, com atribuições militares, enquanto Afonso Sanchez ocupou o cargo de Mordomo Mor que era por assim dizer, o ‘chefe da casa civil’ do rei, exercendo atribuições honorárias administrativas e políticas.” 23 Tais cargos

eram reservados para os membros mais altos da nobreza, e o fato de D. Dinis os ter relegado aos seus filhos reflete o distanciamento que já ocorria entre o monarca e a nobreza.

D. Dinis assumiu o trono em 1279, depois da morte de seu pai Afonso III, o qual dera início à construção de um código de leis em Portugal. Por demonstrar um caráter altamente centralizador seu reinado fora permeado por conflitos com a nobreza e nos últimos doze anos a situação saíra do controle do rei, que já bastante doente, não conseguia dirigir a administração pública, provocando um aumento da criminalidade e da violência no campo social. As primeiras medidas de Dinis foram relativas a retomar o controle da administração régia e o fortalecimento da justiça para a repressão da criminalidade.

D. Dinis daria continuidade ao processo centralizador de seu pai e seu reinado seria marcado como “a primeira administração completa que houve em Portugal, com leis assentadas na realidade política econômica e social, alem da obrigatoriedade de seu cumprimento” 24 e também pela autonomia do reino independente ao âmbito castelhano e sua coroa reconhecida e respeitada, méritos de Dinis pela implementação de sua soberania pelo interior do reino. Alem desses fatores o reino português se destacaria pela estabilidade interna que durou mais de trinta anos, enquanto que Castela era dilacerada por conflitos sociais.

O primeiro conflito que o rei teve que se deparar foi com relação a seu irmão o Infante Afonso, que se declarava o herdeiro legítimo da coroa devido a certa anulação papal que ocorrera no casamento dos pais de Dinis quando este nasceu. Respondendo a esta alegação Dinis acusava o casamento do

23 MOCELIM, Adriana, “POR METER AMOR E AMIZADE ENTRE OS NOBRES FIDALGOS DA ESPANHA”: Livro de Linhagens do Conde Pedro Afonso no contexto tardo-medieval portugués,

Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, 2006 p. 16

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Infante com Violante de Castela de ilegalidade por seu grau de parentesco. A estratégia de Dinis era impedir que os terrenos herdados por Afonso, que se localizavam na fronteira com Castela e livres da jurisdição real, passassem para os esposos castelhanos das filhas com Violante. Tais esposos poderiam, principalmente pela proximidade com Castela, tentar se separar de Portugal e passar sua vassalagem ao rei castelhano causando assim perda territorial para o reino. Dessa maneira anulando o casamento se anulava a hereditariedade dos terrenos que após a morte de Afonso, uma vez que não havia varão ou parente mais próximo para herdá-los, voltaria ao domínio da coroa portuguesa.25

O inevitável ocorreu e o primeiro conflito armado se deu após Afonso fortificar algumas partes de suas terras sem pedir permissão ao rei, em 1281 (o que seria extremamente perigoso para o reino português, por estar na fronteira com Castela). Um ano depois o Infante foi forçado a derrubar suas fortificações e se armar cavaleiro do rei, no tratado seguinte a sua derrota. No segundo conflito, de 1284, Afonso se junta aos nobres descontentes com a Inquirição de 1284, instigando-os a pegar em armas. O erro do Infante foi se aliar a Álvaro Nunes de Lara, inimigo da coroa castelhana o que fez com que os dois reinos se aliarem para suprimir sua revolta (Dinis já havia se aliado a Sancho IV rei de Castela contra seu pai, então o rei Afonso X). Novo acordo de paz: renovar os votos feitos na primeira derrota e a troca de uma vila da fronteira por uma do interior (Arronches por Armamar). Estratégia de Dinis para afastar o Infante turbulento da fronteira e separar suas forças.26

O terceiro conflito por sua vez, aconteceu em abril de 1299 quando o Infante cercou Portoalegre com a ajuda das ordens militares de Avis e do Templo. Este ultimo confronto resultou na troca de mais território fronteiriços por, outros interioranos, uma nova renovação dos votos de fidelidade e um grande fortalecimento da figura do rei como punho firme contra as pretensões nobiliárquicas.27

A obra legislativa de Dinis se caracterizava pelo intuito de assegurar a cobrança de foros e rendas da coroa, sonegadas por muitas vezes pela

25 SERRÂO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. Vol. I. Lisboa: Edital Verbo, 1979 p. 248

26 MATTOSO, José. org. e SOUSA, Armindo de, História de Portugal: a Monarquia feudal (1096-1480),

Lisboa: Editorial Estampa, 1993 p. 160

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nobreza. Para tal lançou mão muitas vezes das odiadas inquirições que avaliavam todos os privilégios que tal nobre tinha direito e conferia-os para garantir qual eram as suas origens e limitar assim a expansão política e material desse mesmo nobre.28 O conflito com seu irmão mostra apenas o

começo de uma luta lenta e insidiosa contra a proliferação senhorial, que apesar de demonstrar muita resistência acabaria por se tornar inexorável.

Tal processo gerou insatisfação por parte dos nobres que em 1285 protestaram nas Cortes de Lisboa, gerando um clima de contestação no reino. Desde tal acontecimento até 1316 os nobres tentaram realizar uma oposição passiva ao rei através de discursos e manobras legais. Porém o rei continuou firme em seus propósitos, adiando respostas e apelos judiciais, ou ainda obtendo sentenças a seu favor. Será em Afonso, filho varão de Dinis, desgostoso com a predileção de seu pai para com seus filhos bastardos, que os nobres irão encontrar a liderança que necessitavam para iniciar uma oposição mais ativa que finalmente ira gerar a Guerra Civil de 1319-1324. Muitos nobres, condenados por Dinis se aproximavam de Afonso em busca de proteção e anulação da ordem do rei. Dessa maneira o maior conflito entre as duas gerações se deflagrou quando Afonso começou a exigir o regimento da justiça do reino, o que parecia para Dinis algo desastroso, uma vez que todos os castigos impostos a alguns nobres por eles poderiam ser retirados, e que assim perderia sua maior base para o processo de centralização do poder, a justiça real. 29

Exibido muitas vezes pelos nobres partidários do príncipe Afonso como o favorito de Dinis, Afonso Sanches foi escolhido como alvo das críticas, tendo até mesmo sido criado um boato de que o mesmo substituiria Afonso na sucessão do rei. Portanto o Infante apresentava três razões para sua oposição aberta: o prestígio oferecido ao rei aos seus filhos bastardos, a “desordenada cobiça” do rei para cobrar os tesouros dos nobres e a resistência do rei em ceder-lo o regimento da justiça do reino.

28 MOCELIM, Adriana, “POR METER AMOR E AMIZADE ENTRE OS NOBRES FIDALGOS DA ESPANHA”: Livro de Linhagens do Conde Pedro Afonso no contexto tardo-medieval portugués,

Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, 2006 p. 24

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Dinis, vendo nuvens negras a se aproximar, mandou que se fizesse em todo o reino uma grande preparação de armas. Foi durante esse período que Dinis, temendo perder o apoio de alguns filhos começou a distribuir concessões, como o próprio Condado de Barcelos a Pedro Afonso.30

Ao lado de Afonso, se mantiveram os bispados de Lisboa e do Porto, membros da nobreza de Corte, alguns membros da segunda ou terceira nobreza, sendo seus mais ativos partidários os filhos segundos e bastardos, principais “vitimas” da justiça do rei. Totalizando um numero maior que dos partidários de seu pai. Já Dinis contava com o apoio de seus filhos bastardos, alguns nobres de segunda categoria, o bispo de Évora, o deão do Porto, os mestres das ordens militares e alguns chefes de linhagens, fidalgos, filhos segundos e indivíduos de pouca expressão, alem dos membros do Conselho.31

Pedro Afonso permaneceu fiel ao rei na primeira parte do conflito, tentando, entretanto se aproximar de Afonso. Dessa maneira, frente a uma acusação de traição feita por seus irmãos João Afonso e Afonso Sanchez, devido a uma constante defesa de Pedro Afonso no que concernia à legitimidade de seu irmão Afonso, Dinis se viu forçado a condenar o Conde Pedro ao desterro, confiscando assim, todas as suas posses.

Com tal proclamação do rei a postura demonstrada por Afonso com seu irmão Pedro Afonso mudou radicalmente. Tendo antes o colocado no mesmo patamar que Afonso Sanchez, após o desterro Afonso se aproximou de Pedro, inclusive intercedendo junto à Rainha de Castela para lhe oferecer assistência em seu exílio.32

No ano de 1322, Afonso enviou uma mensagem pedindo o apoio de seu irmão, Pedro Afonso. Dessa maneira, regressando de seu exílio, o conde fez um papel duplo, permanecendo ao lado de Afonso, mas tentando se aproximar de Dinis para restituir, assim, suas posses. Acabou por desempenhar, ao lado da Rainha Isabel, um importante papel na definição da concórdia entre os partidos e na restituição da paz.

30 Ibid p. 28 31 Ibid p. 29 32 Ibid p. 32

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Afonso se tornará Afonso IV com a morte de seu pai em 1325 e Pedro Afonso irá ostentar grande prestigio novamente com o Rei, tendo grande participação nos conflitos com Castela.

Menos do que representar uma oposição entre grupos sociais a guerra estava relacionada ao fato de aceitar ou não a centralização política. E durante o reinado de Afonso IV foi a vez dos Conselhos protestarem. Além disso, o confronto servia para mostrar que não seria tão fácil retirar os privilégios da nobreza, sendo marcado, entretanto como o ultimo grande suspiro das grandes vantagens que esse grupo podia ostentar.33

Apesar de seu desfecho ambíguo a guerra viria a dar continuidade ao processo que Afonso III começara e que Dinis estava dando seguimento: Afonso IV também irá pautar sua administração no fortalecimento do poder central do rei, para grande decepção da nobreza que se via dessa maneira desamparada e desorientada.34

Em 1340 os reinos de Portugal e Castela firmaram aliança para impedir o avanço mouro que parecia tomar novo fôlego. Porém em 30 de outubro de 1340 na Batalha de Salado os mouros seriam derrotados uma ultima vez. Esta batalha marcaria o fim da Reconquista e os muçulmanos nunca mais apresentariam qualquer ameaça à soberania dos reinos católicos na Península Ibérica.35

Entretanto no tempo de Pedro Afonso, nota-se também um importante processo com relação à identidade da nobreza que merece destaque. Até o fim do século XIII o que designava os membros da nobreza senhorial era sua origem familiar que, baseada no direito de sangue, garantia a imunidades judiciais e isenções fiscais. Porém durante a baixa idade média a hierarquia dos valores que definiam a nobreza vai sendo modificada e, para o primeiro lugar, avança o serviço ao rei e as ações em prol de seu reino. Em seguida se encontra o patrimônio e depois a origem familiar.36

33 MATTOSO, José, A guerra civil de 1319-1324. In: Estudos da História de Portugal Vol. 1 – Séculos

X-XV. Lisboa, Estampa, 1982 p. 176

34 MATTOSO, José, Identificação de um país: ensaio sobre as origens de Portugal, Lisboa: Estampa

1985, 2 vols. P 66

35 MOCELIM, Adriana, “POR METER AMOR E AMIZADE ENTRE OS NOBRES FIDALGOS DA ESPANHA”: Livro de Linhagens do Conde Pedro Afonso no contexto tardo-medieval portugués,

Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do

Paraná, 2006 p. 40

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Para que a nobreza pudesse exercer, de maneira efetiva, suas prerrogativas senhoriais, deveria possuir recursos econômicos, força militar, ou proteção do rei suficiente. Portanto, com o crescente fortalecimento do poder régio português, o prestígio com relação ao rei vai se tornando decisivo para a manutenção dos direitos senhoriais. Tal processo se deve também a um enfraquecimento da nobreza que viu grande parte de seus membros caírem nas revoltas constantes e nas batalhas contra os muçulmanos, assim como um gradual esvaziamento dos proveitos econômicos que a Reconquista, sua principal fonte de renda, tinha para oferecer37.

Anteriormente visto como serviço de vilões, o combate a cavalo começou a receber, nesse processo um novo valor para a aristocracia e seus jovens, assim, se tornariam os novos profissionais da guerra, estabelecendo então uma intima relação entre o combate a cavalo, o serviço de corte e à vassalagem.

Dessa forma foi sendo difundido uma nova concepção de nobreza: a cavalaria, vista como uma “virtus” pessoal e como profissão querida por Deus para promover o bem-estar do homem. Para tal movimento começam a se alastrar epopéias vindas ou imitadas de Castela, o culto generalizado da poesia trovadoresca, a assimilação crescente do espírito cortês alem da difusão progressiva de romances de cavalaria, que iriam proporcionar novos modelos baseados em um ideal de serviço desinteressado ou mesmo da recompensa mítica. 38

De tais acontecimentos surge uma nova nobreza, pequena e de origens fundiárias de zonas setentrionais e montanhosas. Eram nobres que até então pertenciam a uma camada inferior, de poucas tradições familiares e um passado desconhecido. Para superarem tal barreira muitos se apropriavam dos mitos e tradições das famílias a quem se assimilavam pelo casamentos ou patrocinavam escritores que poderiam oferecer novas histórias sobre seu sucesso inesperado, os associando a um passado vitorioso. É nesse momento que se verifica uma grande incidência da literatura genealógica que poderia

37 Ibid 38 Ibid, p. 46

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servir para tal propósito, como outra grande obra do próprio conde Pedro Afonso, o Livro de Linhagens39

Letrado de grande importância, o Conde de Barcelos foi autor de uma série de obras literárias de variada natureza, na qual se incluem diversas cantigas, o Livro de Linhagens e a Crônica Geral de Espanha, sendo estes últimos as suas principais obras.

A produção da Crônica Geral de Espanha chegou a seu fim em 1344. Em seus setecentos e vinte sete capítulos, a obra relata a história da Península Ibérica desde sua gênese até o reinado do rei português Afonso IV. Quanto ao autor, após alguns anos em que se acreditou ter sido Afonso IX, o sábio, foi comprovado que seria realmente Dom Pedro Afonso, Conde de Barcelos.

O legado cultural do Conde de Barcelos é um dos mais importantes da Idade Média peninsular e sua obra é considerada ainda uma das melhores fontes para o estudo da história social portuguesa no período da Dinastia Afonsina40.

39 Ibid, p. 49 40 Ibid p. 11

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4. A Crônica Geral de Espanha de 1344

Apesar de ter sido concluída em 1344 a Crônica só receberá o devido valor no final do século XIX. Perdida entre os tantos manuscritos da produção literária de Afonso X, o Sábio, por muito tempo se acreditou que seria apenas mais uma parte do legado do famoso rei letrado. Será Menendez Pidal quem “redescobrirá” a obra fazendo uma referência a uma Crônica Geral que estava sendo redigida por volta de 1344.41 Desde então a sua importância foi se tornando cada vez mais evidente e a contribuição que esta poderia oferecer para os pesquisadores da Península Ibérica medieval esta longe de chegar ao seu fim.

Alguns manuscritos em galego-português foram selecionados como versões da Crônica de 1344, um da Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa, um da Biblioteca Nacional de Paris e três castelhanos da Biblioteca Real de Madrid. Foi através da analise conjunta destes códices que Luís Filipe Lindley Cintra realizou a sua edição e publicação da Crônica Geral de Espanha que é a utilizada como fonte em nossa pesquisa. É importante relatar que tal esforço pôde apenas levar a uma aproximação da segunda refundição da obra de fins do século XIV, estando assim a primeira versão de 1344 perdida para nossos tempos até este momento.42

O primeiro debate, e um dos mais importantes, que cercou a “nova” obra foi com relação a suas origens. Desde Menendez Pidal, com exceção de José de Bragança, todos partiam do princípio mais plausível de que a obra teria sido redigida em castelhano na Espanha seguindo a linha criada por Afonso, o Sábio, e definindo o manuscrito da Biblioteca da Academia de Ciências de Lisboa como uma tradução ordenada por D. Diniz.43

Porém Cintra irá comprovar uma nova visão para esse debate: a hipótese da Crônica de 1344 ter sido redigida em português. Tal idéia já havia sido defendida por José de Bragança em um artigo intitulado “É portuguesa a Crônica Geral de Espanha de 1344” publicado em 1935. Bragança baseava

41 CINTRA, Luís F. Lindley, Crônica geral de Espanha de 1344 / edição crítica do texto português por Luís Filipe Lindley Cintra. Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1951-1961, p. 13

42 Ibid, p. 18 43 Ibid, p. 42

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seu argumento em certas partes do texto em que discorda das obras de Afonso X em sentido favorável a Portugal, e de “certas particularidades da lista de reis godos e de reis de Leão e de Castela que nesse texto precede imediatamente a menção da data em que a Crônica se redigiu.” 44Em tal lista se nota uma contagem dos reis de Castela e de todos os reis de Portugal até o tempo de Afonso IV. Entretanto não havia uma contagem dos reis de Navarra e de Aragão, outros dois reinos de grande importância na Península Ibérica. É na elevação da importância dada a contagem dos reis de Portugal que se nota a parcialidade do autor.45

Cintra por sua vez irá realizar uma extensa análise “palavra por palavra” gramatical pelo texto, selecionando diversos trechos onde se nota erros de redação que apontam para erros de tradução, como a “ultracorreção”, onde o tradutor corrige uma palavra que já estava certa; ou erros onde aparecem palavras ou frases sem sentido ou de sentido obviamente adulterado, marcas de uma má compreensão de partes de um texto que se quer traduzir; ou mesmo o aparecimento de formas caracteristicamente galego-portuguesas.

Além da análise restrita a redação da obra, o filólogo também se baseia em evidências contextuais, partes do texto onde o autor demonstra um interesse particular pela história portuguesa e certa preocupação em defender qualidades ou personagens portugueses. Nesse sentido os argumentos de Cintra convergem com os de Bragança e demonstram uma série de trechos onde se nota tal parcialidade. Um dos quais seria o episódio da prisão de Afonso Henriques em Badajoz: Segundo a Primeira Crônica Geral (Baseada no Toledano) ao fugir das hostes de Fernando II de Leão o rei português quebrou a perna no ferrolho de uma porta, é preso e oferece o seu reino e a sua pessoa ao rei leonês reconhecendo as culpas que Fernando lhe atribuía. Este aceitou apenas o que achou justo e libertou Afonso para voltar para Portugal. Porém o rei português nunca mais pôde cavalgar graças ao ferimento na perna46.

O acontecimento é narrado de maneira semelhante na Crônica de 1344, porém alguns detalhes chamam a atenção: Ao narrar as causas do ferimento na perna de Afonso Henríquez afirma que isto teria acontecido “quando ‘aquele

44 Ibid, p. 45 45 Ibid, p. 89 46 Ibid, p. 90

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que era o mais valente e esforçado cavaleiro que se podia saber’ avançava para atacar o inimigo”; ao ser capturado a proposta que faz a Fernando II mostra também uma diferença, a condição de que voltaria para se curar do ferimento em Portugal e que, assim que estivesse apto a cavalgar novamente, retornaria a Leão para se entregar a prisão. Teria sido então, segundo a

Crônica Geral de Espanha, por esse motivo que Afonso Henriques nunca mais

iria cavalgar. 47

Estes detalhes nos evidenciam uma versão nitidamente favorável ao rei de Portugal, que não tem sua figura heróica danificada como poderia parecer na Primeira Crônica Geral48. O exemplo citado acima faz parte de um conjunto

de informações adicionais possíveis de serem encontradas segundo toda a narração da Crônica de 1344, e todas elas demonstram um favorecimento ao lado português, seja para eximir seus personagens de qualquer culpa, para legitimar suas ações ou mesmo para ampliar sua importância.

Após argumentar, apontando para Portugal como a mais provável origem da Crônica, Cintra irá desenvolver sua teoria apontando a autoria de tal obra a Pedro Afonso Conde de Barcelos. Através de uma análise da obra em si em conjunto com outra obra já relacionada ao conde, o Livro de Linhagens, o filólogo irá trazer uma série de evidências para sustentar sua idéia: em primeiro lugar apontado à semelhança na seleção das fontes utilizadas para a redação das duas obras, em especial a utilização comum da Crônica do Mouro Rasis. Tal texto teve o seu original em árabe traduzido para o português por ordem do pai de Pedro Afonso, o rei D. Dinis, de modo que dificilmente o conde não teria tido conhecimento dessa importante tradução.

Outro ponto é o inicio da primeira redação da Crônica Geral onde se nota uma genealogia universal e na inclusão, em toda a obra, de breves noticias de caráter genealógico, evidenciando o interesse do autor pela genealogia, interesse o qual Pedro Afonso demonstra no seu Livro de Linhagens.

Em seguida o historiador emprega a biografia do Conde de Barcelos para fornecer mais evidências: a estadia na Espanha, durante o exílio, tê-lo-ia posto em contato com os letrados castelhanos que seguiam o método

47 Ibid. 48 Ibid.

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historiográfico de Afonso X e que iam refundindo ou continuando a Primeira

Crônica Geral pondo ao seu alcance as fontes castelhanas que o conde teria

usado na redação da Crônica de 1344. Mais adiante, por volta de 1344, a situação privilegiada e a calma que dispunha necessários para dedicar-se a este tipo de empreendimento, além de sua atividade literária, de que são testemunhos a composição de alguma cantigas, a provável organização de uma coletânea de poesias e a compilação do Livro de Linhagens tornam o Conde de Barcelos a “pessoa mais indicada, no Portugal do segundo quartel do século XIV, para a realização deste empreendimento”.49

O fato de a Crônica mostrar um notável grau de detalhes no que concerne à vida do conde e às situações que este esteve presente, tomando sempre uma posição de justificadora ou legitimadora das ações deste em momentos importantes de sua vida, como o seu posicionamento durante a Guerra Civil, apenas endossa a teoria de Cintra aumentando a possibilidade de que Pedro Afonso seja, de fato, o autor a um grau suficiente para que minha pesquisa assuma a teoria como a mais plausível.

E é a partir de tais idéias que podemos iniciar uma análise da Crônica

Geral de Espanha, delineando as evidências que o século de Pedro Afonso

refletirá através de seus escritos.

Primeiramente cabe evidenciar como a lenda de El Cid se encaixa em tal momento literário, sendo o herói, um exemplo de virtude e de capacidade bélica, um verdadeiro modelo do novo cavaleiro que aspiravam ser os jovens aristocratas. Por muitas vezes a Crônica elogia a habilidade de Rodrigo, seja durante as diversas batalhas ou ao lidar com outros nobres.

É interessante, também, apontar que diferente de outras obras posteriores como o próprio Cantar de Mio Cid, Pedro Afonso não demonstra grande embaraço ao tratar das varias alianças que El Cid teria feito com os mouros. Muitas vezes esses são mostrados como aliados, companheiros e amigos. Entretanto não se deve cair no erro de crer que o autor teria retratado Rodrigo Diaz como um servo ou vassalo de reis mouros, o que poderia estar mais próximo da realidade, mas como um senhor. Isto pode ser notado com o exemplo do episódio onde ao ver o castelo de Almenar cercado por tropas do

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rei de Denya e do conde Reymond, Rodrigo vai até o rei de Saragoça, seu aliado,

E elle recebeuho muy bem e diselhe que Jidassem cõ aquella hoste que tiinha cercado o castello. E o Cide lhe disse:

- Melhor seeria que desses alguũ aver a teu irmãao / e que descerque o castelo, ca elles som tantos como as areas do mar e nõ poderemos cõ elles

E el rei disse ao Cide:

- Farey o que me tu mandares. 50

Embora a Crônica Geral de Espanha cite o campeador como “honrado e temido tanto por mouros como cristãos”, esta também diz que todo mouro, quando se encontra com o Cid perde sua coragem, e sente suas pernas tremerem, não importando quem fosse. Como quando o sultão da Pérsia manda um emissário para presentear Rodrigo, e este ao vê-lo sofre da mesma sina que todos os mouros quando se encontram com o cavaleiro pela primeira vez.

E ha hũa muy grande virtude ẽ sua catadura, ca todo o mouro, quãdo o primeiramẽte vee toma tal medo que fica fora de seu acordo. E esto vejo eu em cada hũu dia que, quando algũus messejeiros vẽe a elle, primeiramẽte que lhe falem ficam esmoridos de tal guisa que nom sabem de si parte51

Vale apontar que a razão para o sultão enviar presentes para o Cid teria sido pelo medo que ele sentia que o nobre cavaleiro se juntasse com os outros reinos cristãos e participasse de uma cruzada em seus territórios.

É importante, também, citar o episódio que após ser desterrado pro Sancho, este volta atrás na sua decisão e manda buscarem Rodrigo e passarem o seu perdão. Após receber as novas, o campeador se junta com outros cavaleiros de seu séqüito e pede conselho se deveria voltar para um rei que não sabia se podia confiar. Neste momento um deles afirma que “melhor era de ficar com el rei enna terra e servyr a Deus ca servir aos mouros”. 52

Essas características apontadas por Pedro Afonso evidenciam os resquícios que permaneceram da mentalidade de cruzada que permeou toda a

50 Ibid, 3 v. p. 447 51 Ibid, 4 v. p. 167 52 Ibid, 3 v, p 380

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Reconquista. Ora, apesar de a ultima ofensiva de grande destaque dos mouros ter chegado ao fim na Batalha de Salado, esta não foi vencida sem seus custos e para os nobres e cavaleiros ibéricos era uma prova de que os mouros ainda eram uma ameaça. Por outro lado, a Reconquista desempenhou um papel de grande importância no desenvolvimento dos reinos da Península Ibérica e tal processo não seria encerrado de maneira tão súbita.

Tal ponto leva a segunda característica mais marcante deste Rodrigo Diaz, sua religiosidade. Sempre, antes de cada batalha, o cavaleiro se volta para Deus confiando na Sua proteção e ajuda para conquistar a vitória. Além disso, notam-se passagens em que o herói grita por nomes de santos como São Tiago, durante a batalha, desafia os “deuses falsos” dos muçulmanos, recebe uma benção de São Lazaro, ajuda divina para afundar embarcações inimigas53 ou até mesmo a visita que São Pedro teria feito a El Cid para avisá-lo de sua morte54.

Entretanto para Pedro Afonso tal proximidade do cavaleiro com a religião católica não significa um afastamento dos mouros e, por exemplo, ao abordar do governo de Cid em Valência, este é retratado como um governante tolerante que respeita a cultura islâmica e permite que mantenham suas mesquitas na cidade.

A conquista de Valencia é outro ponto de destaque do autor, separando vinte e sete capítulos para narrar desde a morte do rei de Valência, até a condenação de seu assassino, o alcaide Abemafa, após a conquista da cidade pelo campeador. Alias, foi, segundo Pedro Afonso, ao saber que o alcaide tinha tomado o lugar do rei da cidade e ordenado a sua execução que Rodrigo teria tomado como meta, a sua tomada e a punição de Abemafa pela sua traição.

Após uma longa e dispendiosa batalha o cavaleiro finalmente consegue a rendição da cidade. A narrativa da reconquista de Valência oferece mais elogios ao cavaleiro, mostrando-o, novamente como hábil, seja na batalha, seja nos ardis criados para derrotar seus inimigos, e, principalmente como justo: depois da rendição Abemafa tenta ganhar a amizade do campeador através de presentes, mas falha uma vez que este recusa a oferenda sob a suspeita de

53 Ibid, 4 v. p. 75 54 Ibid, p. 174

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terem sido roubados do rei deposto; El Cid respeita as tradições da população e oferece o traidor para ser julgado segundo as suas leis.

Após tomar o poder Cid fez um pronunciamento:

Homẽe bõos de Vallẽça e de Juballa, bẽ sabedes quanta ajuda defendimento eu fiz sempre a vosso senhor el rei e a vos ataa que foy morto e despois como o vĩguey, vos o sabedes. E passey muyta lazeira por guaanhar Vallença e prougue a Deus de dar a mỹ e aos meus e me fazer senhor dells, reservando o senhoria real del rei dom Affonso de Castella, cujo vassalo eu som. E, pois me Deus fez tãta mercee de a meter ẽ meu poder e vos todos outrossi, porẽ tenho por ben que todollos mais honrrados de vos moredes ẽ vossas casas e ajades vossas herdade e que nẽ hũu de vos nõ tenha se nõ hũa besta muar e que nõ husedes d’armas nẽ as tenhades se nõ quando eu mandar; e toda a outra gente quero que se saya da villa e vaasse morar ao arrevaldo; e que ajades vossos alcaides e alguazil, assy como vos ey posto, e que me dedes o dizimo dos fruitos, e a justiça que seja minha e que eu mande lavrar moeda qual eu quiser. E os que quiserdes ficar cõmigo a esta condiçõ, fiquẽ e os que nõ, vãasse com seus corpos e eu os mandarei poer ẽ salvo.55

Apesar de mostrar certa compaixão aos moradores da cidade tomada – Cid oferece até levar para fora dos territórios com segurança, aqueles que discordassem – muitos mouros acabam abandonando a cidade, tanto que foi necessário dois dias para todos saírem da cidade, segundo Pedro Afonso.

Entretanto o aspecto mais destacado nesta leitura do herói e a fidelidade constante que o cavaleiro oferece ao seu rei. Mesmo sendo muitas vezes alvo de difamações mentirosas de outros nobres invejosos – que são sempre os motivos apontados pela Crônica para os desentendimentos com o rei – Rodrigo jamais deixa de apresentar sua fidelidade ao rei: em todas as vitórias que consegue guarda partes dos espólios para oferecer como presente ao mesmo; assim que conquista Valência, se dirige ao rei para oferecer sua vassalagem e a da cidade; recompensa seus inimigos quando estes demonstram a mesma lealdade – chegando a liberar os cavaleiros capturados em uma batalha contra o Conde de Barcelona quando este se oferece para o cativeiro em troca de seus companheiros56 – e sempre afirma que o que o seu rei desejar ele o fará. Tanto El Cid faz que por fim seu monarca reconhece o grande valor que o cavaleiro possuía e se desculpa pelo engano causado pelo mau aconselhamento que estava recebendo – dos nobres “covardes” que a Crônica

55 Ibid, p. 98 56 Ibid, p. 51

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aponta como os conselheiros do rei – bem como apóia Rodrigo em todos os conflitos subseqüentes, principalmente no que concerne ao incidente com os Infantes de Carrión.

Esse acontecimento merece um grande destaque e uma análise individual. Apesar de já ter sido contestado pela historiografia atual, a passagem que conta dos dois irmãos de linhagem alta que se oferecem para desposar as filha de El Cid e que depois por uma vingança mal embasada, 57

as despiram e espancaram até darem-nas como mortas, recebe uma grande atenção do nosso autor sendo reservadas quase um terço de toda a narrativa em que o autor fala da vida do herói.

Este grande destaque oferecido por Pedro Afonso pode encontrar uma explicação na diferenciação que tal episódio faz da antiga nobreza de sua irmã mais atual. A primeira representada pelos Infantes de Carrión, que baseados apenas por sua forte ascendência se mostram, malignos e cruéis e por seus atos acabam por levar a sua casa ao esquecimento – o autor revela que após a morte do ultimo descendente a casa dos Carrión chegou ao fim. Enquanto, por outro lado, representada pelo Cid, a nova nobreza se assenta nos seus atos e serviços para com seu rei, e, mesmo não podendo ostentar origens muito altas podem, alcançar o prestígio. Através de sua lealdade constante e grande serviço, durante este conflito alcança mais prestígio que qualquer outro nobre da corte de Afonso VI, podendo sentar ao lado do rei, mesmo com a tentativa de outros nobres para impedir. 58

57 Na versão da Crônica de 1344 o motivo teria sido uma noite onde o leão de Rodrigo teria

escapado e ao se aproximar dos infantes estes mostraram grande covardia enquanto que o campeador ao ver o leão o controlou e levou de volta a sua jaula. Para os infantes isto teria sido uma tentativa de seu sogro para humilhá-los. Ibid, p. 118-120

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5. Conclusão

Portanto chegamos a um perfil deste cavaleiro segundo Pedro Afonso e podemos defini-lo: um homem com grande habilidade em armas, capacidade diplomática para evitar uma guerra ou enganar o inimigo; um fiel fervoroso, que enfatiza sua fé seja em momentos de perigo ou após grandes conquistas, e por isso recebe bênçãos e aparições de santos; um senhor justo e generoso, que mesmo tendo sido traído oferece mercês a quem se redime a ele59, e que, mesmo estando em guerra contra o “deus falso” dos mouros, age sempre de maneira justa e tolerante com suas tradições e costumes; mas acima de tudo esse El Cid é um homem leal ao seu rei, em momento algum ele se vira contra Afonso IV, mesmo após os exílios, em todas as conquistas ele manda presentes e espólios, faz o seu máximo para obedecê-lo em todas as ordens, e reflete esta lealdade com todos os outros com que lida, seja recompensando-os quando estes a demonstram, ou punindo quando estes a traem – como no caso de Abemafa, razão para El Cid ter tomado Valência e punido o assassino.

Através desta lealdade e do serviço que oferece ao rei Rodrigo Diaz se transforma em El Cid e alcança recompensas grandiosas, tanto de seu rei como do próprio Deus.

Ora podemos notar uma clara relação com o tempo do Conde de Barcelos que escrevia após uma Guerra Civil contra seu pai. Por suas inquirições alguns nobres tomaram em armas e se aliaram a Afonso para depor o rei D. Dinis. Entretanto ao fim da guerra e com a coroação do novo rei, as inquirições irão voltar e talvez a obra fosse uma tentativa de assentar os ânimos e ampliar a lealdade dos nobres para evitar um novo conflito.

O certo, que me parece ao final desta pesquisa, é que este El Cid de Pedro Afonso era um exemplo de nobre para ser espelhado por todos os outros. Então voltamos à questão: por que El Cid? Por que um cavaleiro castelhano? Por que não pegar um personagem português para servir de exemplo?

Para tal pergunta, sinto que não posso oferecer uma resposta exata. Entretanto levanto três possíveis razões, que se não podem demonstrar as

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