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A HISTÓRIA SOCIAL E O MUNDO DO TRABALHO NA REGIÃO NORTE: TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS *

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A HISTÓRIA SOCIAL E O MUNDO DO TRABALHO NA REGIÃO

NORTE: TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS

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ADALBERTO PAZ**

É com muita satisfação que participo dos debates relacionados ao tema da mesa: “mundos do trabalho no Norte: balanços e perspectivas”, num momento em que estas discussões se expandem na Amazônia de forma bastante dinâmica, e por meio de muitos colegas presentes neste evento. O foco principal de minha fala, portanto, será o de tentar contribuir com essa expansão, apontando possibilidades que eu acredito serem bastante promissoras e já tardam a ser exploradas, sobretudo para o estado do Amapá, uma das mais recentes fronteiras abertas aos estudos na área de História Social do Trabalho no Brasil.

Há algumas décadas os balanços apontam que a historiografia da região Norte esteve durante muito tempo entre as mais conservadoras de todo o país. Por “conservadora” e “tradicional”, quero dizer uma historiografia que se limita a narrar o processo histórico como expressão unicamente da vontade dos tomadores de decisão, das elites econômicas e políticas, das autoridades públicas e privadas, enfim, de todos aqueles que se encontram no topo da hierarquia social. Atualmente, ainda que sem desprezar a dimensão, nem a influência – muitas vezes decisiva, é verdade – dos diferentes tipos de poderes na tessitura da sociedade, os pesquisadores têm buscado considerar também os papéis desempenhados por aqueles que muitas vezes tiveram sua presença duplamente desconsiderada: primeiro pelos “vencedores”, depois pelos próprios historiadores.

Isso nos leva, em termos historiográficos, à emergência da chamada História Social, ou, mais especificamente, ao campo que ficou internacionalmente conhecido como “história vista de baixo”. O tempo é curto, por isso, gostaria de passar imediata e

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Palestra realizada no I Encontro Estadual da ANPUH-AP e I Jornada Internacional de Estudos de História da Amazônia, ocorrido em Macapá entre os dias 3 e 5 de dezembro de 2014.

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Professor do colegiado de História da Universidade Federal do Amapá. E-mail: adalbertojrpaz@gmail.com

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muito sucintamente, aos impactos dessa concepção na escrita da história amazônica. Nesse sentido, creio que seja lugar comum entre os colegas de que um dos trabalhos percursores nessa perspectiva – talvez até o grande precursor – é o monumental “O negro no Pará”, de Vicente Salles, publicado em 1971 (SALLES, 1971), que não só ajudou a romper com a tradição conservadora à qual me referi, como deu visibilidade a uma presença até então tida como insignificante, ou seja, as populações negras sob o regime de escravidão na Amazônia.

No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, já era perceptível a influência que a História Social inglesa – principalmente de autores marxistas como E. P. Thompson e Eric Hobsbawm – exercia sobre os pesquisadores da Amazônia, e me limito aqui a citar duas obras fundamentais produzidas nesse período, inclusive na área da História Social do Trabalho. Refiro-me às pesquisas de Edilza Fontes, sobre os trabalhadores da indústria da panificação em Belém nas décadas de 1940 e 1950

(FONTES, 2002), e de Maria Luiza Ugarte Pinheiro, sobre os trabalhadores do porto de Manaus entre 1899 e 1925 (PINHEIRO, 1999). Tais autoras inovaram ao adotar a perspectiva thompsoniana de classe, para analisar as vicissitudes e os embates de padeiros e portuários nas duas principais capitais amazônicas. Da mesma forma, a extensão do alcance da História Social no ambiente acadêmico amazônico nesses anos, pode ser medida pelas críticas feitas à dissertação de Maria de Nazaré Sarges, considerada atenta demais aos aspectos “oficiais e discursivos” da Belle-Époque em Belém, ao invés da “experiência dos sujeitos históricos e a resistência dos grupos populares”, conforme nos conta Aldrin Figueiredo, no prefácio que escreveu quando o trabalho se tornou livro no ano 2000 (SARGES, 2000).

No final dos anos 1990, a constituição de um grupo de pesquisa sobre História Social da Amazônia colonial e imperial, reunindo pesquisadores como Rosa Acevedo Marin, Flávio dos Santos Gomes, Jonas Marçal de Queiroz 1 e Mauro Cezar Coelho2, entre outros, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA, ligado à Universidade Federal do Pará, consolidou e deu um impulso notável às pesquisas que valorizavam as

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Professor na Universidade Federal do Amapá entre 1998 e 2002.

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vivências e conflitos dos mais diversos personagens e suas coletividades em nossa região, entre os séculos XVI e XIX. Alguns dos resultados conjuntos desses trabalhos podem ser vistos em coletâneas como “Nas Terras do Cabo Norte” (GOMES, 1999) e “Os senhores dos rios” (PRIORE; GOMES, 2003). Esta última reunindo trabalhos de “amazonólogos” de outras universidades do Norte e do Nordeste, como a federal do Amazonas e a federal do Ceará.

Todas essas iniciativas marcaram suas respectivas épocas e lançaram as bases que amparam e norteiam muitas das atuais pesquisas em História Social da Amazônia, não obstante deva ser necessário dizer que a ausência de programas de pós-graduação

stricto sensu na área de História nas universidades amazônicas até o início dos anos

2000, muito provavelmente significou um certo “retardamento” – embora, na minha opinião, de forma alguma um retrocesso – nos pleno desenvolvimento dos estudos históricos da região. De todo modo, não resta dúvida de que os resultados das produções do mestrado, e agora doutorado, em História da Universidade Federal do Pará e do mestrado em História da Federal do Amazonas, têm afirmado a alta qualidade e competência dos pesquisadores regionais. Demonstra, portanto, o quanto se avançou nos últimos dez anos e o quanto podemos avançar.

Mesmo ainda sem um programa stricto sensu, o Amapá não esteve alheio a essa trajetória que acabo de descrever. Na verdade, alguns dos pesquisadores aqui mencionados desenvolveram importantes reflexões a partir do que se poderia chamar de “peculiaridades amapaenses”, especialmente quanto ao caráter fronteiriço internacional da sua localização geográfica. Debates fundamentais que hoje ocupam o centro da discussão dos estudos sobre o mundo do trabalho, encontram no Amapá um espaço privilegiado para investigações que podem, até mesmo, ampliar algumas das perspectivas vigentes na área.

As interseções entre o trabalho livre e escravo, ou compulsório de forma geral, sem dúvida é um desses temas a serem mais profundamente explorados. Tratando-se de um lugar de onde, segundo Rosa Acevedo, colonos-soldados fugiam “em plano idêntico ao dos escravos” (ACEVEDO MARIN, 1999: 43), como ocorria na vila de Macapá do século XVIII, vários estudos demonstraram que as relações entre autoridades, índios,

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negros escravos, fugitivos, aquilombados, regatões, e outros, foram muito além, inclusive, do que a relação rígida e polarizada do tipo “dominantes” de um lado e “dominados” do outro. Apesar de não se poder descartar esse antagonismo, deve-se, no mínimo, sofisticá-lo analiticamente.

Enquanto região limítrofe e de muitas conexões, trânsitos e até mesmo confinamentos e desterros, como demonstram os estudos sobre Clevelândia do Norte, o Amapá se constituiu, desde muito remotamente, em um território de circulações e migrações, pelos mais diferentes motivos. Existe, portanto, uma história das migrações, e dos seus vínculos com o mundo do trabalho no Amapá, que está em grande parte por ser escrita, principalmente para um largo período entre a segunda metade do século XIX

e a primeira metade do século XX. Essas relações, como vimos nos debates suscitados durante este evento, podem nos ajudar a estabelecer novos pontos de referência, que levem em consideração aspectos antes menosprezados, intrincados entre a decisão de migrar ou ficar, as redes de contatos e solidariedade e as possibilidades, incentivos e interferências geradas a partir da ação do Estado.

Para o desenvolvimento das pesquisas sobre os temas e períodos sugeridos até aqui, é impossível deixar de mencionar aquela que é a maior e mais absurda ausência tantas vezes reclamada pelos historiadores do Amapá, que é a inexistência de um Arquivo Público. Embora isso não inviabilize a escrita da história amapaense, acaba colocando um desafio a mais para a sua realização, por exigir um necessário e dispendioso deslocamento por cidades que mantém documentos sobre o extremo Norte, principalmente Belém, Rio de Janeiro e Lisboa. Iniciativas como o “Projeto Resgate”, o acesso a sites de institutos e revistas, etc., além do compartilhamento de fontes entre professores e alunos, têm suprido minimamente essa lacuna, mas obviamente isso está muito longe das condições proporcionadas por um Arquivo Público digno desse nome.

Em relação ao século XX, porém, as perspectivas parecem melhores, especialmente quanto ao período posterior à década de 1940. A criação do Território Federal do Amapá e as transformações políticas, sociais, econômicas e culturais daí decorrentes, geraram documentos que têm servido aos mais diferentes estudos, mas

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ainda podem ser mais bem explorados no tocante à História Social do Trabalho, juntamente com toda a riqueza das fontes orais.

Para o Amapá, os anos imediatamente posteriores a 1943 constituem um período marcado pela introdução de uma nova ordem produtiva e racional, segundo os moldes capitalistas, em oposição ao que era considerado atraso e primitivismo. Por isso, minha pesquisa que resultou em “Os mineiros da floresta” (PAZ, 2014), buscou entender, entre outras coisas, o que significava para um indivíduo pertencente a uma sociedade essencialmente extrativista, se tornar um operário da indústria da mineração. Ao longo da pesquisa, porém, tive que entender quais eram as representações dominantes acerca dessa população amazônida, o que se esperava que elas se tornassem, e como essas populações se comportaram diante de um projeto de modernização rápida e intensamente reformadora.

Muitas dessas questões tiveram e ainda têm impactos importantes sobre os mundos do trabalho no Amapá, e podem ser analisadas através de uma documentação que se encontra disponível na Biblioteca Pública do Estado, em Macapá, nas Secretarias e Departamentos do poder público estadual e municipais, no Tribunal de Justiça da capital e nas comarcas dos interiores, nos arquivos dos jornais, nos museus, nos acervos particulares e de empresas privadas, para citar apenas alguns exemplos. A partir daí, os temas a serem desenvolvidos dependem unicamente do faro e do talento do pesquisador. Encerro minha fala chamando a atenção para o fato de que, o avanço da História Social do Trabalho no Amapá não está de forma alguma desligado do percurso, nem dos percalços, que marcaram a trajetória da historiografia local. Não me detive em um detalhamento maior acerca de temas que poderiam ser objeto de investigação, simplesmente porque espero ter deixado claro que ainda há muito a ser pesquisado sobre o Amapá, o que inclui as amplas categorias rapidamente mencionadas aqui, ou seja, trabalho livre e escravo, imigração e demais transformações no mundo do trabalho em geral.

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REFERÊNCIAS

ACEVEDO MARIN, Rosa Elizabeth. Prosperidade e estagnação de Macapá colonial: as experiências dos colonos. In: GOMES, Flávio dos Santos (org.). Nas Terras do Cabo

Norte: fronteiras, colonização e escravidão na Guiana brasileira. Belém: Editora

Universitária/UFPA, 1999.

FONTES, Edilza. O pão nosso de cada dia: trabalhadores, indústria da panificação e a legislação trabalhista em Belém (1940-1954). Belém: Paka-Tatu, 2002.

GOMES, Flávio dos Santos (org.). Nas Terras do Cabo Norte: fronteiras, colonização e escravidão na Guiana brasileira. Belém: Editora Universitária/UFPA, 1999.

PAZ, Adalberto. Os mineiros da floresta: modernização, sociabilidade e a formação do caboclo-operário no início da mineração industrial amazônica. Belém: Paka-Tatu, 2014. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros: trabalho e conflito no porto de Manaus (1899-1925). Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1999.

PRIORE, Mary Del; GOMES, Flávio (org.). Os senhores dos rios: Amazônia, margens e histórias. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

SALLES, Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1971.

SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a Belle Époque: (1870-1912). Belém: Paka-Tatu, 2000.

Referências

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