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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Instituto de Medicinal Social. Tatiana Tavares da Silva

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico

Instituto de Medicinal Social

Tatiana Tavares da Silva

Inovação Biomédica e o Animal Não Humano em Pesquisa:

Controvérsias científicas e reflexões éticas para contribuição na

implementação de políticas públicas de técnicas substitutivas ao uso de

animais em pesquisa, ensino e indústria

Rio de Janeiro

2014

(2)

Tatiana Tavares da Silva

Inovação Biomédica e o Animal Não Humano em Pesquisa:

Controvérsias científicas e reflexões éticas para contribuição na implementação de políticas públicas de técnicas substitutivas ao uso de animais em pesquisa, ensino e

indústria

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em regime de associação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal Fluminense. Área de concentração: Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva.

Orientadora: Prof.ª Dra. Marilena C. D. V. Corrêa

Rio de Janeiro 2014

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CB/C

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese, desde que citada a fonte.

_____________________________________ _____________________ Assinatura Data

S586 Silva, Tatiana Tavares da.

Inovação biomédica e o animal não humano em pesquisa: controvérsias científicas e reflexões éticas para contribuição na implementação de políticas públicas de técnicas substitutivas ao uso de animais em pesquisa, ensino e indústria / Tatiana Tavares da Silva. – 2014.

161 f.

Orientadora: Marilena Cordeiro Dias Villela Corrêa.

Tese (Doutorado) Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social.

Regime de associação com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz e Universidade Federal Fluminense.

1. Bioética - Teses. 2. Animais - Experimentação - Teses. 3. Ética da pesquisa – Teses. I. Corrêa, Marilena Cordeiro Dias Villela. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social. III. Título.

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Tatiana Tavares da Silva

Inovação Biomédica e o Animal Não Humano em Pesquisa:

Controvérsias científicas e reflexões éticas para contribuição na implementação de políticas públicas de técnicas substitutivas ao uso de animais em pesquisa, ensino e

indústria

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em regime de associação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal Fluminense. Área de concentração: Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva.

Aprovada em 26 de maio de 2014.

Banca examinadora: __________________________________________________________ Prof.ª Dra. Marilena C. D. V. Corrêa (Orientadora)

Instituto de Medicina Social – UERJ

__________________________________________________________ Prof.ª Dra. Rita Leal Paixão

Instituto Biomédico – UFF

__________________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre da Silva Costa

Instituto de Estudos de Saúde Coletiva – UFRJ

_________________________________________________________ Prof.ª Dra. Leda Maria Costa Macedo

Faculdade de Medicina – UERJ

___________________________________________________________ Prof.ª Dra. Wanise Borges Gouvea Barroso

Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ

Rio de Janeiro 2014

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AGRADECIMENTOS

A José David, companheiro em todos os momentos, pelo apoio desde a concepção da ideia quando este trabalho ainda era um sonho; pela força constante, me impulsionando a atingir meus objetivos; e pela contribuição para a ampliação de meus conhecimentos, que propiciaram o desenvolvimento desta tese.

Aos meus pais, Neusa e Waldir, que ensinaram que o conhecimento deve vir associado a valores humanitários.

A meus irmãos, Waldir e Valeska, que apoiaram o meu trabalho, compartilhando meu entusiasmo com ele.

A Marilena Côrrea, orientadora, que desde o início apoiou a ideia a ser desenvolvida e a concretização deste trabalho.

A Pituca, que através de seu olhar cativante me ensinou a conceber o mundo de uma forma diferente, percebendo atentamente os animais não humanos.

A Isidoro e Bino, porquinhos-da-índia com os quais convivi adulta e me ensinaram muito sobre a docilidade e fragilidade desses seres.

Ao Nuffield Council on Bioethics, pela atenção tanto no nível de contato pessoal quanto no envio de material e presteza nos contatos durante o período de elaboração da tese.

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A dificuldade real não reside nas novas ideias, mas na dificuldade de escapar das antigas.

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RESUMO

SILVA, Tatiana Tavares. Inovação biomédica e o animal não humano em pesquisa: controvérsias científicas e reflexões éticas para contribuição na implementação de políticas públicas de técnicas substitutivas ao uso de animais em pesquisa, ensino e indústria. 2014. 161 f. Tese (Doutorado em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva) – Programa de Pós-Graduação, em associação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Universidade Federal Fluminense e da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. 2014.

A experimentação animal é uma prática extremamente incorporada à ciência biomédica moderna, com raízes desde a Antiguidade, mas que foi cada vez mais se desenvolvendo, adquirindo características bem definidas. O animal não humano, no contexto da experimentação, é um ser vulnerado, enclausurado dentro de uma estrutura muito bem definida, que mantém um discurso focado na excelência do modelo do animal na pesquisa e testes, com o objetivo de garantir a manutenção dessas práticas. No entanto, ao analisarmos os dados científicos obtidos com a experimentação animal, que visa primariamente um possível benefício humano, assim como as argumentações éticas relativas ao respeito à vida e ao sofrimento do animal envoltas nesta situação, a argumentação ética prepondera sobre uma base científica cuja eficácia é também extremamente questionável. Partindo de uma análise crítica da aplicação do modelo animal como padrão da pesquisa científica e da concepção ética do reconhecimento da vulnerabilidade do animal não humano na experimentação, propomos que esta reflexão colabore com políticas públicas que incentivem e implementem as técnicas substitutivas ao uso de animais não humanos em pesquisa, testes da indústria e ensino na área biomédica no Brasil.

Palavras-chave: Experimentação animal. Modelo animal em pesquisa. Técnicas substitutivas ao uso de animais. Discurso da ciência. Ética em pesquisa animal.

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ABSTRACT

SILVA, Tatiana Tavares. Biomedical innovation and the non-human animal research : scientific controversies and ethical reflections contribution to the implementation of public policies substitutive techniques to animal use in research ,teaching and industry. 2014. 161 f. Tese (Doutorado em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva) – Programa de

Pós-Graduação, em associação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Universidade Federal Fluminense e da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. 2014.

Animal experimentation is an extremely convenient inserted in modern biomedical science, with roots from antiquity, but it was increasingly developing, acquiring well-defined characteristics. The non-human animal in the context of trials is a hacked being, enclosed within a well defined structure that holds a speech focused on excellence in animal model in research and testing, with the goal of maintaining these practices. However, when analyzing the scientific data obtained from animal experiments, which primarily targets a possible human benefit, as well as the ethical arguments concerning respect for life and the suffering of animals wrapped in this situation, the ethical argument outweighs scientific basis whose effectiveness is also extremely questionable. Based on a critical analysis of the application of animal model as the standard of scientific research and the ethical conception of recognition of the vulnerability of non-human animal experimentation, we propose that this reflection collaborate with public policies that encourage and implement the substitute for use of non-human animals in research, testing and education industry in Brazil biomedical techniques.

Key words: Animal experiment. Research animal model. Substitute techniques using animals. Science discourse. Ethics in animal research.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 O MODELO ANIMAL NA CIÊNCIA ... 18

1.1 Elaboração de políticas públicas para desenvolvimento e implantação de técnicas substitutivas ao uso de animais em pesquisas: reanálise de dados estatísticos ... 18

1.2 Estatísticas recentes sobre o uso de animais na União Europeia ... 20

1.3 Espécies de animais não humanos utilizadas ... 21

1.4 Uso de animais geneticamente modificados ... 26

1.5 Programas de testes químicos de larga escala ... 28

1.6 Outros tipos de pesquisas que usam animais não humanos na atualidade ... 30

1.7 A experimentação animal no Brasil ... 31

1.7.1 Dados estatísticos ... 31

1.7.2 Disponibilização de dados oficiais no Brasil ... 33

1.8 Dados sobre invasividade e analgesia nos protocolos de pesquisa ... 34

1.9 A difícil projeção de dados biológicos interespécies ... 38

1.10 O modelo dos primatas não humanos ... 39

1.10.1 A pesquisa da pólio ... 40

1.10.2 Primatas como modelos de doenças humanas ... 48

1.10.3 Uso de chimpanzés como modelo na pesquisa da hepatite C ... 49

1.10.4 Uso de chimpanzés como modelo para pesquisa do vírus da imunodeficiência humana .... 51

1.10.5 Modelos de primatas para neoplasias ... 52

1.10.6 Pesquisas com primatas para aplicação na psicologia humana ... 53

1.11 Trabalhos de meta-análise para avaliação do benefício de pesquisas com resultados aplicados a humanos ... 55

1.12 A segurança dos testes farmacológicos e toxicológicos com animais para aplicação humana ... 60

1.13 Doenças e transtornos inerentes aos animais em cativeiro ... 64

(10)

2 AS QUESTÕES ÉTICAS RELACIONADAS COM O USO DOS ANIMAIS NA

EXPERIMENTAÇÃO ... 76

2.1 O animal não humano dentro da maquinaria do poder ... 76

2.2 A ética de um discurso mantenedor de um modelo questionável ... 86

2.3 Pesquisas com animais transgênicos ... 101

2.4 Pesquisas com primatas não humanos ... 104

2.5 A ética do discurso da ciência de que não há sofrimento para os animais em pesquisas ... 110

2.5.1 O estado de vulnerado do animal não humano na experimentação animal: a escolha deliberada pelos mais frágeis ... 120

3 CONTRIBUIÇÕES PARA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO E ADOÇÃO DE TÉCNICAS SUBSTITUTIVAS ... 127

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 132

REFERÊNCIAS ... 134

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INTRODUÇÃO

Quando se discute a utilização de animais não humanos na experimentação animal, há a polarização dos argumentos que oscilam entre o respeito ao sofrimento e à vida do animal não humano que está sendo usado e a necessidade absoluta da manutenção desse uso para o avanço da ciência e benefício de milhares de vidas humanas. Mas esta argumentação tão frequente, que faz parte do próprio discurso da ciência e de seus pesquisadores, paradoxalmente não tem fundamentação científica baseada em avaliações sistemáticas, revisões de trabalhos e de seus resultados. Só recentemente vêm sendo realizadas análises críticas sobre esses dados, com obtenção de resultados não favoráveis ao modelo tradicional.

Paralelamente, crescem os argumentos de ordem ética sobre a utilização de animais não humanos para benefício em prol da espécie humana. São experimentos que causam sofrimento de diferentes graus até a morte na maioria dos protocolos de pesquisa. Assim, amplia-se a crítica às análises de base utilitarista para avaliação de custo/benefício aplicadas na aferição de protocolos e nas legislações que norteiam a experimentação animal nos diferentes países. Esta análise crítica varia entre as diferentes sociedades e culturas, mas está alcançando caráter mundial. Mudanças estão ocorrendo mais nitidamente em alguns países (como os da União Europeia) do que em outros, mas o debate se amplia. Israel e Índia proibiram recentemente os testes de produtos de uso doméstico utilizando animais não humanos.

Apesar das diferenças entre culturas e países, as legislações que norteiam a experimentação animal possuem pontos de convergência: a não consideração de capacidades dos animais não humanos, como por exemplo, a senciência e a cognição, assim como a não consideração do sofrimento imposto aos animais nessas práticas. Há o reconhecimento de que tais práticas impõem sofrimentos diversos aos animais não humanos, mas o predomínio dos interesses humanos sobre os demais é notório.

Cada vez mais estudos no campo da etologia aprofundam o conhecimento da relação do animal não humano com o meio e da relação humano-animal. Pesquisas desenvolvidas na área neuro-cognitiva demonstram que animais de diferentes espécies como mamíferos, aves e alguns cefalópodes, como os polvos, possuem capacidades semelhantes ao homem, inclusive em termos de possuírem estruturas neurológicas semelhantes às humanas responsáveis por gerar a consciência. Podemos questionar se o animal não humano necessita ser dotado dessas capacidades na mesma medida dos humanos para ter direitos morais e, por conseguinte, a

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mesma proteção legal. O fato de não possuírem capacidades semelhantes à nossa não os impede de ter tais direitos, assim como ocorre com os humanos que não possuem capacidades dos demais indivíduos da espécie, que têm garantido um mesmo nível de proteção pelo simples fato de pertencerem à espécie humana, por vezes recebendo um nível mais elevado de proteção do ponto de vista social e legal, como caracteriza a noção de vulnerabilidade a eles aplicada. Portanto, animais não humanos, participantes involuntários de protocolos de pesquisa, estão em situação de risco, sendo submetidos a sofrimento e morte, objetivos finais dos protocolos de pesquisa e testes industriais, que visam ao benefício humano em sua maioria. Assim, os animais não humanos nessa situação devem ter seu estado de seres vulnerados reconhecido e receberem mais proteção das legislações pertinentes.

A permanência da adoção de tal modelo é proveniente da transmissão de uma “tradição” prática, sem base científica comprovada. A análise sistemática e científica do modelo animal está sendo realizado mais recentemente, podendo ser identificada a partir do ano 2000, motivado pela argumentação dos antiviviseccionistas, que questionam a adoção desse modelo animal e, em consequência, a extrapolação de dados para os sistemas biológicos humanos. De todo modo, existe ainda pouca literatura sobre a teoria dos modelos.

As organizações que pesquisam metodologia e medicina baseada em evidências, analisando trabalhos com modelo animal, abrem caminho para uma forma de trazer o questionamento sobre o uso do modelo para o próprio meio científico. Dentre estas, podemos citar Syrcle, Sabre Research UK, MedicRes e Camarades (Collaborative Aproach to Meta-Analysis And Review of Animal Data from Experimental Studies). O objetivo em comum é fazer revisões sistemáticas de publicações envolvendo experimentos com animais (Syrcle e Camarades) e medicina baseada em evidências (Sabre e MedicRes).

Existem também organizações científicas, principalmente na Inglaterra e algumas nos Estados Unidos, focadas no desenvolvimento de técnicas substitutivas, a partir de um questionamento ético e científico, tais como Frame (Fund for the Replacement of Animal in Medical Experiments), RSPCA (Royal Society for the Protection of Animals), Center for Alternatives to Animal Testing (CAAT - John Hopkins University Center for Alternatives to Animal Testing). Como citado no site do CAAT, “a melhor ciência é uma ciência humana, o objetivo é fornecer uma ciência mais humana para os homens e os animais”. 1

Animais não humanos não fornecem termo de consentimento para sua participação em fases pré-clínicas de pesquisa ou testes de indústria não farmacológica, sofrem graus variados de agressões, incluindo até os indiretamente causados com a própria contenção, como viver

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em gaiolas restritas, ambiente inadequado, restrição dietética e de líquidos até graus mais intensos de sofrimento, com a maioria dos procedimentos terminando em sua morte. Portanto, as responsabilidades éticas em relação a eles é muito grande. Devem ser vistos como seres dotados de direitos morais, independentemente da discussão sobre direitos legais. Necessitam de proteção da sociedade humana. A capacidade humana de avaliar segundo normas morais nos torna mais responsáveis por nossas ações.

Devemos ainda considerar que a maioria das pesquisas realizadas com animais não humanos (fases pré-clínicas em indústria farmacológica e não farmacológica) são para benefício do humano. Quando englobam os animais não humanos são pesquisas que, em sua maioria, utilizam os animais de companhia e jamais ratos, camundongos, cobaias e demais roedores, que são muito utilizados em pesquisas. E mesmo os animais domésticos só terão acesso a tratamentos que os humanos autorizarem, de acordo com os interesses da sociedade, e se eles tiverem um proprietário que tenha interesse no seu tratamento e bem-estar. Podemos citar as discussões do acesso ao tratamento medicamentoso para cães portadores de leishmaniose visceral no Brasil, cujo “tratamento” preconizado pelo Ministério da Saúde é tão somente eutanásia. 2

Apesar do exposto quanto à (não) eticidade da prática de experimentação animal, e também, ao fato de sua fraca base científica, esta forma de fazer pesquisa básica e testes pré-clínicos para a indústria - que visa em sua maioria o humano - se mantém. O movimento dominante no próprio meio científico não é ainda o da evolução em um caminho pela busca do desenvolvimento e aceleração da implantação de técnicas substitutivas ao uso de animais não humanos. Predominam o fazer “ tradicional” e a manutenção de práticas que foram desenvolvidas ao longo da história da medicina, como a forma mais valorizada, o “padrão ouro” de aquisição de saber. Ademais, essa forma se aperfeiçoou dentro de um desenvolvimento técnico, científico e industrial, que tem por objetivo aumentar a produção científica, mas sobretudo a comercial.

2

SILVA, T. T.; CORRÊA, M. C. D. V. Vulnerabilidade de animais não humanos em pesquisa: o uso de cães portadores de leishmanose em modelos animais e seu direito de acesso a tratamento. p. 79- 90. In: Ética e pesquisa com populações vulneráveis.. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012 (Coleção Bioética em Temas.v. 2). As autoras discutem o direito ao acesso ao tratamento de cães portadores de leishmaniose visceral canina no Brasil, que são submetidos à eutanásia obrigatória, preconizada pelo Ministério da Saúde. É proibido o uso de medicações utilizadas no tratamento da doença em humanos, devido ao risco de desenvolvimento de resistência aos medicamentos ou permanecer como portador assintomático, apesar de na Justiça, para os animais que possuem um proprietário que queira defender o direito do animal, seja possível tratá-lo. Ressaltando a vulnerabilidade do animal nesse contexto, o cão é usado nos testes de medicamentos para a doença, mas não obtém benefício para a própria espécie. Esta decisão do Ministério da Saúde não é a adotada em nível internacional, pois países europeus tratam os cães nesta situação e não determinam eutanásia em massa. Não há consenso nem de que o cão seja o único envolvido no ciclo da doença, da qual faz parte o homem, e ressaltam que esses casos ocorrem nas áreas mais pobres do Brasil, onde não há esclarecimento (existem casos de resultados falso-positivos nos cães, sem segunda prova), nem acesso ao sistema de justiça para tentar o tratamento do animal. Políticas públicas de vacinação em massa nas áreas endêmicas também não são adotadas, mas são realizadas em clínicas privadas.

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Os interesses dos animais não humanos não constituem o ponto principal ou o foco das regulamentações referentes à experimentação animal. O centro da questão da regulação e das políticas que norteiam a experimentação animal é a análise do custo-benefício de cada experimento: seja a aplicação do conhecimento obtido no desenvolvimento de intervenções clínicas, testes de toxicidade, consumo de produtos industriais ou aplicações no ensino, visando sempre benefício para humanos. E, lembramos, cabe ao animal não humano que é utilizado na pesquisa ou teste, o principal custo, e que neste caso o custo é sinônimo de dano.

A indústria farmacêutica, responsável por grande parte das pesquisas voltadas para a produção de medicamentos, pensa em custo de forma diferente. O investimento financeiro na pesquisa deve ser reposto com margem de lucro ampla, quando da introdução de seu produto no mercado. Esta forma de cálculo custo/benefício é bem diferente da proposta, descrita acima, trazida por esta tese. De fato, mesmo o benefício humano, dentro da perspectiva da grande indústria, pode ser visto como sendo colocado em segundo plano, pois se não houver a perspectiva de uma boa projeção de absorção do medicamento pelo mercado, mesmo sendo uma doença humana necessitando de tratamento, ainda assim não teremos um interesse da indústria nessa área. Por isso, observamos o fenômeno do lançamento no mercado de medicamentos muito semelhantes entre si – que acabaram de ser etiquetados como me-too, 3 que apresentam pequenas mudanças na molécula, prometendo o controle de alguns efeitos colaterais observados nos medicamentos anteriormente lançados, o que nem sempre corresponde à realidade na prática médica.

Portanto, quando falamos de um cálculo de custo/benefício ao analisarmos o uso dos animais não humanos na experimentação, observamos que as análises tanto do custo, quanto do benefício vão variar de acordo com a ótica do observador/analista. Se for uma análise do financiador-condutor da pesquisa e dos testes, o custo e o benefício são agregados de maneira importante numa perspectiva financeira. Já pela ótica de um comitê de ética de utilização de animais em experimentação, o custo será o dano sofrido pelo animal não humano para o quanto de benefício a ser fornecido para o humano. Influências financeiras também podem estar presentes nesta última análise, caso membros de comissões de ética façam parte de grupos condutores-financiadores ou que tenham recebido financiamento para determinadas pesquisas (conflito de interesses).

3

Márcia Angell (2007), em “A verdade sobre a indústria farmacêutica”, aborda a falácia da inovação praticada pela indústria que alegando altos custos de investimentos em pesquisas inovadoras, na realidade, lança no mercado medicamentos, que ela descreve como “imitação” ou “me-too”, na verdade, variações de drogas antigas. A propaganda desenvolvida é que é a responsável por aumentar as vendas e criar as necessidades destes “ novos” medicamentos disponíveis para a população e para a classe médica.

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Dentro de um contexto ainda maior e multifacetado, a política de exigência de produção científica adotada pelo meio acadêmico atualmente, que pressiona pelo aumento do número de publicações nas instituições, inclusive para progressão de carreira dos docentes e obtenção de futuros financiamentos, contribui para o uso indiscriminado de animais não humanos em trabalhos acadêmicos, com repetições desnecessárias dos mesmos experimentos implicando maior número de animais usados e mortos nesse contexto.

Devemos lembrar que, nas universidades e demais instituições de nível superior, participam alunos de graduação, formados dentro desse modelo vigente e que serão futuros replicadores das mesmas práticas já estabelecidas e muito pouco questionadas. A escassez de discussão sobre a questão das técnicas substitutivas ao uso de animais no ensino, associada a um desconhecimento dos alunos quanto à existência dessas tecnologias e suas potencialidades, serve para demonstrar a falta de relevância da questão no nosso meio. Mas isto não significa que não existam conflitos por parte dos alunos envolvidos neste processo de aprendizagem com o uso de animais não humanos como instrumento. E a percepção destes é que o modelo é imutável, sem perspectivas de outras formas de se fazer ciência, e os obriga a se adequar ao modelo vigente, caso queiram continuar a evoluir no meio profissional escolhido.

Outro fator de relevância na obstrução ao desenvolvimento e implantação de novas técnicas substitutivas é a política editorial que norteia o teor das publicações a serem aceitas, estabelecendo dificuldades e resistência na aprovação de outras formas de modelo, sendo responsável também pela perpetuação do uso de um número expressivo de animais não humanos, como os mamíferos, que estão entre os mais utilizados em pesquisas e testes.

Portanto, para evoluirmos em um caminho que nos leve à adoção de políticas de desenvolvimento e implantação de técnicas substitutivas ao uso de animais não humanos, devemos partir do questionamento da confiança muito difundida nos modelos animais em pesquisa biomédica e nos testes de toxicidade, pois esta confiança está associada à ideia de utilidade desses modelos para o homem, baseando-se na previsibilidade de seus dados. E, de forma mais intensa ainda, devemos discutir as questões éticas envolvidas nessa prática, como o direito que temos de utilizar os animais não humanos em um grau intenso de instrumentalização, como ocorre na experimentação, para o benefício humano, em sua esmagadora maioria e a extensão do reconhecimento do estado de vulnerado do animal em tal situação.

Dizer que devemos questionar a confiabilidade e previsibilidade de projeção de dados do modelo animal não é renegar para segundo plano a questão ética. É trabalhar em conjunto

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com os dois aspectos da questão, na análise da desmistificação do modelo animal, já sacralizado pela ciência, ainda que de forma dogmática, no que diz respeito à absoluta necessidade de sua aplicação. E ainda, fazendo com que os cálculos utilitaristas partam desta premissa na argumentação a favor da sua prática.

As suposições levantadas na própria literatura científica quanto à confiança e reprodutibilidade de dados provenientes da experimentação animal raramente têm sido verificadas ou submetidas a uma pesquisa minuciosa de qualquer tipo. Portanto, a argumentação irredutível de que é necessária a manutenção da experimentação para se evitar a morte de milhares de vidas humanas, até mesmo com procedimentos extremamente sacrificantes, indignos, que não consideram nem valorizam o grau de sofrimento imposto ao animal, não tem validade científica. É apenas a reprodução de práticas que aprendemos, transmitimos e repetimos à exaustão, por ser a única que conhecemos e é fato que mudar, avançar, implica demanda de vontade, desenvolvimento técnico-científico a ser alcançado, de saber lidar com a mudança de nós mesmos, nossa própria adaptação a uma nova situação, a aprender a fazer de uma nova forma e adquirir uma nova experiência. Mas quando existem questões éticas envolvidas, tão importantes como o sofrimento e morte de seres, como os animais não humanos, que sofrem, esta resistência em mudar deve ser suplantada com rapidez.

A trilha deste caminho passa pela compreensão de que os animais não humanos têm direitos morais; que nós, os humanos, temos responsabilidades para com eles, pois quando os trazemos para nossa convivência e nosso domínio, mudamos suas vidas; reconhecermos que eles dentro da situação específica da experimentação animal são seres vulnerados, como discutiremos adiante; compreendermos que a argumentação da necessidade absoluta de se manter este modelo de pesquisas e testes não se sustenta em bases científicas ou éticas; que as leis que regem e norteiam a experimentação animal devem protegê-los, levando em consideração sua vulnerabilidade, direitos morais, a compreensão atual das capacidades dos animais (que estão muito além da nossa compreensão), o sofrimento imposto por estas práticas e a banalização da morte desses seres sencientes. Assim chegaremos à elaboração de políticas públicas que envolvam projetos de desenvolvimento de novas técnicas substitutivas, implantação e obrigatoriedade da adoção de técnicas substitutivas validadas e que já são adotadas por países pioneiros nesta pesquisa e adoção de técnicas substitutivas no ensino, já existentes, de forma prioritária.

Práticas realizadas rotineiramente nas fases pré-clínicas e de testes com animais não humanos, sendo até mesmo consideradas parte de uma boa prática científica, não seriam

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jamais aceitas se aplicadas em grupos de humanos, principalmente daqueles que não possuam características de racionalidade e autonomia como propostas na visão kantiana. De uma forma correta, nós devemos protegê-los. E por que podemos usar os animais não humanos? Não há uma justificativa ética nem científica.

A adoção de políticas de acesso aos tratamentos já existentes, para diversas doenças, teriam impacto muito grande nas taxas de mortalidade, como foi demonstrado na Inglaterra, atingindo redução na taxa de mortalidade por câncer, em 20%, nos últimos vinte anos, através da garantia de acesso à população de prevenção, diagnóstico precoce e acesso rápido ao tratamento (HORTON, 2013).

Quanto às doenças cardiovasculares, medidas como o acesso à prevenção, mudança de hábitos alimentares e de vida, diagnóstico e tratamento precoce, se necessário, modificariam as estatísticas de morbi-mortalidade. O acesso à medicação básica de hipertensão e diabetes mellitus por programa federal mostrou, na prática, pacientes chegando à consulta médica com seus níveis fisiológicos normalizados, o que antes não era possível, devido ao alto custo da medicação, inacessível para a população.

Milhares de vidas humanas a serem salvas dependem de várias mudanças que dependem de políticas públicas na saúde utilizando o que já dispomos, em termos de medicamentos e tecnologia. Inclusive é possível propor uma análise de base utilitarista, cujo cálculo considere, de um lado, investimentos na disponibilização de acesso a todos os humanos aos tratamentos já disponíveis versus o dano ao animal não humano em experimentos ainda incertos.

Assim, na elaboração desta pesquisa, adotamos como metodologia: a) extensa pesquisa bibliográfica referente ao modelo animal, projeção de dados em estudos de patologias humanas; testes de toxicidade e mutagênese; técnicas substitutivas disponíveis em uso;trabalhos sistemáticos de revisão de trabalhos experimentais;revisão da literatura relativa à ética animal; b) análise de documentos e vídeos contendo dados oficiais da Comunidade Européia, FDA4, Anvisa, INCQS, Farmacopeia Brasileira, Farmacopéia Francesa, órgãos oficiais de incentivo à pesquisa e implantação de técnicas alternativas na União Européia, Inglaterra e EUA; c) busca ativa de dados oficiais brasileiros do Ministério da Ciência e Tecnologia – CONCEA, referentes aos cadastros de centros de pesquisas com animais e protocolos aprovados; e d) análise da legislação específica na União Europeia, Brasil e Estados Unidos.

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De modo a desenvolver o que foi exposto acima, estruturamos esta tese em três partes. Na primeira, é analisado o modelo animal quanto a aspectos científicos do próprio modelo, suas limitações e controvérsias no estudo das doenças humanas e testes da indústria e são apresentadas técnicas substitutivas. Foi realizada extensa revisão bibliográfica de dados estatísticos relevantes de países que têm uma base de dados bem estruturada, como os da União Europeia e Inglaterra, assim como dados complementares de países como Estados Unidos e Canadá. Comparativamente, nesta primeira parte, são apresentados os dados referentes ao uso de animais não humanos no Brasil, através de busca ativa no sistema do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), referentes aos cadastros de centros de utilização de animais e de protocolos de pesquisas e testes, no CONCEA (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal). A análise crítica, comparativa dos dados europeus e dos incipientes dados brasileiros disponíveis até o término da coleta, serve de base tanto para a análise crítica do modelo quanto para a discussão das graves implicações éticas dessas práticas a serem discutidas em seguida.

A segunda parte é reservada para a análise bioética, enfocando a ética do discurso da ciência quanto a excelência do modelo animal e manutenção desta prática, e as implicações éticas para os animais não humanos, cuja utilização na experimentação está dentro de uma perspectiva utilitarista. A vulnerabilidade do animal não humano nesse contexto é discutida.

Por fim, a terceira parte analisa as contribuições que as discussões dos capítulos anteriores podem fornecer na elaboração de políticas públicas para a implantação de técnicas substitutivas na pesquisa, indústria e comércio no Brasil.

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1 O MODELO ANIMAL NA CIÊNCIA

1. 1 Elaboração de políticas públicas para desenvolvimento e implantação de técnicas substitutivas ao uso de animais em pesquisas: reanálise de dados estatísticos

Para iniciar um debate sobre a utilização de animais não humanos objetivando o benefício humano (custo/dano para o animal), devemos partir do conhecimento sobre o tipo de animais usado, o tipo de experimento, a finalidade e o porquê da escolha. Assim será possível traçar um planejamento racional, visando à implantação de técnicas substitutivas. De fato, a quantificação do número de animais utilizados em nível global é um cálculo que não existe para o mundo todo. Observa-se grande diversidade de dados, com ampla variação (KNIGHT, 2011), o que permite falar em estimativas nesses trabalhos e não no tipo de cálculo estatístico da amostra de pesquisas com humanos.

Em relação à situação global, a União Europeia (UE) é a região que apresenta os dados mais fidedignos, juntamente com a Inglaterra, país que elabora uma estatística independente, ainda mais detalhada e mais inclusiva do que a da própria UE (TREMOLEDA, 2012). Por isso, seus dados podem ser considerados um parâmetro através dos quais podemos melhor observar as tendências do que está ocorrendo em relação ao uso de animais não humanos em pesquisas e testes.

Os Estados Unidos da América (EUA) excluem animais como ratos, camundongos, aves, peixes, reptéis e anfíbios das estatísticas oficiais (USDA, 2005), ainda que estes constituam cerca de 90% dos animais lá utilizados (TAYLOR et al.; 2008).

Mesmo países que documentam e publicam dados estatísticos relativos ao uso global de animais citam apenas aqueles referentes aos animais vivos, excluindo um número substancial de animais mortos antes do procedimento para coleta de órgãos ou outros tecidos para fins científicos (KNIGHT, 2011). Assim, a literatura evidencia uma ampla variação do número total de animais utilizados globalmente, indo de 100-200 milhões na década de 1970 (VAN ZUTPHEN, 2001); 60-85 milhões em 1993 (KNIGHT, 2011); 42 milhões usados em 17 países em 1998 (ORLANS, 1998); 28 milhões usados em 21 países europeus em 2000 (ORLANS, 2000); mais de 29 milhões usados em países europeus e América do Norte em 2004 (REINHART; REINHART, 2006), 50-100 milhões usados globalmente em 2005 (NUFFIELD. . .; 2005).

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Devido a essas disparidades, que resultam de extrapolações, Taylor et al. (2005) fizeram uma estimativa de larga escala, baseada em evidências, do uso de animais em nível mundial. Trabalhando com dados de 37 países da UE (definições de animais, tipos de procedimentos), chegaram a um total de 50, 4 milhões de animais usados em 2005 nesses países.

Em função da correlação linear positiva altamente significativa entre o uso de animais naqueles países e taxas de publicação científicas de estudos com animais em anos seguintes, os autores chegaram à estimativa de um acréscimo de 7, 9 milhões de animais adicionais, que teriam sido usados em um conjunto de 142 países, nos quais somente os dados de publicações estavam disponíveis; ou seja, pela falta de coleta de dados oficiais, os autores tiveram que se basear no levantamento da literatura científica publicada (TAYLOR, 2005). Ademais, incluindo todas as nações com uma população maior que 200. 000 habitantes, obtiveram um número total de 58, 3 milhões de animais não humanos vertebrados usados em 179 países em 2005, nas áreas de pesquisa biomédica aplicada, testes de toxicidade e ensino.

Quando se incluía, nessas estimativas de reanálise bibliográfica, os animais que eram mortos para fornecimento de tecidos, os que são utilizados para manter as colônias de animais geneticamente modificados (GM) ou os criados para serem usados em laboratórios e mortos como excedentes, então o número subia para 115, 3 milhões de animais não humanos vertebrados utilizados. Finalmente, por serem utilizadas ferramentas aritméticas de pesos diferentes entre países, o cálculo do número total de não humanos vertebrados usados no mundo em 2005 chegou a 126, 9 milhões (KNIGHT, 2011).

Esses cálculos, no entanto, resultam ainda em subestimativas, pois não se incluem espécies de invertebrados, dos quais se sabe atualmente serem portadores de capacidade de sofrimento, como os moluscos cefalópodes (polvos) e crustáceos decápodes (camarões, lagostas e caranguejos), assim como o uso de fetos em estágio avançado de desenvolvimento. Ambas as situações suscitam questões éticas (KNIGHT, 2011; NUFFIELD. . .; 2005).

A Grã-Bretanha é o país que inclui em suas estatísticas as formas fetais, as colônias para manutenção dos animais geneticamente modificados e os animais que fornecem tecidos como material de pesquisa. Portanto, o número total oficial documentado de 2, 8 milhões pode ser ajustado para 1, 9 milhões se forem aplicados os parâmetros de uso de animais adotados pela UE e que foram utilizados por Taylor et al. (2005) em sua análise.

Enquanto isso, os EUA registraram o uso de 1, 2 milhões de animais, mas se forem incluídos ratos, camundongos, aves, peixes, répteis e anfíbios, o total atingiria 17, 3 milhões

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de animais vertebrados usados. Portanto, em termos de dados para análise disponíveis, as publicações da UE são as mais uniformes (KNIGHT, 2011).

1. 2 Estatísticas recentes sobre o uso de animais na União Europeia

Segundo dados do Relatório da Comissão ao Conselho e Parlamento Europeu, o sexto relativo às estatísticas sobre o número de animais utilizados para fins experimentais e outros fins científicos nos Estados-membros da União Europeia (UE), publicado em 30 de setembro de 2010, de um total pouco superior a 12 milhões de animais, cerca de 8, 7% foram utilizados em testes toxicológicos e de segurança, totalizando 1. 042. 153 animais disponibilizados para esses testes, o que indica que havia pouca alteração em relação a dados de 2005.

As áreas que mais utilizam animais em experimentação na UE são as de investigação e desenvolvimento em estudos biológicos de caráter fundamental em medicina humana e veterinária (60% do número total), e em produção e controle da qualidade de produtos e dispositivos usados em medicina humana, veterinária e dentária, que utilizaram 14, 9% do total de animais. Em investigação e desenvolvimento em medicina humana, veterinária e dentária, usou-se 22, 8% do total. Isto mostra redução em relação ao registro anterior, de 31% (em termos de animais, individualmente, a diminuição foi de 3. 746. 028 para 2. 733. 706), com forte diminuição de animais de sangue frio (800. 000 animais). Já a percentagem de animais utilizados em pesquisas básicas aumentou de 33% para 38% do número total, e para outros fins, de 8% para 12%, o que reflete aumento nas pesquisas com animais transgênicos.

Quando associamos os itens pesquisa e desenvolvimento de intervenções clínicas (22, 8%), com produção e controle de qualidade dessas intervenções para uso humano (10, 9%) e avaliação toxicológica e de outra segurança (8, 7%) atingimos a cifra de 42, 4%, que então representa pesquisa, produção e avaliação de segurança de intervenções clínicas voltadas para uso humano, em sua maioria. Uma pequena parcela é destinada à área de produção e controle de qualidade em veterinária (3, 99%). Na área de ensino e formação na UE foram usados 1, 7% do total dos animais.

Quando se analisa a proporção dos animais usados em estudos por tipos de doenças, observa-se que sua utilização em doenças próprias dos animais é de apenas 9, 7% do total, em contraste com seu uso no estudo de doenças humanas, que constitui 90, 3% do total, divididos em: oncologia: 13, 5%, excluindo testes de risco carcinogênico; 22, 6% em doenças mentais e

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do sistema nervoso humano; doenças cardiovasculares, 6, 4%; outras doenças humanas, 47, 8%.

1. 3 Espécies de animais não humanos utilizadas

Os dados mais fidedignos e organizados disponíveis quanto a este aspecto são os da União Europeia (UE), atualizados e publicados a cada três anos. O sexto relatório da UE traz dados referentes a 2008, com exceção da França, que disponiblizou dados referentes ao ano de 2007. Roedores (camundongos, ratos, cobaias e coelhos) corresponderam a 82, 2% do número total de animais utilizados. E, deste grupo, os ratos e camundongos representaram 59, % e 17, 7% do total, respectivamente, com 2, 78% de coelhos e 1, 84% de cobaias (Cavia porcellus). O segundo maior grupo foi o de animais de sangue-frio, que englobam os peixes, répteis, anfíbios, correspondendo a 9, 62%. As aves constituíram o terceiro grupo, com 6, 38% do total.

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GRÁFICO 1: Percentagem de animais utilizados por categorias nos Estados-membros 59% 18% 10% 6% 3% 2% 1% 1% 0% 0% 0%

Sexto Relatório da UE 2010

Camundongos 59,35% Ratos 17,68% Animais de sangue frio 9,61% aves 6,37% coelhos 2,78% cobaias 1,84% artio e perissodáctilos 1,39% outros roedores 0,60% Carnívoros 0,26% Símios, macacos e chimpanzés 0,08% outros mamíferos 0,05%

Fonte: Sexto Relatório da UE (2010)

Artiodáctilos: mamíferos ungulados, com número par de dedos (casco bipartido, como girafa,hipopótamo,cervos, lhamas).

Perissodáctilos: mamíferos ungulados, com número ímpar de dedos (como cavalos, asnos, zebras).

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GRÁFICO 2. Comparação das percentagens de categorias de animais utilizadas em 1996, 1999, 2002, 2005 e 2008.

а

14 Estados-Membros apresentaram dados de 1996; França de 1997.

b 15 Estados-membros apresentam dados de 1999, incluindo França . c 14 Estados-Membros apresentaram dados de 2002; mas França de 2001. d 24 Estados-Membros apresentaram dados de 2005; França de 2004. e

27 Estados-Membros apresentaram dados de 2008; França de 2007. Fonte: Sexto Relatório da UE, 2010

Apesar da expansão do número de Estados-membros da União Europeia de 15 para 27 em 2008, houve uma estabilidade nos números. Verificou-se também aumento no número de animais que são normalmente utilizados em menor número, como furões (16%), equídeos,

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asininos e híbridos (11%), caprinos (44%) e répteis (39%). O número total de caprinos, suínos, reptéis e asininos aumentou entre 28 e 46%. Houve aumento significativo, em 2008, de ratos e camundongos, coelhos, suínos e “outras aves”, tendo as percentagens variado de 5% a 28%. A utilização de aves parece aumentar progressivamente, fato justificado pelas pesquisas para gripe aviária que ocorreram nesse período.

Ainda segundo a análise dos dados do relatório, o número total de cobaias, cães, bovinos e outros mamíferos, assim como anfíbios e peixes utilizados, parece ter diminuído em comparação com o relatório anterior de 2005. Não foram utilizados grandes primatas antropoides para fins experimentais ou científicos em 2008. A utilização de macacos do Novo Mundo reduziu-se em 73% e do Velho Mundo em 11%.

Os primatas representam uma ordem de mamíferos que se divide em três grupos: os macacos do Novo Mundo (Platyrrhini) são o grupo de primatas provenientes do continente americano exclusivamente; no grupo de primatas denominados de macacos do Velho Mundo (Catarrhini) encontram-se os babuínos, os macacos colobus e os grandes primatas (orangotangos, chimpanzés, bonobos e gorilas), provenientes da África e Ásia; os prossímios (Strepsirrhini) constituem o terceiro grupo e compreendem os lêmures, lóris e galagos, sendo provenientes de Madagascar.

Na categorização “outros”, foram assim definidos pelos Estados-membros:

a) Outros roedores: gerbis, gerbos do Velho Mundo (Jaculus jaculus), chinchilas, castores, esquilos terrestres, hamsteres, criceto-da-armênia;

b) Cricetulus migratorius e várias espécies de camundongos;

c) Outros carnívoros: espécies selvagens utilizadas para estudos zoológicos ou ecológicos, por exemplo, raposas, texugos, focas, lontras e doninhas;

d) Outros mamíferos: javalis, morcegos, musaranhos, lamas, toupeiras, bisontes europeus, veados vermelhos (Cervus elaphus);

e) Outras aves: sobretudo espécies domésticas de codorniz (Coturnix japonica, Colinus virginanus virginanus), diamantes-mandarins, canários, periquitos, papagaios, espécies de aves de capoeira, como frangos.

Quanto à procedência dos animais, 8, 3 milhões (84, 4% do total) são provenientes do seu próprio país de origem na União Europeia, mas 20 a 30% dos cães, gatos, furões e 45% dos macacos do Velho Mundo são de outros países não membros da União Europeia (KNIGHT, 2011).

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Como mencionado, este Relatório abrange dados referentes aos 27 Estados-membros da União Europeia, incluindo Romênia e Bulgária e são referentes aos animais utilizados em 2008, com exceção da França, que apresentou dados referentes a 2007.

Os dados estatísticos anuais da Inglaterra (HOME OFFICE, 2012) são registrados como procedimentos, ao invés de números totais de animais, e os de 2012 demonstram que houve um aumento de 8% no número total de procedimentos em relação ao ano anterior, atingindo 4, 110 milhões de procedimentos iniciados em 2012. Isto deveu-se principalmente ao aumento na criação de animais geneticamente modificados (GM). Excluindo a produção dos animais GM, o número total de procedimentos reduziu em 2%, correspondendo a 2, 13 milhões.

Vários fatores influenciam e determinam a produção científica, incluindo os procedimentos com animais não humanos. Variam desde interesses econômicos globais, mercado econômico, lucratividade (LOCK, 2010; NUFFIELD. . .; 2005). Através da documentação, da disponibilização de dados, observou-se o fim de determinados tipos de pesquisas e a ascensão de outras como as que envolvem os animais GM (HOME OFFICE, 2012; SEXTO RELATÓRIO DA UE, 2010).

A partir da análise de dados de países que apresentam publicação mais uniforme, observa-se que, mais especificamente, de 2009 em diante, houve aumento no uso de animais, sobretudo nos EUA e na UE, em duas áreas: produção e uso de animais GM e início de programas de testes químicos em larga escala, produzidos pelas indústrias de produtos de consumo humano. Ambos geraram expressivo aumento do número de animais a serem utilizados, caminhando num processo contrário ao preconizado dentro do bem-estarismo animal, a adoção e prática do princípio da redução do número de animais não humanos a serem utilizados (KNIGHT, 2011).

Em termos práticos, a aplicação dos testes de toxicidade tradicionais se torna inviável, porque se necessita de um número absurdamente elevado de animais para seguir as exigências de órgãos regulamentadores. Por razões econômicas e de mercado, as firmas importam ou produzem toneladas de substâncias tóxicas. Os testes toxicológicos com animais são realizados apenas em amostragens, para assegurar para a população uma segurança que não existe e assim vender seus produtos (KNIGHT, 2011), sejam eles farmacológicos, alimentares ou de uso doméstico.

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1. 4 Uso de animais geneticamente modificados

As pesquisas na área biomédica que usam animais não humanos têm amplo espectro e finalidades diferentes. Chamamos a atenção nesta seção para aquelas que podem ser as denominadas pesquisas básicas, ou seja, que têm como objetivo aumentar a gama de conhecimentos sobre as funções biológicas dos animais não humanos. Atualmente, este tipo de pesquisa tem focado no estudo da genética destes animais, a fim de obter grupos de determinadas espécies com características específicas, por meio de técnicas de modificação genética, os denominados animais geneticamente modificados (GM).

O objetivo é estudar doenças humanas que não se desenvolveriam nessas espécies naturalmente. São usados desde roedores geneticamente modificados para estudos de doenças que afetam o homem, como artrite reumatoide, fibrose cística, encefalopatia espongiforme transmissível (NUFFIELD. . .; 2005), até saguis (SAZAKI et al.; 2009), caprinos e outros animais não humanos vertebrados. No estudo com animais transgênicos, são examinadas as funções dos genes, sua regulação e a contribuição da regulação genética no desenvolvimento de doenças (SAUER, 2006).

Os dados estatísticos anuais da Inglaterra são registrados como procedimentos, ao invés de números totais de animais. Podemos observar que o uso de animais GM vem aumentando progressivamente desde 1995 e, em 2009, excedeu o número de animais normais utilizados na Inglaterra, sendo 52, 4% do total de animais utilizados pertencentes ao grupo dos alterados geneticamente (HOME OFFICE, 2010). O correspondente a 10, 6% do total de procedimentos (cerca de 382. 900) usam animais com mutações genéticas prejudiciais ao animal e 1, 5 milhão de procedimentos (41, 8% do total) englobam o uso de animais GM.

O número de procedimentos usando animais geneticamente normais foi 1, 7 milhão, equivalente a 47, 6%. Houve aumento de 10, 3% dos procedimentos para reprodução de animais GM, iniciados em 2009, na Grã-Bretanha, em relação ao ano anterior. Se excluirmos os procedimentos de reprodução das colônias de animais GM, o número total de procedimentos reduziriam em 7, 9%, em relação a 2008, atingindo 2, 1 milhões, sendo que deste valor total, 29, 9% usaram animais GM (HOME OFFICE, 2010).

Os dados estatísticos da Inglaterra de 2012 demonstram que houve aumento de 8% no número total de procedimentos em relação ao ano anterior, atingindo 4, 11 milhões de procedimentos iniciados em 2012. Isto se deveu principalmente ao aumento na criação de

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animais geneticamente modificados. Excluindo a produção desses animais, o número total de procedimentos reduziu em 2%, correspondendo a 2, 13 milhões (HOME OFFICE, 2012).

GRÁFICO 3. Demonstrativo do crescimento do número de procedimentos para criação de animais GM em comparação com procedimentos de outros fins com animais normais

0 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000 1995 2012 outros fins GM/HM

Fonte: Home Office (2012).

Sauer et al (2005) corroboram estes dados ao citarem o aumento expressivo do número total de animais utilizados recentemente às custas dos animais GM, na Alemanha, assim como na Suíça. Segundo Sauer (2006), as principais áreas de pesquisa biomédica com animais transgênicos são: neurobiologia, imunologia, cardiologia, embriologia, oncologia, mas podem ser encontrados relatos na literatura em todas as áreas de pesquisa biomédica básica ou também denominada fundamental.

De acordo com as estatísticas oficiais do uso de animais em pesquisas na Alemanha, a grande maioria dos animais transgênicos utilizados são camundongos, seguidos de ratos e porcos. Também são encontrados trabalhos com peixes, coelhos e galinhas. Mas nas estatísticas alemãs há pouca utilização de hamsters, ovelhas e anfíbios. Alta porcentagem de ratos é usada em pesquisa cardiovascular, e os porcos são gerados e criados para servirem como doadores de órgãos em pesquisas com xenotransplante (SAUER, 2006). Muitos projetos usam linhagem de animais transgênicos criadas anteriormente, mas são, por vezes, criadas especificamente com determinada alteração para ser modelo de pesquisa específica.

A instrumentalização da vida animal e do seu corpo é extrema no caso dos animais geneticamente modificados. São criados exclusivamente para serem manipulados em laboratórios, sem convivência com o mundo externo, desde sempre confinados a laboratórios

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de biossegurança (segurança máxima), pois são seres vivos que não podem se misturar aos demais. Isto denota que há consciência de que geramos seres vivos híbridos, cuja real fisiologia desconhecemos (NUFFIELD. . .; 2005). Além destas condições de geração e de existência, tais animais confinados e isolados de qualquer bioma, sociedade animal ou o que seja, serão mortos ao final do experimento, sempre com o cuidado extremo de não haver nenhum contato dos restos com o meio externo. Ou seja, são seres vivos individuais que existiram apenas como instrumento para manuseio, independentemente do que ele sinta. Até mesmo a tolerância desses animais à dor é desconhecida. Todas as tentativas deliberadas que são feitas para modificar a genética desses animais vão ter influência no seu bem-estar, quanto a dor e percepção desta, ou seja, o limiar, que pode estar seriamente comprometido, causando intenso sofrimento.

Finalmente, cabe lembrar mais um contrassenso das pesquisas envolvendo animais GM, que é o número necessário para os experimentos ser muito elevado, caminhando em sentido contrário à redução do número de animais a serem utilizados, como preconizado na doutrina dos 3Rs, cujos princípios são replacement, reduction, refinement, tal como proposto por Russell & Burch, em 1959, e que vem sendo adotado como prática do bem-estarismo do animal de laboratório, o qual voltaremos a discutir adiante.

1. 5 Programas de testes químicos de larga escala

Outra causa de aumento do uso de animais, citada tanto na UE quanto nos EUA (KNIGHT, 2011), são testes químicos projetados para serem realizados em larga escala, idealizados por órgãos regulamentadores de vários países importadores ou produtores de produtos químicos anualmente, e cujos os efeitos nos seres humanos são desconhecidos. O motivo da realização de tais testes é somente econômico, visando vender juntamente com o produto uma garantia de segurança para seu consumo.

No entanto, a realização desses testes em larga escala traz uma série de graves questionamentos: desde a questão ética do uso de animais não humanos em experimentos cruéis e que exigem um número excessivo destes, até a própria possibilidade de extrapolação dos dados obtidos para os humanos, ao qual se propõe.

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Em dezembro de 2006, o Conselho e o Parlamento Europeu adotaram a legislação para substâncias químicas, conhecida como REACH (Registration, Evaluation and Authorization of Chemicals) que entrou em vigor a partir de 1° de junho de 2007.

Há demanda de mais de 30. 000 substâncias no mercado europeu a serem testadas, o que implica incluir entre 1, 2 milhões e 45 milhões de animais vertebrados em testes (VINKEN et al.; 2008). A ECOPA (European Consensus Platform on 3-R Alternatives) estimou, em 2008, que poderia ser reduzida a quantidade de animais para aproximadamente 6, 25 milhões, se fossem utilizadas novas técnicas alternativas. Esse número aumentaria para 12, 2 milhões de animais se usassem apenas as técnicas alternativas correntes, ou seja, mostrando a necessidade de desenvolver técnicas substitutivas e não apenas alternativas, que mantêm o uso do animal.

Nessa época já se definia a política europeia de substituição completa dos testes de toxicidade, usando animais para a área de substâncias químicas cosméticas. Portanto, já se delineava que seria necessário um grande esforço devido à urgente necessidade de desenvolvimento de técnicas substitutivas ao uso de animais não humanos, para atingir a meta definida para o término de testes com animais no ano de 2013.

Houve o desenvolvimento do Projeto CarcinoGENOMICS, coordenado pela Universidade de Maastricht, englobando 20 centros como universidades, centros de pesquisa, indústria e órgãos reguladores de países como Holanda, Espanha, Bélgica, Reino Unido, Suécia, Irlanda, Dinamarca, Alemanha, Áustria, Suíça, França. O objetivo era desenvolver plataforma de substâncias com potencial carcinogênico detectados através de otimização de testes in vitro, em substituição aos bioensaios com ratos e camundongos, na detecção de potencial oncocarcinogênico para órgãos como fígado, rim e pulmão. Assim promover-se-ia mais segurança com redução da experimentação animal.

Os testes de oncogenicidade foram historicamente desenvolvidos em animais não humanos, mas no contexto atual, com o grau de desenvolvimento que a indústria atingiu, os protocolos de testes mudaram, sob a égide de agências reguladoras, fazendo com que esses testes exijam, atualmente, tempo e grandes investimentos financeiros, além de um número excessivo de animais não humanos em processos que envolvem sofrimento. Levam em média cinco anos desde a elaboração até a prática e necessitam de aproximadamente 800 ratos e camundongos/substância chegando a um custo de € 1, 5 milhão a 3 milhões por substância a ser testada (VINKEN et al.; 2008).

Nos EUA, com a criação de programas para avaliação de altos volumes de substâncias químicas produzidas ou importadas (High Production Volume Challenge Program), também

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houve grande uso de animais em testes químicos, mas, em termos práticos, há grande limitação a esta forma tradicional, fazendo com que, segundo Epstein, em 1998, apenas 2, 7% (aproximadamente 2. 000) de 75. 000 substâncias listadas tivessem sido testadas para carcinogenicidade. Os recursos gastos foram enormes, inclusive de vidas animais.

Outra questão que se coloca é que essa exigência de testes in vivo para cada efeito adverso de um número excessivo de substâncias químicas vai gerar uma taxa elevada de resultados falso-positivos, influindo na credibilidade destes testes (BREMER et al.; 2007; KNIGHT, 2011) e sua aplicação para os humanos.

Portanto, esses testes químicos em larga escala forçam o aumento do número de animais não humanos vertebrados, usados em pesquisas e testes, atingindo cifras impraticáveis. Ao mesmo tempo, infringem a ética em relação aos animais e não garantem a segurança que tentam difundir, para o consumo humano, pois apenas uma pequena parcela das mesmas são testadas, além do questionamento da própria capacidade de projeção desses resultados para os humanos, conforme discutiremos adiante.

1.6 Outros tipos de pesquisas que usam animais não humanos na atualidade

Estudos de neurociência (neurobiologia) com o uso de primatas não humanos são motivo de profunda reflexão ética. Esses animais foram muito acessados, devido ao fato de compartilhar com o primata humano estruturas neurológicas anatômicas e funcionais semelhantes. A dor e o sofrimento, seja físico ou psíquico, são semelhantes ao do humano, percebidos e sentidos igualmente. Os grandes primatas também foram utilizados como modelo para estudo de doenças humanas, como ocorreu com os chimpanzés que foram utilizados em estudos sobre a hepatite C nos anos 1980 (NUFFIELD. . .; 2005).

Como exemplo, ainda, podem ser citados tipos de experimentação com animais não humanos, os testes perpetrados pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos em relação a produtos de guerra química e biológica, gases letais, efeitos de radiação e estudos de fisiologia realizados pela NASA, inclusive com chimpanzés (SINGER, 2002; WADMAN, 2011).

O uso de primatas não humanos, especialmente os grandes primatas (chimpanzés, bonobos, orangotangos, gorilas) implica discussões éticas particulares, conforme desenvolveremos adiante.

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1. 7 A experimentação animal no Brasil

1. 7. 1 Dados estatísticos

No Brasil, até o momento, não dispomos de dados organizados sobre o número total e percentual de animais utilizados em território nacional, quais as espécies, de onde provêm os animais, quantos em pesquisa e em ensino, uso de técnicas substitutivas, animais transgênicos e primatas não humanos. Em tese, tais dados se originariam de protocolos de pesquisas submetidos a Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs) e seriam sistematizados em cadastro no sistema CIUCA (Cadastro das Instituições de Uso Científico dos Animais).

Apesar de a Lei n◦ 11. 794, de 8 de outubro de 2008 (Lei Arouca), que norteia a experimentação animal no país, ter determinado a obrigatoriedade da criação e cadastro das CEUAs, em toda instituição que utilize animais não humanos na pesquisa e ensino através do sistema CIUCA, passados cinco anos da promulgação desta Lei, ainda não dispomos de dados organizados.

Recentemente, em busca ativa no site do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), 5 ao qual a Comissão Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) está subordinada, observa-se que das 513 instituições credenciadas no CONCEA:

 126 instituições possuem CEUAs cadastradas e projetos cadastrados para a respectiva CEUA, correspondendo a apenas 24, 56% do total das instituições cadastradas;

 268 instituições (52, 24%) não apresentam projetos cadastrados para a respectiva CEUA;

 108 instituições cadastradas no MCT não possuem CEUAS cadastradas, nem projetos, correspondendo a 21, 05% das instituições cadastradas;

 25 empresas de uma lista de 28, cujo foco é a produção de animais de laboratório/testes/pesquisa de produtos veterinários e de uso em humanos e

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desenvolvimento biotecnológico, não apresentavam CEUA cadastrada; as outras três tinham cadastro de CEUA sem projetos cadastrados;

 três instituições buscadas, a saber Johnson`s & Johnson`s, Ciallyx e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, aparecem listadas como “não existe instituição cadastrada para estes parâmetros”; apesar de constarem da lista e serem as duas primeiras, empresas que reconhecidamente no meio, fazem testes com animais não humanos;

 duas instituições com CEUAs e projetos cadastrados não foram incluídas na análise estatística porque apresentavam protocolos de pesquisa datados de 1969, o que constitui um erro.

Observa-se que mesmo as instituições que têm CEUAs cadastradas e projetos, apresentam um número muito pequeno de estudos registrados, o que pode não corresponder à realidade.

Em uma análise que realizamos sobre o título de projetos, tal como disponibilizados no site do CONCEA, subitem protocolos, observam-se:

 Grande incidência de duplicação de trabalhos em várias instituições brasileiras, quanto à temática, incluindo experimentos dolorosos.

 Trabalhos voltados para a área de educação física (atividade física) e dieta, principalmente dislipidemia são muito frequentes nas instituições brasileiras.

 Presença de projetos envolvendo animais transgênicos.

 Trabalhos comportamentais, de psicologia experimental sobre medo, ansiedade, separação materno-fetal são igualmente repetitivos e frequentes em diferentes instituições.

 Trabalhos na área de neurociência são realizados, utilizando primatas não humanos.

 Projetos com uso de drogas ilícitas e lícitas (álcool, tabagismo, cocaína) são realizados, tanto em animais adultos quanto para avaliar efeito nos recém-natos (inalação forçada de cigarro, toxicidade do cigarro de palha), modelo animal de dependência de drogas.

 Testes de toxicidade inclusive em instituições universitárias em fase de pesquisa de moléculas (extratos vegetais com frequência); intoxicação experimental em ovinos; exposição crônica ao mercúrio.

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 Projetos de trabalhos extremamente agressivos, envolvendo torção de testículo, teste de substâncias reparadoras em queimaduras induzidas, técnicas cirúrgicas, monitorização invasiva de animais durante protocolos, estudos de fraturas induzidas em animais (coelhos), indução de lesões de tendões, modelos de estresse agudo induzido, lesão induzida em polpa dentária, ligadura de carótidas induzindo isquemia cerebral, indução de câncer oral; grandes cirurgias (retirada de baço, ligadura do estômago), dano ao sistema urinário para avaliar respostas terapêuticas de substâncias; embolização e ligadura de veia porta (fígado) simultâneamente, são alguns exemplos. Procedimentos deste tipo geram dor e sofrimento durante e vários dias após as intervenções. Estes trabalhos são realizados em universidades brasileiras e, como dito, notou-se uma importante duplicação.

 Pelo título, é possível deduzir em alguns projetos as espécies animais a serem utilizadas, mas em muitos enunciados isto não se torna possível (cita-se apenas “em animais”).

 Cães, primatas não humanos, ratos, porquinho-da-índia, ovelhas, peixe-zebra, vacas, coelhos, porcos são usados. A grande maioria é composta de mamíferos.

 Trabalhos em instituições universitárias e de pesquisa com leishmaniose visceral canina, principalmente no Estado de Minas Gerais com leishmanose visceral canina. Apesar da importância e volume destes estudos, no Brasil o tratamento dos cães é proibido, sendo adotada a eutanásia dos animais soro-positivos.

1. 7. 2 Disponibilização de dados oficiais no Brasil

Dando prosseguimento à análise dos títulos de projetos cadastrados e da busca dos parcos dados sistematizados, esta pesquisadora buscou ativamente contatos com o Ministério da Ciência e Tecnologia através do site <http: //www. mct. gov. br> e do e-mail concea@mct. gov. br, para obtenção de mais resultados sobre animais utilizados, espécies, proveniência, mas a resposta obtida na última consulta em 27 de dezembro de 2013 foi: “Neste momento não possuímos os dados estatísticos solicitados/consolidados. Está em fase de construção um novo sistema para que seja possível a extração deste tipo de informação. Atenciosamente, secretaria executiva do CONCEA”.

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