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Literatura integralista: o nacionalismo latente e o espírito imigratório de Plínio Salgado em O estrangeiro

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Academic year: 2021

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Literatura integralista: o nacionalismo latente e o espírito imigratório de Plínio Salgado em O estrangeiro

Leandro Pereira Gonçalves∗

Resumo

Este trabalho pretende analisar o pensamento político-ideológico do líder integralista Plínio Salgado através de sua obra romanesca: O estrangeiro. Publicado em 1926 tem como base uma análise da estrutura política do Brasil nos anos 20. A obra narra a chegada de imigrantes a Santos e tem como figura culminante do livro o russo Ivan. Através da literatura pliniana é possível analisar um discurso conservador e autoritário para o desenvolvimento da sociedade brasileira e suas visões sobre nacionalismo que serviram de preceitos ideológicos para o desenvolvimento de concepções políticas existentes na Ação Integralista Brasileira.

Palavras-chave: Integralismo, Plínio Salgado, Imigração, Literatura Brasileira.

Durante a década de 1920, São Paulo era o local onde se reuniam importantes grupos de intelectuais. Naquele momento, os artistas iniciavam a busca da chamada identidade nacional e o ingrediente ideológico central deles era a defesa da nacionalidade. Entretanto, no panorama do pensamento político brasileiro de então, não havia um, mas vários nacionalismos em questão. Esses nacionalismos defendidos por tantos naqueles tempos, aparentemente, teriam sido semelhantes, mas, ideologicamente, eles apresentavam diversas formas de planos e de modelos para o Estado Nacional, que estavam sendo forjados em concomitância - com seus paradoxos e contradições - com os demais países do ocidente inseridos no processo de re-ordenação mundial no período entre-guerras.

Intelectuais engajados em projetos relacionados às suas concepções de sociedade brasileira, sob efeito de identidades distintas iniciavam a busca do modelo ideal para o Brasil. Diversas correntes ideológicas, organizadas em partidos, de fascistas a comunistas, estavam presentes na construção desses modelos. Em todos os modelos, o discurso utilizado era o mesmo, o nacionalismo. Isso porque a década de 1920 marcou uma nova concepção de

Professor assistente do Curso de História do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora; Mestre em Literatura brasileira pelo CES/JF; Especialista em História do Brasil pela PUC/MG; Graduado em História pelo CES/JF; e-mail: leandropgoncalves@gmail.com. Participante do Grupo de Pesquisa Literatura e Autoritarismo (UFSM) e do Grupo Observatório da Indústria Cultural (UFF).

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civilização brasileira. Essa nova concepção buscada foi um caminho constante na formação de novos projetos e modelos de nação.

Houve momentos de turbulência política, de “séria crise socioeconômica e política, cuja solução somente se daria de fato, com a instalação do Estado Novo em 1937.” 1 Foram épocas de reformulações, na qual os intelectuais assumiam publicamente as representações de interesses que eles mesmos pretendiam conceber como populares, mas reproduzindo, no entanto, seus projetos de classe. Os intelectuais desse período tinham como objeto central o problema da identidade nacional, há uma necessidade de organizar a nação, segundo Daniel Pécaut, essa função é do intelectual ligado a um projeto de poder: “os intelectuais já não precisam reivindicar uma posição de elite: sua legitimidade decorre justamente de se fazerem intérpretes das massas populares.” 2

Os intelectuais do modernismo não aceitariam mais a idéia de uma “inferioridade étnica” que persistia no Brasil no período entre-guerras a partir da perspectiva do “espelho” europeu. Os modernistas buscavam a organização da idéia de nacionalidade a partir de modelos específicos de Estado, apropriando-se de divergentes conceitos de nação, propunham novas idéias para o Brasil sendo reflexos da conjuntura internacional que anunciava um declínio da Europa e a aurora americana.

A Semana de Arte Moderna que ocorre nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, contando com a presença de um grupo considerado inovador, encarando, através da ironia e ou da gravidade, a forma de identificar o Brasil em um período de grandes mudanças mundiais. Segundo Nelson Werneck Sodré, o movimento: “deve ser entendido e interpretado como episódio inicial de uma seqüência. Episódio inicial cujo alcance pode ser estimado no simples fato de corresponder, a rigor, ao lançamento da literatura brasileira.” 3

Para Mário de Andrade, um dos idealizadores do evento, o modernismo foi uma ruptura, mas com revestimentos importados diretamente da Europa.4 Dessa forma, passam a ser criados vários retratos do Brasil entre os intelectuais da Semana que assumiriam, assim, o seu caráter heterogêneo de produzir visões sobre a nacionalidade. O modernismo brasileiro tem como ponto central a reflexão e a reinterpretação da cultura, representou a conscientização de que o desenvolvimento intelectual encontrava-se defasado diante do desenvolvimento do Brasil.

1

MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e sociedade: a consolidação da república oligárquica. In: LINHARES, Maria Yedda (org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 319.

2

PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990, p.15.

3

SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1976, p.525-526.

4

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Determinar o início do modernismo brasileiro não é uma tarefa simples devido à complexidade existente no movimento, que não tem sua origem meramente cultural, segundo o crítico literário Alfredo Bosi, sua formação é polivalente e está ligada a: “situações socioculturais que marcaram a vida brasileira desde o começo do século.”5 Demarcar o início do movimento é normalmente arbitrário, mas segundo Bosi é possível entender o porquê de ter sido São Paulo o núcleo irradiador do Modernismo, sendo o ponto central a efervescência ideológica existente na nascente metrópole industrial povoada de burgueses, proletários, caipiras e estrangeiros.6

Após o evento que para Bosi é um divisor de águas da atenção cultural7, os modernistas se organizaram em grupos ideológicos e expressavam suas concepções em manifestos. O primeiro deles foi o Manifesto da poesia Pau-Brasil, lançado por Oswald de Andrade em 1924. Essas idéias passariam a ter a sua radicalização com o lançamento do Manifesto Antropofágico de 1928, que é apresentado como sendo a síntese das idéias amadurecidas durante a fase do modernismo brasileiro.

Contra esses manifestos e processos ideológicos divulgou-se, em 1929, o Manifesto do Verde-amarelismo. Nele pode ser encontrado um discurso baseado no nacionalismo cultural e político, inserido no contexto de ascensão aos movimentos totalitários europeus e inspirado nesses regimes autoritários em que o nacionalismo desse grupo mostra sua ação, pois para os intelectuais envolvidos, a estrutura republicana é incompatível com seus ideais de defesa. Um dos principais defensores desta ideologia era Plínio Salgado.

Plínio Salgado encontrou no grupo verde-amarelo uma concepção de nacionalismo, mas para ele algo mais era necessário. Por isso funda o grupo Anta: “uma espécie de ala esquerda do verdeamarelismo” 8 sendo o ultra-nacionalismo levado ao extremo no qual se tornaria a base para a fundação da Ação Integralista Brasileira, grupo político criado pelo próprio Plínio Salgado em 1932:

Pode-se, pois, legitimamente concluir que o engajamento literário representou uma experiência mais crucial para Salgado do que sua participação em atividades políticas. Primeiramente, porque o modernismo conduz toda uma geração a tomar consciência de que, para encontrar a identidade nacional, é preciso rejeitar os moldes estéticos e literários europeus, fonte de alienação cultural das elites. Além disto, porque esta nova consciência deve ser alimentada por um nacionalismo realista, fundado na exaltação do índio, da nova raça em formação e das potencialidades da Nação, para fazer face ao nacionalismo romântico, idealizador do ‘bom selvagem’ literário e influenciado pela cultura européia. Enfim esta consciência nacionalista adquire um significado político na medida em que o movimento

5

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cutrix, 1994, p.303.

6

idem, ibidem, p.303.

7

idem, ibidem, p.303.

8

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modernista, colocando em causa as elites tradicionais, ameaça o sistema dominante. Neste contexto, a literatura e a política interpenetram-se.9

A defesa do nacionalismo é a principal marca da obra de Plínio Salgado, ocorrendo de maneira real no ano de 1926 quando lança a sua primeira grande obra: O estrangeiro, em que repercussões literárias e políticas serão observadas como em poucos momentos da História da Literatura Brasileira. O autor adota um tom messiânico afirmando ser uma das pessoas com o objetivo de salvar e defender o povo brasileiro:

Em abril de 1926, publicou-se o romance; nunca mais abandonei esta batalha. O drama de meu povo apoderou-se de mim. As dores, os misteriosos tumultos de uma sociedade em formação, as lutas políticas, os caldeamentos étnicos, cosmopolitismo e nacionalismo, civilização artificial e instintos bárbaros da floresta, angústias do pensamento e vagas ansiedades coletivas, tudo isso constituiu, dia a dia, uma orquestra perene que me empolgava no turbilhão de músicas estranhas. Esgotando-se a primeira edição do O estrangeiro em vinte dias, meus amigos comemoraram esse fato, oferecendo-me em bronze o personagem do romance que encarnava o espírito imortal da Terra Jovem.10

A obra literária de Plínio Salgado não é mais do que a ilustração da doutrina nacionalista. O que sustenta os romances que são justamente as ideologias políticas do autor, uma sociedade baseada no nacionalismo político era o único caminho para o povo brasileiro:

Nacionalismo não é um simples culto de bandeira, nem pode ser apenas o Hino Nacional. Não é a marcha batida das manifestações militares. Não é a devoção feiticista das formas exteriores da Pátria Política. Nacionalismo é visão total do país e é, ao mesmo tempo, a consciência particular de cada caráter e de cada tendência [...] O nacionalismo não pode ser apenas um culto ideal e político [...] Não temos tido no Brasil uma compreensão exata do nacionalismo. Nós nos temos limitado a adoração lírica da Bandeira e aos vivas seguidos do Hino Nacional. Pois todas as nossas atitudes tem sido anti-nacionalistas.11

No marco inicial do movimento integralista, o Manifesto de outubro de 1932, Plínio Salgado expôs com clareza seus propósitos para o Brasil. O romancista e político deixava muito claro o desejo ideológico: a defesa de uma política nacionalista baseada no conservadorismo, tendo a manutenção da propriedade como forma de organização social, a aversão ao cosmopolitismo para a defesa de uma sociedade forte e organizada dentro de um contexto tradicionalista.

No discurso de Plínio Salgado, o ponto de destaque é a defesa do nacionalismo, em que o autor não aceita a existência de uma dependência cultural, realiza uma grande luta ideológica

9

TRINDADE, Hélgio. Integralismo: O fascismo brasileiro da década de 30. Porto Alegre: Difel/UFRGS, 1979, p. 48.

10

SALGADO, Plínio. op.cit., 1935, p.5-6.

11

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contra a ameaça imperialista cosmopolita que cerca o Brasil e para isso cria um movimento nacionalista que tem sua base nessa mesma cultura exterior que demonstra aversão.

A primeira obra literária de Plínio Salgado: O estrangeiro é considerada a precursora do movimento modernista verde-amarelo e a base de todo o pensamento pliniano. Nesse primeiro romance, o seu forte pensamento político ainda estava sendo cristalizado. Portanto, é possível notar, já aí, um expressivo nacionalismo, que será a ideologia de inspiração do movimento integralista. Neste primeiro romance, verifica-se o encontro do autor com sua ideologia política: “O meu primeiro manifesto integralista foi um romance. Quatro anos levei a meditá-lo e a escrevê-lo, desde uma luminosa manhã de setembro em que viajei pelo sertão paulista, onde o Tietê explode nas pedreiras do Avanhandava.” 12

Os trabalhos acadêmicos na área de História que se dedicam a uma análise literária têm avançado muito nos últimos anos. Por isso mesmo é necessário aprofundar e aperfeiçoar as discussões teóricas e metodológicas que envolvem tal estudo.

A literatura, na análise de Adriana Facina, pode ser utilizada como fonte de estudo da sociedade, pois cada obra é fruto do seu tempo, sendo o escritor também produto de sua época e de sua sociedade: “toda criação literária é um produto histórico produzido numa sociedade específica, por um indivíduo inserido nela por meio de múltiplos pertencimentos.”13

Assim, deve-se questionar a idéia de uma literatura, vista por uma ótica idealista que a enxerga como autônoma em relação a sua produção. “Não se trata de negar a existência do talento individual [...] do criador [...] mas considerá-lo parte da dinâmica social.” 14

Segundo o crítico literário Wilson Martins, os romances de Plínio Salgado podem ser analisados como um fenômeno da historiografia literária nacional. Suas obras, que têm como objetivo central a política brasileira, servem de parâmetro para compreender o pensamento autoritário e nacionalista de Plínio Salgado.15

Em O estrangeiro Plínio Salgado procede uma busca do nacionalismo como o valor autêntico. De acordo com ele, a sociedade sofre alienação, pois não consegue perceber a verdadeira ruptura desta busca; por isso, os heróis problemáticos16 do romance, Ivan e Professor Juvêncio, tentam promover uma ruptura com a sociedade, mas como ela de maneira equivocada, não alcança o objetivo.

12

SALGADO, Plínio. op.cit., 1935, p.5.

13

FACINA, Adriana. Literatura & Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p.10.

14

idem, ibidem, p.10.

15

MARTINS, Wilson A literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1978. v.6, p.249.

16

Conceito desenvolvido pelo sociólogo Lucien Goldmann. Conferir: GOLDMANN, Lucien. A sociologia do

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O escritor utiliza, como forma narrativa, o jogo de contrastes entre o sertão, onde está a autenticidade nacional, protegido da influência estrangeira e o nacionalismo defendido pelo mestre-escola Juvêncio, que encontra barreiras para desenvolver suas aspirações políticas devido à contaminação da política local. Aliás, esse personagem é colocado como sendo uma representação do próprio autor. Demonstrando apego aos valores autênticos, Juvêncio acaba não se transformando em herói, por não achar o momento, o que leva o leitor a pensar que ainda não é chegado o tempo. O tempo de transformar o professor Juvêncio em herói e este só ocorreria no momento da implantação do Estado Integral, que é a base do Integralismo. Na verdade, o herói seria o próprio Plínio Salgado.

A obra é um romance dentro do romance realizado pelo mestre-escola, o que é desvendado somente na última página. A montagem da narrativa gira em torno de um imigrante bem sucedido pelo trabalho árduo e hábitos de poupança que enriquecem. A história de Ivan, personagem que divide a posição central do romance com o professor Juvêncio, segue os caminhos dos milhões de europeus expulsos de sua terra. Militante revolucionário perseguido pela polícia czarista introduz a figura do outro entre os imigrantes, já que é o único russo entre os italianos.17

O estrangeiro Ivan é colocado como um elemento dissonante no conjunto dos imigrantes, pois não foge da fome, mas da perseguição política e da morte certa. O romance narra a chegada dos imigrantes a Santos, onde Ivan é incorporado a um grupo de trabalhadores e levado ao interior de São Paulo, escutando de um fazendeiro que: “para a lavoura, os russos não prestam. Vadios e indolentes. Além do mais, anarquistas”.18 Deixa claro que o trabalho nas lavouras deve ser feito unicamente pelos italianos.19

O russo, que realmente não “dava para a lavoura”20, faz-se amigo de Juvêncio, diretor das Escolas Reunidas, que ensina ao moscovita os segredos do Brasil em lições de nacionalismo. Ivan deixava de ir ao cafezal, com freqüência, para procurar Juvêncio no vilarejo.

Carmine Mondolfi economiza, compra terras e torna-se a figura central da colônia. Ajuda a fundar a sucursal da escola Dante Alighieri, reduto e símbolo da italianidade. Juvêncio resolve “fazer concorrência a Dante Alighieri, disposto a tudo, a um combate sem tréguas, violenta, arrasadora guerra de extermínio”.21 Para ele, era preciso opor o espírito nacional à prosperidade da colônia italiana. Major Feliciano, oposicionista sistemático, também não admitia que estrangeiros governassem. Ivan deixa a fazenda e vai para Campinas trabalhar de

17

SALGADO, Plínio. O estrangeiro. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1936, p.16.

18 idem, ibidem, p.21. 19 idem, ibidem, p.22. 20 idem, ibidem, p.31. 21 idem, ibidem, p.55.

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contramestre em uma fábrica. Voltava, às vezes, para trocar idéias com Juvêncio e visitar o amigo Carmine.

Alcança, depois, a condição de industrial, ajudado por seu antigo patrão, o Pantojo, conseguindo a situação de patrão independente. Em São Paulo, Ivan angustia-se com sua nova condição: a fábrica prosperava e “o industrial matava o homem”.22 Vivendo entre a aristocracia paulistana, sentia-se de novo na Rússia da qual fugira. Ivan carrega em seu íntimo o destino maldito que se anuncia sorrateiro desde as páginas iniciais do romance. Misto de sonhador e cientista fará de sua fábrica o laboratório de observações das reações provocadas pelo individualismo.

Durante uma greve geral em São Paulo, os operários da fábrica de Ivan não aderem ao movimento, fiéis ao chefe, por receberem melhores salários e serem mais bem tratados, sendo ”quase sócios”23. Diante dessa atitude, os sentimentos de Ivan são contraditórios: “compreendeu que interpretara o sentido messiânico da Terra Jovem e, com ele, criara, na sua fábrica, um pequeno mundo de embaladores egoísmos”.24 Com seus operários sofre amarga decepção – decepção contraditória por ser ao mesmo tempo expressão se sua personalidade dúplice. Confirma os resultados previsíveis daquilo que ele intencionalmente plantara: a traição expressa na ausência de solidariedade de classe dos seus trabalhadores na situação de greve.25 Em passagem por São Paulo, o professor Juvêncio é confidente das preocupações de Ivan e do rumo que sua fábrica ia tomando.

Ivan, em um delírio, imagina-se dividido em vários sósias de características diferentes, mas todos o mesmo homem. Os sósias querem saber de Ivan quem ele é afinal. “Sentia-se o homem anulado por todos os personagens criados pelo demônio da sua própria inteligência”.26 No sertão, Juvêncio, numa atitude extrema, estrangula papagaios que havia dado de presente a Carmine e que, por isso, aprenderam a cantar a Giovinezza, hino fascista de Mussolini. O professor apanha maleita e emagrece entre crises de febre e tremedeira, mas continuava ensinando os pequenos caboclos.

O mestre-escola Juvêncio-autor afirma, no final do livro, que “sentia que pusera muito de si mesmo em Ivan [...] A face ignorada da sua inviolável personalidade. [...] Não serei eu uma criação de Ivan? Justamente por ser eu o seu contraste? Existo eu, ou existe Ivan?“.27 Os dois homens compunham estados de espírito diferenciados e complementares. Juvêncio matara Ivan, seu duplo, por não poder levar adiante a trajetória da recusa do ideal da boa sociedade. 22 idem, ibidem, p.119. 23 idem, ibidem, p.125. 24 idem, ibidem, p.129. 25 idem, ibidem, p.152. 26 idem, ibidem, p.224. 27 idem, ibidem, p.285.

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Plínio Salgado adoece mortalmente Juvêncio por considerar não ter chegado o momento da força obscura revelar-se na lucidez das consciências. Na mensagem política do romance tem-se a expressão da sugestão do futuro possível da identidade nacional, promovendo a aversão constante ao estrangeiro. O romance é considerado uma excelente introdução ao pensamento integralista no Brasil, sendo antes de mais nada um panfleto nacionalista, racista e xenófobo.

Ivan, que para Plínio Salgado é a síntese de todos os seus personagens28, é colocado pelo autor como um verdadeiro representante da sociedade brasileira, demonstrando ao longo da obra apatia e desilusão com o Estado brasileiro. Aliás, a crítica à sociedade brasileira é explícita em vários momentos da obra, como no momento da morte de Nhô Indalécio, que morre de desgosto por não conseguir desafiar o poder existente.

A defesa do nacionalismo é a principal marca da obra, que passa a ser o valor autêntico de Plínio Salgado, sua busca insaciável. Coloca no professor Juvêncio e no russo Ivan suas aspirações e desejos para o Brasil. O nacionalismo latente está presente no mestre-escola, personagem com o qual mais se identificava o personagem central Ivan, que também deve ser colocado como representante da nacionalidade de Plínio Salgado.

A presença de Plínio Salgado no nacionalismo do professor Juvêncio é visível, devido às suas ações e pensamentos. O tema nacionalista é marcado no texto em uma ação extremamente radical do professor, quando ele estrangula papagaios que haviam aprendido com seus antigos donos a repetir o hino fascista, ato inaceitável para Juvêncio (Plínio Salgado), não pelo fascismo em si, mas pela presença de uma cultura estrangeira em território nacional. Sem dúvida, o nacionalismo é o tema central da obra. O ato extremo do professor representa a alucinação integralista em torno da cultura da autonomia: criar algo totalmente independente e exclusivamente brasileiro era a meta de Plínio Salgado; seu grande sonho era o de criar uma cultura, uma civilização genuinamente brasileira.29

O romance O estrangeiro passa a servir de base para a compreensão do pensamento político doutrinário expresso no Manifesto de outubro de 1932. Como o principal objetivo de Plínio Salgado era a defesa do nacionalismo, ele buscou em seu primeiro romance uma definição poética de Pátria: “Pátria é a voz do País saindo pela boca do Homem.30 Ainda no romance: “É um misterioso idioma que se conversa com a terra e com as estrelas. Só o entende quem sofreu e sentiu, no país, teatro de sua vida, debaixo dos astros, confidentes do seu coração”31

28

idem, ibidem, p.8

29

VASCONCELLOS, Gilberto. Ideologia curupira: análise do discurso integralista. São Paulo: Brasiliense, 1979, p.79.

30

SALGADO, Plínio. op.cit., 1936, p.46.

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Plínio Salgado se mostra apreensivo e angustiado com a sociedade moderna em decomposição: materialista, agnóstica, dominada pela ambição, sem noção da caridade cristã, da responsabilidade pessoal e do cumprimento dos deveres, inteiramente desprovida do sentimento de Pátria. No romance, o escritor define a pequena cidade de Mandaguary como uma cidade de conspirações, onde tudo se acomodava aos interesses de cada um. Os cidadãos submetiam-se às vontades e aos caprichos dos chefes regionais, tornando o ambiente propício para a destruição da nacionalidade, porque tudo para o brasileiro se resumia a uma questão de oportunidade.

O nacionalismo está ao lado da aversão ao cosmopolitismo, pois este é, para Plínio Salgado, o responsável pelos problemas brasileiros. O professor Juvêncio explica tal posição:

As grandes cidades, dizia, não possuem traços diferenciais. Que semelhança existe entre São Paulo, Nova York, Paris ou Londres? Mas uma aldeia da França é profundamente diversa da vila brasileira, da povoação lusitana, dos lugarejos perdidos nos recessos de outros paises. [...] O mestre, disse num discurso de fim de ano construirá a Nova Pátria e será a atalaia vigilante sobre a dominação estrangeira.32

Como se observa nestas citações, a obra literária de Plínio Salgado não está desvinculada de seu pensamento político. O autor teve como objetivo colocar em seus romances a ideologia e o pensamento político existentes no momento em que fazia literatura, ou o seu desejo para o desenvolvimento da sociedade brasileira. Em O estrangeiro, observa-se que o autor traçou os problemas da sociedade brasileira. A trama coloca em relevo dois temas que preocupam Salgado nesta época: a fusão étnica e o nacionalismo que é a base do pensamento político que será desenvolvido na década de 30 através da Ação Integralista Brasileira.

Referencias Bibliográficas

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CHASIN, José. O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hiper-tardio. Belo Horizonte: Una, 1999.

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DOREA, Augusta Garcia. O romance modernista de Plínio Salgado. São Paulo: IBRASA, 1978.

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MARTINS, Wilson A literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1978. v.6.

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SALGADO, Plíno. Despertemos a nação! Rio de Janeiro: José Olympio, 1935. ______. Manifesto de outubro de 1932. São Paulo: Voz do oeste, 1982.

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