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O Caso Londres 38: um estudo sobre a repressão política no Chile.

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Academic year: 2021

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Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

O Caso Londres 38: um estudo sobre a repressão política no Chile.

Romané Landaeta Sepúlveda1 e Mónica Sol Glik2 Palavras-chaves: Violência; Gênero; Reparação. ST 42 – Gênero, violência e direitos humanos Introdução

Este trabalho objetiva investigar a sociedade chilena no período da pós-ditadura, identificando as formas de narração de um passado recente que as vítimas e sobreviventes do regime militar do ditador Augusto Pinochet elaboraram em seus testemunhos, procurando conhecer em profundidade parte dessa violência de Estado, que aconteceu no Chile durante dezessete anos. Através de pesquisas nos arquivos produzidos durante a transição chilena, especialmente os informes da Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación (1991) e Prisión Política y Tortura (2004), nos interessa analizar, dentre os mais de mil recintos de detenção e tortura que se implementaram no Chile, relatos sobre a Londres 38, localizada bem no centro cívico desse país e que pode ser resgatada do anonimato graças aos testemunhos de sobreviventes.

A particularidade desse recinto de tortura está no fato dele ter sido instalado no coração urbano e republicano do Chile e, paradoxalmente, ter sido declarado em 2005 como Monumento Histórico pelo Estado chileno. Parte da arquitetura do horror que foi se tecendo no Chile, bem como no Cone Sul da América Latina, permite realizar uma análise de gênero dentro daquilo que significou uma violência de Estado na região, na medida em que esta se exerceu de diferentes formas para mulheres e homens. Também nos interessa enfatizar essa vertente analítica, em que o exercício dinâmico de ir desde o presente até o passado refletindo sobre o tipo de democracia que tinham aqueles países que experimentaram situações traumáticas e os mecanismos através dos quais foram se pagando aquelas contas pendentes com a cidadania em seu conjunto.

Antecedentes

As profundas lesões que se desdobraram dentro do período em estudo, apresentam uma complexa trama, em que variados ângulos de análise apontam resultados similares: a fratura e a quebra de uma sociedade. É a partir daí que nos interessa analisar como, dentro daqueles acontecimentos traumáticos, a sociedade chilena experimentou a ditadura militar e a perda de todos os seus direitos, como a fisionomia dessa sociedade se viu alterada, já que chilenas e chilenos tiveram que incorporar em sua linguagem cotidiana e em seu imaginário coletivo a existência de centros de detenção em que centenas de pessoas eram ingressadas por suas idéias políticas

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associadas à Unidade Popular (UP), cujo líder presidente era Salvador Allende Gossens. Não foram poucos aqueles avizinhados nos centros de detenção, nos quais a arquitetura do horror ganhava milhares de vítimas. É interessante adentrar o estudo desses espaços, que foram transformados em lugares de detenção ilegal, e, através de várias análises, pesquisar a geografia da brutalidade implantada desde os primeiros dias do golpe de Estado, que desde o início se expandiu devido à impunidade sobre a qual foi se construindo.

Fechou-se o Congresso. Os partidos da UP foram proibidos. Impôs-se um toque de recolher noturno que durou vários anos. Os jornais e as revistas de esquerda desapareceram das bancas. Uma longa lista de funcionários da administração pública foi consensualmente exonerada.3

A imagem do Chile foi drasticamente desmanchada, o Palácio do Governo destruído, o presidente morto, e milhares de pessoas desapareceram. Em conseqüência, a fisionomia do país mudou radicalmente. “Nos primeiros momentos da derrocada do governo do presidente Salvador Allende G., o 11 de setembro de 1973, recorreu-se a bandos militares” 4 , através dos quais se informava à população das medidas adotadas, e se solicitava a candidatura voluntária de homens e mulheres aos quartéis policiais mais próximos. 5

Esses fatos dramáticos levaram a uma mudança involuntária da imagem do Chile, pois nunca a casa da moeda havia estado em chamas, e muitos edifícios construídos durante a Unidade Popular, como aquele construído em 1972 para ser a sede da Terceira Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD III).

Uma vez terminada a reunião, o edifício passou, por decisão do Executivo, a se chamar

Centro Cultural Metropolitano Gabriela Mistral, um espaço aberto ao público. Nele foram

organizadas exposições de arte, montadas peças teatrais e espetáculos de dança que podiam ser assistidas gratuitamente.6

Com o incêndio do Palácio Presidencial, foi rebatizado pela Junta Militar como Edifício Diego Portais, onde funcionou a sede de governo até 1981, data em que a Junta de Governo se transfere novamente ao Palácio da Moeda.

Os clandestinos centros de detenção e tortura que golpearam o país outorgaram um valor agregado a certos lugares. Anos depois, com a ajuda de sobreviventes, esses locais se transformaram em fontes valiosas para poder procurar as pistas de pessoas presas ilegalmente. É grande a quantidade de vítimas da ditadura que, de acordo com os dados dos Informes Rettig (1991) e Valech (2004), foram enterradas em propriedades vizinhas a áreas residenciais que haviam sido usadas como centros de detenção e tortura, por parte do Exército e dos carabineiros do Chile, como ocorreu com a casa localizada na rua Iran 3037, em Ñuñoa, um bairro de classe média cujos moradores, anos depois, se deram conta de que seus próprios vizinhos tinham sido seus torturadores. 7

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Essas são algumas mudanças pelas quais passou a sociedade chilena e que fazem parte de um passado recente que nos interessa. Por conta da instauração da ditadura militar se organizaram no território nacional centros de detenção e tortura, utililizando-se para isso de todo tipo de recintos, dentre os quais aqueles que eram sede de grupos partidários do governo Salvador Allende adquiriram conotações especiais.

Os centros do horror: Londres 38

O Informe da Comissão Nacional sobre Prisão política e Tortura, através do Informe Valech, localizou 1.132 recintos utilizados como lugares de detenção nas treze regiões do país, singularizando “802 recintos, que são aqueles que registram um maior número de detentos ou um uso mais prolongado no tempo”8. Tal informe elabora sua análise sobre as fases de repressão identificadas pela Comissão de Verdade e Reconciliação. Assim como estabelece a primeira delas: “durante esse período, a tortura foi praticada por membros das Forças Armadas e Carabineiros, o que foi uma prática generalizada em escala nacional” ·, para esta etapa considera como ritos:

(…) o fechamento, em novembro de 1973, do centro com maior número de detentos, o Estádio Nacional; a entrada em funcionamento do primeiro recinto secreto de detenção, Londres 38; e a articulação, ainda que informal, do primeiro organismo de segurança especializado na repressão. Aparecem, conseqüentemente, dois dos traços distintivos do segundo período: a ação discreta da DINA e o funcionamento de centros clandestinos de detenção e tortura,porém sem impor a Tonica do processo repressivo 9.

Podemos inferir que ambos informes coincidem ao afirmar que a morte, a prisão política e a tortura foram uma prática institucional do Estado, o Informe Rettig sugere que “as violações dos direitos humanos cometidas pelo regime de Pinochet tem sido, de longe, as mais graves e sistemáticas da história pátria”10. O Informe Valech aponta, ainda, para esta reflexão, indicando que “a prisão política e a tortura constituíram uma política de Estado de regime militar, definida e impulsionada pelas autoridades políticas da época, o que para seu prometo e execução mobilizou pessoal e recursos de diversos organismos públicos, ditos decretos, impulsionaram a criação de leis que ampararam tais condutas repressivas” 11.

A importância destes arquivos é fundamental na hora de analisar os centros de tortura no Chile e mais especificamente na Região Metropolitana, onde nossas preocupações se centram, fundamentalmente em Londres 38, que, como havíamos mencionado, se instalou no centro cívico de Santiago. Através da análise geral dos centros de detenção e tortura no Chile, podemos identificar certos viéis, arquiteturas e formas de funcionamento que permitem reconhecer algumas particularidades, se tornam centrais no momento de analisar estes temas. O Informe Rettig expõe que existem certos mecanismos de tortura comuns que permitiram identificar às organizações repressoras, entre eles, os casos específicos de identificação dos agentes da Direção de Inteligência Nacional (DINA)12

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Londres 38, localizado no centro histórico de Santiago, próximo ao Palácio do Governo, foi a sede nos primeiros anos da década de sessenta da direção regional do Partido Socialista do Chile. Em 1975, o Estado chileno confiscou formalmente o imóvel de Javier Gutiérrez e outros, últimos proprietários legais antes do golpe de estado de 1973. Posteriormente, mediante Decreto Supremo Nº 964 de 29 de novembro de 1978, assinado por Augusto Pinochet, o imóvel foi transferido gratuitamente ao Instituto O´Higginiano, corporação de direito privado, filiada à direta chilena, que promove “conhecimento da época, vida, valores e obra de Bernardo O'Higgins”.13 Essa

situação se extendeu até 2005, ano em que foi declarado Monumento Nacional, e em que se iniciou uma batalha judicial para o imóvel ao Estado.

O centro de detenção e tortura da rua Londres 38, teve como referência de grande importância para as vítimas a Igreja de San Francisco, construção do século XVI que se localizava a menos de 500 metros desse recinto de detenção. As vítimas podiam até ouvir o som dos sinos da igreja, única forma de ter alguma referência de onde se encontravam. Conhecido na gíria militar como Yucatán, adotou nomes como Palácio de la risa14, ou La Silla15 (A cadeira), “pela forma em

que os presos eram mantidos, com os olhos vendados, pés e mãos amarrados, sentados em uma cadeira dia e noite” 16. Londres 38 é reconhecido pelos Informes Rettig e Valech, como “o primeiro

e mais importante dos recintos clandestinos utilizados pela DINA em sua ação repressiva na Região Metropolitana durante a primeira fase da ditadura militar”, corresponde a um dos 221 recintos de tortura que existiam nessa zona. A partir do momento do golpe de estado, o imóvel foi ocupado pelos aparatos repressivos do DINA tal como foi plenamente estabelecido pelas declarações de centenas de sobreviventes que constam em vários processos judiciais.

A implementação deste centro tem relação com:

as desaparições de pessoas (que) respondem a um padrão de planificação prévia e coordenação central que revelam em seu conjunto uma vontade de extermínio de determinadas categorias de pessoas: aquelas a quem se atribuíam um alto grau de periculosidade política.17

Com relação aos meses específicos de funcionamento, não existe precisão de data de início, mas aproximações temporais, questão que se poderia explicar devido ao segredo no qual se operou este tipo de recinto. Esse fato também coloca em evidência a dificuldade de cegar aos arquivos militares, muitos dos quais foram arrasados por incêndios sem causa explicada.

Respeito aos meses específicos do funcionamento, no existe precisão na sua data inicial, senão aproximações temporais, questão que se pode explicar devido ao manto secreto no qual operou este tipo de recintos. Este fato também põe em evidência a dificuldade de chegar aos arquivos militares, muitos dos quais foram arrasados por incêndios não explicados.

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Considerações finais

A pertinência de uma análise desses elementos que perpassam esses centros secretos de detenção e tortura se fundamenta na necessidade de investigar o emaranhado em que ocorre a prática de violência de Estado que se exerceu em todo o Chile. Com isso queremos enfatizar que a desaparição sistemática de pessoas está relacionada com a intenção por parte da ditadura militar de extinguir certos grupos sociais. Essa sistematização da violência adquiriu conotações especiais para mulheres e homens dentro desse cenário de horror. É interessante refletir sobre a maneira como se exerceram essas práticas de violência sobre diferentes grupos sociais, como por exemplo nos âmbitos urbano e rural, ou em grupos identificados por classe, gênero, etnia ou faixa etária. É importante perceber também como cada um experimentou essa violência com particularidade, que tem, de um lado, um dano físico, e por outro, um muito mais profundo ainda, que são as seqüelas psicológicas das vítimas. A crueldade outorgou características particulares à violência sexual, mas também às formas pelas quais esses centros exerceram poder entendido como masculino, delineado pelo Estado, já que tanto civis quanto militares estiveram envolvidos nessas práticas. As marcas dessa violência não foram somente gravadas nos corpos, mas nos modos de perceber o mundo.

1 Licenciada en Historia, Master em Estudos de Género e Cultura, Master en História Contemporânea, Doutoranda em História Contemporânea, Universidade Autónoma de Madrid. Com o apoio do Programa Alban, Programa de Bolsas de Alto Nivel da União Europeia para América Latina, bolsa Nº E06D100736CL.

2Máster em História Contemporánea

3 COLLIER, SIMON.: Historia de Chile, 1808-19994, Cambrigde, Cambrigde University Press, 1998, p. 307. 4BRIAN, L. Y LIRA, E.: Arquitectura política y seguridad interior del estado 1811-1990. Recopilación e

interpretación. Fuentes para la Historia de la República, Vol. XIX, Centro de Investigaciones Diego Barros Arana, Santiago de Chile, ed. Dibam, 2002, p. 319.

5 Ibid. De acuerdo al Decreto Ley N ° 81 de 1973, “Establece las sanciones para quienes desobedezcan el llamamiento público de presentarse ante las autoridades que, por razones de seguridad del Estado, formule el Gobierno y para los que reingresen al país restringiendo las disposiciones que señala.” p. 352.

6 Diario La Nación, Santiago de Chile 05 de marzo de 2006.

7 En el Documental “Cruel Separación” de la directora británica Sara Boston, 2004, reúne el testimonio de cuatro mujeres con un pasado común: todas fueron detenidas y torturadas durante la dictadura de Augusto Pinochet y sus maridos murieron víctimas de la represión del régimen militar. En él Ángela Jeria, madre de la actual presidenta de Chile, Michelle Bachelet, relata el encuentro en el ascensor de su edificio con el que había sido su torturador. 8 CORPORACIÓN NACIONAL DE REPARACIÓN Y RECONCILIACIÓN.: Informe de la Comisión Nacional de

Verdad y Reconciliación, Santiago, Gobierno de Chile, 1991, p. 14.

9 Ibid.

10 COMISIÓN CHILENA DE DERECHOS HUMANOS.: Nunca más en Chile, Síntesis corregida y actualizada del

Informe Rettig, Santiago, LOM ediciones, 1999, p. 6.

11 Síntesis Informe de la Comisión Nacional sobre Prisión Política y Tortura, en http://www.gobiernodechile.cl/noticias/detalle.asp?idarticulo=18902, p. 9.

12 Creada por Decreto Ley N° 521, el 14 de junio de 1974. ver LOVEMAN, B. Y LIRA, E.: Arquitectura política y

seguridad interior del Estado 1811-1990, Santiago, Dibam, 2002.

13 www.institutoohigginiano.cl

14 El Informe Valech, da cuenta que el antiguo Hospital Naval de Punta Arenas, utilizado también como centro de detención y tortura, a cargo del Servicio de Inteligencia Militar (SIM) en la XII región de Chile, se conoció como “Palacio de la Sonrisa”, p. 258. En Valdivia X región, también existió otro “Palacio de la risa”, en el Cuartel del SIM. COMISIÓN NACIONAL SOBRE PRISIÓN POLÍTICA Y TORTURA.: Informe sobre Prisión Política y Tortura, Santiago, Gobierno de Chile, 2004, p. 283.

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15 El Informe Valech, da cuenta que el antiguo Hospital Naval de Punta Arenas, utilizado también como centro de detención y tortura, a cargo del Servicio de Inteligencia Militar (SIM) en la XII región de Chile, se conoció como “Palacio de la Sonrisa”, p. 258. En Valdivia X región, también existió otro “Palacio de la risa”, en el Cuartel del SIM., Ibid., 283.

16 Ibid, 301.

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