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2 Referencial teórico

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Esta revisão da literatura tem o objetivo de abordar: o consumo, novas tendências no comportamento do consumidor (os anticonsumidores) e o movimento da Simplicidade Voluntária (que representa um tipo de anticonsumo), para tecer um panorama sobre os estudos existentes sobre um grupo de consumidores que busca reduzir seu consumo, adotando diferentes práticas.

Para selecionar os artigos a serem utilizados na revisão da literatura, foi realizada busca em periódicos listados no JCR (Journal Citation Reports) e no Qualis classificado nas categorias A1, A2, B1 e B2. Foram selecionados periódicos que estavam dentro do tema de Administração em Geral, da área de Marketing e de Psicologia, cobrindo o período dos últimos 10 anos. Também foram selecionados artigos publicados em anais de congressos nacionais (EnANPAD e de Encontros de Marketing da ANPAD). A lista de periódicos e congressos consultados encontra-se no Anexo 1.

Em cada artigo selecionado também foram consultadas várias de suas referências bibliográficas. Dessa forma, a quantidade dos periódicos analisados foi ampliada.

Tendo em vista obter abordagem mais interdisciplinar, também foram consultados livros e artigos científicos relevantes nas áreas de Ciências Sociais sobre os temas Consumo, Anticonsumo e Simplicidade Voluntária.

2.1.

Consumo

A sociedade tem sido chamada de “sociedade de consumo” por diversos autores (ROCHEFORT, 1995; GOODWIN, et al., 1997; LERMAN e MAXWELL, 2006; BAUDRILLARD, 2008; BAUMAN, 2008).

Em 1959, Levy publicou o artigo Symbols For Sale, que aborda o consumo como algo simbólico. Produtos deveriam ser entendidos pelas empresas como uma venda de símbolos e de significados, e não somente como algo com apenas características utilitárias, sua função de uso ou a qualidade e preço: “Pessoas

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compram coisas não somente pelo que elas podem fazer, mas também pelo que significam” (p. 118). Baudrillard (2008) também citou a utilidade do produto, abrindo espaço para a sua significação. McCracken (1986) considerou que “os bens de consumo têm significados que vão além de sua característica utilitária e seu valor comercial” (p. 71).

Para Levy (1959), os significados podem ser tanto pessoais quanto sociais. Os indivíduos irão comprar produtos cujos símbolos são apropriados e atraentes, segundo suas percepções e às de grupos com que interagem ou querem interagir. Ao comprar algo, o consumidor deseja passar alguma imagem sobre si próprio. O produto escolhido será o que melhor refletir o autoconceito do indivíduo (LEVY, 1959; BELK, BAHN e MAYER, 1982; SOLOMON, 2011). Muitas pessoas evidenciam suas identidades (o seu “eu”) por meio de bens materiais (BELK, BAHN e MAYER, 1982; BELK, 1988).

Como símbolos são uma maneira de se distinguir na sociedade, ao adquirir um produto, o consumidor está adquirindo um símbolo para se diferenciar, de alguma forma (LEVY, 1959; BOURDIEU, 2004; BAUDRILLAD, 2008).

De acordo com Baudrillard (2008):

“O processo de consumo pode ser analisado nesta perspectiva sob dois aspectos fundamentais: 1. Como processo de significação e de comunicação (...). 2. Como processo de classificação e de diferenciação social (...).” (p. 66).

Hoje, a cultura é pautada no consumo, na aquisição e na posse de bens (FITCHETT, 2002; SHAW e NEWHOLM, 2002; DURVASULA e LYSONSKI, 2010) e a produção de bens tem sido feita de maneira cada vez mais rápida, aumentando ainda mais o consumo e gerando consumismo (ABELA, 2006; BAUDRILLARD, 2008).

“Vivemos o tempo dos objetos: quero dizer que existimos segundo seu ritmo e em conformidade com a sua sucessão permanente. Atualmente, somos nós que os vemos nascer, produzir-se e morrer, ao passo que em todas as civilizações anteriores eram os objetos, instrumentos ou monumentos perenes, que sobreviviam às gerações humanas.” (BAUDRILLARD, 2008, p.14). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

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Como Baudrillard (2008) sublinhou: “À nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência fantástica do consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos objetos, dos serviços, dos bens materiais” (p. 13), o que caracteriza a nossa sociedade de consumo, onde há valorização de bens supérfluos, do materialismo e a promessa da felicidade, como se o consumo fosse uma espécie de “salvação” (BAUDRILLARD, 2008, p. 49). Para Baudrillard, “a lei do valor simbólico, faz com que o essencial esteja sempre além do indispensável” (2008, p. 42).

Baudrillard (2008) cita Nietzsche: “a regra é antes a luta pelo poder, a ambição de ter mais e melhor, mais depressa e muito mais vezes” (p. 42), uma compulsão por consumir e que faz com que a satisfação do consumidor dificilmente seja completa, sempre ansiando por mais. Nos dias de hoje, há autores que pesquisam se a quantidade de opções de bens faz com que os consumidores se sintam satisfeitos, visto que enquanto alguns sugeriram que muitas opções podem causar nos consumidores redução da vontade de comprar, outros apontaram que diversas opções facilita a compra pelo consumidor (SCHEIBEHENNE et al., 2010).

Baudrillad (2008) mencionou as consequências negativas da sociedade de consumo: prejuízos causados à sociedade, pela poluição, pelo desperdício, pela degradação do meio ambiente, e até a insegurança – originada por instabilidade do emprego e estresse.

Esse misto de pontos positivos com negativos é o paradoxo da sociedade do consumo. “A multiplicidade de fenômenos discordantes (abundância, euforia, depressão) que, em conjunto, caracterizam a sociedade de consumo” (BAUDRILLARD, 2008, p. 250), podem ser vistos na realidade atual.

Apesar de o consumo prometer felicidade, realizações e até a salvação, há pontos negativos por ele gerados e que têm sido temas de reflexões de pesquisadores e dos próprios consumidores (BAUDRILLARD, 2008).

2.2.

Anticonsumo

A partir do artigo de Peñaloza e Price (1993), o tema de resistência ao consumo passou a ser mais conhecido. No artigo é citada a definição de Poster, referindo-se ao anticonsumo como o “modo com que os indivíduos e os grupos

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praticam uma estratégia de apropriação em resposta a estruturas de dominação” (p. 123), levando-se em conta o consumo como estrutura de dominação. A resistência ao consumo pode se manifestar de diversas maneiras, desde comportamentos individuais até atuações em grupo (IYER e MUNCY, 2009).

O anticonsumo vem chamando a atenção e tem potencial de crescimento (SCHOR e HOLT, 2000). O periódico Journal of Business Research, Journal of Consumer Behaviour e European Journal of Marketing publicaram recentemente edições especiais sobre o tema. Em 2005, foi criado o The International Centre for Anti-consumption Research (ICAR) com mais de 50 afiliados em diferentes países e promove periodicamente simpósios para reunir os estudiosos sobre o assunto (ICAR, 2010).

Anticonsumo, no sentido literal, significa contra o consumo (LEE et al., 2009a), não sendo sinônimo de consumo alternativo, consciente ou verde e não consiste em estudar sustentabilidade ou ética. Diz respeito às razões contra o consumo, as motivações para evitar a compra de produto ou marca (LEE et al., 2009a).

Cherrier (2009a) relatou que há pesquisas sobre anticonsumo que utilizam os termos rebelião do consumidor, resistência ao consumo, boicote, movimentos contra-cultura, consumo ético, não consumo ou consumo emancipado. Cherrier et al. (2011) observaram que existem autores que diferenciam os conceitos entre esses termos. Há outros que abordam o anticonsumo como sendo uma atitude individual (ligada ao consumo de identidade) e a resistência ao consumo como um comportamento coletivo, que demanda mudança de sistema (GALVAGNO, 2011). Outros ainda consideram a resistência ao consumo como algo radical (ativismo político) e o anticonsumo como sendo menos radical (PENTINA e AMOS, 2011). Porém, a fronteira não está clara e os conceitos muitas vezes se sobrepõem.

Lee et al. (2009a) consideraram que o anticonsumo pode ser motivado por razões pessoais (internas) e razões ligadas à sociedade e ideologias (externas). Um exemplo de razão externa foi estudado por Hoffmann e Müller (2009): o boicote de indivíduos a uma empresa multinacional que realocou sua subsidiária de um país industrializado para um país subdesenvolvido. Outros autores (KOZINETS e HANDLEMAN, 2004; SANDIKCI e EKICI, 2009; RUSSEL et al., 2011)

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Existem estudos sobre as motivações para o anticonsumo que abordam a resistência a uma determinada marca. Lee et al. (2009b) citaram algumas razões para esse tipo de resistência: experiências negativas do consumidor com a marca, falta de congruência entre significados da marca e o que o consumidor procura, e questões de caráter ideológico, como ações antiéticas de uma empresa.

Iyer e Muncy (2009) sugeriram que motivações podem ser pessoais ou ligadas à sociedade, podendo haver o anticonsumo de produtos em geral e/ou o anticonsumo de uma marca específica (Tabela 1).

Tabela 1: Os quatro tipos de anticonsumidores

Razões do Anticonsumo

Interesses sociais Interesses pessoais Objeto do Anticonsumo Geral (Consumo em geral) Consumidores preocupados com o impacto global Consumidores adeptos da vida simples Específico (Marcas Individuais ou Produtos)

Ativistas do mercado Consumidores antileais

Fonte: Iyer e Muncy (2009, p. 161)

Os consumidores preocupados com o impacto global têm interesse em reduzir o consumo como um todo, acreditando que estão beneficiando a sociedade e o ecossistema. Para eles, o atual nível de consumo é prejudicial à sociedade e ao meio ambiente, havendo desequilíbrio material e diferenças de classes sociais, com países ricos em contraste com nações pobres (IYER e MUNCY, 2009).

Os consumidores adeptos da vida simples têm interesse em diminuir o alto consumo pela simplicidade. Para eles, o alto nível de consumo resulta em consequências indesejáveis para a sociedade. Esse grupo pode estar associado a crenças éticas ou espirituais e à busca de uma vida feliz através do consumo de somente o que é necessário (IYER e MUNCY, 2009).

Os ativistas utilizam seu poder de consumidor para influenciar a sociedade. Evitam utilizar uma marca específica por julgarem que ela causa problemas à sociedade ou ao meio ambiente (IYER e MUNCY, 2009). Krishnamurthy e Kucuk (2009) deram exemplos de ativistas: aqueles que criam um website antimarca (chamado anti-brand hate site), que foca em aspectos negativos da

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marca, para incentivar o anticonsumo e ações coletivas. A internet facilita as ações dos ativistas para a promoção de boicotes (SEN et al., 2001; KRISHNAMURTHY e KUCUK, 2009), permitindo que entrem em contato com inúmeros indivíduos, disseminem suas mensagens e criem movimentos (KRISHNAMURTHY e KUCUK, 2009).

Os consumidores antileais evitam um produto por perceber que ele tem qualidade inferior ou por ter vivenciado uma experiência de consumo negativa (IYER e MUNCY, 2009).

Iyer e Muncy (2009) ressaltaram que a literatura sobre anticonsumo tem dado enfoque aos ativistas e antileais. Entretanto, deve ser dada atenção aos outros tipos de anticonsumidores, como os adeptos da vida simples (objetivo da presente tese) e os preocupados com impactos globais.

Roux (2005) afirmou que uma das primeiras tipologias de resistência do consumidor sugere quatro dimensões, que referem-se ao modo de resistir, mas não às motivações:

 A organização da resistência: individual ou coletiva;  A natureza da resistência: radical ou reformista;

 A intenção de continuidade: mudança do mix ou desvio de um objeto;  O grau de implicação institucional: interno ou externo.

A autora citou três dimensões da resistência (Tabela 2): o alvo (resistir a que), as táticas (como resistir) e as motivações para entrar no movimento de resistência (o porquê).

Tabela 2: Dimensões da resistência

Os alvos Antiorganizações e/ou Anticonsumo

As táticas - Nível de consciência: pré-reflexivo e/ou consciência reflexiva - Grau de individualismo: individual e/ou coletivo

- Nível de “barulho”: audível e/ou silencioso

- Nível de violência expressiva: defensiva e/ou agressiva Os motivos Emancipação e/ou Moralização do consumo

Fonte: Roux (2005, p. 7) PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

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Roux (2005) propôs um tipo de classificação das formas de resistência com base nessas dimensões. Os movimentos de protesto e boicotes representam um movimento com táticas agressivas e audíveis, com alto grau de coletivismo e moralização do consumo. Já o consumo alternativo e a Simplicidade Voluntária são voltados para menor nível de consumo e representam movimento silencioso e individual, mas ambos buscam a moralização do consumo.

Outra classificação foi proposta por Cherrier (2009a), distinguindo duas identidades de anticonsumidores: a “identidade de herói”, indivíduos que ‘levantam a bandeira’ do consumo politicamente correto e acreditam que a mudança individual na prática de consumo ajuda a mudar o mundo; e a “identidade de projeto”, pessoas que deixam de consumir para uma transformação individual.

Cherrier e Murray (2007) sugerem que a resistência ao consumo é difícil de ser adotada, pois evitar a compra de certos produtos tem custos financeiro e emocional. Porém a resistência representa um processo de reflexão pessoal e de expressão do indivíduo (CHERRIER, 2009a).

Cherrier (2009a) exemplifica dois tipos de anticonsumo: a Simplicidade Voluntária e os Adbusters Culture Jammers Headquarters. Os discursos de anticonsumo dos dois grupos reconhecem que o consumismo cria desigualdades sociais e destruição de culturas, interferindo nos valores da sociedade (CHERRIER, 2009a). O grupo dos Adbusters possui uma revista que foca no discurso antipropaganda, vista para eles como excessiva. Eles têm o objetivo de conscientizar os indivíduos em relação ao consumo (RUMBO, 2002).

Hollenbeck e Zinkhan (2006) investigaram as motivações da criação de comunidades virtuais antimarca. Foram estudadas comunidades contra o consumo de marcas globalizadas e entrevistados seus membros. Os motivos identificados para a criação dessas comunidades foram:

 Questões morais: os indivíduos veem-se como pessoas que podem mudar o mundo, alertando a sociedade sobre empresas.

 Rede de relacionamentos: reunir pessoas com interesses em comum.

 Compartilhamento de informações: troca de informações, divulgação e denúncia de ações incorretas dessas empresas.

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Outros estudos que abordaram ações anticonsumo identificaram diversas iniciativas:

 Consumidores que praticam o anticonsumo no Dia dos Namorados, combinando não trocar presentes (CLOSE e ZINKHAN, 2009).  Resistência ao consumo de determinadas marcas por razões

políticas e ideológicas, como anticonsumo a marcas de empresas globalizadas que exploram países subdesenvolvidos (DUKE, 2002; HIGGINS e TADAJEWSKI, 2002; KLEIN et al., 2004; WITKOWSKI, 2005; ETTENSON et al., 2006; SANDIKCI e EKICI, 2009; VARMAN e BELK, 2009).

 Anticonsumo de marcas hegemônicas no mercado (CROMIE e EWING, 2009).

 Anticonsumo e resistência ao consumo em prol do meio ambiente e/ou da sustentabilidade (BLACK, 2010; BLACK e CHERRIER, 2010; CHERRIER et al., 2011).

 Anticonsumo de sacolas plásticas, antes e depois da proibição de seu uso (SHARP et al., 2010).

 Movimento antivacinação devido a questões de crenças religiosas, incerteza e valorização da liberdade de escolha dos indivíduos (LEE e MALE, 2011).

 Retaliação de marcas por motivos de insatisfação, como forma de protesto e de alertar a empresa para melhorar (FUNCHES et al., 2009, p. 231).

 Consumidores que praticam a pirataria por julgarem os preços dos produtos abusivos (GARCIA-BARDIDIA et al., 2011).

 Anticonsumo de alimentos, devido aos maus tratos a animais ou à artificialidade das produções de alimentos (BETTANY e KERRANE, 2011).

 Investigação dos aspectos simbólicos do anticonsumo (HOGG et al., 2009).

 Catadores de lixo como forma de anticonsumo ideológico, de resistência ao mercado (FERNANDEZ et al., 2011).

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 Freeganismo, grupo que valoriza a redução do consumo de forma geral, o veganismo e o mínimo impacto à sociedade e ao meio ambiente. Esse grupo se originou com base nos princípios da Simplicidade Voluntária (PENTINA e AMOS, 2011).

 Reação de empresas aos movimentos de boicotes de consumidores (YUKSEL e MRYTEZA, 2009).

 Estratégias de governos para redução de consumo de tabaco e bebidas alcoólicas (PIACENTINI e BANISTER, 2009; SHIU et al., 2009).

 Anticonsumo por meio do compartilhamento e empréstimo de objetos (OZANNE e BALLANTINE, 2010).

 Boicotes de consumidores (SEN et al., 2001; JOHN e KLEIN, 2003; HOFFMANN, 2011).

Um estudo que despertou atenção do meio acadêmico foi realizado por Kozinets (2002), que conduziu uma etnografia no evento Burning Man, que ocorre anualmente nos EUA. O evento, que busca a reflexão sobre a resistência ao consumo, as práticas abusivas do mercado e a liberdade de viver e de se expressar, é realizado no meio do deserto. As pessoas reúnem-se por uma semana, para vivenciar e ter experiências “fora do mercado”. Não se pode entrar com carro: as pessoas levam bicicletas ou caminham a pé. É proibido comércio, não há compra e venda de produtos, somente trocas ou o ato de presentear uns aos outros. Há valorização de obras de arte e construções manuais, que são vistas como formas de se autoexpressar. Os indivíduos buscam significados não pelo consumo, mas por meio de trabalhos manuais, arte e trocas de presentes. Após o evento, todos precisam levar embora seu lixo, que muitos reaproveitam durante o próprio evento.

Kozinets (2002) encontra contradições, como a compra do ingresso para o evento com cartão de crédito e a observação de competição, entre alguns participantes, em relação ao ato de dar e receber presentes (se eram presentes grandes ou pequenos). As descobertas sugerem que, apesar de não se poder emancipar totalmente do mercado, há a possibilidade de chegar próximo a isso em um evento que durou apenas uma semana. Entretanto, Kozinets (2002) considera

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que um prazo maior para essa emancipação é quase impossível. Apesar disso, o objetivo do evento é alcançado, ao passar para os participantes a ideia da exploração do mercado, dos pontos negativos da propaganda e a possibilidade de se ter uma vida mais livre de padrões impostos.

No Brasil, apesar de ser um campo de estudo incipiente, existem pesquisas sobre anticonsumo. Silva et al. (2011) investigaram o comportamento dos praticantes de Parkour, uma atividade que consiste em correr e pular de um local a outro (como exemplo, pular muros e saltar obstáculos). Pode ser considerada uma atividade alternativa e os indivíduos que a pratica rejeitam padrões impostos pela sociedade. Não se importam com roupas de marcas famosas, nem com aparências socialmente impostas. Resistem ao consumo de determinados produtos, almejando vida mais independente.

Outro estudo nacional é o de Albuquerque et al. (2010), que investigou os anticonsumidores ativistas em comunidades virtuais antimarca. Os resultados apontaram que as motivações para a atuação são a preocupação com o planeta, reflexões sobre a exploração dos indivíduos pelo consumo, discussões sobre ética e marcas que não devem ser consumidas. Posteriormente, Albuquerque et al. (2011) investigaram os anticonsumidores que fazem retaliação e vingança a determinadas marcas. Os comportamentos ao retaliar uma marca seriam o ataque pessoal, cinismo, prevenção ao consumo e ameaça. Já comportamentos de vingança à marca envolveram boicote, traição, evasão da marca, ativismo e geração de perdas para a empresa.

Suarez, Chauvel e Casotti (2012) investigaram o anticonsumo focando no abandono de duas categorias de produto: automóvel e cigarro. As motivações encontradas para o anticonsumo foram o abandono contingencial, abandono posicional e abandono ideológico:

“O abandono contingencial acontece quando o indivíduo, apesar de compartilhar os significados com os consumidores da categoria, vê-se forçado a abandonar o consumo. O abandono posicional é motivado principalmente pela rejeição às associações simbólicas que o consumo proporciona. Por fim, o abandono ideológico apresenta uma perspectiva coletiva, onde o indivíduo acredita que a sociedade (e não apenas ele individualmente) deve abandonar aquele consumo” (SUAREZ et al., 2012, p. 411). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

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Rosário e Casotti (2008) conduziram um estudo sobre mulheres que não utilizam tintura para cabelos; Santos et al. (2010) investigaram indivíduos que não consomem carne vermelha.

Amine e Gicquel (2011) elaboraram um modelo sobre o que é considerado anticonsumo, buscando analisar se esse tipo de comportamento pode ser caracterizado como um comportamento desviante (algo que difere do comportamento normalmente aceito ou realizado pela sociedade). Os comportamentos são divididos em convencionais, aceitáveis, toleráveis e rejeitáveis e Amine e Gicquel (2011) consideraram o consumo como um comportamento normal no contexto da sociedade, já que faz parte das convenções sociais. No outro extremo, estão os comportamentos desviantes (crimes, roubo, vandalismo), rejeitados socialmente e os comportamentos de desvios patológicos (compra compulsiva), que, embora entendidos pela sociedade, são percebidos como doença a ser tratada.

No nível intermediário estão os chamados anticonsumidores e consumidores verdes. Para Amine e Gicquel (2011), esses comportamentos não são normais em uma sociedade (poucos o colocam em prática), porém podem ser aceitos e tolerados, pois são considerados nobres.

2.3.

Simplicidade Voluntária

Neste item serão apresentados os estudos sobre Simplicidade Voluntária. Optou-se por uma divisão na forma de apresentação dos estudos. Primeiramente, serão apresentados os estudos teóricos sobre o assunto. Em seguida, serão apresentados os estudos empíricos. Essa decisão na forma de apresentação deve-se à maior quantidade de estudos de caráter teórico existentes, já que a Simplicidade Voluntária é um fenômeno ainda pouco estudado empiricamente.

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2.3.1.

Estudos teóricos

2.3.1.1. Definições

O termo Simplicidade Voluntária teve origem na pesquisa de Richard Gregg em 1936 (ELGIN e MITCHELL, 1977a; LEONARD-BURTON, 1981), que o definiu como um estilo de vida ligado à dimensão espiritual do homem, em que o indivíduo abre mão de uma vida materialista (LEONARD-BURTON, 1981), evitando o acúmulo de posses desnecessárias (BALLANTINE e CREERY, 2010).

Um dos estudos pioneiros sobre Simplicidade Voluntária foi conduzido por Elgin e Mitchell (1977b), de natureza teórica e publicado em revista sem caráter científico. Entretanto, esse trabalho é um dos artigos seminais. Elgin e Mitchell (1977b) consideraram que a principal razão de optar por uma vida simples seria o desejo de encontrar equilíbrio ao viver de forma “aparentemente simples e interiormente rica”, representando mudança de valores (p. 2). À época da publicação, a revista foi enviada para os leitores, contendo em anexo questionários sobre hábitos de vida simples (os leitores da revista são pessoas que buscam tal estilo de vida).

Posteriormente, Elgin publicou o livro Simplicidade Voluntária classificado em livrarias como de autoajuda. O livro foi baseado nas respostas colhidas nos questionários distribuídos com a revista em 1977. Recentemente, nova edição do livro foi publicada, relacionando a Simplicidade Voluntária com um estilo de vida responsável por diminuir impactos globais e ajudar a resolver problemas ambientais (ELGIN, 2012).

Elgin e Mitchell (1977b) não consideraram a Simplicidade Voluntária como um fenômeno novo, já que, historicamente, foi adotada por líderes espirituais, como Jesus Cristo e Gandhi, e foi defendida por personalidades como Henry Thoreau (BUELL, 2005). Também citam Sócrates, que considerava que autoconhecimento e evolução estariam acima de bens materiais (CHANCELLOR e LYUBOMIRSKY, 2011). Os adeptos da Simplicidade Voluntária foram reconhecidos durante o período da Grande Depressão de 1929, quando se

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identificou a oportunidade que o grupo representava como mercado consumidor (SHAMA, 1980).

Para Elgin e Mitchell (1977b), a Simplicidade Voluntária pode representar força econômica, já que há possibilidade de crescimento dos adeptos. Por outro lado, para Phillips (1977), tal crescimento não é grande, pois a Simplicidade Voluntária é adotada apenas por pequenos grupos.

Gregg (1977) sublinhou que a simplicidade pode variar de acordo com o clima, com a cultura e com o indivíduo, não havendo um padrão: o que é simplicidade para um pode ser diferente para outro, principalmente se a comparação for entre culturas.

Leonard-Barton e Rogers (1980) também estão entre os pioneiros no estudo do tema e definiram a Simplicidade Voluntária como uma escolha consciente por um estilo de vida que maximize o controle (autocontrole), minimizando a dependência a instituições externas como governo e empresas.

Leonard-Barton (1981) definiu Simplicidade Voluntária como:

“nível em que um indivíduo escolhe um estilo de vida com a intenção de maximizar seu controle direto sobre as atividades diárias e minimizar seu consumo e dependência” (p. 244).

Esse estilo de vida é adotado voluntariamente por pessoas com condições financeiras para consumir itens de luxo, mas que resolvem abdicar disso para ter um estilo de vida com consumo reduzido (LEONARD-BURTON, 1981).

Estilo de vida está relacionado a coisas que os indivíduos gostam de fazer, como usam seu tempo livre e sua renda discricionária e irá interferir no padrão de consumo (SOLOMON, 2011).

A Simplicidade Voluntária vem conquistando novos adeptos (JOHNSTON e BURTON, 2003; BALLANTINE e CREERY, 2010). Johnston e Burton (2003) listaram algumas pesquisas que estimam a quantidade de adeptos nos Estados Unidos, apontando que 10 milhões de indivíduos vivem de acordo com os princípios da Simplicidade Voluntária. Outros estudos estimaram 60 milhões no período de 1990 a 1995 e outros apontaram 50 milhões (JOHNSTON e BURTON, 2003). Além disso, os princípios da Simplicidade Voluntária podem ser observados nos princípios que regem algumas religiões (ZAVESTOSKI, 2002), apesar de não haver cunho religioso na Simplicidade Voluntária. Para

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Segal (1997), a vida simples é uma das alternativas para a redução do consumismo.

Etzioni (1998) definiu Simplicidade Voluntária como a escolha por reduzir gastos com consumo, valorizando a satisfação não material, uma escolha voluntária, sem qualquer coerção ou por falta de dinheiro. Elgin (2000) sublinhou que a simplicidade não tem relação com pobreza, que é involuntária. Etzioni (1998) mencionou não envolver a opção por uma vida de sacrifícios.

Cherrier (2009a) citou dois grupos ligados a esse estilo de vida: The Simple Living Network e Awakening Earth. Ambos têm websites que divulgam a causa. O diretor do Awakening Earth é Elgin, autor seminal da Simplicidade Voluntária. O The Simple Living Network foi criado em 1985 e seu website em 1994 (HUNEKE, 2005).

Segal (1997) descreve alternativas para o consumismo, entre eles a vida simples, que ele chama de simple living. Gopaldas (2008) sublinha que a vida simples era vista no passado como uma mudança para o meio rural e/ou aversão à tecnologia. Essa visão foi modificada, já que o importante é a forma como cada um busca sua simplicidade: cada indivíduo interpreta o que é simplicidade dentro de seu contexto.

Johnston e Burton (2003) buscaram definir Simplicidade Voluntária, reunindo publicações sobre o tema, na área de marketing, entre os anos de 1977 e 2002. A partir da literatura encontrada, estudaram as definições utilizadas, as categorizaram por palavras-chave e agruparam as palavras-chave para definir o termo. Para eles, Simplicidade Voluntária tem quatro valores: o ‘eu’ ou self; relacionamentos, a sociedade e o planeta Terra.

O primeiro valor – ‘eu’ – diz respeito a valores dos indivíduos, englobando as dimensões:

 Ter uma boa vida: satisfação com a vida, paz, divertimento, maior qualidade e vida mais intensa e profunda.

 Propósito de vida: valores essenciais, como honestidade e sinceridade, importantes para o crescimento do indivíduo.

 Crescimento pessoal: crescimento espiritual e intelectual, valorizando o ‘ser mais’ ao invés do ‘ter mais’.

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 Determinação pessoal: ter mais controle da sua vida, autossuficiência e redução da dependência.

 Vida escolhida: refinamento da vida, focando no essencial.

O segundo valor é o foco nos relacionamentos. São valores relacionados à família e à comunidade e ao serviço ao próximo. Diz respeito a passar mais tempo com a família e com amigos, reduzindo o tempo dedicado a questões materiais.

O terceiro valor é o foco na sociedade, dividido nas dimensões:

 Consumo mínimo: redução do nível de consumo, consumo consciente, menos impactos nos recursos do planeta.

 Simplicidade material: não possuir bens desnecessários.

 O papel do trabalho: ter um trabalho que traga significado positivo. Falta de preocupação com alta remuneração. Contentamento com o suficiente.

 Uma vida plana: preferência pela vida mais pacata.

O último valor é o foco no planeta, que além de fornecer prazer e satisfação para os indivíduos da Simplicidade Voluntária (já que preferem atividades ao ar livre), garante a preservação dos recursos naturais. Os adotantes estão dispostos a pagar mais para obter produtos social e ambientalmente corretos.

Johnston e Burton (2003) reconheceram que a Simplicidade Voluntária é chamada de diversas maneiras: Simplicidade Voluntária, vida simples, simplificadores (os simplifiers). Muitos se referem à Simplicidade Voluntária como um estilo de vida, filosofia de vida ou movimento.

Como pode ser visto, muitos autores associam a Simplicidade Voluntária à busca por vida mais espiritualizada. Estudos já evidenciaram que quanto maior o nível de espiritualidade, menos valor a pessoa dá aos bens materiais (STILLMAN et al., 2012).

O estudo do tema é incipiente, sendo a maior parte teórica (CRAIG-LESS e HILL, 2002). Carece de definição robusta, que depende do contexto em que se está inserido (JOHNSTON e BURTON, 2003), portanto, pesquisadores têm

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diferentes opiniões sobre o conceito de Simplicidade Voluntária (CRAIG-LEES e HILL, 2002).

2.3.1.2. Motivações

Motivações podem estar ligadas a valores dos praticantes. Valores, de acordo com Rokeach (1973), são crenças, modos de conduta e preferências dos indivíduos. Schwartz (1994) considera que os valores fundamentais dos indivíduos podem ser caracterizados por objetivos motivacionais. A Figura 1 apresenta os tipos de valores segundo Schwartz (1994).

Figura 1: Valores dos indivíduos

Fonte: Schwartz (1994)

Schwartz (1994) agrupou os valores em quatro tipos: abertura para mudanças vs conservação, aperfeiçoamento pessoal vs transcendência individual. Cada grupo é composto por valores diversos.

 Poder: prestígio e autoridade

 Realização: competência e sucesso de acordo com os padrões da sociedade

 Hedonismo: prazer, felicidade  Estimulação: excitação, desafio

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 Autodireção: independência, liberdade

 Universalismo: preocupação com a sociedade e meio ambiente, justiça social

 Benevolência: preocupação com as pessoas de maior proximidade, vida espiritual (não tem relação com religião), sentido na vida  Conformidade: ação de acordo com as normas e convenções

sociais

 Tradição: Aceitação da cultura e ideias religiosas  Segurança: Manutenção da ordem social

Elgin e Mitchell (1977b) sugeriram que os valores fundamentais da Simplicidade Voluntária são:

 Simplicidade Material: vida não consumista, o importante é ser e não ter. Consumo em menor quantidade. Preferência para bens duráveis e eficientes, com menos impactos ambientais e sociais. Comprar o necessário e reduzir excessos.

 Escala Humana: reduzir a complexidade da vida, valorizar produtos feitos pelo homem, ao invés dos industrializados.

 Autodeterminação: maior controle pessoal e autossuficiência, redução da dependência de instituições públicas ou privadas (supermercados ou instituições financeiras, por exemplo).

 Consciência ambiental: conservação dos recursos do planeta, redução da poluição, diminuição do desperdício, proteção da natureza.

 Crescimento Pessoal: autorrealização, crescimento espiritual e psicológico. Está ligado à ‘vida interior’.

Leonard-Barton (1980) sublinhou que os adeptos da Simplicidade Voluntária consideram esses valores fundamentais sofisticados e refinados, tendo, em seu artigo de 1981, classificado os praticantes da Simplicidade Voluntária em três grupos relacionados às motivações: conservers, crusaders e conformists.

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Os conservers são conservadores, nasceram em uma família severa em relação a desperdício. Geralmente, alguém da família passou por infância pobre ou morou em um país em desenvolvimento. Os crusaders vieram de uma família com valores éticos de conservação e responsabilidade social. Os conformists se engajam na Simplicidade Voluntária por razões menos definidas: alguns aderem por culpa em relação à riqueza que possuem, outros porque foram influenciados por outras pessoas.

Entretanto, as motivações que têm hoje originado a adesão à Simplicidade Voluntária são novas e diferentes (ELGIN e MITCHELL, 1977a; ELGIN e MITCHELL, 1977b). Elgin e Mitchell (1977b) acreditam que atualmente a Simplicidade Voluntária é motivada pela consciência da responsabilidade social.

Para Abdala (2010), há uma forte relação entre ter uma vida espiritual e ser adepto da Simplicidade Voluntária, estando o valor benevolência (SCHWARTZ, 1994) ligado à motivação. Cherrier (2002) acrescenta que os indivíduos, ao adotarem a Simplicidade Voluntária, estão em busca de bem-estar e felicidade, ai influindo o valor hedonismo (SCHWARTZ, 1994).

Para Shaw e Newholm (2002), a Simplicidade Voluntária envolve motivações centradas em interesses pessoais, em posturas altruístas e em princípios éticos. McDonald et al. (2006) mencionaram que a busca por vida simples tem relação com o desejo de crescimento individual.

Segundo Oates et al. (2008), há autores que consideram a Simplicidade Voluntária como sendo proveniente de motivação pessoal (redução do estresse, por exemplo), outros sublinham as motivações social, ambiental e ética. São valores ligados ao universalismo, à benevolência e ao hedonismo.

Os valores que motivam a adoção de uma vida simples parecem estar relacionados ao universalismo (preocupação social e ambiental), à benevolência (vida espiritual, busca de sentido na vida), ao hedonismo (busca da felicidade), à tradição (cultura familiar) e à autodireção (independência, maior controle sobre a vida), que Schwartz (1994) identificou.

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2.3.1.3.

Mudanças para a vida simples

Elgin e Mitchell (1977b) sugeriram níveis de Simplicidade Voluntária: integral; parcial; simpatizantes da Simplicidade Voluntária; e indiferentes ou opostos à Simplicidade Voluntária.

Leonard-Barton (1981) investigou o comportamento dos adeptos da Simplicidade Voluntária por meio de um questionário, que procurava conhecer alguns comportamentos dos adeptos da Simplicidade Voluntária, que poderiam apontar a força que ela exerce na vida dos indivíduos.

 Fazer, ao invés de comprar, presentes que fossem dados às pessoas;  Andar de bicicleta por exercício, entretenimento ou para ir ao

trabalho;

 Reciclar produtos;  Comer menos carne;

 Comprar produtos de ‘segunda mão’ ou fazê-los;  Fazer compostagem;

 Contribuir para organizações que defendem o meio ambiente;  Plantar na própria casa alguns vegetais consumidos.

Iwata (1997) construiu dois questionários distintos: um para medir o estilo de vida e outro para medir atitude e comportamentos em relação ao estilo de vida. Para estilo de vida, os itens a seguir foram apresentados:

 Não comprar supérfluos e valorizar produtos mais simples e não duráveis;

 Não comprar por impulso;

 Valorização do crescimento intelectual/mental, ao invés do crescimento pautado no materialismo;

 Momentos de lazer sem gastar muito dinheiro (a não ser para viajar);

 Alimentação mais saudável, com mais vegetais;  Buscar algum nível de autossuficiência;

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 Preocupar-se com o meio ambiente;  Não desperdiçar.

O segundo questionário media atitude e comportamentos em relação à vida simples (dificuldades, crenças em relação ao futuro, o que mais valorizam fazer).

Shama (1981) comparou o consumo (Tabela 3) entre indivíduos adeptos da Simplicidade Voluntária (simplifiers) e os que não são (nonsimplifiers).

Tabela 3: Comparação entre consumidores (1)

Consumidores Consumidores da vida simples Produtos maiores Produtos menores (‘menor é bonito’) Muitos produtos Menos produtos (‘menos é melhor’)

Produtos de luxo Produtos simples e funcionais, porém de qualidade Produtos centrados em si mesmo Produtos ‘faça você mesmo’

Grandes lojas para comprar Lojas menores, pessoais

Lojas tradicionais para comprar Lojas inovadoras (ex: ‘mercado de pulga’; vendedor de rua)

TV e promoção de mídia de massa Rádio ou promoção informativa, impressa Fonte: Shama (1981, p. 128)

Shama (1985) sublinhou que os adeptos da Simplicidade Voluntária acreditam que ‘menos é mais’ e ‘menor é mais bonito’, dando preferência ao consumo reduzido, com maior consciência ecológica e autosuficiência. Também mencionou que os adeptos da Simplicidade Voluntária passam a comprar ‘tecnologia apropriada’, que diz respeito à tecnologia eficiente e funcional, como produtos que economizam energia e tecnologia de energia solar.

Johnston e Burton (2003) elaboraram uma tabela comparativa entre os consumidores em geral e aqueles que buscam a vida mais simples (Tabela 4).

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Tabela 4: Comparação entre consumidores (2)

Consumidores em geral Indivíduos que vivem uma vida simples Buscam mais bens materiais Preferem ter menos posse

Buscam ganhar mais Buscam trabalho (pago) reduzido Querem consumir mais Buscam consumir menos

Buscam conveniência Querem bens duráveis, reaproveitáveis, que são ‘amigos’ do planeta

Buscam comprar o que querem Querem pouco, compram pouco

Fonte: Johnston e Burton (2003, p. 22)

Etzioni (1998) divide a Simplicidade Voluntária em três níveis. No nível moderado, o indivíduo deixa de consumir o que costumava, sem radicalismo, deixando de comprar produtos considerados como luxo. É um grupo menos radical, que reduz o consumo em certa medida, mas continua com alto padrão de vida. Podem se vestir de maneira mais simples e ter carros mais velhos (ETZIONI, 1998). Etzioni (1998) os chamou de downshifters.

O nível intermediário (strong simplifiers) inclui pessoas que tinham trabalhos estressantes e pediram demissão, mesmo sendo bem remuneradas, para viver com menos. Resolvem deixar de lado o status e viver de forma mais simples. Etzioni (1998) citou casos em que pessoas abandonam cargos executivos e passam a viver com suas economias e usar seu tempo para escrever e fazer trabalho voluntário. Neste nível, encontram-se indivíduos que resolvem se aposentar antes do tempo, para ter mais tempo de lazer, e pessoas que buscam empregos em tempo parcial, ou que permitam que trabalhem em casa.

Etzioni (1998) considerava o nível mais elevado da simplicidade a simplificação holística, ou the simple living movement, onde pessoas vivem os princípios e a filosofia da simplicidade de forma mais integral. Geralmente preferem morar em cidades menores ou no campo.

Craig Lees e Hill (2002) conduziram uma revisão da literatura sobre a Simplicidade Voluntária, resumindo-a em alguns aspectos:

 Escolha livre e voluntária;  Redução do consumo material;

 Acesso à riqueza e à educação – eles têm renda alta;  Autocontrole; PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

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 Valores como autodeterminação, valorização do meio ambiente e da espiritualidade.

Huneke (2005) faz uma compilação dos guias que divulgam como se ter uma vida simples, existentes em websites, fóruns on-line e livros. Os principais pontos envolveram:

 Livrar-se da desordem: reduzir quantidade de papéis, remover o nome de newletters.

 Criação dos filhos: fazer com que os filhos tenham mais experiências ao invés de mais objetos.

 Formas de ganhar a vida: gastar menos horas no trabalho e trabalhar em empregos que contribuam para o bem-estar do indivíduo.

 Buscando a comunidade: muitos se mudam para comunidades colaborativas.

Elgin (2000) também descreveu mudanças de comportamento decorrentes da vida simples: estar mais tempo com a família e amigos; desenvolver potenciais físicos (exercícios físicos); desenvolver os lados emocional, mental e espiritual; estar em contato com a natureza; ter compaixão com pessoas que passam dificuldades; reduzir o nível de consumo (valorizar o que é funcional e durável); ter alimentação saudável e natural; boicotar produtos e serviços de empresas antiéticas; reciclar; ter vida mais autossuficiente; envolver-se em causas a favor do planeta e dos animais; mudar o meio de transporte (preferência a transporte público, bicicleta ou carros eficientes).

McDonald et al. (2006) citaram a redução do consumo e o consumo sustentável como formas para utilizar menos recursos e minimizar o impacto ambiental e dividiram os adeptos da Simplicidade Voluntária em: iniciantes e aqueles que já incorporaram as ideias da Simplicidade Voluntária. Os iniciantes (beginner voluntary simplicity) têm alguns hábitos em prol do meio ambiente, como a reciclagem, porém são comportamentos iniciais. Os beginner voluntary

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simplifiers podem ser divididos em: simplificadores aprendizes, simplificação parcial e simplificação acidental.

Os aprendizes estão passando pela transformação para se tornarem, no futuro, adeptos da Simplicidade Voluntária. A simplificação parcial relaciona-se a indivíduos que adotaram algumas ações da Simplicidade Voluntária (por exemplo, um indivíduo que leva seus filhos a pé para a escola, mas também utiliza o carro para ir ao trabalho). São consumidores mais inclinados a comprar produtos verdes e éticos.

A terceira categoria, a simplificação acidental, representa aqueles que adotaram a vida simples por restrições financeiras. Outros exemplos são indivíduos que comem alimentos orgânicos por razões de saúde ou sabor, ou pessoas que preferem a caminhada para exercitar-se fisicamente e não por outras motivações relacionadas à Simplicidade Voluntária. Porém, McDonald et al. (2006) destacaram que esta categoria não pode ser considerada conceitualmente como Simplicidade Voluntária, por não envolver a livre escolha.

Shama (1985) mencionou o consumo reduzido, a preocupação com o meio ambiente e a autossuficiência. Huneke (2005) também cita a responsabilidade ecológica e social. Além disso, Shama (1985) aponta que os adeptos da Simplicidade Voluntária priorizam produtos funcionais e Craig-Lees e Hill (2002) citam o consumo baseado no uso mínimo dos recursos do planeta.

2.3.1.4.

Pontos positivos e negativos da vida simples

Alguns estudos ressaltam as consequências positivas e negativas obtidas com a vida simples, como os de Shi (1997) e Etzioni (1998). Os indivíduos que buscam a simplicidade acreditam que a satisfação diminui com o aumento nos níveis de consumo, logo simplificam seus estilos de vida e consumo, e assim se sentem mais felizes e orgulhosos (ETZIONI, 1998).

Contudo, vale ressaltar que o estilo de vida simples também apresenta dificuldades, já que existe tendência do indivíduo a gostar do luxo (SHI, 1997), de vida mais confortável e, muitas vezes, para adotar a Simplicidade Voluntária, precisam abrir mão disso.

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2.3.2.

Estudos empíricos

A forma como os indivíduos adotam a Simplicidade Voluntária é variada (BEKIN et al., 2010). Zavestoski (2002) analisou motivações dos adeptos da Simplicidade Voluntária, a partir de publicações existentes, dividindo-as por período de tempo (1973-1994 e 1995-1998), para evidenciar como as motivações mudaram ao longo do tempo (Tabela 5).

Tabela 5: Motivações para a Simplicidade Voluntária

Período Espiritualidade/ Aspectos Religiosos Virtudes da Simplicidade Redução do Estresse/ Aumento da Realização Estratégias para simplificar 1973-1994 38% (10) 50% (13) 0% (0) 11,5% (3) 1995-1998 25% (8) 21,9% (7) 28,1% (9) 25% (8) Total 31% (18) 34,5% (20) 15,5% (9) 19% (11) Fonte: Zavestoski (2002)

No período de 1973-1994, as publicações enfatizavam as virtudes de se adotar uma vida simples e a religião e sua relação com a simplicidade. No período de 1995-1998, passaram a enfatizar a redução do estresse e o aumento da realização e as estratégias existentes para simplificar a vida (como se fosse um passo a passo para a simplicidade). As publicações dos últimos anos apontam que a decisão de ser simples parece ser uma forma de reduzir estresse e buscar felicidade, contentamento, realização e satisfação.

Zavestoski (2002) aponta que no passado muitos buscavam a simplicidade em decorrência de crises financeiras vividas. Hoje, a busca passa a ser voltada por motivo de crise ou questionamento existencial (e não financeiro), sendo uma motivação pessoal.

Craig-Lees e Hill (2002) conduziram um estudo qualitativo na Austrália, investigando posses dos adeptos da Simplicidade Voluntária, seu estilo de vida e hábitos de compra. O público pesquisado possuía alta renda e idade entre 40 e 55 anos. As entrevistas abordaram os seguintes pontos:

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 O que achavam importante na vida;

 Mudanças que gostariam de realizar na vida;  Percepções sobre casa, carro e mobília;  Posses percebidas como importantes;  Atividades de que participavam;

 O que consideravam ao comprar um produto;

 Percepções sobre vida simples e hábitos de consumo simples. Os resultados apontaram três principais motivações para tornar-se um praticante da Simplicidade Voluntária: preocupação com o meio ambiente, espiritualidade e orientação pessoal. O estudo também revelou que os adeptos da Simplicidade Voluntária reduzem o nível de consumo geral e valorizam a funcionalidade e a qualidade dos produtos, não dando valor a usar produtos como forma de obter status. Eles reduziram o consumo de serviços (como restaurantes e cinemas) e o consumo de produtos de luxo (como álcool, perfume e cosméticos), compram produtos usados, gastam menos dinheiro e consomem alimentos orgânicos (mesmo se o preço for superior). Também passaram a economizar água e energia.

Em relação à percepção sobre o trabalho, houve divergências, já que nem todos querem ocupar menos tempo no trabalho. Entretanto, a atividade profissional precisa ter significado, caso contrário, podem querer reduzir o tempo a ele dedicado. Muitos declararam não achar a segurança financeira tão importante, já que não têm muitos investimentos.

Shaw e Newholm (2002) estudaram a Simplicidade Voluntária sob o ponto de vista do consumo ético, propondo que existe relação forte entre sustentabilidade, meio ambiente, sociedade e Simplicidade Voluntária, no que chamam ethical simplicity. Para eles, a Simplicidade Voluntária diz respeito a manter o nível de consumo (nesse caso seria uma mudança no consumo, substituindo determinados produtos por produtos verdes, por produtos envolvidos no comércio justo e adquiridos em lojas locais) e/ou reduzir os níveis de consumo.

Shaw e Newholm (2002) conduziram um estudo no Reino Unido, por meio de dois grupos de foco. Os resultados mostraram:

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 Dieta simplificada: redução no consumo de carne e aumento no consumo de alimentos orgânicos.

 Utilização de carros: muitos não utilizam o carro como meio de transporte ou passaram a utilizá-lo de maneira mais restrita, compartilhando o transporte com outros.

 Compra de produtos usados, porém de qualidade: o uso de produtos de segunda mão varia de um indivíduo para outro, havendo níveis moderados e níveis mais radicais.

 Mudanças dos hábitos de consumo: consumo eficiente e ecológico. Huneke (2005) conduziu uma survey com adeptos da Simplicidade Voluntária nos Estados Unidos. Para captar respondentes, enviou mensagens em fóruns virtuais relacionados ao tema, com o link do site em que hospedava o questionário, que tinha duas questões de filtro (“eu pratico simplicidade voluntária na minha vida diária” e “eu sou consistente na minha prática de simplicidade voluntária”). As demais questões envolviam a importância da simplicidade, a consistência na prática da simplicidade e mudanças que empreenderam para se tornar simples (HUNEKE, 2005, p. 534).

Os respondentes eram de 31 estados dos EUA, sendo obtidos 113 questionários válidos. A maioria dos respondentes era do sexo feminino com idades variadas. Metade dos respondentes declarou que já praticavam a vida simples havia no mínimo cinco anos. Os respondentes tinham alto grau de instrução, alguns com alta renda e outros recebiam renda moderada.

As descobertas (Tabela 6) consistiram em motivações para ser simples, dimensões da simplicidade, consistência na prática da vida simples, dificuldades da Simplicidade Voluntária e comentários gerais.

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Tabela 6: Resultados encontrados por Huneke (2005)

Resultados Descrição Motivações para ser

simples

Razões ecológicas e anticonsumo contra alguma grande empresa; Redução do estresse;

Mais tempo (para família e amigos); Motivos religiosos

Valores pessoais;

Equilíbrio entre o material e o não material. Dimensões da

simplicidade

Satisfação no trabalho; Eliminar a desordem/bagunça; Não comprar por impulso; Reciclar;

Comprar produtos locais, verdes, orgânicos e socialmente responsáveis;

Ser vegetariano;

Reduzir exposição a anúncio e à televisão; Reduzir uso do carro;

Atuação na comunidade, amizade na vizinhança; Fazer compostagem;

Fazer os presentes com as próprias mãos; Vida espiritual;

Co-habitação. Consistência na prática da

vida simples

- Nem todas dimensões consideradas importantes pelos indivíduos são colocadas em prática.

- Principais barreiras para essa inconsistência: falta de tempo, interesses divergentes da vizinhança, ausência de lojas perto de casa, transporte público inadequado.

Dificuldades da

Simplicidade Voluntária

Reduzir tempo de trabalho;

Reduzir desordem/bagunça (há muitas propagandas impressas e catálogos que são recebidos pelos indivíduos).

Comentários gerais - Simplicidade Voluntária: difícil de definir, pode variar de uma pessoa para outra, com diferentes visões.

- Não é garantia de uma forma de vida mais barata – há produtos caros, como os orgânicos.

Fonte: Elaborado com base nos resultados de Huneke (2005)

Apesar de apresentar abordagem mais completa que os demais, o estudo de Huneke (2005) tem limitações, já que, como foi conduzida uma survey, os

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entrevistados não falaram abertamente sobre o fenômeno, mas responderam a perguntas fechadas que compunham o questionário.

Miller e Gregan-Paxton (2006) realizaram entrevistas em profundidade com indivíduos que se diziam simples, concluindo que foram motivados a adotar esse estilo de vida por razões relacionados ao meio ambiente, pelo desejo de ter mais tempo livre e ter segurança financeira. Também tinham interesse no contato com a natureza, com os outros e consigo próprios.

O estudo de Shaw e Moraes (2009) investigou os adeptos da Simplicidade Voluntária que moravam em áreas rurais no Reino Unido. Para as entrevistas em profundidade, os entrevistados foram recrutados por meio de anúncios publicados em jornais e afixados em lojas locais. Os resultados foram categorizados em:

Simplicidade individual e comunidade:

o Senso de comunidade, contato com a natureza; o Compras locais, éticas e ecológicas;

o Adotantes não são sensíveis a preço; o Redução de consumo;

o Modificação do consumo (compra de produtos orgânicos). Consumo de alimentos:

o Preferência por mercados locais; o Boicote a grandes empresas;

o Plantação de alimentos (alguns eram quase autossuficientes e outros plantavam somente alguns alimentos).

o Consumo de orgânicos;

o Redução do consumo de carne (motivado pelo maltrato aos animais e por melhoria na saúde).

Simplicidade Voluntária e consumo:

o Não viviam totalmente à parte do consumo.

o Variações de comportamento (alguns mais autossuficientes, outros somente reduziram o consumo ou o modificaram) o Consideravam a vida rural mais calma e menos superficial.

O estudo de Cherrier (2009b) investigou a mudança de valores e de estilo de

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profundidade com dez indivíduos que se identificavam como adeptos da Simplicidade Voluntária. Seu recrutamento ocorreu por meio de anúncios em jornais locais e as entrevistas buscaram investigar o processo de se livrar de certos bens para se adaptar à vida simples, captando detalhes sobre o processo de se livrar de posses.

As motivações para engajamento na vida simples se deveram a inúmeras causas, de natureza pessoal. Um entrevistado resolveu mudar por causa do encontro com pessoas que tinham câncer, que culminou em reflexões sobre a vida que levava; para outro, foi a experiência do divórcio; alguns mudaram após conhecerem ideias budistas; para outra, foi numa ocasião em que, ao ver foto sua antiga, percebeu o quanto havia mudado e que a foto antiga refletia quem de fato era.

Os resultados encontrados foram divididos em vontade de emancipação, sacrifício do que é supérfluo e em excesso e mudança para algo que é mais sagrado (CHERRIER, 2009b).

Bens materiais foram apontados como causadores de conflitos internos, uma sensação de identidade que não é sua – “este não sou eu” (CHERRIER, 2009b, p. 331). Os entrevistados não queriam acumular bens materiais, isso os deixava infelizes. Eles queriam se emancipar da identidade falsa de alguém que precisa de muitos objetos.

Alguns indivíduos resolveram se livrar de alguns bens materiais desnecessários, por meio de doações, considerando que, com tal sacrifício, eles ganhavam valor. A palavra sacrifício não assume significado de dificuldade e martírio, mas o de se livrar do que não é importante.

Entrevistados declararam sentirem-se bem ao se livrar de coisas de que não precisavam, doando para quem precisava, sendo redirecionados para um comércio considerado por eles como mais sagrado. Demonstravam que o ato de dividir bens os conectava a outras pessoas e à natureza, à espiritualidade e a seu eu, uma forma de fazer parte do mundo, contribuindo para a circulação dos objetos.

Complementando o estudo de Cherrier (2009b), Ballantine e Creery (2010) investigaram a redução das posses materiais dos adeptos da Simplicidade Voluntária e seu consumo em geral. Para eles, a Simplicidade Voluntária pode ser vista como a redução de consumo (limitando o consumo através de atividades como dividir), o consumo ético (como o comércio justo) e o consumo sustentável

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(como a reciclagem). Entrevistas em profundidade com doze indivíduos dos Estados Unidos, com idades entre 21 e 72 anos, recrutados em comunidades virtuais sobre o tema, apontaram que a redução da posse de bens materiais assume grande importância no processo de ser simples, principalmente nos estágios iniciais da mudança de estilo de vida. Os objetos inicialmente dispensados foram aqueles dos quais os entrevistados não gostavam. Muitos adotaram a Simplicidade Voluntária por razões de cunho ambiental, por atitudes ligadas ao anticonsumo e para a redução do estresse. Eles não sentiam prazer em fazer compras, planejando-as de forma a reduzir o número de vezes que precisavam sair, podendo ser vistplanejando-as como compras estritamente utilitárias, passando a comprar em lojas próximas (principalmente comida) (BALLANTINE e CREERY, 2010).

Ballantine e Creery (2010) identificaram a preocupação ambiental (compras verdes e éticas), a qualidade dos produtos (produtos com maior durabilidade, mesmo se fossem mais caros), a propriedade compartilhada (empréstimos e compra de produtos usados) e a autossuficiência (altos níveis de autossuficiência em relação à comida ou reparos em objetos).

Pepper et al. (2009) conduziram uma survey com consumidores do Reino Unido e os resultados apontaram que o comportamento de compra simples estava ligado negativamente ao materialismo e ao trabalho, porém positivamente à idade. Outro estudo (ALBISSON e PERERA, 2009) investigou, por meio de entrevistas em profundidade, formas de reduzir bens materiais, mostrando que havia cinco modos de se desfazer das posses materiais: o conserto de objetos, a reciclagem, a doação, os empréstimos e as trocas.

Oates et al. (2008) compararam o processo de compra de produtos tecnológicos pelos adeptos da Simplicidade Voluntária e por aqueles que não o são, por meio de grupos de foco e entrevistas em profundidade, no norte da Inglaterra. Os resultados são listados a seguir:

 Não adeptos da Simplicidade Voluntária: ao tomar uma decisão de compra, não levavam em consideração fatores ambientais referentes aos produtos. Preferem atributos como preço e marca.  Iniciantes na Simplicidade Voluntária (indivíduos que ainda não se

engajaram totalmente, mas que estavam no processo): ao tomar

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normalmente (preço, marca) e alguns atributos ambientais (se o produto economizava energia). Eram indivíduos que não buscavam muitas informações ambientais, mas já faziam algo em relação a isso. Reclamavam da falta de informações a respeito de quais produtos eram ecológicos.

 Adeptos da Simplicidade Voluntária: não se importavam com o atributo ‘marca’, principalmente se fossem empresas multinacionais, ou que já estiveram envolvidas em escândalos antiéticos. Porém, se fossem marcas bem recomendadas por fontes éticas e ambientais, passariam a ser consideradas importantes. Valorizavam atributos ecológicos e não economizavam tempo buscando informações sobre produtos. Como a quantidade de informações era baixa, pesquisavam bastante para obtê-las, sendo uma etapa complexa na decisão de compra.

Alexander e Ussher (2011) conduziram uma survey com 2131 adeptos da Simplicidade Voluntária. Os participantes eram principalmente da América do Norte, Austrália, Reino Unido, Europa, Nova Zelândia e Japão. Os resultados apontaram motivações para ser simples de cunho pessoal, como estar mais tempo com a família, e motivações de cunho social, como preocupação com meio ambiente e problemas sociais. Os respondentes consideraram-se mais felizes com a vida simples e, ao comprar produtos, davam preferência aos ecologicamente corretos.

Existem obstáculos para a vida simples, como encontrar um emprego que permite que atinjam seus objetivos (redução de horas trabalhadas), falta de informações sobre os produtos (ao comprar produtos ecológicos é difícil obter informação) e meios de transporte adequados. Os adotantes são indivíduos politizados e conscientes, que gostam de saber o que está acontecendo no mundo (ALEXANDER e USSHER, 2011).

Bekin et al. (2005), através de estudo etnográfico em cinco comunidades, investigaram um nível mais radical de Simplicidade Voluntária, existente no Reino Unido, as chamadas New Consumption Communities, que são comunidades criadas por indivíduos que buscam vida simples e lá passam a viver.

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Os resultados identificaram o desejo de ter mais controle sobre a própria vida, já que há comportamentos que ilustram a autossuficiência (eles produziam a comida). Por outro lado, existem diferentes níveis de participação no mercado, já que algumas comunidades compravam produtos que não podiam produzir. Alguns optaram pela redução no consumo de carne, faziam compras éticas, priorizavam o comércio local, preferiam alimentos orgânicos e compravam produtos de segunda mão (como roupas e mobília). Alguns membros não trabalhavam integralmente na comunidade, tendo empregos em tempo parcial. Alguns possuiam carros (de segunda mão) para se locomover quando precisavam sair da comunidade (o que representava dependência com o mundo externo à comunidade) (BEKIN et al., 2005).

Uma contradição encontrada é que muitos ainda viviam de maneira agitada, pois precisavam trabalhar na comunidade e fora em empregos de tempo parcial. Porém, o trabalho na comunidade era considerado como diversão, já que existiam intervalos para chá e conversas (BEKIN et al., 2005).

Os motivos para integrar as comunidades eram diversos. Alguns estavam relacionados à educação ambiental, busca de vida mais calma, e desenvolvimento pessoal. Entretanto, a diversidade de motivações mostrou ser negativa, visto que podia representar barreira nos trabalhos da comunidade – com diversidades nos motivos e prioridades das pessoas, ocorrem divergências e conflitos entre os indivíduos (BEKIN et al., 2005).

O estudo mostrou que essas comunidades ainda eram dependentes do consumo, porém buscavam amenizar a dependência por meio da compra de produtos ecológicos e éticos, tentando ao máximo obter o controle de suas vidas. Os indivíduos, assim, encontraram um estilo de vida alternativo à sociedade do consumo, estruturando seu sistema de produção de forma a depender menos do mercado (BEKIN et al., 2005).

Posteriormente, Bekin et al. (2007) realizaram outro estudo em seis comunidades no Reino Unido, por meio de observação-participante. Os resultados indicaram que as comunidades buscavam obter maior controle em relação à produção (autossuficiência), reduzir o consumo, tornando-o responsável, buscando o conserto de produtos e a reutilização e o reaproveitamento (compravam produtos usados e reciclavam).

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Os estudos sobre o tema no Brasil ainda são escassos. A Simplicidade Voluntária é fenômeno recente, pouco representativo em termos mundiais, mas que vem crescendo, sendo mais difundido na Europa Ocidental (ETZIONI, 1998). Nos Estados Unidos, a Simplicidade Voluntária também vem se tornando mais significativa, com rápida expansão (SHAMA, 1985).

Por outro lado, os países em desenvolvimento ainda estariam voltados para o consumo, visto que, para grande parte da população, o acesso ao consumo é recente (caso como a China, em que o materialismo tem crescido bastante, principalmente em centros urbanos; Podoshen et al., 2011). Fenômenos como o crescimento do mercado de luxo no Brasil (GALHANONE, 2005) e o fato de grande parte da população ter atingido níveis mais elevados de consumo recentemente (ROCHA e SILVA, 2008) sinalizam interesse em consumir. Como afirma Etzioni (1998), a Simplicidade Voluntária tem relação com a cultura e com a economia do país. Merece atenção em países como o Brasil, sinalizando, em termos mundiais, o surgimento de uma visão diferente do consumo, presente até em países em desenvolvimento, já que nesses países existem muitos indivíduos que desfrutam de boas condições financeiras (o que parece ser uma condição para a Simplicidade Voluntária; Etzioni, 1998).

Apesar de o tema ainda ser incipiente, pode-se observar o interesse na Simplicidade Voluntária em congressos brasileiros. Artigo publicado nos anais do EnANPAD 2010 contemplou a investigação em comunidades chamadas Ecovilas, que buscam vida simples e independente. O estudo foi conduzido em duas comunidades no Rio Grande do Sul, por meio de observação-participante (ABDALA e MOCELLIN, 2010). Os resultados apontaram para o cuidado com o planeta, reciclando, economizando energia e plantando alguns alimentos. Foi observado comportamento ligado à sustentabilidade (reduzir, reutilizar, renovar, reciclar e repensar).

As comunidades foram construídas sob valores altruístas existindo sentimento de bem-estar dos seus membros. Eles criticavam o materialismo, valorizando a redução do consumo e um bom nível de independência do mercado. Nas comunidades estudadas, não havia luxo, nem excesso de bens materiais, existindo sentimento negativo contra grandes empresas que não eram consideradas éticas e socialmente responsáveis. Os membros da comunidade

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