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MERIDA E AS IMPOSIÇÕES DE GÊNERO: UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO VISUAL DA PERSONAGEM DE VALENTE 1

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Academic year: 2021

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MERIDA E AS IMPOSIÇÕES DE GÊNERO: UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO

VISUAL DA PERSONAGEM DE VALENTE1

Isadora Ebersol2

RESUMO

Este artigo propõe uma análise do filme de animação Valente (Brave, Disney-PixarAnimations, 2012), dirigido por Brenda Chapman e Mark Andrews, sob a perspectiva da representação da figura feminina no cinema. A partir de um referencial dos estudos de gênero e da linguagem cinematográfica, pretende-se discutir como a protagonista de Valente, a princesa medieval escocesa Merida, é representada dentro dos papéis de gênero e sexualidade atribuídos pelo contexto em que se passa a história e dentro do modelo tradicional de representação da princesa estabelecido pelo cinema, especialmente nas animações. A reflexão sobre a trajetória de Merida parte da própria formulação de seu papel criada por um contexto social, familiar e histórico dentro do qual as imposições de gênero moldam seu corpo e suas ações, criando tensão entre sua afirmação como sujeito e as convenções as quais está submetida. Considerando-se que a princesa subverte a lógica do caminho que é imposto a ela, tanto no universo do cinema e da animação quanto no argumento de Valente, o trabalho apresentará uma reflexão sobre como a linguagem visual – em especial a direção de arte - contribui para a desconstrução e reconstrução de sua representação enquanto gênero e enquanto figura simbólica do imaginário.

Palavras-chave:Valente; cinema; gênero;

“SE TIVESSE A CHANCE DE MUDAR O SEU DESTINO, VOCE MUDARIA?”

É entre imagens que sobrevoam paisagens da Escócia que a narraçãoem off dos primeiros minutos de Valente reflete sobre o destino. Em certo momento, diz: “Alguns nunca

o encontram. Mas outros são movidos por isso”. A narração inicial de Merida já anunciava a

busca de sua personagem durante todo o filme. Uma das possíveis respostas aos seus questionamentos já tinha sido dada por seu pai, o rei Fergus, quando Merida, ao entrar na floresta em busca de uma das flechas do arco que acabara de ganhar de aniversário - ela então com poucos anos de vida - vê luzes que somem na medida em que ela se aproxima, levando-a cada vez mais para dentro da floresta. Ao contar para sua mãe, Elinor, esta lhe responde

“dizem por aí que elas te guiam ao seu destino”. É neste momento que Fergus complementa:

“Então teremos uma arqueira”.

1Este trabalho faz parte de uma pesquisa maior em torno da representação da mulher no cinema contemporâneo

através da direção de arte e que se encontra em desenvolvimento. O trabalho é orientado pela Prof.ª Dr.ª Nádia da Cruz Senna e co-orientação pela Prof.ª Dr.ª Ana Paula Penkala.

2Professora substituta dos cursos de Cinema da Universidade Federal de Pelotas, Mestranda em Artes Visuais e

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No filme produzido pela Disney-PixarAnimationStudios e de direção de Brenda Chapman e Mark Andrews eco-direção de Steve Purcell, Merida é uma jovem princesa escocesa que está determinada a trilhar seu próprio destino, independente do que lhe reservam as tradições de seu reino e os planos de sua mãe, a rainha Elinor. Merida, que é arqueira desde criança, decide lutar contra a tradição que faz com que caia sobre seus ombros o fado de casar independente de sua vontade para unir sua nobre família a família de outro clã evitando, assim, que aconteçam guerras e a consequente destruição de seu reino. Constantemente a menina entra em conflito com sua mãe e questiona os padrões de comportamento que deve adotar tanto por ser mulher, quanto pelo seu papel de princesa. Além de apresentar uma heroína e protagonista mulher e uma princesa que rompe com o estereótipo de mulher sonhadora à espera do príncipe encantado, Valente tematiza a busca de uma identidade feminina independente de padrões socioculturais impostos e o rompimento com alguns desses padrões.

A personagem de Merida traz consigo a responsabilidade de ser a primeira protagonista feminina de um filme da Pixar e condensa em si os papéis de princesa e guerreira dentro da trama. Historicamente, o cinema reservou aos personagens femininos o lugar de objeto passivo do olhar, enquanto a figura masculina pode ser considerada o sujeito ativo de toda ação narrativa (MULVEY, 1983), um processo de construção que, não raro, revela o ponto de vista de quem constrói o discurso, reforçando e refletindo estruturas socioculturais dominantes. Muitas vezes essa construção reduziu a figura feminina a personagens superficiais (sem profundidade ou complexidade) e estereotipados, anulando aspectos profundos de suas identidades. A animação, de início voltada para o público infantil e reproduzindo histórias tradicionais, mitológicas ou contos de fadas, eternizou – especialmente a partir dos estúdios de Walt Disney – a personagem da princesa, evocando um papel feminino presente especialmente no imaginário ocidental que soma o contexto do “reino encantado” dos contos de fadas com o mito da “donzela em perigo”, reproduzido em muitas histórias folclóricas. Valente desconstrói o papel de princesa passiva à espera do príncipe que a conduzirá ao seu destino quando faz de Merida o sujeito ativo do filme e tematiza a representação da princesa quando ela questiona e rompe com o destino que lhe seria imposto.Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo” (1967) discute a condição da mulher na atualidade, estuda como se constrói o destino tradicional da mulher e como se dão as circunstâncias do aprendizado do ser “feminino”. No destino da princesa do conto de fadas está implícito o destino da mulher. Quando Merida rompe com o seu tradicional destino, está

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rompendo com as próprias imposições de papeis de gênero em que as mulheres estão submetidas dentro de sua cultura e de seu tempo. Segundo Beauvoir: “É, pois, necessário estudar com cuidado o destino tradicional da mulher. Como a mulher faz o aprendizado de sua condição, como a sente, em que universo se acha encerrada, que evasões lhe são permitidas” (BEAUVOIR, 1949, vol.2, p.7). Deste modo, é através da relação com a sua mãe, que representa ao mesmo tempo a figura da mulher forte e o agente repressor e perpetuador da tradição, que Merida precisa aprender a desempenhar o papel que socialmente lhe é esperado em meio à descoberta e construção de sua própria identidade.

A CONSTRUÇÃO VISUAL DE MERIDA: “NÃO POSSO RESPIRAR!”

Elinor prepara Merida para receber os convidados no castelo: os filhos primogênitos de três líderes de Clãs que disputarão a mão da princesa em casamento. Merida tenta convencer sua mãe a cancelar o evento, mas não consegue. Os pretendentes terão que disputar sua mão em casamento através de um jogo ou combate de força escolhido por ela, onde só o primogênito de cada clã pode concorrer. A princesa, então, tem uma ideia: escolhe a modalidade do arco e flecha. Merida acredita que, por ser a primogênita de seu clã, ela pode disputar a sua própria mão em casamento, confiando, então, a disputa na modalidade que ela tem mais chance de ganhar por ser uma arqueira.A análise se daráno momento em que Elinor arruma e veste Merida para receber os pretendentes. Analisarei a construção visual do cabelo de Merida e como ele ajuda a construir a sua identidade e, da mesma forma, a relação que se estabelece com o figurino.

Elinor arruma Merida para receber os pretendentes. Ela coloca na filha um espatilho apertado, penteia seu cabelo com força e o cobre com uma touca.Uma mecha de cabelo fica para fora, mas Elinor rapidamente a coloca para dentro. Em um último momento, Merida aparece em um plano conjunto, com Elinor de costas analisando a garota. Vemos pela expressão de Merida que ela não está confortável no vestido que limita seus movimentos – potencializado pelo uso do espartilho ainda mais apertado. Elinor diz “Você está absolutamente linda!” e Merida responde “Não posso respirar!”.Elinor então pede que a garota dê uma voltinha, movimento que Merida mal consegue realizar, respondendo “Eu não consigo me mover! É muito apertado!”. Elinor então responde que está perfeito, fazendo Merida bufar de raiva. A rainha, então, admira a filha. Uma trilha sonora emotiva começa e, aparentando ter se emocionado, Elinor se precipita, dando a entender que pode ter começado a compreender os sentimentos da filha. As duas se entreolham e a rainha fala “É só que... Lembre-se de sorrir!”e, neste momento, dá as costas e sai do quarto (figura 1).

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Antes da chegada dos pretendentes ao castelo, Merida puxa a mecha de fora. Elinor se apressa em colocá

puxar a mecha para fora da touca.

A construção visual do cabelo de Merida é uma importante representação da sua identidade. A cor vermelha/ruiva é uma

energia, ação, vitalidade e força. O cabelo crespo, volumoso e indisciplinado

representa a rebeldia, a transgressão e insubmissão, e também enuncia a busca e o apreço da personagem pela liberdade. Tanto a touca que cobre seu cabelo, quanto o vestido e espartilho apertados representam a supressão dessa liberdade, de sua mobilidade, vontade própria e, em última instância, de tudo que a con

cabelo, possui um claro tom de azul. Sendo uma cor fria, o azul (principalmente nos tons claros) transmite serenidade e calma, mas também apatia. As cores claras culturalmente também eram indicadas às moças solteiras e simbolizavam a castidade. Simone d

comenta que

Branca de Neve jazendocomo uma morta em um esquife de vidro, a Bela Adormecida, Atala desfalecida, toda uma corte de ternas heroínas machucadas, passivas, feridas, ajoelhadas, humilhadas, ensinam à jovem irmã o fascinante prestígio d

33-34).

Figura 1:Elinor arruma e veste Merida para receber os pretendentes

Antes da chegada dos pretendentes ao castelo, Merida puxa a mecha de

fora. Elinor se apressa em colocá-la de volta, porém quando vira de costas, Merida volta a ra fora da touca.

A construção visual do cabelo de Merida é uma importante representação da sua identidade. A cor vermelha/ruiva é uma cor quente e é associada ao sentimento de paixão, de energia, ação, vitalidade e força. O cabelo crespo, volumoso e indisciplinado

representa a rebeldia, a transgressão e insubmissão, e também enuncia a busca e o apreço da ade. Tanto a touca que cobre seu cabelo, quanto o vestido e espartilho apertados representam a supressão dessa liberdade, de sua mobilidade, vontade própria e, em última instância, de tudo que a constitui: sua identidade. O vestido, contrastando com a cor cabelo, possui um claro tom de azul. Sendo uma cor fria, o azul (principalmente nos tons claros) transmite serenidade e calma, mas também apatia. As cores claras culturalmente também eram indicadas às moças solteiras e simbolizavam a castidade. Simone d

Branca de Neve jazendocomo uma morta em um esquife de vidro, a Bela Adormecida, Atala desfalecida, toda uma corte de ternas heroínas machucadas, passivas, feridas, ajoelhadas, humilhadas, ensinam à jovem irmã o fascinante prestígio da beleza martirizada, abandonada, resignada.“ (BEAUVOIR, 1967b, p.

34).

Elinor arruma e veste Merida para receber os pretendentes.

Antes da chegada dos pretendentes ao castelo, Merida puxa a mecha de cabelo para la de volta, porém quando vira de costas, Merida volta a

A construção visual do cabelo de Merida é uma importante representação da sua cor quente e é associada ao sentimento de paixão, de energia, ação, vitalidade e força. O cabelo crespo, volumoso e indisciplinado (figura 2) representa a rebeldia, a transgressão e insubmissão, e também enuncia a busca e o apreço da ade. Tanto a touca que cobre seu cabelo, quanto o vestido e espartilho apertados representam a supressão dessa liberdade, de sua mobilidade, vontade própria e, em titui: sua identidade. O vestido, contrastando com a cor do cabelo, possui um claro tom de azul. Sendo uma cor fria, o azul (principalmente nos tons claros) transmite serenidade e calma, mas também apatia. As cores claras culturalmente também eram indicadas às moças solteiras e simbolizavam a castidade. Simone de Beauvoir

Branca de Neve jazendocomo uma morta em um esquife de vidro, a Bela Adormecida, Atala desfalecida, toda uma corte de ternas heroínas machucadas, passivas, feridas, ajoelhadas, humilhadas, ensinam à jovem irmã o fascinante a beleza martirizada, abandonada, resignada.“ (BEAUVOIR, 1967b, p.

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Figura 2: volumoso e

indisciplinado, o cabelo de Merida é uma das principais expressões de sua identidade.

A beleza resignada é aqui culturalmente imposta e esperada, principalmente na mulher (e menina) que está próxima ao casamento. Esta representação é a que até hoje predominou na representação da princesa nos contos de fadas. Desta forma, o vestido que restringe seus movimentos espontâneos e a faz ocupar o menor espaço possível (de uma cor que remeta a calma e resignação) aliado ao aprisionamento do cabelo fará de Merida a mulher perfeita para o casamento. Há, portanto, uma tensão que fica evidente entre a afirmação de Merida como sujeito e as imposições de comportamento as quais está submetida. Ao puxar a mecha de cabelo para fora ela tenta afirmar sua identidade, mesmo perante as supressões e restrições de que sofre naquela situação.

Segundo Simone de Beauvoir, a filha é para a mãe ao mesmo tempo um duplo e um Outro (BEAUVOIR, 1967b, p. 23) e as imposições para que a filha siga o mesmo destino são ao mesmo tempo uma forma de vingar-se e de reivindicar a sua própria feminilidade. Elinor, em um momento anterior do filme, deixa claro que ela também teve receios ao se casar, mas que cumpriu com seu papel perante a sociedade. Este papel que deve ser desempenhado advém tanto de sua posição social de princesa quando de seu gênero, já que neste contexto histórico o casamento era o destino principal da mulher, ficando ela na maior parte das vezes resignada ao ambiente doméstico e ao cuidado da família enquanto o homem poderia desempenhar outros papéis sociais. “Educadas por mulheres, no seio de um mundo feminino, seu destino normal é o casamento que ainda as subordina praticamente ao homem;” (BEAUVOIR, 1967b, p.7). É desta forma que se desenha a relação de Merida com a sua mãe, que vai lhe impor regras de comportamento e de postura visando tornar Merida uma princesa (e mulher) de verdade, para que siga o destino tradicional que lhe está reservado.

O CAPITAL SIMBÓLICO EM JOGO: “EU VOU COMPETIR PELA MINHA PRÓPRIA MÃO!”

Segundo Pierre Bourdieu(2012, p. 56), a mulher é reduzida a condição de objeto e negada como sujeito, ficando submetidaà condição de instrumento de produção e reprodução de capital simbólico e social. É principalmente através do casamento e das relações familiares e de parentesco em que se determina às mulheres seu estatuto de objeto de troca simbólica. Para Bourdieu, a economia de bens simbólicos consiste na transformação de objetos passíveis

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de serem trocados (materiais) em dons (não materiais) para a manutenção da honra, do prestígio e, em última instância, da dominação social. A mulher e por consequência o seu corpo é, nesta lógica, um dos primeiros instrumentos de troca de capital simbólico, podendo ser avaliado e intercambiado entre os homens. Há um intenso trabalho social de produção reprodução dos agentes dessa economia (homens ativos e mulheres passivas) para que esta estrutura funcione, bem como a manutenção da própria lógica que sustenta esta estrutura.

(re) produzir o jogo e seus lances é (re) produzir as condições de acesso à reprodução social (e não apenas à sexualidade), garantida por uma troca agonística que visa acumular estatutos genealógicos, nomes de linhagem ou de ancestrais, isto é, capital simbólico, e portanto poderes e direitos duradouros sobre as pessoas. (BOURDIEU, 2012, p. 58)

Merida representa, como princesa,mas primeira e principalmente enquanto menina/mulher, um bem simbólico para sua família e sobretudo para o seu Clã. O controle sobre seu corpo, a manutenção de suas virtudes como futura esposa, mãe e rainha (ser casta, cordata, submissa, graciosa, etc.) aumentam seu valor simbólico. As virtudes da mulher constituem um bem que deve ser mantido acima de qualquer suspeita para que não perca seu valor simbólico, sobretudo a castidade – garantia da reputação masculina tanto quanto asseguração dos herdeiros e consequentemente das riquezas e do capital simbólico da família. São estes signos de prestígio que determinarão a honra da família e que darão as possibilidades de alianças e aliados de também alto prestígio social.

É através da dominação/domesticação do corpo de Merida para que se encaixe nos ideais de virtudeque se espera de uma mulher que a rainhaElinor reproduz a lógica da economia de trocas simbólicas e a estrutura de dominação a qual ela própria também é vítima.Segundo Bourdieu (2012, p.60), cabe aos homens o trabalho de manutenção do capital social e simbólico, atividades públicas/sociais e prática de trocas e desafios/jogos de honra enquanto à mulher, na maioria dos casos, é designado o papel de objeto de troca. Deve-se a isso, por exemplo, a vigilância excessiva de pais e filhos homens em cima das mulheres da família a fim de manter a honra (capital simbólico) e que por vezes se justifica como proteção. Elinor subverte esta lógica quando se torna a principal figura na manutenção do capital simbólico de sua família, inclusive tomando a frente e a palavra do rei, seu marido Fergus, na esfera pública para receber os representantes dos Clãs que disputariam a mão de Merida em casamento.

É através do jogo que testará as habilidades dos pretendentes dos Clãs Dingwall, MacGuffin e MacIntosh que a mão de Merida – e seu destino – serão disputados. A disputa

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tem por objetivo testar a masculinidade dos representantes de cada Clã, atestar suas capacidades e virilidade e, por consequência, sua honra. Segundo Bourdieu:

As mulheres são excluídas de todos os lugares públicos (assembleia, mercado), em que se realizem os jogos comumente considerados os mais sérios da existência humana, que são os jogos de honra. E excluídas, se assim podemos dizer, a priori, em nome do princípio (tácito) da igualdade na honra, que exige que o desafio, que honra quem o faz, só seja válido se dirigido a um homem (...) e a um homem honrado, capaz de dar uma resposta que, por representar uma forma de reconhecimento, é igualmente honrosa. (BOURDIEU, 2012, p.62)

Merida vê nas regras do jogo, onde só pode participar o primogênito de cada Clã, a chance para lutar em pé de igualdade pelo seu destino, já que é a primogênita. Se eles poderiamganhá-la em um jogo de habilidades, ela usaria as suas para tomar o controle de si mesma e afirmar-se como sujeito. Como é dado à princesa o poder de decisão da modalidade da disputa,Merida escolhe o arco-e-flecha e se prepara para por em prática seu plano. Merida entra na lógica das trocas simbólicas para subverter, de dentro, a estrutura que a rege. Passa de objeto de troca para sujeito detentor do bem simbólico, capaz de disputar por ele junto aos homens na esfera pública. Apesar do seu plano não dar certo (ela não ganha a sua própria “mão em casamento”), a cena em que Merida invade o local de disputa com seu arco-e-flecha é uma forte representação da sua afirmação pública como sujeito e o anúncio de que detém o poder sobre seu corpo e sobre seu destino. Visualmente é representado por Merida rasgando o vestido apertado que suprimia seus movimentos para que, assim, pudesse utilizar o arco-e-flecha para acertar com precisão todos

os alvos e ganhar a disputa(figura 3).Mesmo sem atingir seu objetivo, seu ato de subversão da ordem imposta e das regras sociais causa comoção entre os participantes e a interrupção temporária da disputa. Ao final da trama,Meridaconquista o direito (para si e para os demais) de escolher se deseja casar. Mais do que decidir sobre o casamento, ela consegue afirmar-se como sujeito. Ao contrário da

representação tradicional da princesa nos filmes de animação, Merida não encontra um príncipe e não há interesse romântico movendo a personagem.

Figura 3:Merida rasga o vestido que suprimia seus

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Apesar de representar o sujeito ativo na trama e romper com a representação da princesa passiva e resignada, Valente ainda não rompe com estereótipos de belezaenraizados e perpetrados na cultura ocidentalcomo o ideal da magreza, representação de corpos delicados, esguios e contidos para as personagens femininas (em especial as protagonistas) em contraste com a robustez dos corpos masculinos.

REFERÊNCIAS

AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. Campinas: Papirus, 2003.

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967a.

______. O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967b. BOURDIEU. Pierre. A dominação masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

GOELLNER, S. V. A produção cultural do corpo. In: LOURO, G. L.; NECKEL, J. F. e GOELLNER, S. V. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003.

SABAT, Ruth Ramos. Infância e gênero: o que se aprende nos filmes infantis. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: <

http://www.ced.ufsc.br/~nee0a6/truthsa.PDF>. Acesso em: 10 de agosto de 2013. SALIH, Sara. Judith Butler e a Teoria Queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e Realidade. Porto Alegre, n 20,v2, p.71-100, jul/dez, 1995.

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