• Nenhum resultado encontrado

MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO: REPERCUSSÕES NA GESTÃO ESCOLAR

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO: REPERCUSSÕES NA GESTÃO ESCOLAR"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

Neila Pedrotti Drabach  neiladrabach@hotmail.com  Mestranda em Educação – PPGE/UFSM 

Nascida  sob  a  égide  dos  princípios  liberais  burgueses,  a  relação  entre  a  função  social  da  escola  e  as  demandas  do  sistema  capitalista  cada  vez  mais  se  estreitam.  A  complexidade  de  que  se  enredam  e  estão  imbricadas  as  relações  de  reprodução  social  e  reprodução capitalista, torna ainda mais tênue as lacunas para a construção de alternativas  a um processo educativo mais voltado à produção em detrimento da reprodução. 

Refletir sobre a educação no contexto atual reporta­nos ao esforço de compreender  os  desdobramentos  das  mudanças  nas  esferas  econômica,  política  e  social  no  campo  educacional. Em função de este campo representar expressiva função no desenvolvimento  de projetos de sociedade, a sua gestão é alvo de alterações, à medida que se modificam os  quadros de  referências  da  sociedade.  Sendo  a  política  educacional  o cerne  do  sistema  de  ensino público, é aí que se instalam e definem os rumos e funções da educação, de acordo  com os interesses e projetos político­econômicos predominantes na sociedade. 

No contexto de reabertura política do Brasil, marcado pelo fim da ditadura militar,  enquanto regime político, é assegurado na Constituição Federal de 1988, no Art. 206 § VI,  a gestão democrática do ensino público, na forma da lei. Segundo Vieira (2006), a Gestão  Democrática, ao mesmo tempo em que  se  apresenta  como uma  conquista da  forças civil­  democráticas,  marcada  pelas  lutas  dos  movimentos  populares  e  protestos  pela  abertura  política  do  Brasil  nos  anos  80,  coincide  com  um  contexto  em  que  assolava  no  país  os  “raios” de um projeto político­econômico­ideológico globalizado: o neoliberalismo. 

O  projeto  neoliberal  de  sociedade  tem  como  um  de  seus  fundamentos  a  descentralização  das  funções  do  Estado,  através  do  repasse  destas  funções  à  sociedade  civil.  Sendo  assim,  pode­se  indagar  se  esta  abertura  à  democracia,  ou  seja,  a  descentralização,  não  está  também  atrelada  à  operacionalização  deste  projeto  político­  econômico. 

A  implantação  do  projeto  neoliberal  de  sociedade,  em  âmbito  global,  trouxe  dilemas para o Brasil.  Dagnino (2004), aponta  para o momento histórico atual,  como um

(2)

período  perverso  de  confluência  entre  o  projeto  neoliberal  e  o  projeto  democrático.  A  perversidade 1 é  decorrente  do  fato  de  que  ambos  os  projetos,  embora  apontando  para  direções opostas, requerem uma “sociedade civil ativa e propositiva”: 

A  disputa  política  entre  projetos  políticos  distintos  assume  então  o  caráter  de  uma  disputa  de  significados  para  referências  aparentemente  comuns:  participação,  sociedade  civil,  cidadania,  democracia.  Nessa  disputa,  onde  os  deslizamentos semânticos, os deslocamentos de sentido, são as armas principais,  o  terreno  da  prática  política  se  constitui  num  terreno  minado,  onde  qualquer  passo em falso nos leva ao campo adversário. Aí a perversidade e o dilema que  ela  coloca,  instaurando  uma  tensão  que  atravessa  hoje  a  dinâmica  do  avanço  democrático no Brasil (Id. Ibid. p. 97). 

Frente a isso, este trabalho objetiva discutir de que forma a gestão democrática está  atrelada  a  uma  nova  estratégia  regulatória  do  sistema  de  ensino,  com  vistas  a  atender  ao  projeto  neoliberal  de  sociedade. Ancorada  em  uma  perspectiva  dialética  de  compreensão  dos fatos, parte­se, inicialmente, para algumas considerações sobre a função e o caráter das  políticas  públicas.  Posteriormente,  aponta­se  algumas  formas  de  redimensionamento  das  políticas públicas a partir da ideologia  neoliberal, quando estas passam a ser guiadas pelo  poder regulatório do mercado. Por fim, investe­se em uma aproximação crítica entre alguns  dos conceitos que configuram o processo de gestão Democrática e Gestão Gerencial. 

Ressalta­se  que  em  um  tempo  marcado  pelo  estreitamento  das  possibilidades  de  avanço  do  social  e  do  político,  através  do  cerceamento  do  mercado  pelas  políticas  neoliberais globais, é desejável o trabalho de abertura de espaços nestes campos, a fim de  construir novos significados e sentidos frente ao quadro que se apresenta. 

Políticas  Públicas  educacionais  e  neoliber alismo:  r edimensionamentos  no  campo  educacional 

A  educação  configura­se  como  um  campo  social  marcado  pela  tensão  decorrente  dos diversos interesses e  projetos em disputa, uma  vez  que se constitui em um espaço de  luta privilegiado no processo de conquista  da  hegemonia  política  e  cultural na  sociedade.  Dessa forma, questionarmo­nos frente ao quadro que as políticas públicas educacionais nos  apresentam é imprescindível a fim de que possamos partilhar dos rumos e perspectivas do  sistema  educacional,  tendo  condições  de  explicitar  nossos  desejos  e  ações  enquanto  profissionais da educação. 

Por  perversidade,  Dagnino  (2004,  p.  96)  entende  como  “fenômeno  cujas  conseqüências  contrariam  sua  aparência, cujos efeitos não são imediatamente evidentes e se revelam distintos do que se poderia esperar”.

(3)

Revisitando os  campos de  estudo  e pesquisas  em  Políticas  Públicas,  depreende­se  que estas têm sido o resultado da ação do Estado em relação às demandas “que emergem  da  sociedade  e  de  seu  próprio  interior,  sendo  a  expressão  do  compromisso  público  de  atuação  numa  determinada  área  a  longo  prazo”  (CUNHA  &  CUNHA,  p.12,  2002).  Às  áreas  de  atendimento  das  políticas  públicas  são,  comumente,  entendidas  como  educação,  saúde, previdência, habitação, saneamento, etc. 

No entanto, nos marcos de uma sociedade de conflitos, desigualdades sociais e de  poder,  o “pano  de  fundo”  das  políticas  públicas  ultrapassa  as  demandas  sociais,  sendo o  resultado de uma gama maior de fatores de diferentes naturezas.  Segundo Ahlert (2004, p.  48),  “elas  são  o  resultado  do  jogo  de  poder  determinado  por  leis,  normas,  métodos  e  conteúdos  que  são  produzidos  pela  interação  de  agentes  de  pressão  que  disputam  o  Estado”. Identificados como agentes de disputa, estão os políticos, os partidos políticos, os  empresários,  os  sindicatos,  as  organizações  sociais  e  civis.  Esta  situação  permite­nos  compreender as vicissitudes dos caminhos na construção de políticas públicas que emanam  das demandas do campo educacional. 

A  década  de  90  tornou­se  um  campo  fértil  na  proposição  de  mudanças  para  o  campo  educacional.  A  luta  da  sociedade  civil  e  dos  setores  organizados  do  campo  da  educação  ganhou  força  a  partir  da  redemocratização  do  país,  na  década  de  80.  Com  a  promulgação da Constituição Federal de 1988, guiada por princípios de democratização da  sociedade como um todo, os atores escolares viram traduzida a possibilidade de mudanças  para  os  rumos  da  educação  nacional.  Estas  possibilidades  estariam  garantidas  com  a  elaboração da nova Lei de Diretrizes e Base para a Educação Nacional, do Plano Nacional  de  Educação  e  da  elaboração  de  Leis  de  Gestão  Democrática,  em  nível  Estadual  e  Municipal, ambos assegurados na Constituição. 

No entanto, também se torna fértil neste momento a possibilidade de adentramento  da  ideologia  neoliberal  na  política  de  governo  do  país.  O  governo  Fernando  Collor  de  Mello  (1990­1992)  inaugura  esta  política,  dando  continuidade  o  governo  Itamar  Franco  (1992­1994)  e  os  governos  de  Fernando  Henrique  Cardoso  (1995­2002),  às  ações  neoliberais nos diferentes setores da sociedade. 

Neste contexto, novo elemento entra na disputa das ações do Estado em relação às  políticas púbicas, com forte expressão. O neoliberalismo trouxe para o campo educacional  certa  desvinculação  do  Estado  de  suas  funções  com  este,  ao  mesmo  tempo  em  que

(4)

imprimiu  novas  demandas  a  esta  esfera  social,  tendo  como  princípio  orientador  as  necessidades do mercado. 

Neste  sentido,  os  movimentos  de  mudança  e  de  proposição  de  políticas  públicas  para  a  educação  acabam  por  definir­se  a  partir  de  novos  contornos,  não  mais  aqueles  desejados pela sociedade civil. No caso do Plano Nacional de Educação 2 , Lei 10.172/01, a  proposta  coletiva  elaborada  pela  sociedade,  a  partir  da  realização  dos  I  e  II  Congressos  Nacionais  da  Educação  (CONEDs),  tomou  outros  rumos  quando  de  sua  efetivação  enquanto Lei, após passar pelo Congresso Nacional. 

No  seu  processo  de  aprovação  entraram  em  disputa  dois  projetos  de  Plano:  o  da  sociedade  civil  e  o  do  governo  FHC.  Para  Valente  &  Romano  (2002,  p.  98)  as  duas  propostas 

traduziam  dois  projetos  conflitantes  de  país.  De  um  lado,  tínhamos  o  projeto  democrático  e  popular,  expresso  na  proposta  da  sociedade.  De  outro,  enfrentávamos  um  plano  que  expressava  a  política  do  capital  financeiro  internacional  e  a  ideologia  das  classes  dominantes,  devidamente  refletido  nas  diretrizes e metas do governo. 

Enquanto  o  projeto  da  sociedade  reivindicava  o  fortalecimento  da  escola  pública  estatal  e  a  democratização  da  gestão  educacional,  o  projeto  do  governo  defendia  a  permanência  de  uma  política  educacional  assentada  em  dois  pilares  principais:  “máxima  centralização da formulação e da gestão política educacional, com o progressivo abandono,  pelo  Estado,  das  tarefas  de  manter  e  desenvolver  o  ensino,  transferindo­as,  sempre  que  possível para a sociedade” (VALENTE & ROMANO, 2002, p. 99). 

Em  meio  à  sociedade  atual,  caracterizada  pela  política  e  ideologia  neoliberal,  o  Estado  não  se  encontra  apenas  sob  a  atuação  dos  governos  nacionais,  mas  está  inserido  dentro  de  um  processo  de  governação  mais  amplo.  O  neoliberalismo  surge  como  um  projeto político­ideológico  globalizado,  configurando­se  como  estratégia  para  enfrentar  a  crise  do  capitalismo,  na  década  de  70.  Aliado  a  isso,  não  só  a  economia  passa  a  ser  determinada  globalmente,  mas  também  as  proposições  para  as  diferentes  esferas  da  sociedade,  dentre  elas  a  educação  –  uma  vez  que,  para  o  neoliberalismo,  a  educação 

O Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação deu entrada na Câmara dos Deputados em 10 de fevereiro  de 1998, apenas em 2001 o Presidente Fernando Henrique Cardoso sanciona a Lei.

(5)

cumpre  um  papel  estratégico  no  desenvolvimento  da  economia,  através  da  produção  do  “Capital Humano 3 ”. 

No  campo  educacional,  cumprem  decisivo  papel  na  formulação  das  políticas  públicas  nacionais  os  organismos  internacionais,  de  caráter  intergovernamental  (Fundo  Monetário  Internacional  ­  FMI,  Banco  Internacional  para  a  Reconstrução  e  o  Desenvolvimento – BIRD, Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, Organização  das Nações Unidas – ONU, Organização Mundial do Comércio – OMC, Organização das  Nações Unidas para a educação, ciência e cultura – UNESCO, Fundo das Nações Unidas  para a Infância – UNICEF), que possuem estreita ligação aos interesses do mercado. Tais  organismos  “produzem”  sua  participação  nos  sistemas  nacionais  de  ensino  através  da  promoção  de  conferências  internacionais  (Conferência  Internacional  de  Educação  para  Todos, Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, etc) para a discussão  dos problemas ligados à humanidade, dentre eles os concernentes à  educação, sob a ótica  capitalista.  Tais  conferências  se  intitulam  altamente  democráticas,  pois  se  compõe  por  representantes  de  todos  os  países,  criando,  assim,  uma  atmosfera  de  maior  legitimidade  social. 

Estes empreendimentos internacionais, resultam  na formulação de leis gerais, que  compõe uma  agenda  fixa para  a  educação  (TEODORO, 2001), ou,  nas  palavras  de  Dale  (2001), umaagenda globalmente estruturada. A partir disso, 

A formulação  de políticas educativas, particularmente nos  países de  periferia (e  da  semiperiferia)  do  sistema  mundial,  começou  a  depender,  cada  vez  mais  da  legitimação  e  da  assistência  técnica  das  organizações  internacionais,  o  que  permitiu, nos anos sessenta, uma rápida difusão das teorias  do capital humano e  da  planificação  educacional,  núcleo  duro  das  teorias  da  modernização,  tão  em  voga  neste  período  de  euforia,  em  que  a  educação  se  tornou  um  instrumento  obrigatório da auto­realização individual, do progresso social e da prosperidade  econômica (HUSÉN, 1979 apud TEODORO, 2001 p. 127). 

No campo educacional, os constantes empreendimentos, estudos e publicações das  organizações internacionais cumprem 

A teoria do Capital Humano “incorpora em seus fundamentos a lógica do mercado e a função da escola se  reduz  a  formação  dos  “recursos  humanos”  para  a  estrutura  da  produção.  Nessa  lógica,  a  articulação  do  sistema educativo com o sistema produtivo deve ser necessária. O primeiro deve responder de maneira direta  à demanda do segundo” (BIANCHETTI, 1999, p. 94).

(6)

(...)  um  decisivo  papel  na  normalização  das  políticas  educativas  nacionais,  estabelecendo  uma  agenda  que  fixa  não  apenas  as  prioridades,  mas  igualmente  as  formas como  os  problemas se colocam e equacionam, e  que constituem uma  forma  de  fixação  de  um  mandato,  mais  ou  menos  explícito,  conforme  a  centralidade dos países (TEODORO, 2001 p. 128). 

Um  exemplo  da  ação  dos  organismos  internacionais  no  campo  educacional  é  o  próprio Plano Nacional de Educação. Segundo Valente & Romano (2002, p. 99) 

O  fundamento  da  Lei  nº  10.172/2001  encontra­se  na  política  educacional  imposta  pelo  Banco  Mundial  ao  MEC.  O  texto  assume,  como  fio  condutor,  o  conhecido e  esperto  modo de legislar  das elites:  no que interessa aos “de cima”  (no  caso,  a  política  do  governo)  temos  uma  lei  com  comandos  precisos,  num  estilo criterioso, detalhista e, regra geral, auto­aplicável. No que interessa aos “de  baixo”  e  que  eventualmente  não  tenha  sido  possível  ou  conveniente  suprimir,  recorre­se  à  redação  “genérica”,  no  mais  das  vezes,  sujeita  a  uma  regulamentação sempre postergada. 

Deste campo de disputa de interesses econômicos e projetos de sociedade, resultam  textos legais produzidos a partir de uma linguagem ambígua e híbrida, no qual está contido  tanto o discurso oficial, quanto o alternativo.  Sandra  Corazza, apesar de  estar falando do  tema do currículo, expressa uma idéia que vem ao encontro do que vimos presenciando no  contexto da formulação de políticas públicas educacionais: 

Este  é  o  nosso  “horror”  político:  descobrir  que  aqueles  currículos,  que  considerávamos  “nossos”,  estão  também  “capitalizados”,  “globalizados”,  “neoliberalizados”. Que  eles dizem a mesma  coisa  que aqueles currículos contra os quais  lutamos.  Que, talvez,  já  tenha  chegado  o  tempo  em  que  a  dissipação  das  diferenças  nos  leva a não saber mais quem somos, o que queremos, o que propomos. Em que a dispersão  dos limites nos leva a não identificar mais pelo que educamos e estudamos, pesquisamos e  escrevemos, lutamos e vivemos (2001, p.106). 

O  caminho  percorrido  até  então  neste  texto,  teve  o  intuito  de  apontar  para  os  percursos  na  construção  das  políticas  públicas  educacionais,  ou  seja,  o  planejamento  educacional,  no  contexto  da  sociedade  guiada pelo  neoliberalismo.  Deparamo­nos  com o  hibridismo do discurso presente nos textos que legitimam as políticas educacionais, ferindo  a luta por um projeto democrático de sociedade, uma vez que o resultado mascara os reais  anseios  da  sociedade.  Os  discursos  alternativos  são  cooptados  pelo  ideário  neoliberal,  promovendo uma hibridização que dissimula a pluralidade dos sentidos em disputa, o que  se torna um obstáculo na proposição e edificação de práticas realmente democráticas.

(7)

Mudanças no mundo do tr abalho e Gestão Democr ática do Ensino Público: entr e os  pr ojetos democr ático e neoliberal 

Nesse  contexto,  marcado  pela  supremacia  do  mercado,  a  educação  emerge  como  um dos principais elementos nessa etapa de mudança. Encontra­se no campo educacional a  possibilidade  de  aumento  da  produtividade  e  eficiência  dos  trabalhadores,  por  isso  o  grande empreendimento em reformas educacionais, as quais visam traduzir estes interesses  econômicos e promover a garantia de subsistência do modo de produção capitalista. Neste  sentido,  elucida­se  como  um dos  principais  desafios  desvelar  o hibridismo  dos  discursos  produzidos  e  veiculados  no  meio  educacional,  a  fim  de  distinguir  a  racionalidade  e  os  interesses que lhes subjazem. 

Para  compreender  os  fundamentos  que  configuram  este  cenário,  é  necessário  que  reportemo­nos  ao  contexto  histórico,  o  qual  retrata  os  dinamismos  de  sobrevivência  do  modo de produção capitalista. Na década de 70, o modo de produção capitalista vive uma  crise político­econômica. Dentre os fatores apontados como causas: estava  seu regime  de  acumulação, o fordismo, e o modelo de Estado de Bem­Estar Social. O modelo produtivo – 

idealizado pelo empresário estadunidense Henry Ford (1863­1947) – assentava­se em uma  escala  de rígida hierarquia e especialização de tarefas, tendo como pressuposto a idéia de  que  “a  produtividade  do  trabalho  podia  ser  aumentada  por  meio  da  decomposição  e  fragmentação  dos  processos  de  trabalho,  a  partir  do  conjunto  rigoroso  de  práticas  de  controle  do  trabalho,  assim  como  de  tecnologias  e  hábitos  de  consumo”  (MARQUES, 

2006, p. 508). O Estado de Bem­Estar Social – teoria econômica desenvolvida por Keynes 

–  por  sua  vez,  traduzia­se  na  proposta  de  um  Estado  interventor  na  economia,  a  fim  de  “regularizar  o  ciclo  econômico  e  evitar  assim  as  flutuações  dramáticas  no  processo  de 

acumulação do capital”  (INSUANI,  1991, apud BIANCHETI,  1999, p. 24),  garantindo o 

crescimento da produção, o consumo, o emprego e a provisão pública das políticas sociais  (BIANCHETTI, 1999). 

Em meio à crise  destes modelos – de  acumulação capitalista e de  política  Estatal,  devido à sua fragilidade em conter as contradições intrínsecas ao capitalismo, surgem, nos  países  centrais,  novas  formas  de  arranjo  da  produção  e  de  Estado,  fortalecendo­se  aí  as

(8)

características do modelo econômico de produção toyotista, ou pós­fordista 4 , e do Estado  Neoliberal. 

Ao atuar como organizador das relações no mundo do trabalho, o toyotismo trouxe  para  este  meio  os  princípios  da  flexibilização,  o  trabalho  em  equipe,  a  participação,  a  autogestão  (autonomia),  entre  outros.  A  reformulação  no  modelo  Estatal  é  decorrente  destas mudanças na base produtiva, uma vez que enquanto no fordismo necessitava­se de  uma  base  estatal  forte  na  economia,  com  o  toyotismo,  o  Estado  deve  afastar­se,  descentralizando suas funções para o mercado e a sociedade civil – teoria neoliberal. 

Assim,  de  um  modelo  hierárquico  de  produção  e  um  Estado  centralizador,  passamos  a  ter  ênfase  no  trabalho  coletivo,  na  participação,  na  autonomia  e  na  descentralização.  Tais  vocábulos,  identificados,  historicamente,  com  um  projeto  democrático de sociedade passam a ser cooptados, adquirindo novos sentidos no âmago do  projeto neoliberal. De acordo com Lima (2002, p.31), no contexto do neoliberalismo: 

autonomia  (mitigada)  é  um  instrumento  fundamental  de  construção  de  um  espírito  e  de  uma  cultura  da  organização­empresa;  a  descentralização  é  congruente  com  a  ‘ordem  espontânea’  do  mercado;  respeitadora  da  liberdade  individual e garante a eficiência econômica; a participação é essencialmente uma  técnica  de  gestão,  um  fator  de  coesão  e  consenso”.  Assim,  nesta  perspectiva,  “conceitos  como  ‘autonomia’,  ‘comunidade  educativa’,  ‘projecto  educativo’,  continuarão  a  ser  convocados,  e  até  com  maior  freqüência,  mas  como  instrumentos essenciais de uma política de modernização e racionalização, como  metáforas  capazes  de  dissimularem  os  conflitos,  de  acentuarem  a  igualdade,  o  consenso  e  a  harmonia,  como resultados ou artefactos,  e não  como  processos  e  construções colectivas. 

Neste  cenário,  a  desejada  Gestão  Democrática  do  Ensino  Público  surge  multifacetada. De um lado, guardadora de um projeto democrático com vistas à ampliação  dos  espaços  de  cidadania  e  construção  de  uma  educação  de  qualidade,  de  outro,  como  estratégia  do  gerencialismo  econômico  global,  que  tem  por  objetivo  atrelar  o  ensino  ao  desenvolvimento da economia. De acordo com Marques (2006, p. 511), 

A gestão democrática das Unidades Escolares públicas brasileiras ganha terreno  institucional  quando  passa  a  ser  defendida  pelo  Estado  neoliberal,  como  forma  de garantir a eficiência e eficácia do sistema público de ensino. Por isso, não tem 

Embora  já  concebido  na  década  de  50,  no  Japão,  apenas  na  década  de  70  o  toyotismo  adquire  maior  projeção, em virtude de sua adaptação às necessidades produtivas.

(9)

significado,  muitas  vezes,  avanços  na  construção  de  uma  escola  pública  de  qualidade, que atenda aos interesses da maioria da população brasileira. 

A  perversidade  no  campo  educacional  parece  estar  situada  nos  ideais  da  democratização  da  gestão,  no  qual  é  possível  identificar  a  confluência  de  dois  projetos,  oriundos  dos  projetos  democrático  e  neoliberal  de  sociedade:  a  Gestão  Democrática  e  a  Gestão  Gerencial 5 .  Enquanto  para  o  projeto  democrático  a  participação  tem  fins  mais  amplos,  como  “contribuir  para  que  instituições  educacionais  articuladas  com  outras  organizações da comunidade, possam participar da construção de  uma sociedade  fundada  na  justiça  social,  na  igualdade  e na  democracia”  (PNE,  Proposta  da Sociedade Brasileira,  1997, p. 50), para o projeto neoliberal, a gestão gerencial, embora fazendo uso dos mesmos  propósitos  democratizantes,  valoriza  a  participação  de  forma  funcional,  ou  seja,  apenas  técnica  de  gestão  e  é  utilizada  muito  mais  como  forma  de  atenuar  conflitos  e/ou  divergências do que como espaço de tomada de decisões, negociações (LIMA, 2001). 

Baseada  nas  configurações  do  modelo  de  produção  toyotista,  a  gestão  gerencial  baseia­se  em  práticas  de  avaliação  a  posteriori,  como  forma  de  monitoramento  da  organização e funcionamento interno de instituições ou organizações sociais. No caso das  instituições  educacionais  ao  invés  de  um  controle  rígido  interno,  como  no  caso  da  administração  baseada  no  modelo  fordista,  os  inúmeros  índices  de  avaliação  cumprem  a  função de um controle externo mascarado, justificado em função da garantia de um padrão  mínimo de “qualidade”, atuando como uma estratégia de regulaçãodo sistema de ensino. 

A visão neoliberal prevalece nas políticas públicas de modo geral e particularmente  na  gestão da educação, de forma a mantê­las atreladas ao desenvolvimento econômico. A  luta  da  sociedade  civil  pela  participação/controle  social  das  ações  voltadas  ao  campo  educacional, parece hoje traduzir­se emregulação social. 

De acordo com Mousquer (2003, p. 42), 

Atualmente, as  políticas públicas  estão  enraizadas  na concepção do  domínio da  razão  instrumental,  em  que  o  próprio  homem,  na  sua  dinâmica  constitutiva,  apropria­se  dos  interesses  dessa  mesma  racionalidade,  obedecendo  a  critérios  definidos  pelos  interesses  materiais  e  sociais  da  vida  moderna.  Esse  interesse  5 Modelo  de  administração  empresarial  resultante  do  regime  de  produção  toyotista,  que  se  fundamenta  na  busca por maior eficiência na produção.

(10)

está  sendo  cada  vez  mais  identificado  com  a  lógica  de  uma  racionalidade  econômica  resultante  do  sistema  capitalista.  O  ritmo  de  valorização  é  de  uma  velocidade  ímpar  e  impede  que  as  questões  relativas  à  justiça  social  e  à  autoridade política do mundo da vida transcendam para a vivência cotidiana. 

È  necessário a compreensão de que  a  luta pela democratização da Gestão Escolar  não se circunscreve apenas em nível legal, seu processo histórico é complexo, envolvendo  uma gama de fatores que compõem um campo de disputa entre interesses sociais, políticos  e  econômicos.  Estar  atento  aos  movimentos  que  configuram  essa  tensão  político­  econômica no campo educacional permite identificar até que ponto os ideais democráticos  estão  sendo  traduzidos  em  práticas  sociais  democráticas  ou  estão  sendo  cooptados  pelo  ideário econômico neoliberal, tornando­se apenas uma democracia de livre mercado. 

Frente  a  estas  mudanças,  a  escola  encontra­se  diante  de  tantas  exigências  que,  contraditoriamente,  encontra­se  em  crise.  Isto  é,  precarizada  em  sua  concepção  de  integração ou de recusa às determinações capitalistas.  Talvez  esteja  nessas incertezas das  práticas escolares que resida as bases de uma educação que atenda os interesses da maioria,  aproveitando as experiências que se manifestam diariamente em todas as escolas. 

Admitindo a concepção dialética da história, considera­se que tal situação não está  pré­determinada, podendo adquirir contornos diferenciados. Embora a Gestão Democrática  contenha  pressupostos  de  identificação  com  os  interesses  econômicos  atuais,  ressalta­se  que  este  processo  resguarda  possibilidades  de  construção  de  um  espaço  público  democrático, uma vez que a concretização das políticas públicas só é possível no momento  em que se traduz em de práticas sociais. 

Refer ências: 

AHLERT, A. Políticas Públicas e Educação na Construção de uma Cidadania Participativa  no Contexto do Debate Sobre Ciência e Tecnologia. In: Revista Guair acá: Guarapuava, n°  20, p. 47­70, 2004. 

BIANCHETTI.  R.  G.  Modelo  Neoliber al  e  Políticas  Educacionais.  São  Paulo:  Cortez,  1999. 

BRASIL.  Constituição  (1988).  Constituição  da  República  Feder ativa  do  Br asil.  Brasília, DF: Senado, 1988. 

___. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases para Educação Nacional.  CORAZZA, S. M. Currículos alternativos/oficiais:o(s) risco(s) do hibridismo. In: Revista  Br asileir a de Educação, n° 17, Maio/Jun/Jul/Ago, 2001.

(11)

CUNHA, E. de  P.; CUNHA, E. S. M..  Políticas  públicas e sociais. In: CARVALHO, A.;  SALES, F. (Orgs.) Políticas públicas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. 

DAGNINO,  E.  Sociedade  Civil,  Participação  e  Cidadania:  de  que  estamos  falando?  In:  MATO,  D.  (org.)  Políticas  de  Ciudadanía  y  Sociedad  Civil  en  tiempos  de  globalización. Caracas: FaCES, Universidad Central de Venezuela, 2004. 

DALE,  R.  Globalização  e  Educação:  demonstrando  a  existência  de  uma  “Cultura  Educacional  Mundial  Comum”  ou  localizando  uma  “Agenda  Globalmente  Estruturada  para a Educação”? In: Revista Educação & Sociedade. Campinas, vol. 25, n° 87, p. 423­  460, maio/ago. 2004. 

LEITÃO, C. F. Buscando caminhos nos processos de formação/autoformação. In: Revista  Br asileir a de Educação, n. 27, Set/Out/Nov/Dez 2004, p. 25­39. 

LIMA,  L.  C.  A  escola  como  organização  educativa:  uma  abordagem  sociológica.  São  Paulo. Cortez, 2001. 

MARQUES,  L.  R.  Caminhos  da  democracia  nas  políticas  de  descentralização  da  gestão  escolar.  In:  Ensaio:  avaliação,  políticas  públicas  e  Educação,  Rio  de  Janeiro,  v.14,  n.53,  out./dez. 2006, p. 507­526. 

MOUSQUER,  M.  E.  L.  Par adoxos  da  Democracia:  um  estudo  sobre  normatividade  e  possibilidade no campo da gestão democrática do ensino público. URGS, 2003. 246f. Tese  de  Doutorado  em  Educação.  Programa  de  Pós­Graduação  em  Educação,  Faculdade  de  Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003. 

LIMA, L. Modernização, racionalização e optimização: perspectivas neotayloristas na  organização  e  administração  da  educação.  In:  LIMA,  L.;  AFONSO,  A.  J.  Refor mas  da  educação  pública:  democr atização,  moder nização,  neoliber alismo.  Porto:  Afrontamento, 2002. 

TEODORO, A. Organizações internacionais e políticas educativas nacionais: a emergência  de novas formas de regulação transnacional, ou uma globalização de baixa intensidade. In:  STOER,  S.  R.;  CORTESÃO,  L.;  CORREIA,  J.  A.  (orgs.).  Tr ansnacionalização  da  Educação:  da  crise  da  educação  à  “educação”  da  crise.  Porto,  Portugal:  Edições  Afrontamento, 2001. 

VALENTE, I.  ROMANO, R. PNE: plano nacional de  educação ou carta de intenção? In:  Revista Educação e Sociedade: Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 96­107.  VIEIRA, S. L. Educação e Gestão: extraindo significados de sua base legal. In: LUCE, M.  B.; MEDEIROS, I. L. P. de. Gestão Escolar  Democrática: concepções e vivências. Porto  Alegre: Editora da UFRGS, 2006.

Referências

Documentos relacionados

1º Divulgar o resultado do processamento eletrônico da Renovação da Adesão de entes federados aos Programas de Provisão de Médicos do Ministério da Saúde, nos termos

Item: Expired: Avocado In 2 Days Item: Expired: Carrot In 2 Days Item: Expired: Chocolate Next Week Item: Expired: Beef Today Leftover Seed Leftover Plastic tray Leftover Skin

Presidente informou ter sido feita ontem, no Centro de Saude de Sines, a recepcao ao terceiro medico espanhol colocado em Sines, tendo sido

Iskaz je izveden na bazi osobina pojedinačnih komponenti Podaci za: FIPRONIL. Ocena biološke razgradivosti i eliminacije

A partir das questões vivenciadas, trouxemos para o enfoque acadêmico a discussão sobre juventudes, raça e gênero e iniciamos uma investigação que nos

Este trabalho visa avaliar os teores metais pesados e a ecotoxicidade associada à disposição de sedimentos dragados oriundos dos portos do Rio de Janeiro (PR) e de Niterói (PN)

O maior desenvolvimento do processo medial da mandí- bula é encontrado na maioria dos Coraciiformes, como em Momotidae, Todidae, Meropidae, Coraciidae, Phoeniculidae

Os resultados dos descritores: pedúnculo na raiz, forma da raiz, cor externa da raiz, cor do córtex da raiz, cor da polpa da raiz, textura da epiderme da raiz, constrições das