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Gênero, sexualidade e educação: em torno da normalização. Érico Sartori Pöttker UFPR 1

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Gênero, sexualidade e educação: em torno da normalização

Érico Sartori Pöttker – UFPR1

RESUMO:

Com este texto pretende-se buscar uma aproximação entre a preocupação com as questões de gênero e a sexualidade, e as atividades educativas em âmbito escolar. Para tanto, nos utilizamos de um referencial dos estudos de gênero pós-estruturalistas e da teoria queer para a discussão das identidades de gênero enquanto históricas, envoltas em relações de poder e produzidas nos discursos e por meio de performances. O pensamento de Michel Foucault é fundamental neste trabalho para refletirmos sobre a sexualidade enquanto dispositivo ainda em vigor na nossa sociedade, e sobre o sexo como ficção, sempre a reiterar uma concepção de natural e essencial ao humano. Por fim, desenvolvemos nossa reflexão sobre a educação escolar a partir dos conceitos de governamentalidade, biopolítica e normalização, também presentes na obra do filósofo francês, problematizando que o controle ou governamento da população escolar, notadamente dos alunos, se dá também mediante a designação de um lugar da “diferença” e do “desvio” em relação a uma sexualidade tida como “normal” e a formas rígidas e estereotipadas de vivência dos gêneros.

Palavras-chave: Gênero, sexualidade, educação.

INTRODUÇÃO

As questões de gênero e de sexualidade perpassam o ambiente escolar de diversas formas, podemos vê-las na forma da arquitetura dos estabelecimentos escolares, como observado por Foucault (2003) bem como nas relações entre os diversos atores que convivem neste ambiente (não que este convívio seja isento de conflitos). Por vezes oculta (mas presente), por vezes em destaque nos deboches e nas violências físicas e verbais, estas questões não podem ser ignoradas já que constituem uma dimensão importante da instituição escolar. Este trabalho procura demonstrar possíveis conexões entre tais aspectos da vivência humana e a educação. Propusemos-nos fazer isso a partir de um olhar que toma a produção

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná sob orientação da prof. Dra. Maria Rita de Assis César.

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dos gêneros em sua dimensão política, relacional e histórica. Assim, a produção de sujeitos generificados, a classificação destes de acordo com sua sexualidade e a forma como experimentam o seu corpo e seu gênero, são entendidos aqui mais do que como fenômenos marginais diante do processo da educação2. Consideramos como fundamentais para o

funcionamento de mecanismos de governamentalidade na escola, compreendida a partir da obra de Michel Foucault (2008b), em outras palavras, tais classificações servem ao objetivo de governamento (ou condução das condutas3) dos alunos, operando segundo o princípio da

normalização. Neste sentido, os alunos que não se ajustam aos imperativos da heteronormatividade (BUTLER, 2003), como os homossexuais, transexuais e demais que vivenciam experiências de gênero não estereotipadas, são marcados como anormais e sofrem as conseqüências desta marca: são encaminhados aos orientadores educacionais na busca do retorno à normalidade; são tratados como desviantes e colocados numa posição patológica e estigmatizada; em última instância são expulsos, ou evadem-se da instituição, por não haver possibilidade de trazê-los à normalidade (CÉSAR, 2009).

Gênero: incursões no conceito

Em se tratando dos estudos de gênero, existe uma pletora de teorias, que ora toma o gênero como mera diferença sexual, ora como produção cultural que opera a partir de um aparato biológico, criando significados. Temos ainda teorias de cunho marxista que ressaltam a divisão sexual do trabalho ou relação entre economia e gênero, e teorias que partem das discussões psicanalíticas para fundamentar sua concepção calcada em aspectos subjetivos da construção dos gêneros (BUTLER, 2003). A posição a qual ocupamos diante da problemática é a da historicidade do gênero, e da demarcação da sexualidade e do sexo por meio de discursos, portanto, nos aproximamos dos estudos pós-estruturalistas e da teoria queer, que compreendemos como os mais aptos a realizar esta tarefa, demonstrando os investimentos políticos que operam a produção de subjetividades generificadas (masculinas e femininas).

2 Optamos por falar em educação, pois, segundo Maura Corcini Lopes (2009), o termo ensino-aprendizagem é marcado por uma hierarquia, colocando em destaque a posição de ensino e em posição de dependência a aprendizagem.

3 Foucault (1995) demonstra um deslocamento em seu pensamento ao deixar de usar a metáfora da guerra para definir as relações de poder, e passando a defini-las como governo, a dizer, a condução de condutas. O autor usa também o neologismo governamento para evitar a confusão que toma governo como sinônimo de exercício do poder soberano do Estado (FOUCAULT, 2008b).

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Como nos mostra Teresa de Lauretis (1994), a reflexão feminista dos anos 60 e 70, que girava em torno das diferenças sexuais, conseguiu importantes ganhos no sentido de mostrar o que estava oculto em termos de produção de conhecimento, narrativas, epistemologias, e criou espaços sociais onde o “feminino” poderia se afirmar. Porém, a autora logo revela a outra face deste processo de afirmação das diferenças que repousam sobre a idéia de 2 sexos: ocorre, justamente, a essencialização e a naturalização do status quo que estavam questionando. Volta-se aos mesmos termos utilizados pelo "patriarcado4” na própria

intenção de colocá-lo abaixo, e as mulheres continuam a se emaranhar nas mesmas relações que buscavam criticar com a idéia de diferenças sexuais. É preciso, então, nos distanciarmos da compreensão do gênero como desdobrar da diferença sexual, vendo na sexualidade e no sexo, construções discursivas. As tecnologias de gênero, segundo de Lauretis, produzem representações, e auto-representações de gênero, e fazem isso a partir de produções teóricas, narrativas e produções cinematográficas. Outra contribuição da autora diz respeito à sua concepção do sujeito do feminismo, que, não se tratando nem da Mulher, nem das mulheres reais, é um sujeito que se reconhece e tem como ponto de partida de sua reflexão o sistema de gênero, e ao mesmo tempo, toma distância em relação a ele para mostrar seus efeitos e sua historicidade. Há, neste ponto, grande concordância da autora com o que diz Foucault (2003) a respeito do poder, na medida em que este afirma que o processo de resistência não é um esforço que se dá de fora das relações de poder, mas no seu próprio interior, pois as relações de poder constituem um emaranhado, uma rede em que não existe exterior possível, mas em que há pontos difusos de questionamento destes poderes.

Temos algumas ressalvas quanto a posição da autora, advinda da teoria semiótica e teoria da representação, e de sua leitura de Michel Foucault e Derrida, mas retemos a sua intenção de desligar o gênero do quadro das discussões da diferença sexual. Uma autora fundamental para pensar as relações de gênero é Joan Scott (1995). Ela define seu conceito de gênero em 2 partes: “(...) é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (p.86). Quanto a primeira parte da definição, a autora identifica 4 elementos fundamentais para entender o gênero como constitutivo de relações sociais. São eles: representações simbólicas; conceitos normativos (religiosos, educativos, científicos, políticos, jurídicos) que interpretam estes símbolos de forma categórica e binária; uma

4 Patriarcado remete a um domínio homogêneo dos homens sobre as mulheres. Por trabalharmos com um conceito foucaultiano do poder, não mais pensamos em termos de posse, mas de relações (FOUCAULT, 2003). Além disso, Butler (2003) demonstra o quanto esse conceito de patriarcado é essencialista.

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concepção de política e uma referência à organização social; por fim, a identidade subjetiva. Quanto à segunda parte de sua definição de forma geral podemos ver que as relações de poder são marcadas por referências ao masculino e feminino. Assim, Scott pode afirmar que “(...) a política constrói o gênero e o gênero constrói a política” (p.89). Esta compreensão do conceito de gênero é, para a autora, uma forma de desconstruir, numa concepção derridiana, o caráter fixo da oposição binária e historicizar a diferença sexual.

Consideramos como fundamental para este trabalho, e uma das críticas mais radicais dentro dos estudos de gênero, o desenvolvimento de Judith Butler, em especial no livro

Problemas de Gênero. Representante da teoria queer, Butler (2003) aproxima-se muitas vezes

de Foucault e adota uma visão do gênero enquanto construído em discurso e por meio de sua performance. A teoria queer, segundo Tamsin Spargo (2007), não constitui um quadro teórico homogêneo. Tem como algumas de suas inspirações, representantes da teoria pós-estruturalista como Foucault, Derrida, Lacan, as marcas teóricas comuns a maioria da produção queer são o questionamento da sexualidade enquanto essência, e a questão das identidades, mesmo as LGBT, como um freio à reflexão sobre gênero, pois ainda fazem referência a uma sexualidade normal.

Butler (2003) compreende que os gêneros têm sua produção marcada por jogos de poder e por discursos. Ela reflete que mesmo se o gênero fosse apenas uma leitura dos corpos sexuados, não haveria nada que desse a entender que esta construção de significados devesse ligar o masculino a um corpo de homem e o feminino a um corpo fêmea. Contudo, ela vai além na sua crítica e afirma que o próprio corpo sexuado é produto de representações, ou antes, de uma leitura discursiva da realidade: não há como falar em corpo sem já ter dele uma série de discursos. O sexo é uma ficção como o gênero, ou, como ela aponta, talvez sempre tenha sido gênero. Qualquer teoria que utilize o argumento da naturalidade do sexo estará, em sua visão, naturalizando relações que são discursivas e políticas. A inteligibilidade dos gêneros contudo se dá sempre com referência à natureza, pois são produzidos dentro de uma matriz discursiva que ela chama de heteronormatividade, ou heterossexualidade compulsória. Assim, o masculino e o feminino são identidades compreensíveis somente dentro dos limites da heterossexualidade. Por este motivo em nossa sociedade, ou na maioria delas, outras vivências da sexualidade não são reconhecidas e atribui-se a estes sujeitos um gênero incompleto ou defeituoso.

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O que dá coerência ao binário, e sua aparente naturalidade é, ainda segundo Butler, a constante repetição dos discursos e a constante performance de gênero. A autora entende que o gênero é uma performance, aproximando-a de uma paródia ou um pastiche. O pastiche, que consiste numa cópia sem um real a representar, demonstra a posição da autora, que não reconhece a existência de um gênero verdadeiro a ser copiado, mas sim de uma idéia ou fantasia de gênero verdadeiro, formatado por uma concepção heterossexual. Dentro desta linha de compreensão, Guacira Louro (2007), concorda com Butler quando esta afirma que a aparente naturalidade dos gêneros se dá pela sua constante reafirmação nos discursos. Louro compartilha dos referenciais foucaultianos de Butler, e em seu estudo nas escolas, percebe que o binário ganha sua forma naturalizada ao impor silêncio sobre outras formas de vivência da sexualidade e do gênero e ao colocar em discurso somente uma (hetero)sexualidade tida como normal.

Tania Swain (2002) procura desconstruir a idéia de uma identidade fixa e estável, a partir de autores que a tomam como ficção. Para a autora, uma das formas de prender a identidade e tolher seu potencial criativo, nômade, é a binarização dos gêneros. Ela recorre aos conceitos de heterossexualidade compulsória, sistema sexo-gênero e tecnologias de gênero para fundamentar sua idéia de que os gêneros são construídos sobre uma base binária, através de uma série de aparatos discursivos, sendo necessário romper este sistema binário que procura formatar a sociedade e as identidades. Em outro artigo, Swain (2010), fala que o próprio termo gênero está por demais marcado por uma perspectiva dual e essencialista. Para a autora, talvez seja mais profícuo falarmos em termos de “heterogênero”, jogo de palavras que demarca, ao mesmo tempo, uma posição de diferença, daquilo que não se adéqua ao gênero, e de multiplicidade de identidades de gênero, o que evita recair sobre as ficções universalizadoras do masculino e do feminino, que sempre remetem o imaginário à heterossexualidade.

Sexualidade: um dispositivo

Quanto ao conceito também proposto neste trabalho da sexualidade, salientamos a nossa vinculação com a teoria foucaultiana, elaborada no livro História da Sexualidade 1, que nos fornece ferramentas interessantes para pensar o momento presente e a questão do governamento dos corpos através do que o filósofo chama de “bio-poder” (FOUCAULT, 2003). Diferentemente das construções que tomavam a sexualidade enquanto questão sempre

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reprimida desde a sociedade vitoriana, e como dimensão natural do ser humano, ligada por sua vez a um corpo que tem uma existência factível, fonte de prazeres diversos, Foucault mostra como a sexualidade, ou antes, o dispositivo de sexualidade produziu uma noção de sexo e ordenou funções, prazeres e discursos que eram heterogêneos. O dispositivo, na sua concepção, agrega uma rede de saberes-poderes diversos, composto de instituições como a medicina, pedagogia, psicologia, que operam a produção deste objeto chamado sexualidade. Portanto, a “hipótese repressiva” não se sustenta, já que houve uma explosão e uma incitação geral a se falar de sexo no ocidente.

A nossa sociedade produziu uma scientia sexualis em torno de 4 eixos: o controle da sexualidade infantil; a histericização da mulher; o esquadrinhamento das perversões; e a circunscrição da sexualidade em torno do casal reprodutivo. Tal dispositivo, para Foucault (2003), constitui uma forma de bio-poder, este compreendendo dois exercícios distintos, mas não excludentes (até mesmo complementares) de poder, a dizer, uma anátomo-política dos corpos (disciplina), e uma biopolítica da população. O primeiro exercício de poder se dá em instituições, controlando os corpos no detalhe, na minúcia, esquadrinhando espaços e controlando o tempo para extrair a maior produtividade possível. Tudo isso com a conseqüência de um ordenamento, uma classificação entre os normais e os anormais, os que são disciplinados e aqueles que não. A outra forma de poder centra-se no ser humano enquanto espécie, enquanto um corpo biológico, operando, desta vez, não no detalhe, mas sim nos agrupamentos humanos, nas populações, sendo um controle que re-situa o poder soberano, lhe dando outro sentido. Antes, este se voltava para a produção da morte, e às vezes deixava viver; agora, o poder soberano está encarregado de produzir a vida, e ocasionalmente deixar morrer para protegê-la (FOUCAULT, 2005). Tem como uma de suas ferramentas primordiais a estatística, e procura aumentar as taxas de natalidade, de longevidade, e diminuir as de morbidade, fome e morte, enfim, procura assegurar a sobrevivência da população.

Alguns autores, como Maria Rita César (2009), Helena Altmann e Carlos Martins (2010), mostram as facetas biopolíticas da escola, ao lidarem com o controle dos corpos dos estudantes, especialmente a partir da sexualidade e do gênero. Em ambos os artigos, se fala da preocupação estatal em ordenar as questões de sexualidade e gênero, e para tanto, foram incorporadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) como temas transversais. Assim, estas questões não compõem uma disciplina específica, mas são disseminadas por todo o processo de educação escolar. Foucault (2003), contudo, já alertara para o aspecto biopolítico

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da escola, em especial no que ela participava da produção dos discursos sobre o sexo. Para o filósofo:

o espaço da sala, a forma das mesas, o arranjo dos pátios de recreio, a distribuição dos dormitórios (com ou sem separações, com ou sem cortina), os regulamentos elaborados para a vigilância do recolhimento e do sono, tudo fala da maneira mais prolixa da sexualidade das crianças. (FOUCAULT, 2003, p.30)

O governo (escolar) dos corpos

Foucault (1991) em suas análises, especialmente quando delineia os princípios da sociedade disciplinar em Vigiar e Punir, nos incita a refletir sobre a instituição que tomou em seu encargo a educação: a escola. Aqui, ele a toma como instituição exemplar no uso da disciplina, que examina, ordena, classifica, normaliza os alunos, produzindo saberes e sujeitos. No entanto, ele já aponta que esta instituição, junto com outras fundadas nos procedimentos disciplinares, está em crise: estamos num momento de passagem para outra forma de governo.

O bio-poder, como já dissemos, foi uma forma de governamento da população, tanto ao nível de cada indivíduo, quanto ao nível do todo, e surge, de acordo com Foucault (2003) a partir do século XIX, tendo como dispositivo principal de ação a sexualidade. Em seus cursos

Segurança, Território e População e Nascimento da Biopolítica, Foucault trata da questão da

governamentalidade liberal e neoliberal, respectivamente, demarcando novos deslocamentos teóricos (FOUCAULT, 2008a; FOUCAULT, 2008b). Ele entende que existem outras formas de governamento biopolítico das populações que não operam somente por meio do controle ao nível da biologia. Identifica no liberalismo a atuação do Estado na regulação indireta da população através dos mecanismos de seguridade, operados pelo exército, polícia, bem como pela educação, saúde e bem-estar (FOUCAULT, 2008b). Já no neoliberalismo, a biopolítica atua através do mercado, e da incitação para que cada indivíduo se torne “capital humano”: é preciso que cada um aprenda a se governar, a partir das exigências do mercado, e melhorar suas capacidades intelectuais e físicas, dotando-se “(...) de um belo corpo, excelente saúde juvenil e habilidades informacionais e cognitivas extraordinárias” (CÉSAR e DUARTE, 2009).

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Olena Fimyar (2009) observa que o governamento é um esforço para criar sujeitos governáveis por meio de técnicas diversas de controle, moldagem e normalização das condutas. Há, assim, a relação entre um governamento de si (moral) e um governamento do Estado (político). Para Fimyar, o governo de si, e portanto uma certa liberdade do sujeito, é incitada na governamentalidade liberal e neoliberal, mas esta liberdade se constitui em relação ao que a sociedade considera como normal: o exercício do poder governamental depende de um regime de verdade específico. Este regime de verdade que produz um padrão de normalidade, por sua vez, oculta da realidade social as marcas de sua própria construção. Os regimes servem não só ao governo de si, mas ao governo dos outros. A autora, tratando das políticas e das políticas educacionais, demarca o papel destas na construção de indivíduos maleáveis e, portanto, mais facilmente governáveis.

O governamento da população opera a partir de registros, do conhecimento de quem são estas pessoas que estão sendo conduzidas, como bem observou Maura Corcini Lopes (2009). No seu artigo, a autora indica que a inclusão que se dá em vários programas sociais, bem como na escola, necessita recolher os dados sobre aquele cidadão, suas condições e possibilidades, a fim de melhor governá-los. No artigo de Maria Rita César e André Duarte (2009), o governamento dos corpos na escola se dá pelo que chamam de pedagogia do fitness, e sua formatação dos corpos em torno da idéia, não estranha aos objetivos da biopolítica, da produção de saúde e do bem-estar. É por isso que os autores analisam a escola enquanto paradigma moderno da disciplinarização e do governo dos corpos, o lócus privilegiado de produção da saúde física e moral: uma máquina de governamento das crianças.

Gênero, sexualidade e governamento escolar: algumas hipóteses conclusivas

Ora, se há uma interrelação entre formas de governamento político e a produção de subjetividades governáveis (de sujeitos que se auto-governam a partir de um regime de verdades e de verdades sobre si), a hipótese deste estudo, ainda em vias de se construir e delimitar, é a de que o gênero e a sexualidade, enquanto discursos e poderes, são algumas das instâncias de acesso ao governamento (e aqui me refiro à política estatal) das populações. Como apontam várias autoras e autores, como Maria Rita César (2009) Helena Altmann (2009) e Guacira Louro (2007), a escola e as políticas educacionais tomam em seu encargo questões da ordem da sexualidade e do gênero com o intuito de produzir a saúde moral e física de seus alunos.

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O Estado, embora atue de forma descentralizada e difusa na governamentalidade, a partir de várias instituições e mesmo por meio de seus sujeitos, produz normas de conduta e de subjetividade, além de tornar oculta esta produção e assim naturalizá-la (FIMYAR, 2009). Desta forma, as produções discursivas em torno da sexualidade heterossexual e os gêneros formatados nesta matriz heteronormativa (BUTLER, 2003) são uma das formas de acesso do Estado à população. Ele produz as subjetividades e incita-as a se autoproduzirem segundo seus referenciais normativos (CÉSAR e DUARTE, 2009) para melhor governá-las com vistas aos “melhores fins”. Vemos esta normalização como parte integrante da educação, no intuito de produzir o sujeito maleável e governável que o Estado precisa, e no presente caso, as questões de gênero que perpassam a escola são apenas uma das especificidades que este empreendimento normalizador pode tomar.

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