PODER JUDICIÁRIO
SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVILDÉCIMA CÂMARA
APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 587.336-0/6 – SÃO BERNARDO DO CAMPO
Apelante: Carlos José da Silva Apelada: Ford Brasil Ltda.
ACIDENTE DO TRABALHO. Reparação de danos. Indenização por ato ilícito. Ônus da prova. Culpa da empregadora não demonstrada. Improcedência da pretensão.
RESSARCIMENTO. A indenização pelo direito comum, em caso de acidente do trabalho, está assegurada pela norma do artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal de 1988, independente da reparação obtida pelo seguro acidentário a cargo do INSS. Trata-se de obrigação atinente ao empregador quando incorrer em dolo ou culpa.
AÇÃO DE PRESTAÇÕES POR ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANOS. Distingue-se, para que não haja eventual dúvida, ação de prestações por acidente do trabalho por acidente típico ou doença profissional ou do trabalho, da ação reparação de danos, ou de indenização em face de acidente do trabalho ou de doença profissional ou do trabalho, por culpa da empregadora.
Naquela o órgão estatal, o Instituto de Seguro Social – INSS, segurador obrigatório é o responsável pela concessão e manutenção do benefício acidentário ao segurado, em face do fundo da contribuição obrigatória a esse fim estabelecida. Nesta, há necessidade de culpa, conforme diretriz atual da Constituição Federal, para que a empresa seja considerada culpada.
Visto.
Voto nº 4.373
CARLOS JOSÉ DA SILVA ingressou com “Ação de Indenização por Responsabilidade Civil” contra FORD BRASIL LTDA., qualificação e caracteres das partes nos autos, perseguindo condenação por danos materiais e morais porque, por culpa da empregadora, no exercício de suas funções sob condições especiais e excepcionais (ao trabalho – “... Executava procedimentos de usinagem em tornos, fresas, retífica, madrilhadora, furadeiras, manuseando diversos tipos de
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peças, tais como: semi-eixo, virabrequim, cabeçote, camisa de bloco de motor, comando de válvulas ...”), tornou-se portador de epicondilite (folha 3).
Formalizada a angularidade a Requerida fez encarte da contestação. Em audiência, inviabilizada a conciliação, o despacho saneador autorizou a produção da prova pericial e nomeou Perito; a Requerida louvou-se em Assistente Técnico. Esses profissionais fizeram encartes distintos de laudos, manifestando-se as partes.
Vencidas as diligências, seguiu-se a entrega da prestação jurisdicional julgando improcedente a pretensão, com a condenação do Autor ao pagamento das custas, despesas processuais, honorários periciais e advocatícios, observada a norma do art. 12 da Lei nº 1.060 de 1950.
CARLOS JOSÉ DA SILVA interpôs recurso. Aduz que a culpa da Requerida ficou latente e, que, “... tal moléstia se deu ante a atividade exercida na apelante, vez que, de forma anti-ergonômica, foi o apelante obrigado a sustentar pesos excessivos, vindo a lesionar seus membros superiores ...” (folha 372).
FORD BRASIL LTDA. apresentou contra-razões defendendo o acerto da sentença porque “... apenas se poderia pretender o pagamento de indenização ao recorrente caso fosse portador de patologia relacionada a seu ambiente de trabalho na empresa ...” (folha 378)
.
É o relatório, mantido no mais o da r. sentença. Não há prova oral. Os laudos oferecidos pelo Perito Judicial e pelo Assistente Técnico da Apelada devem ser prestigiados, porque nada há nos autos que possa depreciar ou rebaixar o valor técnico de cada ponto analisado por eles, preponderando suas características e, em especial, as suas conclusões:
“... O autor não é portador de moléstia profissional. É portador de polineuropatia de provável origem diabética, moléstia de origem orgânica degenerativa, sem nexo causal laboral ...” (folha 318).
“... Por todo o retro declinado, inexiste correlação das neuropatias com o labor ...”(folha 337).
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Exames subsidiários auxiliaram a convicção e a elaboração do laudo pelo Perito Judicial, em harmonia com o exame físico. São destacados hic et nunc:
“... AVALIAÇÃO DOS EXAMES SUBSIDIÁRIOS:
- Ultra-som de Membro Superior Esquerdo, realizado em 09/09/1998 no Hospital e Maternidade Brasil S/A., assinado pelo Dr. Douglas Hideki Ryoji – CRM. Nº. 60.640. Conclusão: Ultra-som de Mão Esquerda – Normal.
Ultra-som de Punho Esquerdo – Normal. Ultra-som de Antebraço Esquerdo – Normal. Ultra-som de Cotovelo Esquerdo – Normal. Ultra-som de Braço Esquerdo – Normal.
- Eletroneuromiografia, realizado em 02/09/1998 no Hospital e Maternidade Brasil S/A., Seção de Fisiologia Clínica, assinado pela Dra. Melany Yoseff Torres – CRM nº. 59.578. Conclusão: Quadro eletroneuromiográfico indicativo de mononeuropatias múltiplas dos Nervos Mediano Esquerdo, Ulnar Esquerdo e Radial Esquerdo, com acometimento desmielinizante sentivo-motor, representando quadro sugestivo de polineuropatia.
7. EXAME FÍSICO
GERAL
PA=130 X 90 P=82 T=36 PESO=70 ALTURA=1,65 Examinado bem, ativo, eupneico, acionótico, antictérico, contactuando bem com o meio.
ESPECIAL
Ouvidos – inspeção – sem anormalidades – otoscopia – MT íntegra, normal bilateralmente.
EXTREMIDADES
Força muscular preservada, movimentação normal preservada, Sinal de Tunel em cotovelo negativo, respostas dolorosas inconsistentes.
IV – CONSIDERAÇOES TÉCNICAS ESPECIAIS
Após avaliação de documentos e dados obtidos nos autos, realização de exame médico pericial/funcional no autor, solicitação e avaliação de exames subsidiários apresentados, concluímos:
- O autor não é portador de moléstia de origem profissional. É portador de polineuropatia de provável origem diabética, moléstia de origem orgânica degenerativa, sem nexo causal laboral ...”
(folhas 317/318).
O acidente do trabalho ou a doença profissional ou do trabalho assenta-se nos requisitos de prejudicialidade e do nexo etiológico.
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Prejudicialidade em razão da lesão corporal, ou perturbação funcional que pode causar a morte, ou a perda, ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Dano, derivado do latim damnun, de forma genérica quer dizer todo o mal ou ofensa sofrido por alguém. No sentido jurídico é apreciado em razão do efeito que produz. É o prejuízo causado.
Nexo, do latim nexu, significa vínculo ou ligação. Etiológico refere-se à etiologia, do grego aitologia, que pode ser entendido como o estudo sobre a origem do mal incapacitante. Causal, do latim causale, é o que se relaciona com a causa. É essencial para o reconhecimento do acidente e da doença profissional ou do trabalho, a relação de causa e efeito, o nexo etiológico ou causal.
As provas não são suficientes para que se possa reconhecer a culpa da Apelada.
A indenização pelo direito comum, em caso de acidente do trabalho, está assegurada pela norma do artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, independente da reparação obtida pelo seguro acidentário a cargo do INSS. Trata-se de obrigação atinente ao empregador quando incorrer em dolo ou culpa.
Distingue-se, para que não haja eventual dúvida, ação de prestações por acidente do trabalho por acidente típico ou doença profissional ou do trabalho, da ação reparação de danos, ou de indenização em face de acidente do trabalho ou de doença profissional ou do trabalho, por culpa da empregadora.
Naquela o órgão estatal, o Instituto de Seguro Social – INSS, segurador obrigatório é o responsável pela concessão e manutenção do benefício acidentário ao segurado, em face do fundo da contribuição obrigatória a esse fim estabelecida. Nesta, há necessidade de culpa, conforme diretriz atual da Constituição Federal, para que a empresa seja considerada culpada.
Pelo enunciado da Súmula nº 229, do Colendo
Supremo Tribunal Federal, exigia-se para a indenização a caracterização de “culpa grave”. Esse entendimento, que já
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havia sido alterado desde a revogação do Decreto-lei nº 7.036/44, vindo a simplificar-se para “culpa”, sem a necessária adjetivação agravante por força do dispositivo constitucional.
O princípio geral da responsabilidade civil aponta para o dever de indenizar, sempre que presentes os elementos caracterizadores do ato ilícito.
“Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano 1”.
Por isto, que, “... a todo direito corresponde uma ação, que o assegura 2”, e faculta-se ao lesado reclamar em
Juízo a correspondente reparação pecuniária.
Incumbia ao Apelante o ônus da prova quanto à existência do fato constitutivo do seu direito, e não à Apelada a (prova) de fato que pudesse impedir, modificar ou extingui-lo.
“O ônus da demonstração do dever de indenizar do empregador é sempre do acidentado, pois representam os fatos constitutivos do seu alegado direito, na forma e nos termos previstos no artigo 333, I do Código de Processo Civil 3”.
Era necessário que o Apelante trouxesse aos autos prova mais substancial e, que, indene de dúvida, autorizasse a acolhida de sua pretensão. Sem prova inconteste do dano, do nexo causal e da culpa da empregadora, o julgamento não poderia amparar seu propósito.
1 - Código Civil, art. 159.
2 - Código Civil, art. 75.
3 - 2º TACivSP - Ap. c/ Rev. 492.338 - 7ª Câm. - Rel. Juiz S. OSCAR FELTRIN - J. 16.9.97. No mesmo sentido: JTA (Lex) 165/458, 168/459; Ap. c/ Rev. 509.103 - 5ª Câm. - Rel. Juiz PEREIRA CALÇAS - J. 4.3.98; Ap. c/ Rev. 508.650 - 8ª Câm. - Rel. Juiz RUY COPPOLA - J. 12.3.98; Ap. c/ Rev. 508.033 - 7ª Câm. - Rel. Juiz ANTONIO MARCATO - J. 5.5.98; Ap. c/ Rev. 510.534 - 5ª Câm. - Rel. Juiz LAERTE SAMPAIO - J. 6.5.98; Ap. c/ Rev. 514.626- 5ª Câm. - Rel. Juiz PEREIRA CALÇAS - J. 6.5.98; Ap. s/ Rev. 520.384 - 1ª Câm. - Rel. Juiz RENATO SARTORELLI - J. 18.5.98; Ap. c/ Rev. 519.568 - 2ª Câm. - Rel. Juiz GILBERTO DOS SANTOS - J. 25.5.98; Ap. s/ Rev. 518.453 - 5ª Câm. - Rel. Juiz PEREIRA CALÇAS - J. 3.6.98; Ap. c/ Rev. 515.234 - 5ª Câm. - Rel. Juiz PEREIRA CALÇAS - J. 3.6.98; Ap. c/ Rev. 515.231 - 5ª Câm. - Rel. Juiz PEREIRA CALÇAS - J. 17.6.98; Ap. c/ Rev. 510.864 - 3ª Câm. - Rel. Juiz MILTON SANSEVERINO - J. 23.6.98; Ap. c/ Rev. 537.556 - 5ª Câm. - Rel. Juiz PEREIRA CALÇAS - J. 9.12.98.
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Em face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
IRINEU PEDROTTI