• Nenhum resultado encontrado

3. Horizonte temático: a liturgia penitencial na tradição do antigo Israel

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "3. Horizonte temático: a liturgia penitencial na tradição do antigo Israel"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

3.

Horizonte temático: a liturgia penitencial na tradição do

antigo Israel

Jl 2,12-18 está inserido em um horizonte temático de uma liturgia penitencial, na qual toda comunidade deve estar presente e expressar, por meio de ritos religiosos, seu pedido de ajuda a YHWH. Essa liturgia é realizada por meio de um culto, no templo de Jerusalém. Os sacerdotes, como líderes da comunidade, conduzem a oração de súplica e a comunidade, com orações e gestos, seguem o ritual. Dado importante, neste contexto, é que a convocação feita pelo profeta é obedecida por todos os seguimentos da comunidade, inclusive os sacerdotes, os recém-casados, os idosos e os lactantes. Esta liturgia penitencial não apresenta sacrifícios ou ofertas materiais, o próprio contexto de carência favorece um oferecimento “do coração”, ou seja, uma doação da pessoa como um todo. Partindo destes elementos, quais seriam os referenciais penitenciais em Israel que possibilitariam tal culto?

As poucas reminiscências de formas e de objetos de cultos primitivos encontrados no AT não são suficientes para demonstrar uma influência direta no culto primitivo de Israel. Os vestígios, que eventualmente se poderiam encontrar, são esporádicos e incipientes. O culto mosaico, já desenvolvido, parece contar com a influência de elementos externos egípcios (arca e pães da proposição, talvez o efod), assim como de outros povos semíticos, ugaríticos, cananeus, babilônios (principalmente no que diz respeito às festas e aos sacrifícios). Pode-se pensar em um fundo comum na tradição semítica; porém, elementos distintos em Israel, como o monoteísmo e sua relação com YHWH, são consideravelmente contrastantes dos elementos religiosos próprios de tais povos.72

O objeto único deste culto é o próprio YHWH, que não pode ser representado por imagens. É proibida toda forma de culto a homens e a animais, sendo desta forma um ato litúrgico centrado em YHWH (cf. Ex 20,4-6; 34,17; Gn 35,1-4). YHWH se mostra como o Senhor da vida, que implica na proibição de

72 Cf. S. AUSEJO, “culto”, Diccionario de la Bíblia. Barcelona: Herder, 1964, p. 424-428.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(2)

sacrifícios humanos (cf. Dt 12,31); igualmente é proibida a idolatria (cf. Ex 20,3; 23,24), a magia ou feitiçaria (cf. Ex 22,18; Dt 18,10-12), a adivinhação (cf. Lv 19,26), o culto aos mortos (cf. Lv 19,27ss), a mutilação ritual (cf. Dt 14,1) e a prostituição religiosa (cf. Dt 23,19). O culto a YHWH adquire, assim, um caráter moral e espiritual, que ocupa na antiguidade um lugar completamente à parte em relação aos demais cultos. Neste sentido, o culto como se estabelece na Aliança, necessita de uma disposição interior e de uma ação exterior.

A organização do culto mosaico trouxe a necessidade da existência de ministros, de vestimentas apropriadas, de sacrifícios e de festas fixadas por um calendário. É complicado estabelecer o momento histórico em que o culto tenha ocupado um espaço centralizado e exclusivo. Muitos relatos bíblicos parecem exigir um único lugar (cf. Ex 20,24; Dt 12,5), em outros relatos, os dirigentes de Israel oferecem sacrifícios em lugares diversos (cf. Jz 6,18; 21,4; 1Sm 7,16; 9,12; 15,35).

A construção do templo em Jerusalém foi uma tentativa de estabelecer um único culto, mas sabe-se que os elementos sincréticos se encontraram em Israel, mesmo depois do exílio. Durante este período, não foi possível uma experiência cultual completa devido à ausência do templo e da estrutura sacrifical. Com o retorno para a terra e a reconstrução do templo, o culto ganhou uma posição significativamente importante. Empreendeu-se uma luta contra as imagens e os elementos idolátricos, assim como, se enfatizou novamente a necessidade da circuncisão e de uma atualização de festas e formas de sacrifícios (cf. 2Cr 11,15ss; 1Mac 1,14.18; 4,52; Ne 13,51). O exílio também trouxe vida a uma nova forma de culto, que consistia, sobretudo, em fórmulas de oração, exortações e práticas religiosas (cf. Esd 9,6ss; Eclo 51,1-22). Esta forma de culto evoluiu pouco a pouco até a oração em comunidade e as leituras públicas da lei e dos profetas (cf. Ne 8,3; 9,3). Esta foi a base do culto sinagogal, com a explicação da lei e com pregações. Este tipo de culto sobreviveu após a destruição do templo no ano 70 d.C. e serviu de fundamento para a liturgia judaica posterior. O fim do templo

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(3)

significou também o desaparecimento da classe sacerdotal e do sistema sacrifical.73

A partir deste período, o judaísmo pós-bíblico estruturou sua liturgia no modelo dos serviços e dos sacrifícios do templo, de forma mais simbólica. Seus aspectos centrais foram a recitação do ”µ¸, a oração da †´…‹¹¼” e seleções dos Salmos. Estes se entrelaçam com versículos da Bíblia hebraica, bênçãos, hinos, cânticos e leituras do †´šŸœ š¶–·“. É um dever orar diariamente, e há três serviços públicos (œ‹¹šµ‰´, †´‰¸’¹, ƒ‹¹š¼”µ), serviços adicionais para o œ´Aµ e as festas (†´šµŠ¸–´†, š‹¹Š¸–´, š´“E, †´‹¹”¸’) e muitas outras liturgias curtas para a sinagoga e o lar em ocasiões especiais.74

3.1.

O templo de Jerusalém

O templo tem uma história significativa, pois, segunda a tradição bíblica, desde os patriarcas, a construção de um lugar de sacrifício já seria suficiente para significar a existência de um santuário (cf. Gn 12,7.8; 13,18; 26,25; 33,20). O sacerdote era o ministro do altar, o sacrifício ritual principal do culto, era a oferenda que seria levada ao altar.75 Assim, o altar se encontrava onde quer que se oferecesse um sacrifício, podendo ser inclusive temporário.76

A raiz verbal da palavra µ‰·A¸ˆ¹ (altar) significa originariamente “imolar” (‰µƒ´ˆ), mais tarde, ganha um sentido mais específico de “imolar com a intenção de um sacrifício”.77 Com a evolução ritual, no templo, as vítimas eram imoladas fora do altar, para onde eram levadas posteriormente, exceto as aves. Neste espaço, também se encontravam as oferendas vegetais. A mesma palavra designa também o “altar do incenso”, de onde se conclui que o altar é o lugar no qual se ofereciam sacrifícios de qualquer natureza.78

73 Cf. S. AUSEJO, “culto”, Diccionario de la Bíblia, p. 425-426.

74 Cf. A. UNTERMAM, “liturgia”, Dicionário Judaico de lendas e tradições. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editor, 1992, p. 154.

75 Cf. R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p. 444. 76 Cf. J. L. McKENZIE, “altar”, Dicionário Bíblico, p. 30.

77 Cf. L. ALONSO SCHÖKEL, “ ‰µƒ´ˆ ”, DBHP, p. 188-189.

78 Cf. R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p. 444-445.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(4)

A estrutura que antecede ao templo, segundo a tradição bíblica, é referida como “‘µJ¸¹” ou “…·”Ÿ ¶†¾‚” (cf. Ex 39,32; 40,2) e a sua confecção é pormenorizada no livro do Êxodo (cf. Ex 25–31; 35–40), de forma bastante semelhante ao templo de Salomão.79 Em Êxodo, a tenda é o lugar da revelação de YHWH (Ex 40,1-15.34-35). O “encontro” não se dá, neste contexto, em uma assembleia cultual, mas de YHWH com o povo de Israel mediante Moisés.

3.1.1.

O primeiro templo

O templo em Jerusalém remonta, segundo a narrativa bíblica, ao período salomônico. Tudo indica que a construção pretendia ser uma estratégia de reafirmação da capital em Jerusalém, e ao mesmo tempo, evidenciar a grandeza do culto de Israel. A transição do lugar onde a arca da aliança era guardada para uma construção em forma de santuário, fixava a residência divina, legitimando a dinastia real.80

O templo era uma construção ampla e aberta num dos lados mais curtos, que se dividia interiormente em três partes: um vestíbulo, chamado ´E‚ (proveniente de uma raiz que significa “estar diante de”)81; uma sala de culto, chamada µ!‹·† (podendo significar palácio ou templo) que mais tarde foi denominado “santo” (cf. 1Rs 6,16)82; e, finalmente, o š‹¹ƒ¸C, a “transcâmara”, passando mais tarde a ser chamado de “santo dos santos” (cf. 1Rs 7,50)83. Com efeito, o µ!‹·† e o š‹¹ƒ¸C eram tratados como uma unidade (cf. 1Rs 6,2). O “santo dos santos” estava separado do “santo”, apenas por um véu (cf. Ex 26,33). Diante do vestíbulo existiam duas colunas de bronze arrematadas por capitéis, igualmente de bronze (cf. 1Rs 7,15-22.41-42).84

79 Muitos críticos consideraram a tenda como a projeção do templo no passado nômade de Israel,

uma criação da tradição sacerdotal mais recente e sem fundamento histórico. Parece evidente que os detalhes das dimensões e dos espaços são identificações do segundo templo, porém esta associação não exclui a possibilidade da existência de uma tenda como local de culto, consagrado a YHWH pelos antigos israelitas (cf. J. L. MACKENZIE, “tenda”, Dicionário Bíblico, p. 919).

80 Cf. T. RÖMER, A chamada história deuteronomista. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 97-98. 81 Cf. L. ALONSO SCHÖKEL, “ ´E‚”, DBHP, p. 33.

82 Cf. J. L. McKENZIE, “templo”, Dicionário Bíblico, p. 915. 83 Cf. J. L. McKENZIE, “templo”, Dicionário Bíblico, p. 913.

84 Cf. R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Paulus, 2003, p.

448-449. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(5)

O templo era considerado parte do palácio real. Cogita-se que havia uma porta ou uma entrada própria para o rei, que daria acesso ao pátio. Não se têm dados exatos sobre o pátio ou os pátios do templo. Presume-se que o edifício tinha 27m de comprimento, 9m de largura e 13,50m de altura. O pórtico era de 9m de largura e 4,50m de profundidade85, deste, duplas portas de madeira conduziam ao µ!‹·†.86

3.1.2.

O segundo templo

Pouco se sabe sobre os detalhes da estrutura do templo de Zorobabel, começado em meados do séc. VI a.C. e dedicado cerca de 515 a.C. Era provavelmente das mesmas dimensões do templo de Salomão, mas inferior em riqueza e decorações (cf. Esd 3,12; Ag 2,3).87 Algumas citações que retratam as práticas religiosas, a ornamentação e a estrutura do templo podem ser encontradas em fragmentos da literatura deuterocanônica (cf. 1Mac 1,21-24.45-46; 4,38-40).88

Para além das narrativas bíblicas, é muito difícil determinar quando e que tipos de ofertas foram estabelecidas em Israel, para uso no templo. O testemunho de alguns textos da literatura pós-exílica, serve para evidenciar que tais ofertas eram usuais no segundo templo (cf. Jl 1,9.13; 2,14; Ml 2,12; 3,3; 1Cr 29,21; 2Cr 29,35).

Entre as ofertas, que normalmente eram apresentadas no templo, havia a †´‰¸’¹. Esta oferta tem origem em costumes seculares, como o presente dado a pessoas hierarquicamente superiores, especialmente reis, com objetivo de indicar uma atitude de respeito e submissão (cf. 1Rs 10,25; 2Rs 8,8-9; Is 39,1). No sentido religioso, †´‰¸’¹ é uma oferta de cereais, mas que não exclui uma forma primitiva de oferta de animais (cf. Gn 4,4-5).89

85 Segundo 2Cr 3,4 sua altura era de 54m, algo que parece ser improvável (cf. J. L. MACKENZIE,

“templo”, Dicionário Bíblico, p. 913).

86 Cf. J. L. McKENZIE, “templo”, Dicionário Bíblico, p. 913. 87 Cf. J. L. McKENZIE, “templo”, Dicionário Bíblico, p. 915.

88 Em 1Mc 4,44-51 é descrita: a demolição e a reconstrução de um novo altar dos holocaustos do

templo, a restauração do lugar santo e o interior da morada, a santificação dos átrios e a fabricação de novos utensílios sagrados, que foram levados para o interior do santuário. Estas medidas se tornaram necessárias, uma vez que o templo havia sido profanado pelos estrangeiros.

89 Cf. G. L. CARR, “†´‰¸’¹”, DITAT, p. 853. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(6)

A oferta da †´‰¸’¹ poderia ser feita em forma de cereal cru, tostado e esmagado, moído até virar farinha (cf. Nm 5,15.25), ou ainda transformada em pães ou bolos que eram assados no forno ou fritos em azeite. Incenso e sal também faziam parte da †´‰¸’¹, porém era proibido acrescentar fermento ou mel. A †´‰¸’¹ era oferecida todas as manhãs e todas as tardes, e comida apenas pelos sacerdotes. Na maioria dos casos, a †´‰¸’¹ era um complemento de um sacrifício sangrento, holocausto ou sacrifício de comunhão, e era acompanhado de uma libação de vinho.90 A oferta indicava uma submissão total perante a divindade, entendida como grande soberano.91 No culto, a †´‰¸’¹ era uma homenagem prestada a YHWH e tinha uma grande importância na prática sacrifical. Era uma oração materializada, assim como a oração era a †´‰¸’¹ desmaterializada.92

Junto à †´‰¸’¹, geralmente era ofertado uma bebida ou libação (¢¶“¶’) apresentadas junto com os holocaustos (cf. Ex 29,40; Lv 23,13; Nm 15,1-10). Diariamente, uma libação deveria ser derramada sobre o altar do sacrifício ou aos seus pés (cf. Eclo 50,15). O líquido geralmente era o vinho (cf. Ex 29,40; Nm 15,5.7.10) ou uma bebida fermentada (cf. Nm 28,7), sabe-se também que água e azeite foram usados como libação (cf. 2Sm 23,16; 1Cr 11,18; Mq 6,7).93

No livro de Joel, o templo é apresentado como uma instituição valorizada e com uma importante função junto ao povo. Os ritos próprios de uma liturgia penitencial são aceitos como parte integrante do culto no templo. Os sacerdotes e os anciãos se reúnem no templo para responder ao apelo do profeta por uma convocação litúrgica, que envolvesse toda a comunidade. Diante da carência material as ofertas de †´‰¸’¹ e ¢¶“¶’ ocorrem dentro de um contexto de promessa do retorno de YHWH para Judá-Jerusalém (cf. Jl 2,14cd). Estas ofertas representam, na verdade, a perspectiva do retorno da prosperidade e da fecundidade da terra, que daria possibilidade do oferecimento regular das ofertas do culto.

90 Cf. R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p. 459-460. 91 Cf. G. L. CARR, “†´‰¸’¹”, DITAT, p. 854.

92 Cf. I. W. PLEIN, Sacrifício e Culto no Israel do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2001, p.

77. 93 Cf. M. R. WILSON, “¢µ“´’”, DITAT, p. 970-972. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(7)

3.2.

O culto no antigo Israel

O AT não possui uma expressão própria para a ideia de culto. O termo encontrado, geralmente, para expressar tal ideia é œ·š´V, “serviço”94 (cf. Nm 4,12; 2Cr 24,14); em geral se utiliza também †´…¾ƒ¼”, “obra, serviço”95, para expressar o culto como conjunto (cf. Nm 4,23.25; Ex 30,16), para ritos cultuais (cf. Ex 12,25s; 13,5) e trabalhos de culto em particular (cf. Ex 27,19; Nm 3,26; 31,36).

A LXX traduz em certas ocasiões †´…¾ƒ¼” pelo termo geral ἔργον (cf. Nm 4,23) ou κάτεργον, mas, normalmente, tem uma terminologia especial para culto: λατρεία, λατρείαν (cf. Js 22,27; Ex 12,25s; 13,5). Além disso, traduz-se †´…¾ƒ¼” por λειτουργία, que, na linguagem comum, possuía antes um sentido político-técnico, mas, na LXX, passou a designar, quase exclusivamente, o serviço-cúltico dos sacerdotes e levitas no santuário e, particularmente, os sacrifícios oferecidos pelos sacerdotes (cf. Nm 16,9; 18,4.6; 1Cr 9,19; 2Cr 35,16).

Existiam santuários nos lugares altos em Israel, de onde se veneravam a divindade, acreditando-se estar mais próximo a ela. Estes santuários, geralmente, se encontravam num lugar elevado próximo de um povoado ou de um vale (cf. Jr 7,31). Em Israel, também se ofereciam sacrifícios em lugares altos a YHWH, por exemplo, por Samuel, em Ramá (cf. 1Sm 9,12), por Salomão, em Gabaon (cf. 1Rs 3,4) e por Elias, no Carmelo. Em 1Rs 18,30, tem-se um exemplo típico de como um antigo lugar de culto cananeu foi adotado pelos israelitas e dedicado a YHWH.96

O culto cananeu, nos lugares altos, era, naturalmente, proibido (cf. Lv 26,30; Dt 12,2), mas não se colocava dificuldade aos santuários para o culto israelita, antes da centralização do culto em Jerusalém. O culto cananeu, muitas vezes, seduzia o povo pelos exageros unidos a ele, como a prostituição sagrada e os israelitas acabavam numa espécie de sincretismo, reunindo o culto a µ”´A e œŸš´U¸µ” com o culto a YHWH (cf. Jz 6,25; Ez 20,28). Assim, as expressões

94 Cf. L. ALONSO SCHÖKEL, “œ·š´V”, DBHP, p. 693. 95 Cf. L. ALONSO SCHÖKEL, “†´…¾ƒ¼””, DBHP, p. 475.

96 Cf. R. H. LOWERY, Os reis reformadores, culto e sociedade no Judá do Primeiro Templo. São

Paulo: Paulinas, 2004, p. 111-119. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(8)

“altos” e culto em “lugares altos” (œŸ´A)97 recebem o sentido específico de culto idólatra (cf. 2Rs 23,8; Am 7,9).98

Ainda que os profetas se opusessem severamente a estes maus costumes, o povo, mesmo assim, se deixava seduzir por eles.99 No reino do norte, este culto existiu desde Jeroboão até o último rei Oseias (cf. 1Rs 12,31; 2Rs 17,9), enquanto no reino do sul, Ezequias e Josias se manifestaram publicamente contra todo culto nos lugares altos (cf. 2Rs 18,4; 23,8ss).100

Entre as autoridades existentes em Judá-Jerusalém, os sacerdotes formavam o grupo responsável pelo culto. A presença de anciãos também é citada no livro como um grupo valorizado dentro da comunidade. Destaca-se, no entanto, a figura do profeta como a “voz de YHWH” no meio do povo. No livro de Joel, este é ouvido e obedecido por todos os segmentos da sociedade em seus oráculos e exortações. A figura do rei nunca é mencionada, e esta ausência sugere que o próprio YHWH seja reconhecido como soberano do povo de Judá-Jerusalém. Joel dá destaque à soberania divina, afastando qualquer tipo de usurpação de poder pelo governante humano.

3.3.

O sacerdote

No AT, ‘·†¾J reflete, no sentido mais restrito, a ideia de “ministro das coisas sagradas” especialmente dos sacrifícios (cf. Gn 14,18; Ex 18,12).101 Os sacerdotes deviam estabelecer um exemplo pessoal de santidade (cf. Dt 33,9); consultar a Deus em seus oráculos e ensinar a lei (cf. Lv 10,11; Mq 3,11; Ml 2,7). Tais responsabilidades permitiam que o sacerdote também servisse ao povo como juiz (cf. Dt 17,9).

97 Os lugares altos, “œŸ´A”, eram santuários locais, provavelmente ao ar livre, onde YHWH e

outras divindades eram cultuados. Após a construção do templo, os reis de Judá foram criticados por causa dos contínuos sacrifícios nestes lugares (cf. 1Rs 15,14; 22,44; 2Rs 12,4; 14,4; 15,4.35; 16,4; 21,3). Os œŸ´A foram destruídos pelos reis Ezequias e Josias (cf. 2Rs 18,4; 23,5-20). A tradição deuteronomista criou uma oposição a estes lugares desde o séc. VII a.C., quando a corte e o templo procuravam centralizar as atividades cúlticas e econômicas em Judá (cf. T. RÖMER, A

chamada história deuteronomista, p. 148-150).

98 Cf. J. L. McKENZIE, “templo”, Dicionário Bíblico, p. 913. 99 Cf. Jr 2,20; Os 4,13; Is 1,29s; 57,7; 67,7; Ez 6,13; 16,16. 100 Cf. S. AUSEJO, “culto”, Diccionario de la Bíblia, p. 424-428. 101 Cf. L. ALONSO SCHÖKEL, “‘·†¾J”, DBHP, p. 308. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(9)

A tradição bíblica é explícita, quando afirma que antes da construção do primeiro templo de Jerusalém, os israelitas prestavam culto nos numerosos santuários espalhados pelo território (cf. 1Sm 1,1-4; 7,15-17). Cada um desses santuários era servido pelos seus próprios sacerdotes, hereditários. Mas, com toda a probabilidade, eram de origens diversas.

No período pós-exílico, havia um grande número de clãs e famílias sacerdotais,102 existindo testemunhos divergentes quanto ao número: em alguns textos, fala-se de 21 famílias (cf. Ne 10,39; 12,1-7.12-21) e, em outros, de 24 famílias (cf. 1Cr 24,1-19).

Parece que a função principal e, talvez mais antiga, dos sacerdotes era a bênção (cf. Nm 6,23-26). Os sacerdotes também exerciam as funções estabelecidas segundo a lei levítica como a de oficiar oferendas e sacrifícios (cf. Lv 1–7), determinar quem tinha a lepra (cf. Lv 13–14), assim como, desempenhavam outras atividades rituais e sociais. Eles eram sustentados por doações e dízimos da agricultura (cf. Lv 10, 12-15; 27,30-34).

Pode-se encontrar em alguns textos ao menos três funções desempenhadas pelo sacerdote israelita: ele proferia os oráculos (cf. Lv 9,1-24; Dt 33,7-11; Jz 18,5; 1Sm 14,41; 28.6); instruía na lei (cf. Dt 33,10) e oferecia sacrifícios (cf. Lv 17,1-7). Presume-se que a posição do sacerdote em Israel seria a de mediador indispensável para se entrar na “esfera do divino”. Eles eram guardiães das tradições, do culto e do conhecimento de YHWH. É provável que estes tenham preservado as suas tradições históricas de forma oral e escrita.103

3.4.

O Yôm Kippur

O yôm kippur era o dia de penitência para todo o povo de Israel, celebrado de acordo com as disposições da lei, cada ano no décimo dia do sétimo mês (cf. Lv 16; 23,26-32; Nm 29,7-11). No templo, somente o sumo sacerdote poderia oficiar e lhe era permitido entrar no Santo dos Santos com vestes sacerdotais simples. Colocando-se dois cabritos machos na entrada do templo, um deles era

102 Cf. A. UNTERMAM, “liturgia”, Dicionário Judaico de lendas e tradições, p. 224. 103 Cf. J. L. McKENZIE, “altar”, Dicionário Bíblico, p. 816-818.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(10)

consagrado a YHWH e o outro para azazel (cf. Lv 16,26). Após confessar seus próprios pecados e os de sua casa, matava-se um novilho como sacrifício pelo pecado, entrava-se no Santo dos Santos e se queimava o incenso. Depois de expiados os seus pecados, também devia expiar os do povo. O sumo sacerdote sacrificava por si o cabrito consagrado a YHWH, e com seu sangue aspergia o Santo dos Santos. Depois colocava as duas mãos sobre a cabeça do segundo cabrito, confessava os pecados do povo e os “transferia” simbolicamente para o animal, expulsando-o então, para o deserto.

O yôm kippur é o único dia de jejum nacional prescrito na lei do AT. Apesar da legislação ter sido reelaborada no período exílico, o rito com jejum, como tema principal, seria provavelmente pré-exílico. O pedido para jejuar, neste dia, é universal e seu caráter penitencial é reforçado pela expressão de “auto-expiação” (cf. Lv 16,29; 31,27.32; Nm 29,7). No período pré-exílico, provavelmente, devem ter existido outros jejuns litúrgicos (cf. Jr 36,6).104 Jejuns públicos, às vezes, eram anunciados como parte de orações públicas.105 As referências pré-exílicas ao jejum envolvem certos grupos menores ou indivíduos em particular, e são associados aos ritos de murmúrio, arrependimento pessoal ou à oração de súplica (cf. Sl 35,13; 1Rs 21,27; Nm 30,13).106

As referências ao jejum como uma prática de murmúrio em 1 e 2Sm merecem um destaque especial. O jejum de Davi depois da morte de Saul, Jonathan e Abner (cf. 2Sm 1,12; 3,36) são relatados com aprovação. Mas, em 2Sm 12,16, o rei jejuou, quando o filho de Bersabeia adoeceu, mas suspendeu o jejum, quando a criança morreu (cf. 2Sm 12,20). Esta atitude foi questionada como incoerente pelos homens da corte, mas explicada pela intenção de Davi.

No período pós-exílico, o número de jejuns públicos aumentou (cf. Esd 8,21-23; Ne 9,1). Em Zc 8,19, são especificados quatro dias de jejum. A origem destes provavelmente remonta ao período exílico. O jejum de Ester (cf. Est 4,16) foi acrescentado posteriormente. Zacarias diante da reconstrução do primeiro

104 D. L. SMITH-CHRISTOPHER, “fasting”. In: D. N. FREEDMAN (ed.), Eerdmans Dictionary

of the Bible. Cambridge: Eerdmans Publishing Co., 2000, p. 456.

105 Estes jejuns são mencionados em Jz 20,26; 1Sm 14,24; 1Rs 21,9; Esd 8,21-23; Jr 14,12; 36,6.9;

Jn 3,5ss.

106 Cf. J. L. McKENZIE, “jejum”, Dicionário Bíblico, p. 446.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(11)

templo, no período pós-exílico, remete a um jejum como um tempo “de alegria e júbilo” (cf. Zc 8,19).107 Na profecia pós-exílica, a necessidade do jejum vem acompanhada de caridade e sinceridade, que devem ser enfatizadas (cf. Is 58,3-9; Jl 2,12-13).108

No livro de Joel a liturgia penitencial parte da grave crise nacional e da situação de carência e penúria vivida pelo povo. É uma liturgia extraordinária, ou seja, não está dentro do calendário litúrgico estabelecido. Além desta particularidade, percebe-se que a liturgia de Joel apresenta elementos bastante diversos das liturgias encontradas no AT: a) ela é convocada por um profeta e não pelos sacerdotes; b) todos devem participar, mesmo aqueles que poderiam ter algum tipo de dispensa; c) há ausência de ofertas para o templo, sejam elas de animais ou vegetais; d) mesmo não excluindo os gestos penitenciais comuns de tais liturgias, a ênfase se dá na mudança interior do indivíduo e da comunidade, fazendo destes a oferta de maior valor para YHWH.109

3.5.

As cerimônias matrimoniais

O matrimônio, no antigo Israel, era considerado um contrato, onde a mulher era propriedade do marido (cf. Ex 20,17). Este era chamado de Baal, ou seja, o dono, que possuía todos os direitos sobre a mulher (cf. Ex 21,3.22; 2Sm 11,26; Pr 12,4). O noivo era obrigado a entregar ao pai da noiva uma quantia em dinheiro, conhecida como šµ†¾ (cf. Gn 34,12; Ex 22,16; 1Sm 18,25). O šµ†¾ poderia ser substituído pela prestação de trabalhos do noivo (cf. Gn 29,15-30). Mas o šµ†¾ não era apenas o preço pago pela mulher, mas a compensação dada à família. O futuro marido adquiriria, assim, um direito sobre sua mulher, mas, nem

107 O oráculo de Zc 8,19 resignifica o sentido dos jejuns nacionais. Ao jejum do mês de Av

(destruição do primeiro templo de Jerusalém) e ao jejum do mês de tishrey (yôm Kippur) acrescentam-se mais dois jejuns: do mês de tammuz (que recorda a primeira brecha aberta nos muros de Jerusalém pelos babilônios) e o do mês de tevet (onde se iniciou o cerco de Jerusalém). A profecia aponta para uma grande alegria que substituirá a tristeza da perda do templo e da cidade santa.

108 Nestas passagens as palavras Ÿ˜ (jejum) e Ÿ‹ (dia) são usadas como trocadilhos (cf. J.

MUDDIMAN, “Fast, Fasting”. In: D. N. FREEDMAN (ed.), The Anchor Yale Bible Dictionary. London: Yale University Press, 1992, p. 773.

109 No livro de Jonas, o jejum e os ritos penitenciais servem ao mesmo objetivo (cf. L. A.

FERNANDES, Jonas. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 18-19.39-40).

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(12)

por isto, esta se tornava uma mercadoria, possuindo direitos estabelecidos.110 A mulher ao casar deixava seus pais e habitava com seu marido, fazendo parte do seu clã, assim como seus filhos (cf. Gn 24, 58-59). Era costume, em Israel, os parentes casarem entre si, inclusive casamentos entre primos irmãos eram frequentes (cf. Gn 24,4; Jz 14,3; Tb 4,12). No entanto, estavam proibidos os matrimônios com parentes imediatos de sangue ou por aliança (cf. Lv 18,6.10.11.17; 20,20).111 Mesmo não sendo um matrimônio no qual as partes escolhem livremente os seus consortes, não se imaginava esta união apenas como um contrato jurídico ou apenas prescritivo, pressupondo que naquela união também estariam presentes cumplicidade e amor.112

Aos membros das famílias sacerdotais havia proibições especiais. Um sacerdote não poderia tomar por esposa uma mulher que tivesse se prostituído ou sido repudiada por seu marido, ou viúva, a não ser que fosse viúva de um sacerdote (cf. Lv 21,7; Ez 44,22). O sumo sacerdote só poderia contrair matrimônio com uma virgem de Israel.113

O matrimônio, geralmente, era prometido. Não existia, porém, um tempo estabelecido para a realização do casamento, podendo ser um tempo longo ou não (cf. Gn 24,67; 29,15-21). Um homem comprometido com uma mulher, mesmo sem estar casado com esta, estaria dispensado da guerra (cf. Dt 20,7). No entanto, a cerimônia do matrimônio era considerada uma festividade particular que não tinha prioridade diante das festas e convocações públicas.114

Foram encontrados diversos contratos de matrimônio oriundos de uma colônia judaica em Elefantina, datados do séc. V a.C. No AT, somente em Tb 7,13 se menciona um contrato de matrimônio escrito, embora tenham sido encontradas diversas atas de divórcio, anteriores ao exílio da Babilônia, inclusive com testemunhos bíblicos (cf. Dt 24,1-4; Jr 3,8), onde se pode supor que existiram contratos de casamento.115

110 Cf. W. EICHRODT, Teologia del Antiguo Testamento, p. 73-74.

111 Cf. R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p. 55.58-59. 112 Cf. W. EICHRODT, Teologia del Antiguo Testamento, p. 330.

113 Cf. R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento p. 54-55. 114 Cf. R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p. 55.

115 Cf. W. EICHRODT, Teologia del Antiguo Testamento, p. 73; R. de VAUX, Instituições de

Israel no Antigo Testamento, p. 56.58.63.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

(13)

A preparação do matrimônio implicava uma série de gestos e rituais, como o corte do cabelo da noiva e o jejum dos noivos. A cerimônia principal era a da entrada da noiva na casa do noivo, que se dava da seguinte maneira: o noivo, com vestes matrimoniais (cf. Ct 3,11; Is 61,10), acompanhado de seus amigos e com instrumentos musicais (cf. 1Mac 9,39) se dirigia à casa da noiva. Esta, ricamente vestida e adornada (cf. Sl 45,14.15; Is 61,10), coberta com um véu (cf. Ct 4,1.3; 6,7) não se descobria até a câmara nupcial. A noiva acompanhada de suas amigas era conduzida para perto do noivo (cf. Sl 45,15.16; Gn 24,67). Este gestual era acompanhado de cânticos de amor, que celebravam as qualidades dos noivos (cf. Jr 16,9). Depois disto, celebrava-se um grande festim (cf. Jz 14,10; 7,14) que tinha duração de sete dias, e poderia se prolongar até duas semanas (cf. Jz 14,12; Tb 8,20). O matrimônio se consumava na primeira noite (cf. Tb 8,1). Desta noite, se conservava um lenço manchado de sangue que provava a virgindade da noiva e servia de prova caso houvesse calúnia por parte do marido (cf. Dt 22,13-21).116

No livro de Joel, noivo e noiva são retratados como se estivessem a caminho da realização de uma celebração matrimonial, saindo dos espaços reservados para o encontro nupcial e a condução para a casa do noivo. Bruscamente, a cerimônia é interrompida pela convocação penitencial, que neste caso, prescinde à celebração matrimonial particular.117 A consumação do matrimônio deverá ser adiada até que YHWH restitua a bênção sobre a terra, possibilitando, assim, os festins matrimoniais.

116 Cf. R. de VAUX, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p. 56-57.

117 Na tradição bíblica existem exemplos de dispensa dos jovens esposos nas guerras durante o

período de um ano (cf. Dt 20,7; 24,5). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111984/CA

Referências

Documentos relacionados

Quando chegaram a seu apartamento, os olhos de Emily passaram pela variedade de presentes que seu pai e Diana haviam trazido para ela, Joel e Paelen:

submetidos a procedimentos obstétricos na clínica cirúrgica de cães e gatos do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Viçosa, no período de 11 de maio a 11 de novembro de

Como resultados pedagógicos dessa prática de ensino, ressalta-se o protagonismo dos estudantes em buscar a melhor evidência científica para a questão clínica, demonstrando

- DIRETORES, COORDENADORES PEDAGÓGICOS, SUPERVISORES E TITULARES DE CARGOS DO QUADRO DE APOIO DAS ESCOLAS DAS REDES ESTADUAL E MUNICIPAIS mediante apresentação de carteira

Com a melhoria e aperfeiçoamento dos recursos tecnológicos, o surgimento da banda larga e o aumento de usuários dessas tecnologias e acesso a internet, a EAD

Após a solução de problemas por telefone, um técnico treinado pela Dell pode ir ao local em quatro horas para ajudar a resolver o problema.. • Peças e mão de obra no local

Se no MFPA a anistia era compreendida como um perdão concedido pelo Estado e fazia parte de um projeto de conciliação, com os CBAs a anistia se transforma em bandeira

A SECAD (Secretária de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade) do Ministério da educação estará apoiando este projeto, por meio do custeio e do pagamento da