Encontro Nacional de trabalhadores
das Freguesias
Documento/base
Desde tempos imemoriais que os seres humanos têm procurado formas de agregação, em torno da defesa das suas vidas, dos seus bens, das suas crenças, tradições e culturas das mais variadas tipologias, fazendo dessas organizações autênticos baluartes de defesa da vida comunitária.
Constituíram-se assim, ao longo dos séculos, variadíssimas agregações comunitárias, entre as quais avultam, em Portugal, as que tomaram o nome de Freguesias, abrangendo determinados núcleos populacionais, geograficamente identificados, distinguindo-se, particularmente, pela grande proximidade com essas comunidades.
E fregueses têm sido designados todos quantos nessas comunidades se integram e nelas procuram, frequentemente, soluções para os seus problemas, ligados tantas vezes ao cumprimento de deveres cívicos, mas também à exigência de direitos ligados à melhoria e dignificação das suas condições de vida.
Também não raramente conflui nessas organizações de cidadãos a simples procura de momentos de são convívio, virados para a ocupação de tempos livre, com momentos feitos de simples lazer mas também de natureza cultural, radicada na profunda sabedoria popular.
Conquistado com a Revolução de Abril de 1974 e plasmado na Constituição da República Portuguesa, o Poder Local Democrático emergido da estrutura orgânica existente democratiza-se, alarga a participação de milhares de cidadãos e deposita nas Freguesias um íntimo carácter de proximidade entre os centros de decisão e as populações, permitindo-lhe dessa forma o conhecimento profundo dos seus problemas e a permanente auscultação dos seus anseios.
É esse modelo que o actual Governo de maioria PSD/CDS-PP se propõe destruir com a chamada «Reorganização Administrativa Territorial Autárquica», desde já através da extinção de cerca de 1.500 freguesias e da redução de milhares de postos de trabalho. Inquirido pela imprensa sobre o destino dos trabalhadores o Secretário de Estado remete para a “mobilidade”
O STAL, que desde a primeira hora contestou as medidas protagonizadas pelo Governo para esta alegada reforma, tem vindo a levar a cabo diversas iniciativas tendentes a
combatê-la e a denunciá-la, procurando ao mesmo tempo assegurar em qualquer circunstância os direitos dos trabalhadores, particularmente a segurança de emprego. Foi com esse objectivo que tomámos posição logo quando se anunciou o famigerado memorando da troika, que promovemos a recolha de uma Petição «Em defesa do Poder Local Democrático, contra a redução de autarquias e de trabalhadores»; que realizámos uma Tribuna Pública na Assembleia da República, em 12 de Dezembro de 2011, data em que se assinalou a passagem de 35 anos sobre a realização das primeiras eleições autárquicas após o 25 de Abril de 1974; que reunimos com diversos grupos parlamentares, com a Associação Nacional de Municípios, com a Associação Nacional de Freguesias e com o próprio Secretário de Estado da Administração Local.
O Encontro de trabalhadores das freguesias que hoje realizamos insere-se naturalmente nesse processo de combate e de reivindicação que em torno desta reforma temos vindo a travar, procurando ao mesmo tempo debater com aqueles que integram o grupo dos principais actores do universo poder local a ser atingidos por estas medidas (e fortemente prejudicados, diga-se de passagem) os seus impactos, no sentido de melhor articularmos a acção reivindicativa a levar a cabo no futuro.
1 – Machadada no Poder Local
A proposta de lei 44/XII, afirmando vir estabelecer os objectivos, os princípios e os parâmetros da reorganização administrativa territorial autárquica, pretende, ao contrário do que afirma no seu articulado, no propósito de afastar o mais possível as populações desses verdadeiros centros comunitários e da participação efectiva na coisa pública milhares de cidadãos eleitos nas freguesias que, segundo os parâmetros definidos na proposta de lei, conduzirá à extinção de cerca de 1.500 Freguesias!
Isto é, a iniquidade da Proposta de Lei, afirmando querer valorizar faz precisamente o contrário, é uma machadada profunda na organização do Poder Local, começando por atacar, estrategicamente, as Autarquias de menor dimensão, ainda que todas de idêntica importância, sob a ilusão de que da agregação de várias Freguesias, numa única, resultará uma maior proximidade com os respectivos eleitores, numa espécie de inimaginável golpe de magia, como se, subitamente, o que geograficamente mais longe se situa mais de perto se alcança!
Maior iniquidade ainda é o facto da referida proposta não apresentar soluções efectivas para os trabalhadores o que, dada a prática governativa, denuncia graves intenções. Surgindo a mando da troika e como mais um desmando deste governo, a proposta assenta também em supostos critérios de redução da despesa pública, mas omite completamente os montantes supostamente assim poupados ao erário público, o que naturalmente sempre seriam irrisórios, comparativamente com os inestimáveis serviços públicos que as Freguesias prestam às respectivas comunidades.
Por outro lado, a proposta de lei configura uma série de promessas de novas responsabilidades das Freguesias restantes, mas nada garante quanto aos meios de que disporão para gerirem essas supostas novas atribuições!
Convidam-se, sim, à agregação, de uma forma perfeitamente ridícula, particularmente, sob o aliciamento do aumento da participação no FFF em 15%, até ao final do mandato seguinte à agregação!
Esquematizando, elencam-se os principais traços e impactos desta proposta:
1 - A questão fundamental em discussão com esta proposta de lei de
reorganização administrativa não são os critérios, melhores ou piores que devem ser seguidos nessa reorganização, mas sim os objectivos que se pretendem alcançar com ela. Esses objectivos são claros:
1.1. - O empobrecimento democrático, traduzido na redução de mais de 20
mil eleitos;
1.2. - O ataque ao emprego público, que no caso das freguesias que
actualmente empregam cerca de 8 mil trabalhadores se reflectirá no desaparecimento de milhares de postos de trabalho, como resultado da sua extinção ou como consequência da mobilidade exigida com as novas freguesias;
1.3. - O enfraquecimento da afirmação, defesa e representação dos interesses
e aspirações das populações que a presença de órgãos autárquicos assegura;
1.4. - O abandono ainda maior das populações em muitas partes do nosso
território, o acentuar da desertificação e da ausência de respostas aos interesses populares e à satisfação das suas necessidades.
2 - Para a concretização dos seus objectivos o Governo substitui agora o
conceito de “critérios” por “parâmetros” e desta forma:
2.1. - Fixa quotas de redução do nº de freguesias que obrigatoriamente têm
de ser atingidas, e que variam entre os 50% e 55% para as freguesias existentes em “malha urbana” e entre os 25% e os 35% para as outras;
2.2. - Atribui-se às Assembleias Municipais a “competência” de serem os
promotores directos da liquidação das freguesias em obediência ao que foi previamente estabelecido e determinado pelo Governo;
2.3. - Permite-se às Assembleias de Freguesias a emissão de pareceres, desde
que de acordo com os princípios e os parâmetros definidos no projecto de lei, os quais devem ser ponderados pela Assembleia Municipal. Os seja permite-se que as Aspermite-sembleias de Freguesia emitam as suas próprias certidões de Óbito;
2.4. - Cria-se no âmbito da Assembleia da República uma Unidade Técnica
que controla todo a processo de reorganização administrativa e que sempre que a chamada “pronúncia” da Assembleia Municipal não respeite o objectivo pretendido pelo Governo, o processo é devolvido para que seja apresentado projecto “alternativo” que respeite esses objectivos. Em suma estamos perante uma autêntica fantochada em que se pretende comprometer os autarcas locais mas em que os objectivos a atingir, redução em 1/3 das
actuais freguesias, está já previamente determinado. Processo mais anti-democrático era difícil imaginar!
2.5. - Procura sustentar-se todo este processo na chantagem de que as
freguesias que aceitarem agregar-se terão direito a um bónus de 15% nas transferências do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF) até ao final do mandato seguinte à agregação. Em contrapartida as freguesias que forem agregadas contra a vontade das respectivas Assembleias Municipais não terão qualquer aumento nas transferências do FFF. Uma aprova acrescida do sentido democrático desta reorganização administrativa!
3 - Fica claro da leitura desta proposta de lei de reorganização administrativa
que são falsos os argumentos invocados para a sua justificação que é falso o seu preambulo, que é politicamente prepotente e antidemocrático.
3.1. - Com ela vão aumentar as assimetrias e desigualdades entre
aglomerados populacionais em vez de se reforçar a sua coesão. A junção dos territórios mais fortes, com mais população, com os mais fracos ou menos populosos, vai traduzir-se no reforço dos primeiros e no abandono dos segundos e, desta forma, em mais abandono, menos investimento, menos coesão para os territórios que mais dela necessitam.
3.2. - Em vez de “ganhos de eficiência e de escala” que resultariam da
“libertação de recursos financeiros”, o que se obterá é menos proximidade e resposta directa aos problemas locais, com menos verbas e menos recursos disponíveis. Não podemos esquecer que o objectivo central desta reforma é reduzir as transferências para o poder local e que o acordo assinado com a
Troika prevê mais cortes em 2013 nas transferências para as autarquias.
Mesmo as prometidas novas competências próprias das freguesias, de que muitos autarcas de freguesia gostam de ouvir falar, é intenção do Governo construí-las à custa de verbas retiradas aos municípios.
3.3. - Por fim, em vez da tão proclamada “melhoria da prestação dos serviços
públicos” referida no preâmbulo da proposta de lei, o que teremos são territórios situados a dezenas de quilómetros das novas sedes de freguesia desprovidos de tudo, completamente abandonados e onde as populações que aí residirem deixarão de ter da parte do Estado qualquer resposta para as suas necessidades sociais. A desertificação de muito do nosso interior vai com esta reforma administrativa atingir patamares até agora nunca vistos.
2 - Desrespeito pelos trabalhadores
Para acompanhamento deste processo, é proposta a criação de uma designada “Unidade Técnica”, a funcionar junto da Assembleia da República, composta por técnicos desse órgão de soberania, da DGAL, da ANMP e da ANAFRE, ignorando-se completamente os Sindicatos, como é o caso do STAL, apesar de ter cerca de 50.000 associados e do seu papel histórico não só na defesa dos trabalhadores como também da na defesa e consolidação do Poder Local Democrático.
Finalmente, quanto aos trabalhadores, o descaramento da Proposta de Lei vai ao ponto de não lhes fazer a mínima referência, bem se conhecendo contudo os propósitos de
substancial redução dos trabalhadores da A. Local, sempre a mando da troika, como de resto o Orçamento de Estado de 2012 é bem elucidativo!
Saliente-se que, sendo claros os propósitos de desmantelamento do Poder Local e tratando-se de matéria que colide com os cidadãos em geral mas também com os trabalhadores em particular, nomeadamente no que respeita aos respectivos postos de trabalho, a Proposta de Lei surge sem qualquer tipo de negociação com os Sindicatos, manigância que viola ostensivamente a Lei 23/98, de 26/5.
O STAL não pode deixar de manifestar profunda apreensão com o que concerne neste processo aos direitos dos trabalhadores, seja pelo que acima se refere, seja por um outro conjunto de medidas que estão em curso, designadamente:
A redução do número de trabalhadores prevista no memorando da troika e plasmada na Lei do Orçamento do Estado para 2012, medida que sendo praticamente impossível em muitas autarquias (no limite, por exemplo, 3% de dois trabalhadores equivale a 0,06!), noutras criará sérios problemas de funcionamento.
A eventual aplicação da mobilidade forçada
3 – Combater, reivindicar e propor
De uma forma geral é possível afirmar que os trabalhadores das freguesias repudiam a reforma em curso, particularmente a proposta de Lei 44/XII, independentemente se encontram entre aqueles que mais directamente sofrerão os seus impactos.
O STAL repudia a Proposta de Lei em apreço, por constituir mais um inqualificável ataque à organização do Poder Local Democrático, fragilizando-o cada vez mais, nomeadamente através de uma inconcebível extinção de Autarquias, delas afastando as populações que assim verão agravadas as suas condições de vida;
Bem como a repudia pela grosseira inobservância de qualquer processo negocial com o STAL, de que é exemplo a criação da dita “Unidade Técnica” e pelo desprezo que revela sobre os trabalhadores, omitindo completamente as medidas que neste processo se pretendem tomar, pelo que exigem a plena garantia da preservação da totalidade dos direitos laborais, sociais edos respectivos postos de trabalho.
Por isso vamos por todos os meios aprofundar o combate para rechaçar os intentos do Governo, seja no plano da acção reivindicativa, da denúncia pública ou do combate junto dos órgãos do poder.
A Manifestação de Freguesias convocada por diversos movimentos e pela ANAFRE para o próximo dia insere-se naturalmente nesse objectivo, tal como a Greve Geral convocada pela CGTP-IN para 22 de Março, sob o lema «Contra o pacote de exploração e o empobrecimento – mudança de política – emprego, salários e direitos».
Mas não descuramos a intervenção proponente em torno da defesa dos direitos dos trabalhadores, exigindo que desde já que em qualquer processo de reorganização do poder local sejam considerados os interesses e os direitos dos trabalhadores, particularmente o direito à segurança no emprego.