Conjuntura
cio nados, em sistema semi-extensivo, asso-ciando o uso da caatin-ga a pastos tolerantes a seca e a forragens con-servadas sob diversas formas.
Os animais seriam abatidos com idade va-riável entre 210 e 300 dias de idade, em função do nível deintensificação tecnológica utilizado.
Não importaria muito competir com ascriações mais "artificializadas" com relação à idade de abate, pois o produto ge-rado
é
diferente, comSubsídios
à
implantação e um projeto
de produção por produtores de base familiar
Apesar de o merca-do atual ser francamen-te favorável ao ovino,
é
no caprino que residem as maiores possibilida-des futuras de a região sem i-árida competir com umproduto realmente di-ferenciado, inimitável por outras regiões ou países. Uma dessas alternativas seria representada pelo "cabrito orgânico da caa-tinga", uma forma de pro-duto ecológico estreita-mente vinculado ao am-biente natural da região.Clóvis Guimarães Filho
A atual caprinocultu-ra extensiva pcaprinocultu-raticada no nosso semi-árido, ao contrário do que muitos pensam, pela sua ação espoliativa sobre a caa-tinga e pelo uso genera-lizado de vermífugos, piolhicidas, mata-bichei-ras e outros alopáticos, está distante de atender às exigências mínimas para certificação orgâni-ca. O atendimento a es-sas exigências poderia ser feito, mais facilmen-te, a partir da criação de genótipos nativos
sele-maior valor agregado e, muito provavelmente, menores custos de pro-dução.
A carne orgânica as-sim produzida incorpora-ria, como qualidades mercadológicas, o uso nulo de agroquímicos, o rigoroso controle higiêni-co-sanitário na produ-ção, no processamento e na distribuição, com um sabor característico as-sociado ao pasto natural ("sabor caatinga"). A co-mercialização dar-se-ia em cortes especiais (in-cluindo cabrito-mamão) resfriados ou congela-dos, podendo-se ainda incorporar na "marca" do produto, o nome da mi-crorregião, território ou espaço geográfico delimitado pelas ações da associa-ção (exemplo: "cabrito orgânico do Cariri"). Procedimentos de implantação Para as associa-ções, a estratégia mais recomendável seria ini-ciar o processo através de um projeto-piloto de produção e comercializa-ção do cabrito orgânico, envolvendo um número limitado de associados. A certificação como produ-to orgânico seria do tipo grupal, que certifica a or-ganização e a credencia como co-responsável pe-lo monitoramento regular
42
da qualidade do produto e pelo atendimento às exigências de certifica-ção. Para isso, a asso-ciação tem que estar for-malmente constituída e possuir um sistema de controle interno.
O projeto-piloto de-ve incluir a formação de uma rede de articulação produtor-processador-distribuidor, incorporan-do - em um modelo de in-tegração de pequena
es-cala - as ações de finan-ciamento, assistência técnica, promoção e co-mercialização do produ-to. As etapas de implan-tação do projeto com-preenderiam especifica-mente:
• Sensibilização/ mobilização dos associa-dos e seleção das unida-des-piloto iniciais;
• Definição da 'enti-dade certificadora e iní-cio de articulações para certificação do produto -articulação com outros parceiros comerciais
(processadores, distri-buidores e clientes dire-tos) e de apoio técnico e financeiro;
• Criação (e capaci-tação) deum Comitê Re-gulador de controle inter-no do processo, aten-dendo à exigência das certificadoras para o mo-delo grupal; • Elaboração do manual de proce-dimentos
téc-f
i
'
nicos (normas ~ a serem aten-didas na cria-ção, processa-mento e comercia-lização); • Capacitação técnica e gerencial dos produtores selecionados em produção orgânica;• Implanta-ção dos
siste-mas de produ-ção nas uni-dades-piloto através de fi-nanciamento pelas fontes oficiais de crédito (Pronaf principal-mente) e/ou de acordos de cooperação com ou-tros parceiros engajados direta (abatedores, distri-buidores ou consumido-res) ou indiretamente
(MOA, MOS, Projeto
Dom Hélder Câmara,
etc.);
• Monitoramento e avaliação técnica (pelo Comitê Interno), econô-mica e ambiental dos sis-temas de produção im-plantados nas unidades-piloto, visando, de forma
participativa, proceder os necessários ajustes e correções; • Abate e processa-mento experimental da produção de-cabritos o-riundos das unidades se-lecionadas (abate, fri-gorificação, cortes especiais, formas de acondiciona-mento); • Promoção e comercialização experimental do produto processa-do e certificado (pleno ou em con-versão) com clien-tes previamente ar-ticulados (redes de supermercado, progra-mas governamentais,
restaurantes e casas es-pecializadas) e/ou em pontos de venda direta-mente da associação. . Todo esse processo deve ter o acompanha-mento da entidade certi-ficadora. O Comitê Re-gulador deve monitorar e avaliar periodicamente diversos parâmetros, en-tre eles: o desempenho produtivo dos rebanhos; a capacidade de atendi-mento às normas de cer-tificação orgânica; as qualidades mercadológi -cas dos produtos; a eco-nomicidade do empreen-dimento e a aceitabilida-de do produto pelo con-sumidor. Atendidos satis-fatoriamente esses as-pectos, o empreendi-mento estaria apto então para a fase seguinte, que
44
trataria da mudança de escala, na qual seriam incorporados e capacita-dos novos capri noculto-res associados e busca da expansão do seu mer-cado.
Principais aspectos
tecnológicos do
sistema de produção
O
cabrito orgânico da caatinga poderia ser produzido a partir de prá-ticas inspiradas em al-guns trabalhos iniciais da Embrapa Semi-Árido,Embrapa Caprinos, uni-versidades e na expe-riência de alguns produ-tores. Algumas dessas práticas, descritas sucin-tamente a seguir, neces-sitariam ainda ser adap-tadas à realidade de cada uma das distintas situações agro-ecológi-cas e sócio-econômiagro-ecológi-cas,
sob as quais operam as unidades de base
fami-liar do sem i-árido: Genótipos: matri-zes puras de raças nati-vas ou mestiças (mínimo de 50% do sangue na-tivo), cobertas por r epro-dutores puros de raças nativas, visando a
obten-ção de machos e fêmeas para abate com idade va-riável entre os 21 O e 300 dias de idade. Alternati-vamente, essas matrizes poderiam ser cruzadas com reprodutores de ra-ças ditas especializadas, para abates a menor ida
-de, implicando tal opção,
todavia, em maiores limi-tações de adaptação desses genótipos às "tecnologias orgânicas" e de associar ao produto fi-nal,como qualidade mer
-cadológica, os fatores naturais e culturais do bioma caatinga;
Manejo alimentar do rebanho: base ali-mentar das matrizes no
pastejo rotacionado na caatinga e em pastos de capim Buffel (ou similar),
complementado no
pe-riodo seco, com algumas
das seguintes
alternati-vas:
*
forragemconser-vada (feno e/ou silagem
de leucena, gliricídia,
guandu, maniçoba, etc.);
*
pastos diferidos(caatinga, capins Buffel,
Corrente, etc.);
*
forrageiras paracorte ou apanha
(palma-forrageira, algaroba, me
-lancia-forrageira);
*
palhadas puras,ou hidrolizadas a pres
-são de vapor ou a cal vir
-gem;
*
concentrados in-dustriais (farelos de alga
-roba, de babaçu, de
licu-ri e de outros produtos,
desde que produzidos
sem uso de solventes
químicos);
*
grãos e outrospro-o
Berro -n"75dutos cultivados organi
-camente (sorgo, milheto,
raspa de mandioca);
*
misturas múltiplascompostas de minerais
emmescla com algumas
das alternativas acima.
Após uma fase ini
-cial de amamentação
ex-clusiva junto às mães, as
crias passariam a ter
acesso, também, a uma
mistura especial (cocho
privativo) e a alguma f
or-made pastejo, até o
des-mame completo.
Manejo dos pastos naturais e cultivados:
pastos, na medida do
possível, subdivididos
para uso de forma rota
-cionada e devidamente
arborizados (plantio das
árvores em distribuição
uniforme, em bosquetes
ou em faixas). A manipu
-lação da vegetação nat
i-va(enriquecimento, ral
e-amento erebaixamento),
onde recomendada,
pode constituir outro
va-lioso instrumento de
ma-nejo. A adubação dos
pastos cultivados deve
utilizar adubos de baixa
solubilidade, privileg
ian-do-se ainda o apro
veita-mento damatéria orgâni
-ca produzida na proprie
-dade (esterco na forma
de composto e adubação
verde).
Manejo
reproduti-vo: neste aspecto não
haveria qualquer limita-ção com relalimita-ção às prá-ticas normalmente
reco-mendadas nos sistemas
convencionais, mesmo o uso da inseminação
arti-ficial, permitido pelas normas de certificação (apenas a transferência de embriões não é per -mitida);
Manejo sanitário: vacinações contra elos -tridioses e controle de
ecto e endoparasitoses (piolhos e vermínoses controlados pelo uso combinado de
homeopa-tia, fitoterapia, descanso
de pastos e desinfecção
periódica das instal
a-ções. Uma série de pr o-dutos homeopáticos e f i-toterápicos (Nim, alh o-em-pó, babosa, bata ta-de-purga, etc.) já se en-contram disponibilizados
para uso nesses
siste-mas, embora, para
al-guns deles, ainda faltem estudos de maior rigor científico que
Sistema Tradicional Extensivo Sistema Orgânico Indicadores
1,0 - 1,2 1,3- 1,5 Crias nascidas/ME(1)/ano
0,8 - 1,0 1,2 - 1,4
Crias desmamadas/ME/ano
20 -25 5 - 10 Mortalidade pré-desmame (%) 5-10 1-3 Mortalidade pós-desmame (%) 0,7-0,9 1,1-1,3 Unidades comercializadas/ME/ano 14-17 7-10
Idade aos 28kg Peso vivo (meses)
12 - 20 30 - 38
Peso vivo comercializável/ME/ano (kg) (1)matriz exposta ao reprodutor
o
modelo proposto procura, portanto, con-templar as principais prá-ticas de convivência com a seca e de preservação ambiental recomenda-das pela Embrapa e por outras instituições, para zonas semi-áridas, siste-matizadas no uso prefe-rencial de raças autócto-nes,de pastos cultivados tolerantesà
seca, de mé-todos racionais de uso da vegetação nativa (pastejo em rotação, lo-tação adequada), de ar-borização dos pastos cultivados, de suplemen-tação alimentar nospe-ríodos secos com bancos de proteína/energia, de estabelecimento de re
-vem seus níveis de efi-ciência e de segurança com relação a possíveis efeitos colaterais. Outras medidas recomendadas incluem o uso de quaren-tenário, de pedilúvios, de esterqueira e exames pe-ríódicos de artrite-ence-falite e linfadenite caseo-sa.
Com o uso racional dessas práticas seria possível obter os seguin-tes índices de desempe-nho zootécnico, compa-rativamente aos obser-vados nos sistemas ex-tensivos tradicionais pra-ticados nos sertões bala-no e pernambucabala-no do São Francisco. (Veja quadro)
servas estratégicas ali -mentares para períodos de estiagem prolongada,
de captação de água da chuva "in situ" nas áreas de cultivos forrageiros,
de preservação de áreas de reservas legal e per-manente, de uso maxi -mizado de matéria orgâ
-nica
e
de adubos não sintéticos, de sistemas produtivos diversificados (interação com agri cultu-ra, extrativismo e outros subsistemas da propri e-dade, etc.) e de uso mí-nimo de insumos e xter-nos.Clóvis Guimarães Filho -é médico-veterinário,
consultor em caprino e ovinocultura