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Um contributo para uma nova abordagem da crítica da tradução literária

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Academic year: 2021

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LITERATURA COMPARADA: O S NOVOS PARADIGMAS

LITTÉRATURE COMPARÉE:

LES

NOWEAUX PARADIGMES

COMPARATNE LITERATURE: THE NEW PARADIGMS

Comissão Editorial

/

Comité Editorial

/

Editorial Committee:

Actas do Segundo Congresso da Associaçáo Portuguesa de Literaiura Comparada Actes du Deuxième Congrès de I'Association Portugaise de Liitérature Comparée Proceedings of the Second Congress of lhe Portuguese Association of Comparative Literature

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THOMAS

J. C. HUSGEN Universidade do Porto

Um contributo para uma nova abordagem da

crítica da tradução literária

A tradução, enquanto teoria com ambiçóes científicas, emerge nos anos sessenta, fortemente influenciada pela linguística moderna, tendo vindo a afirmar-se como disciplina autónoma que estuda o processo e o produto do acto de traduzir. Inicialmente, os estudos teóricos orientaram-se pelos resultados da linguística estruturalista dos anos sessenta, o que significou um primeiro passo para o estabelecimento de um método objectivo e , por isso, científico, estatuto que se tinha proposto atingir. Os estudos teóricos da tradução ocuparam-se prioritariamente da análise contrastiva dos diferentes sistemas Iinguisticos em contacto. Já nos anos setenta, com a emergência da linguística do texto e da pragmática, a perspectiva textual ganha maior relevância na teoria da tradução. Paralelamente, observa-se que os métodos estritamente taxinómicos vão dando lugar a métodos integrati- vos que se apercebem da necessidade interdisciplinar de integrar várias teorias para poder dar resposta ao fenómeno complexo da tradução.

E é na segunda metade dos anos oitenta que se assiste a um novo passo na con- cepção teórica da tradução. É mais uma vez em paralelo com a liguística - que começa a trabalhar os processos cognitivos implicados no uso da língua -que o interesse científico na tradução se vai concentrar no tradutor. Partindo das estruturas linguísticas, passando pelas estnituras e implicações textuais e comunicativas, alguns teóricos começam a inte- ressar-se pelos processos cognitivos que o tradutor, como agente numa situação de tomada de decisão, percorre.

O

tradutor ganha um estatuto próprio num processo em que, de uma forma mais ou menos livre, consoante o contexto, procura resolver um pro- blema, ou seja, fazer opções perante uma situação de escolha. Nas teorias da tradução precedentes, o processo da escolha nunca tinha sido objecto de estudo, já que se via na tradução um processo de mera transcodificação ou transferência de informação para uma língua de chegada, condicionada pelas caracteristicas das duas línguas em contacto e/ou pelas instiuçóes e restrições textuais e situacionais.

Contudo, a focalização no tradutor trouxe uma reformulação do seu estatuto e da sua competência, e a intuição e a criatividade tornam-se axiomas do processo translatório. Na realidade, a psicolinguística tem vindo a permitir algumas descobertas no campo da intuição e da criatividade. Alguns estudos realizados apontam para o predomínio do pen- sar associativo e holístico em relação a textos e a palavras, isto é, um determinado texto é sempre o .sintoma') de superfície duma realidade subjacente no sentido de que tem o poder de evocar realidades complexas através da escolha específica e calculada de unida- des lexicais. As palavras são desverbalizadas e o seu conteúdo só se revela a oartir do con-

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texto em que ocorrem e da força de associações que são capazes de estabelecer com O lei- tor. A capacidade de entender os ~sintomas,' do texto, a capacidade de estabelecer teias associativas torna-se de primordial importância para o tradutor na sua tentativa de forrnu- lar um texto que, não sendo o texto de partida, faça o que ele faz. E a competência recep- tiva que permite, ou não, a o tradutor enquanto leitor captar o que Barrento chama "holo- frase", que .impregna todo o texto e que é um sinal inequívoco de linguagem estetica- mente organizada,, (1988, 63). É aqui que chegamos ao aspecto intuitivo da tradução. O facto de nos sentirmos próximos de um determinado autor depende da capacidade de O texto mobilizar essa teia associativa que nos toca na memória mais intima que é a memó- ria estética. Parece-me, por isso, essencial na tradução literária que o tradutor sinta uma certa congenialidade ou empatia com o texto a traduzir. Quando isso não acontece, surge muitas vezes a necessidade do tradutor de alterar o texto de partida. Este tipo de procedi- mento pode ter a sua raiz na racionalidade humana que, segundo António Damásio, um neurologista português de renome internacional, está longe de ser exclusivamente baseada na razão pura e onde os sentimentos restringem o campo das alternativas lógicas possíveis numa situação de resolução de problemas (cf. Damásio: 1995). Quer isso dizer, para a situação do tradutor em concreto, que a sua postura perante um texto a traduzir pode divergir de caso para caso, conforme a s relações de empatia que estabelece com o mesmo

Para concretizar esta hipótese tomo como exemplo o tradutor alemáo do romance A Sibila de Agustina Bessa Luís. Numa comunicação intitulada ((Kann der Ubersetzer den Autor lcorrigierenh (Poderá o tradutor corrigir o autor?), proferida em Outubro de 1 9 8 7 , em Soest, na Alemanha aquando das <(Primeiras Jornadas Portuguesas., Georg Rudolf Lind, um romanista alemão de renome, com muitos méritos na divulgação da lite- ratura poriuguesa na Alemanha e não só, explica de uma forma aparentemente objectiva as raz6es que o levaram a corrigir o texto de Agustina Bessa Luís, visto que, no seu ponto de vista. o tradutor tem o estatuto de autor re-criador. Leva esta posição a o extremo, quando explica que tentou proteger o leitor alemão das reflexões enigmáticas do texto português que provavelmente não teriam significado algum (1988. 69). Esta perspectiva torna-se ainda mais relevante quando comparada com um artigo do mesmo autor em que descreve a sua concepção de tradutor de Fernando Pessoa. Numa brochura com o titulo Traduzindo Fernando Pessoa escreve:

*(Podemos concluir que o tradutor não necessita de uma personalidade poética própria, pelo contrario. e ate conveniente que não tenlia uma personalidade própria para perder. Ele não deve ser outra coisa do que o leal inensageiro do poeta da sua escollia. Na tradução de um grande genio encontra este tradutor a satisfação plena da sua própria ambição poética." (1962: 162).

As duas concepções apresentadas encontram-se em aparente contradição, o que merece alguma reflexão. Qual a razão para uma mudança tão drástica, passando de <'leal mensageiro,3 a co-criador, termo aliás também utilizado por João Almeida Flor (1983), com o direito a corrigir o autor do texto? Não querendo entrar na discussão acerca da legitimidade de uma ou outra concepção, parece-me que a chave para esta aparente inco- erência se situará a o nível do emocional. Quando Lind se refere à tradução de Pessoa, exprime de forma muito clara que escolhera por livre vontade os textos de Pessoa. E

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todos os que conhecem o percurso deste estudioso da literatura portuguesa sabem que Lind despeitou para a literatura portuguesa, quando entrou em contacto com os textos dos diferentes heterónimos do grande poeta português. Parece de facto ter sido uma esco- lha de coração.

Lind parece não partilhar a mesma admiração para com a obra de Agustiia Bessa Luis que, na sua opinião, necessitaria de uma limagem à Ia Théophile Gautier. As conse- quências são óbvias. A tradução alemã do romance A Sibila é fortemente marcada pela personalidade de Lind que, limando, retira a o texto de partida aquilo que Artur Portela descreveu como a l~cavalgada frenética nesta obra, rio imenso, transbordante, que salta todos os obstáculos, submergindo pontes, diques, fragas e , cachoando, espadanando, inunda, alaga tudo, num mar imenso de águas revoltas, onde há pegos remoinhantes~~. (Diário de Lisboa, 17/02/1955). Lind não permite que o seu leitor alemão se afogue em águas tão agitadas e leva o seu barco a porto calmo, esclarecendo, encurtando e expli- cando de tal forma que leva um conhecido crítico alemão a escrever, numa recensão cri- tica, que a leitura da tradução espelha bem a acessibilidade do texto original.

Voltemos então a o ponto de partida das nossas reflexões. Consideremos o priici- pio de que todo o processo translatório é também um processo de solução de problemas, no qual a intuição e a cognição entram em colaboração, permitindo à intuição captar de uma forma rápida, holistica e sintética as interligaçóes textuais, a o ponto de conjugar vários aspectos isolados num todo implicito, sugerido por relações de associação. A cogni- ção, por outro lado, trabalha com dados concretos, que estão disponíveis em certo momento e que se encontram relacionados directamente com o problema a resolver. Ambas as maneiras de pensar estarão interligadas e , como um estudo de Hans G. Honig (1990) parece ter provado, interdependentes, no sentido de que uma avaliação intuitiva por parte do tradutor é imediatamente justificada e sustentada por argumentos cognitivos.

Partindo deste principio, poderemos extrapolar esta interacção entre a intuição e a cognição para a relação que um tradutor tem face a um texto que lê dentro de uma lógica de soiução de problemas. Tendo em conta que o grau de dificuldade para solucionar o problema não é absoluto, mas que depende das experiências individuais do tradutor (cf. Schmitt 1 9 8 6 , 253), poderemos então considerar que Lind, por exemplo,

a

partida terá sentido mais barreiras em relação a o texto de Agustina Bessa Luis, mesmo a nivel de idi- ossincrasia pessoal de que fala Barrento (1988: GG), do que face aos textos de Pessoa.

O

conjunto de experiências, gostos e des-gostos. mundividéncias etc. terão um papel primor- dial na concepção tradutológica do tradutor literário em relação a obra de cada autor, senão mesmo em relação a cada texto literário individual. E, pegando na teoria de Damá- sio, poderia admitir-se a hipótese de que aqueles elementos mais ligados a o nosso sentir que limitam a nossa escolha, que a partida é infinita, na vida em geral como na tradução, também na tradução levam a concepções translatórias de um único tradutor muito distin- tas conforme o texto que se propõe, por afecto ou obrigação, traduzir.

Este modo de apreendermos o processo de tradução tem sem dúvida reflexos na forma de praticarmos a critica da tradução de textos literários. E que para a critica da tra- dução literária, como possivel subdisciplina do comparativismo, isso significa que ela não se esgota na análise da($ tradução(ões) de um determinado texto literário numa determi- nada época. De facto esta disciplina pode ganhar um alcance descritivo e valorativo acres- centado, quando a análise se alarga a o estudo da obra de um tradutor no seu todo. Assim, caberá a o crítico descrever cada obra traduzida por um determinado tradutor no encadea-

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mento e confronto com

a

restante obra, o que permitiria uma análise e sistematizaçáo mais abrangentes

e

justas das escolhas/decisóes translatórias encetadas por este mediador entre culturas. A crítica da tradução estabeleceria assim uma ponte entre as teorias analí- tico-metodológicas, mais ligadas ao estudo das línguas, e as holistico-esquembticas, influ- enciadas pelos estudos da literatura, capaz de transpor o profundo fosso que as separa na teoria da traduçáo contemporânea, aproveitando

o

poder discritivo de ambas na tentativa de retratar o processo translatório, tanto d o ponto de vista retrospectivo como prospec- tivo.

BIBUOGRAFIA

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