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Morte e Vida: Qual o papel da espiritualidade no enfrentamento do câncer?

Isadora Cristina Morais Pinheiro1, Daniela Carvalho da Silva2,Danillo da Silva Alves3

Pâmella Eduarda Tavares de Brito4, Ezymar Gomes Cayana5

1 Universidade Federal de Campina Grande, Brasil. isadcrm@gmail.com; 2 Universidade Federal de Campina Grande, Brasil. dany.girl@hotmail.com

3IEP-HSL. Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, Brasil. danilosalves@hotmail.com 4 Universidade Federal de Campina Grande, Brasil. pamellaetb@gmail.com;

5 Universidade Federal de Campina Grande, Brasil. egcayana@gmail.com.

Resumo. O câncer configura-se como segunda causa principal de morte no mundo. Buscou-se compreender os aspectos de significação e ressignificação do câncer por meio da espiritualidade no enfrentamento de pessoas com diagnóstico de câncer. O presente estudo possui caráter descritivo, qualitativo e observacional. A amostra foi composta aleatoriamente por mulheres que foram diagnosticadas com câncer na cidade de Campina Grande, Paraíba, com idade superior a 18 anos e que aceitassem, voluntariamente, participar do estudo. O número da amostra foi definido pelo critério de saturação do discurso. A coleta de dados ocorreu entre os meses de setembro e novembro de 2018, e a análise delas foi consoante o método de análise de conteúdo. Respeitou-se os aspectos éticos. Foi possível concluir que o câncer traz prejuízos ao bem-estar dos pacientes em aspectos físicos e mentais. Nesse contexto, a espiritualidade surge como um aspecto de enfrentamento.

Palavras-chave: Espiritualidade; câncer; tratamento paliativo.

Death and Life: What is the role of spirituality in coping with cancer?

Abstract. Cancer is the the second main cause of death in the world. It was sought to understand the aspects of cancer's signification and resignification through spirituality in the confrontation of people diagnosed with cancer. The present study is descriptive, qualitative and observational. The sample was randomly composed by women who had cancer diagnosis in the city of Campina Grande, Paraiba, aged over 18 years old and who voluntarily accepted to participate in the study. The theoretical saturation has defined the sample number. Data collection occurred between September and November of 2018, and the Content Analysis Method based their analysis. Ethical aspects have been respected. It was possible to conclude that cancer damages patients' well-being in physical and mental aspects. In this context, spirituality emerges as an aspect of confrontation.

Keywords: spirituality; cancer; palliative treatment.

1 Introdução

O câncer configura como segunda causa principal de morte no mundo e estima-se que em 2018 ocorram 9,6 milhões de mortes por essa causa (WHO, 2018). No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima para o biênio 2018-2019, a ocorrência de 600 mil novos casos de câncer para cada ano. Sendo os cânceres de próstata (68 mil) em homens e mama (60 mil) em mulheres os mais frequentes (INCA, 2018).

Mesmo com inúmeras formas de tratamento e com o constante avanço tecnológico, o câncer ainda é considerado, em nossa sociedade, como uma doença incurável e agressiva que evidencia a proximidade da morte, trazendo dores físicas intensas e desconforto ao paciente (Renz et al, 2018). O câncer, além de ocasionar sofrimento e modificações no contexto de vida do indivíduo, em decorrência da estigmatização da doença, também, provoca alterações físicas, psíquicas e sociais, sendo mais comuns a partir do diagnóstico. Essas alterações podem se prolongar por todo o

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tratamento, visto que este é marcado por efeitos colaterais intensos, acarretando em dificuldades na adesão a terapêutica recomendada (Batista, Mattos & Silva, 2015).

A espiritualidade vem se tornando um elemento participativo no tratamento de doenças, devido ao conforto emocional, fé, esperança que são expandidos aos pacientes que optam por essa abordagem contigua ao tratamento médico, com o intuito de amenizar o sofrimento psíquico e físico, além de ter um papel de atribuição de ressignificação da vida e dos valores pessoais (Benites, Neme & Santos, 2017).

Tal abordagem espiritual é atualmente estudada e aplicada em instituições de relevância no mundo. A Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, é vinculada ao programa Initiative on Health,

Religion and Spiritualy, uma linha de pesquisa que promove o diálogo entre a comunidade científica

e a religiosa, afim de entender como a espiritualidade, associada à saúde pública e a prática da medicina, é capaz de aliviar doenças e promover o bem-estar. O MD Anderson Cancer Center, considerado o maior centro de pesquisa e tratamento de câncer no mundo, assim como o renomado Hospital John Hopkins, oferecem suporte espiritual para os pacientes e suas famílias. No Brasil, desde 2007, o INCA, em conformidade com a Política Nacional de Humanização do Sistema Único de Saúde (SUS), criou o Núcleo de Assistência Voluntária Espiritual (Nave), afim de promover assistência espiritual e inter-religiosa para pacientes, familiares, amigos e funcionários do Instituto.

Diante disso, é coerente buscar um maior conhecimento a respeito de um tratamento oncológico ancorado não só nas terapêuticas medicas convencionais, mas também sob perspectivas espirituais. O presente estudo se propõe a correlacionar a espiritualidade como ferramenta de cuidado paliativo ao paciente com câncer.

2 Metodologia

O presente estudo possui caráter descritivo, qualitativo e observacional. O método qualitativo parte do fundamento de que existe um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, é a abordagem que trata dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores, responde a questões muito particulares e se ocupa de um nível de realidade que não condiz com o método quantitativo (Chizzotti, 1998; Minayo, Deslandes & Gomes, 2009).

A importância da abordagem qualitativa para a área da saúde pode ser compreendida através das palavras de Romeu Gomes (2014):

“A discussão da pesquisa qualitativa numa perspectiva socioantropológica pode ser uma ferramenta importante para que a saúde Coletiva possa melhor abordar os diferentes grupos que compõem uma sociedade e a Clínica Médica possa ampliar o seu olhar acerca do seu objeto de investigação” (Gomes, 2014).

Identifica-se, então, que a abordagem qualitativa seja a mais adequada para esta análise que busca compreender, a partir do discurso de pacientes oncológicos, os aspectos em que a espiritualidade desempenha no enfrentamento do câncer. Entende-se que essa doença envolve questões mais íntimas do ser, como aceitação e futuro, por isso a necessidade de integrar ferramentas de cuidado que vão além das medidas medico-convencionais, buscando melhorar a adesão e resposta dos pacientes ao tratamento, assim como sua qualidade de vida.

A amostra foi composta aleatoriamente por mulheres que foram diagnosticadas com câncer na cidade de Campina Grande, Paraíba, com idade superior a 18 anos e que aceitassem, voluntariamente, participar do estudo. Excluíram-se pacientes com comprometimento cognitivo. O estudo foi realizado apenas com mulheres porque existe em Campina Grande um grupo de apoio denominado DIVAS composto por mulheres que receberam diagnóstico de câncer, facilitando a exequibilidade do presente estudo. Não houve a delimitação de algum tipo de câncer especifico, pois

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não era o tipo de câncer o foco do presente estudo e sim analisar a relação da espiritualidade com a vivência do câncer nesses mesmos pacientes.

O número da amostra final será definido pelo critério de saturação do discurso, afim de evitar redundância e repetição (Minayo, 2013; Fontanella & Magdaleno Junior, 2012; Thiry-Cherques, 2009). O universo amostral, Grupo DIVAS, é composto por, em média, 30 mulheres. Dentro desse contexto, 5 pacientes foram escolhidas aleatoriamente para compor a amostra e não houve cálculo do tamanho amostral. Esse artigo trata-se de uma pesquisa em andamento, sendo apresentados resultados parciais, o critério de saturação do discurso não foi atingido até esse ponto.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de setembro a novembro de 2018. Os dados foram obtidos através da aplicação de uma entrevista semiestruturada baseada no estudo de Guerrero (2011), o qual apresenta metodologia semelhante a empregada nessa pesquisa aqui relatada. Esta dimensão no processo de construção e aplicação de uma entrevista semiestruturada adquire papel decisivo no repertório da produção de falas. Entende-se o contexto da entrevista como local “gerador de discursos” que influenciam diretamente a mesma.

A aplicação das entrevistas foi realizada individualmente em um consultório, apenas com a presença do entrevistador e do participante. Procurou-se tornar o ambiente respeitoso e comunicativo, permitindo o participante falar livremente. Foi realizada a leitura e colhida a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Com a permissão dos participantes, as entrevistas foram gravadas e as questões norteadoras contemplaram aspectos como a percepção do câncer pelos próprios portadores, o significado de espiritualidade e a relação entre a busca espiritual e o enfrentamento da doença. Os arquivos de áudio foram transcritos na íntegra para serem analisados.

A análise de dados foi feita seguindo os pressupostos da Análise Temática de Conteúdo de Bardin (2011) que compreende a pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. As categorias temáticas foram criadas a partir da análise integral das falas, extraindo significados a partir dessas falas e agrupando esses significados em subgrupos que posteriormente compuseram grupos maiores, denominados categorias temáticas. Cada categoria recebeu um título capaz de sintetizar os significados das falas ali presentes (Mendes, 2018; Silva et al., 2017; Câmara, 2013). Para preservar o anonimato das entrevistadas, seus nomes foram substituídos por pseudônimos. A identificação das participantes foi feita através de nomes de flores: Rosa, Lírio, Margarida, Jasmin, Orquídea.

Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Alcides Carneiro conforme parecer emitido 2.839.834, aprovado em 23 de Agosto de 2018.

3 Resultados e Discussão

3.1 Caracterização das entrevistadas

A amostra foi composta por 5 participantes. Esse número foi concordante com outros trabalhos de caráter metodológico semelhante presentes na literatura (Santos, Aoki & Oliveira-Cardoso, 2013; Tarouco et al., 2009; Cruz Soares et al., 2009).

A idade das mulheres variou de 39 a 54 anos. Quanto ao nível de escolaridade, três mulheres possuem o ensino médio completo, uma possui o ensino médio incompleto e uma possui o ensino fundamental incompleto. O estado civil variou de solteira (n=1), em união estável (n=3) e divorciada (n=1). A religião católica apostólica romana foi predominante entre as participantes (n=5), sendo que uma entrevistada revelou participar também de encontros da religião protestante com menor

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frequência. No que diz respeito às neoplasias, a maioria foi diagnosticada com câncer de mama (n=4), seguido por câncer de colo de útero (n=1) e ovário (n=1), considerando que uma paciente da amostra recebeu o diagnóstico de dois tipos de neoplasias.

ENTREVISTADAS IDADE NÍVEL DE

ESCOLARIDADE

ESTADO CIVIL

RELIGIÃO TIPO DE

NEOPLASIA

ROSA 42 Ensino médio

completo

Solteira Católica praticante

mama

LÍRIO 39 Ensino médio

completo União estável Católica não praticante Colo de útero MARGARIDA 54 Ensino fundamental incompleto União estável Católica praticante mama/ovário

JASMIN 48 Ensino médio

completo

Divorciada Católica praticante

mama

ORQUÍDEA 42 Ensino médio

incompleto União Estável Católica praticante mama Tabela 1 – Caracterização das entrevistadas

A partir da análise das perguntas norteadoras, foram obtidas 3 categorias temáticas: O desafio de conviver com o câncer, a espiritualidade e o enfrentamento do câncer e a busca pela cura através da fé.

3.2 O desafio de conviver com o câncer

No momento da descoberta do câncer, algumas pacientes relataram sentimentos de desespero e viram aquela situação como uma proximidade da morte.

“Quando eu descobri que tava com câncer... era como se fosse sentença de morte. Eu achei que...que parou por ali. Que não existia nada depois do câncer” (Rosa)

“Na hora a gente pensa que vai morrer, se desespera” (Lírio)

“Pra mim, quando eu saísse do consultório do médico, não existia mais nem chão, era só o buraco que tava pra cair dentro” (Margarida)

Com a experiência na demora do diagnóstico, as entrevistadas vivenciaram o sofrimento da espera para ter acesso aos resultados dos exames, seguida das dúvidas e expectativas que vinham com a sua confirmação da doença.

“O processo é muito doloroso. A espera... e quando você tem uma confirmação do diagnóstico, aí já vem a certeza de perder o cabelo e um monte de dúvidas: Será que eu vou vencer?” (Rosa)

A palavra câncer ainda tem conotação muito forte para muitos pacientes. É como se fosse uma sentença de morte, pois, quando são diagnosticados com a doença, tornam-se desconcertados e veem a situação como um desfecho fatal (Castro, 2017). Para o imaginário social instituído se trata de uma doença incurável (Pinto, 2015), assim, a recepção do diagnóstico desencadeia uma gama de emoções e reações no paciente, inclusive pensamentos de morte capazes de interferir no bem-estar, desequilibrando-o (Castro, 2017).

O tratamento do câncer acarreta muitos efeitos colaterais, podendo até conduzir o paciente a decisões como a desistência do tratamento, situação relatada em Batista, Mattos e Silva (2015). Dentre os efeitos colaterais, nos discursos, evidenciou-se a fraqueza e a partir dela, os entrevistados

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relatavam sentimentos de inutilidade, de descontinuidade do prazer ou relacionavam com um mau prognóstico ou um sinal de que a morte estava próxima.

“Quando eu fazia o tratamento eu passava mal, eu passava três dias sem fazer nada, em cima de uma cama” (Lírio)

“De certa forma [a vida] estaciona realmente, porque você deixa de fazer o que você gosta, você para de ir pra academia, você para de trabalhar, você para de ver os amigos...” (Rosa)

“Cada vez que eu passava pela quimioterapia, eu me sentia assim mais fraca e achava que tava perto do meu fim” (Margarida)

Durante o período da quimioterapia, a mulher tende a se sentir frágil e inútil e se torna dependente de outras pessoas por causa dos efeitos adversos do tratamento, necessitando de ajuda para realizar tarefas domésticas que antes desempenhava com tranquilidade. A transformação na vida da paciente com câncer provoca restrições em sua vida social, como uma troca de papéis. Aquele ser que cuidava de todos à sua volta, neste momento precisa ser cuidada. E por consequência da doença, essa mulher deixa seu emprego, limita suas atividades domésticas e sociais, contribuindo para o desenvolvimento de sentimentos como solidão e depressão (Gomes de Almeida, 2015). Outro marco destacado pelas pacientes durante o tratamento foi a perda do cabelo. Algumas entrevistadas relataram o acontecimento com pesar, como se fosse uma evidência física de que a doença realmente estava presente.

“Meu cabelo começou a desabar. Literalmente. Passava a mão e ele descia. Descia todo. E aquilo, é um processo assim, desesperador. Você fica, olha no espelho e diz assim: Meu Deus, isso tá acontecendo comigo?” (Rosa)

“Meu cabelo caiu, eu fiquei um pouco triste” (Jasmin)

Em contraste, Orquídea referiu tranquilidade durante esse processo: “A parte de cortar cabelo foi

tranquilo pra mim, graças a Deus”. O que reforça a individualidade dos pacientes frente ao processo

de adoecimento e às consequências do tratamento.

O cabelo é considerado ícone da beleza feminina, denotando sinais de personalidade, de feminilidade e sensualidade. Sua queda é considerada um dos aspectos emocionais mais difíceis a serem enfrentados pela mulher em tratamento de câncer, podendo afetar negativamente seu cotidiano, sua autoimagem, autoestima e sua vida sexual, levando à ansiedade, revolta, medo e angústia (Tavares e Souza, 2017).

3.3 A espiritualidade e o enfrentamento do câncer

No geral, as entrevistadas relacionam diretamente o conceito de espiritualidade à aspectos religiosos como Deus e a fé.

“O significado da espiritualidade é que existe um Deus e a fé” (Jasmin)

“Quando você se pega a Deus, né?” (Margarida)

“Espiritualidade é a pessoa crer que Deus existe e através só da fé que a gente salva o nosso espírito” (Orquídea)

Já para Lírio, a espiritualidade está ligada à sentimentos de bondade e solidariedade:

“[Espiritualidade] significa você ser humilde, tratar as pessoas bem. [...] nunca maltratar ninguém. Sempre dar apoio, dar força”. Essa interpretação se assemelha com o entendimento de Miranda,

Lanna & Felippe (2015), no qual a espiritualidade seria uma dimensão do ser humano que busca o sentido de sua existência e está relacionada com seus modos de viver e de se comportar.

Independente do significado, a vivência dessa espiritualidade, em seus discursos, predominantemente se relaciona à esperança, força, sustento, ajuda e demais estratégias de enfrentamento do câncer.

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“Só em você ser tratado bem você já vai ali em 30-40% de esperança” (Lírio)

“Quando você acha que você não tem forças e que você não vai suportar porque é um tratamento muito difícil, muito complicado. Aí você vê que Deus tá lhe sustentando” (Rosa)

“Eu quis desistir, jogar tudo pro alto, mas eu ouvia Deus falando que eu não podia desistir” (Margarida)

Existe uma diferença entre os significados de religiosidade e espiritualidade. A espiritualidade é individual, uma subjetiva conexão consigo mesmo, com o outro, com Deus ou outra divindade. Já a religiosidade é a prática de um sistema organizado de crenças (religião) que abrange a presença de hierarquias, líderes, sacerdotes e doutrinas a serem seguidas; é o quanto um indivíduo acredita, segue e pratica essa religião (OLIVEIRA; SANTOS; YARID, 2018).

Castro (2017) defende que o bem-estar espiritual está associado à menor depressão, menor risco de complicações somáticas e a menor frequência de uso de serviços hospitalares. Ainda, a espiritualidade está se tornando um conceito multidimensional que é cultural e envolve situações diversas de como as pessoas se relacionam com a saúde e a doença (Doumit et al, 2019).

A espiritualidade é percebida ainda, como um recurso que favorece a aceitação da doença, promovendo o empenho pela reabilitação da saúde e um maior apoio social, tanto por tornar os indivíduos mais propensos a aceitar ajuda de outras pessoas, quanto pela maior integração social que as religiões e práticas religiosas favorecem (Veit e Castro, 2013).

A entrevistada Jasmin exalta em seu discurso a importância de sua inserção em um grupo religioso. Ela relata que após 8 dias da quimioterapia, coordenava encontros dando apoio a outras 25 pessoas que passavam pela mesma situação que ela, as quais a participante se refere carinhosamente como “meus 25 filhos”. O convívio e o apoio social foram estratégias muito evidenciadas por Jasmin:

“Quando você descobre um diagnóstico desse, você não pode se fechar, você tem que se abrir pras pessoas”.

A importância da integração social promovida pelo meio religioso também é evidenciada na fala de Rosa: “Quando você chega lá, você descobre que o seu [problema] é menor do que o outro. Você

encontra pessoas muito debilitadas, muito frágeis e você precisa se fortalecer pra dar apoio àquele que tá do seu lado, que tá pior que você”.

Tal apoio social dentro do contexto da religiosidade é um caminho procurado pelos pacientes oncológicos afim de buscar um estado mental diferente que vislumbre saídas e enfrentamentos mais eficazes para os problemas que eles vivenciam no cotidiano. Esse apoio traz melhorias à vida dos pacientes, logo, é aconselhável que o profissional de saúde estimule os pacientes a aumentarem a sua rede social, sendo as práticas religiosas, um contexto dentro do qual eles podem desenvolver esse aspecto (Batista, 2010).

3.4 A busca pela cura através da fé

A visão de que o câncer é uma doença incurável, leva muitos indivíduos a utilizarem estratégias de enfrentamento para lidar com essa situação estressora, e deste modo, alguns buscam na religiosidade, a explicação para a cura:

“Assim, eu acho que como a medicina ainda não descobriu a cura né? Eu acho que só deus cura. Porque tanto faz aqui, ou em São Paulo, como em qualquer lugar, eu vejo que deus cura se tiver de curar. Não é porque eu tenho dinheiro que tem gente que acha que dinheiro resolve tudo, que vai se curar. Acho que a fé é maior que todo o dinheiro no mundo” (Orquídea)

Com isso, o indivíduo, independentemente de sua religião, busca através da fé, a cura, o milagre ou desfecho otimista:

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“Quando a gente tem Deus, tem fé e a chance de 95% de cura. [...] e a cura ela é total na oração” (Jasmin)

“Eu acredito sim que Deus fez o milagre em minha vida e continua fazendo” (Rosa)

Para Guerrero (2011), a cura do câncer ainda não está evidentemente incorporada no repertório cultural como realidade, por isso é compreendida como um milagre na visão do paciente e não como um fenômeno possível de ocorrer, mesmo com os avanços da medicina.

A entrevistada Rosa, em contrapartida, não relaciona diretamente a espiritualidade como autora da cura, mas acredita que exista uma conexão entre elas. Em seu discurso, ela afirma que o processo de cura é auxiliado pelo bem-estar psíquico e a espiritualidade entra nesse contexto para fazer a ligação entre ambos. Logo, a espiritualidade é compreendida como uma ponte para a cura.

“A nossa mente, ela ajuda nosso corpo e se você se sente doente, você fica doente e se você se sente bem, você vai melhorando. Então essa espiritualidade existe, por isso que eu me refiro, espiritualidade ligada a cura. Aí, com certeza” (Rosa)

Rocha e Fleck (2004) apontam para o possível efeito negativo da religiosidade em situações nas quais o indivíduo busca na fé, o único meio de cura e isso o impede de seguir o tratamento médico adequado. No discurso de Orquídea, é possível observar a situação oposta. Ela utiliza a fé como ferramenta para acreditar não apenas na influência positiva de sua religiosidade, mas também na terapia médica convencional.

“Se você não acredita no que o médico tá fazendo, você não acredita nas palavras que o pessoal diz “Deus cura, tenha fé”. Então se você não for acreditando nessas palavras, que é uma palavra de conforto... Se você não acreditar nisso, não segue em frente” (Orquídea)

Resultado semelhante foi encontrado no estudo de Horta, Neme, Capote & Gibran (2003). Observou-se que a fé contribuiu para manter a confiança dos pacientes na equipe de saúde, favorecendo a superação das demandas negativas da doença e do tratamento.

4 Conclusões

Esse trabalho não busca generalizações, visto que a vivência do câncer e da espiritualidade podem ser contrastantes entre os pacientes. É importante estar atento a individualidade de cada um quando se pensa em melhorar sua qualidade de vida.

Foi possível extrair a partir dessa pesquisa que o câncer traz prejuízos ao bem-estar dos pacientes tanto em aspectos físicos quanto mentais, o que pode acarretar no sentimento de morte e desespero. Nesse contexto, a espiritualidade surge como um aspecto de enfrentamento, possibilitando esperança e apoio afim de que os indivíduos sigam em frente na busca pela cura e por um novo significado de suas vidas.

Levando em consideração a importância da dimensão espiritual para o enfrentamento do câncer, sugere-se que novos estudos sejam realizados com amostras mais numerosas e diversificadas, incluindo o sexo masculino, além disso, recomenda-se analisar em trabalhos posteriores, as diferentes fases do adoecimento, os diversos tipos de neoplasias e suas relações com a influência e intensidade pela busca espiritual. Este estudo apresenta-se com relevante importância para os profissionais de saúde tendo em vista que o paciente oncológico deve ser compreendido em sua totalidade, e que seus aspectos religiosos/espirituais devem ser considerados, para que ele seja respeitado em sua singularidade contribuindo com à adesão ao tratamento.

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Referências

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