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Migração e mudanças climáticas: problematizando conceitos globais a partir de dois estudos de caso, Shishmaref encontra Ilha Comprida

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Academic year: 2021

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Migração e Mudanças Climáticas: problematizando conceitos globais a partir de dois estudos de caso, Shishmaref encontra Ilha Comprida

Resumo

A migração tem feito parte da nossa história no mundo, tendo uma ampla miríade de motivações ao longo dos anos. Mas o que nos leva a estudar e diferenciar os deslocamentos humanos relacionados às mudanças climáticas? Porque cada vez mais as mudanças climáticas não permitem a construção do imaginário do retorno, revelando cenários em que a migração deixa de ser uma ação adaptativa, passando a ser a única saída para vários grupos sociais ao redor do mundo. Assim, a partir de dois estudos de caso de impactos slow-onset de mudanças climáticas – Shishmaref (Alasca, Estados Unidos) e Ilha Comprida (São Paulo) – este trabalho busca problematizar categorias e conhecimentos globais de “refugiados ambientais/ climáticos”, “climigrants”, questionando até que ponto esses elementos discursivos ajudam a atender as demandas locais por meio de formulações de políticas efetivas para lidar com o cerne deste problema contemporâneo. Os métodos foram similares durante ambas as pesquisas, incluindo revisão e discussão bibliográfica, análise documental, entrevistas semi-estruturadas e trabalhos de campo. Argumenta-se que os resultados dos contrapontos estabelecidos sobre os dois casos estudados apontam que as controvérsias conceituais abrem caminhos para a inação por parte de governos, instituições e tomadores de decisão a respeito a questão dos deslocamentos humanos impulsionados pelas mudanças climáticas, demonstrando, com isso, a posição política de atores sociais importantes nesse processo urgente e a negligência em relação às demandas locais.

Palavras-chave: deslocamentos humanos; refugiados ambientais; distribuição

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Introdução

A migração tem feito parte da nossa história no mundo. Assim como guerras, expedições colonizadoras, perseguições religiosas ou políticas, crises econômicas, a história humana vem provando que as migrações devido às mudanças ambientais também não são um fenômeno novo. Então, por que deveríamos dar atenção a esses deslocamentos humanos relacionados às mudanças climáticas? Porque as mudanças climáticas são um conjunto de consequências que, cada vez mais, não permitem construir o imaginário de voltar para casa, revelando um novo cenário de lugares inabitáveis (Sassen, 2016). Cenários em que a migração deixa de ser uma opção adaptativa às mudanças climáticas, passando a ser a única saída (Kolmannskog, ed., 2008; IPCC, 2014).

Vários são os exemplos de potencial migração causada pelo novo padrão climático de crescente intensidade de eventos extremos presentes no dia-a-dia de muitas pessoas ao redor do mundo, como: a) inundações em Bangladesh; b) aumento do nível médio do mar e da erosão costeira em formações insulares desde o Pacífico até o Ártico; c) seca e desertificação em grandes áreas como o Sahel, África. Porém, não há exemplos de migração de forma coletiva e organizada institucionalmente, considerando a identidade cultural desses grupos sociais1. A condição estressante da diáspora impõe uma preocupação em perder conexões de pertencimento com a terra, a cultura e as pessoas e rasgar o tecido de suas sociedades2.

Desse modo, conceitos como refugiados ambientais (El-Hinnawi, 1985), migração ambiental (Brown, 2007), climigration (Bronen, 2008), vem sendo colocados na agenda científica e política internacional. Porém, estes conceitos ainda são bastante controversos. Deste modo, este trabalho busca problematizar por que diversos grupos sociais, identificados como “refugiados ambientais/climáticos”, “climigrants”, ainda estão presos a lugares de risco de impactos ambientais severos. Claramente, parte deste problema está relacionado com condição socioeconômica, poder político, infraestrutura de realocação. Porém, este não é o foco deste artigo. O objetivo é questionar mais amplamente sobre até que ponto categorias globais, como os refugiados ambientais e o conhecimento científico sobre as mudanças climáticas e

1 Há o caso dos Carterets, que, no entanto, se reassentaram sem suporte internacional ou governamental. Para entender mais

sobre isso ver: Redfearn, J. (filmmaker) 2015. Sun come up. Kanopy (Firm).

2 Expressão usada por Susan Crate no documentário sobre estudos de mudanças climáticas e deslocamentos humanos: Kramer,

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migração ajudam a atender as demandas locais por meio de formulações de políticas efetivas para lidar com o cerne deste problema contemporâneo.

Métodos: Shishmaref encontra Ilha Comprida

Para problematizar essa questão, lançaremos mão de dois estudos de caso, um em Shishmaref (Alasca, Estados Unidos) e outro em Ilha Comprida (São Paulo, Brasil) duas ilhas em contextos de impactos slow-onset causados pela elevação do nível médio do mar, erosão costeira e degradação ambiental, onde tais processos podem estar sendo acelerados pelos efeitos do aquecimento global. Casos como estes têm uma temporalidade que permite aos grupos sociais perceber e analisar os impactos das mudanças climáticas além dos riscos e perigos do ambiente onde vivem, que influenciam o processo de decisão sobre migrar.

O objetivo com a análise de dois estudos de caso é estabelecer contrapontos entre eles que possam ilustrar como os conhecimentos e as categorias globais para explicar o conceito de refugiados ambientais contribuem ou não neste processo que envolve a percepção ambiental, vulnerabilidade e adaptação. No entanto, é importante destacar que não subjugamos as diferenças entre eles, as regiões ou os grupos sociais envolvidos. Assim, este é um esforço em mostrar como tais questões passam a ser pertinentes mesmo inseridas em contextos específicos tão distintos. Para tanto, nos dois casos lançamos mão de uma vasta pesquisa bibliográfica do local, análise documental, entrevistas semi-estruturadas e trabalhos de campo.

Shishmaref: “os primeiros Refugiados Ambientais da America”

Shishmaref é uma comunidade nativa Inupiat de aproximadamente 600 habitantes, cuja subsistência e identidade cultural é diretamente relacionada ao ambiente ártico (pesca, caça, colheita e artesanato). Esta comunidade nômade foi obrigada a se assentar onde estão atualmente devido a políticas do governo central de educação e saúde, no início do século XX. As entrevistas semi-estruturadas realizadas em 2017 com os moradores revelaram que para os ancestrais a escolha desta ilha foi carregada de sentido: idealmente localizada entre o oceano, que quando congelado é local de caça, e a terra continental, onde se acessa os recursos para subsistência durante o verão. Vários são os impactos percebidos ali desde 1970. As histórias relembram as mudanças no gelo marinho e dos problemas físicos e sociais relacionados a isso: o gelo do mar começa a se formar mais tarde no outono e quebrar

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mais cedo na primavera, ficando mais estreito e sem consistência, tornando-se muito perigoso para caçar. Isso também contribui para a vulnerabilidade às ondas de tempestade e, consequentemente, à erosão costeira e à perda de terras em uma ilha já pequena (10 km de comprimento e 5km de largura), prejudicando infraestruturas essenciais, como a escola, a clínica, casas, dentre outros. Assim, após uma tempestade severa que destruiu a costa e casas em 2002, a comunidade votou para serem realocados, o que levou a mídia internacional os definirem como “os primeiros refugiados ambientais da America” (Goldenberg, 2013). No entanto, passados 15 anos, o trabalho de campo relata que, mesmo estando em um dos países mais desenvolvidos, eles ainda seriam refugiados sem refúgio.

Ilha Comprida: o que derrete no seu quintal chega na minha porta da frente

Ilha Comprida é um município do litoral sul de São Paulo, com 9.025 habitantes (Censo Demográfico, 2010), 74 km de comprimento e largura que varia entre 625 metros e 5,3 quilômetros e está separada do continente pelo Mar Pequeno (Henrique; Mendes, 2001). Este município 100% urbano faz parte do Complexo Estuarino-Lagunar Iguape-Cananéia, também conhecido como Lagamar. No Mar Pequeno, o rio Ribeira de Iguape, principal fonte de água doce do Lagamar, deságua por meio do canal do Valo Grande aberto desde 1827. Porém hoje, o Rio Ribeira de Iguape adotou o Valo como seu leito principal, de modo que, 2/3 das águas do Rio Ribeira deságuam pelo Valo diretamente no estuário, causando a desestabilização do sistema estuarino-lagunar pelo grande aporte de água doce vindo do Rio Ribeira (Tessler et al., 2006; Mendonça, 2007). Os prejuízos têm sido tanto 1) ambientais, como a destruição dos mangues que são uma proteção natural para a linha de costa contra a erosão, e o agravamento do processo de erosão na Ponta Norte da Ilha, onde o Mar Pequeno encontra as águas oceânicas; como também 2) prejuízos financeiros, para aqueles que perdem suas casas na Ponta Norte, tanto por erosão do lado do Mar Pequeno quanto do lado oceânico e pelo avanço do mar. Estes processos têm sido acelerados nos últimos anos causando transtornos para moradores e veranistas que têm casas nesta área de risco e são forçados a saírem do lugar onde possuem relação e história.

Apontamentos

Os dois casos ilustraram que as transformações contemporâneas deixam de ser lineares para serem exponenciais, trazendo grandes desafios para a ciência compreender a sociedade e contribuir com ela. Assim, ao questionar quais são as

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implicações de pensar sobre conceitos e categorias globais, abstratas, generalizadas e separadas das realidades locais urgentes, busca-se apontar que, apesar das grandes diferenças entre os casos, as controvérsias sobre estas categorias e conceitos os tornam menos úteis e significativos para os atores locais neste contexto de migração-mudanças climáticas. Indo ao encontro do trabalho de McNamara (2007), as pesquisas concordam que a falta de desenvolvimento de políticas efetivas para lidar com os deslocamentos humanos devido aos impactos climáticos é um resultado das formas em que os debates são articulados nas instituições e as formas como os assuntos políticos são construídos de forma discursiva. Segundo McNamara (2007), ao contrário do que os críticos do conceito de refugiados ambientais apontam, a afirmação de que os problemas ambientais podem ser mais precisamente parte de um conjunto complexo de desencadeantes não é razão suficiente para descartar as medidas e previsões de pesquisadores em estudos socioambientais. Argumentamos que isso abre caminhos para a inação por parte de governos, instituições e tomadores de decisão sobre a questão dos deslocamentos humanos impulsionados pelas mudanças climáticas, demonstrando, com isso, a posição política de atores sociais importantes nesse processo urgente e a negligência em relação às demandas locais.

Referências

Bronen, R. Forced Migration of Alaskan Indigenous Communities Due to Climate Change: Creating a Human Rights Response. In: Oliver-Smith, A. e Shen, X (edit). Linking Environmental Change, Migration & Social Vulnerability. 27 July–2 August 2008, Hohenkammer, Germany.

Brown,O. Climate Change and forced migration: observations, projections and implications. UNDP.2007 El-Hinnawi, E. Environmental Refugee. United Nations Environment Program. 1985.

GOLDENBERG, S. 2013. America's first climate refugees - Newtok, Alaska is losing ground to the sea at a dangerous rate and for its residents, exile is inevitable. The Guardian (acessado em 23/05/2017)

Henrique, W.; Mendes, A. Zoneamento Ambiental em Áreas Costeiras: Uma Abordagem Geomorfológica. In: Gerardi, L.; Mendes I. (orgs.). Teoria, Técnicas, Espaços e Atividades: Temas de Geografia Contemporânea. Rio Claro, SP: Programa de Pós-Graduação em Geografia – UNESP; Associação de Geografia Teorética – AGETEO, 2001.

IBGE. Censo Demográfico 2010, Sinopse por Setores. http://www.censo2010.ibge.gov.br/

IPCC. Impacts, Adaptation, and Vulnerability. PartA: Global and Sectoral Aspects. Contribution of WGII to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. 2014. Kolmannskog, V. 2009. Climate change, disaster, displacement and migration: initial evidence from

Africa. In:New Issues in Refugee Research. Norwegian Refugee Council. Research Paper N. 180. McNamara, K. Conceptualizing discourses on environmental refugees at the United Nations. Popul

Environ 29:12–24. 2007

Mendonça, J. Gestão dos recursos pesqueiros do complexo estuarino-lagunar de Cananéia-Iguape-Ilha Comprida, Litoral Sul de São Paulo, Brasil. 2007. 383p. Tese (Doutorado em Ecologia e Recursos Naturais) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2007.

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Tessler, M.; Goya, S.; Yoshikawa, P. Hurtado, S. Erosão e Progradação do Litoral Brasileiro – São Paulo. In: Erosão e Progradação no Litoral Brasileiro. Dieter Muehe(org), Brasília,MMA, 2006.

Referências

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