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Queixas escolares: que Educação é essa que adoece?

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Academic year: 2021

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(1)Revista de Educação Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010. Maria Eufrásia de Faria Bremberger Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 brembergerfb@ig.com.br. QUEIXAS ESCOLARES: QUE EDUCAÇÃO É ESSA QUE ADOECE?. RESUMO Esse texto trata da escola na contemporaneidade voltando-se principalmente para as questões relativas às queixas escolares cuja figura principal tem sido o aluno, conforme pode ser observado pela demanda presente nas clínicas-escolas de psicologia, psicopedagogia e centros de apoio educacional. Discute sobre o papel da educação, a ser promovida em várias instâncias, como um fenômeno promotor da organização, manutenção e perpetuacão da sociedade. Discute suscitamente a função e constituição da escola enquanto espaço social e suas diretrizes, que por sua vez, tem sido uma instância, submetida aos propósitos ideológicos, dos sistemas organizacionais políticos. Tece críticas ao modelo contemporâneo elaborado, à luz do sistema capitalista que prima por uma educação tecnicista culminando dessa forma num adoecimento escolar, cidadão e psicológico dos agentes que lá se encontram, alertando para o quão perigosas são as soluções prescritas pela via da medicalização. Palavras-Chave: queixas escolares; educação; saúde psicológica.. ABSTRACT This article handles about the contemporary school, focusing principally questions relation with complains about it, where students are being considered responsible for all bad results, as observed by the demands at Psychology School Clinics, Psycho-Pedagogy & Centers for Educational Support. Discusses about role and what kind of education is to be promoted, considering that education is a phenomena that promotes the organization, maintenance & perpetuation of the society. Makes an historical rescue of the school constitution while a social place with rules & guidelines which in turn has been an instance submitted to ideological purposes from the political organizational systems. Make critics to the contemporaneous model created under influence of capitalistic policies, that priory technicalities education which culminates with scholar illness, citizen illness and psychological illness of the agents that are acting in this environment, alerting to the danger of the solutions prescript medicalization. Anhanguera Educacional Ltda.. Keywords: scholar complains; education; psychological health.. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 rc.ipade@aesapar.com Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Informe Técnico Recebido em: 2/12/2009 Avaliado em: 29/8/2011 Publicação: 15 de outubro de 2011. 127.

(2) 128. Queixas escolares: que Educação é essa que adoece?. 1.. INTRODUÇÃO Inserida num ambiente escolar nos últimos tempos algumas questões têm me surgido, a respeito da dinâmica de funcionamento daquele espaço, uma vez que tenho me deparado com certo desânimo manifestado tanto pelos agentes docentes como pelos escolares, que estão na escola, mas não necessariamente são professores ou estudantes. Nesse sentido percebo que esse ambiente acaba por produzir um clima, cujas relações, seja com o ensino ou entre as pessoas que ali se encontram, se constituem com algumas características as quais remetem a um estado de adoecimento. Movida por essas vivências esse texto busca responder algumas indagações tais como: O que é uma escola e sua função social? Qual é o objeto de atividade que norteia seu funcionamento? Quais as instâncias envolvidas: agentes e usuários? O que podemos entender por educação? Que saberes e práticas têm sido geradas nesse espaço? O que as queixas escolares tentam nos dizer? Objetivando explorar, debater e refletir sobre as questões postas faz-se necessário um percurso histórico, ainda que suscinto, para situarmos essa instituiçao social no tempo e no espaço, como também destacar sua importância na contemporaneidade. Desde os meados do séculos XV, período da Idade média, que as propostas de práticas educacionais têm sido voltadas para um maior número de crianças. Surgia então um formato de ações educacionais extra-familiares, ou seja, para além do contexto familiar na qual primava pela “moralização” e “salvação” das almas das crianças pequenas, sob a égide das instâncias eclesiásticas. Tal proposta visava retirá-las do mundo adulto pois eram tratadas como se adultos fossem, misturadas à todas mazelas, precariedades estruturais , relacionais e morais daquela época, não havendo, de certa maneira, nenhum cuidado específico e característico da idade que pudesse garantir à criança seu desenvolvimento psíquico, de modo saudável. Ainda que tais princípios não fossem o centro das preocupações dos moralistas e eclesiáticos, essas medidas, norteadas pelo eixo religioso favoreceram um olhar mais cauteloso, cuidadoso, afetivo e distinto, comparado ao mundo adulto, para as especificidades do mundo infantil (ARIÈS, 1981). Nos períodos seguintes esses espaços constituídos por instituições escolásticas e internatos passou a assumir não só a formação moral, como também a intelectual das crianças impulsionadas principalmente pelo início da formação da sociedade urbanoindustrial. Foram ambientes, os quais a criança passou a freqüentar e, muitas vezes residir.. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(3) Maria Eufrásia de Faria Bremberger. 129. Com o advento da revolução industrial e o surgimento da sociedade burguesa, a escola passou a atender uma nova era. Educar as crianças, agora, com vistas à organizaçao da sociedade, a continuidade da produção de bens de capitais e a preservação e manutenção do patrimônio familiar. As práticas educacionais, nesse espaço, devem se voltar para a disciplina, cidadania, sociedade e preparação para o futuro (ARIÈS, 1981). Como a sociedade vem se organizando e se estruturando cada vez mais em instâncias públicas e privadas, as escolas passaram a ser uma das instituições de maior inserção e presença na comunidade. Isso pode ser observado em qualquer cidade pequena do interior que por vezes não tem um posto de saúde ou um posto de segurança mais conta com a presença de uma escola. Ela tem assumido um papel de grande importância na vida da comunidade, como também tem se constituído em um dos principais espaços de maior frequência de qualquer criança na atualidade. Contudo não se pode negar que o fato dessa instituição estar presente nesses locais com tanta legitimidade isso não a torna uma instância eficaz pois esse espaço depende do seu fazer e não somente do seu existir. Nesse sentido não podemos deixar de relatar que o fazer desse segmento está deixando a desejar haja vista o cenário de problemas existentes nesses locais, quer seja na área estrutural, técnica, pedagógica, traduzidos pelo atos de violência, evasão escolar, fracasso escolar e as queixas escolares, focalizadas essencialmente na figura da criançaestudante, situações essas testemunhadas por seus usuários, meios de comunicação e produção científica. A escola tem sido um ambiente no qual as crianças acabam passando grande parte do seu tempo. Lá, elas se envolvem em atividades pertinentes às tarefas formais tais como: leitura, escrita, pesquisa como também em atividades diferenciadas ligadas aos espaços informais de aprendizagem, quais sejam: hora do recreio, excursões, atividades de lazer, encontro com os colegas, ampliação dos relacionamentos interpessoais, convívio social, vivência intercultural e outros saberes que auxiliem para uma melhor compreensão do espaço que ocupam, preparando-os para uma vida familiar e comunitária. Além disso, é nesse ambiente que o atendimento às necessidades cognitivas, psicológicas, sociais e culturais da criança é realizado de uma maneira mais estruturada e pedagógica que no ambiente de casa. São espaços distintos de práticas educacionais uma vez que na escola a educação consiste em: conteúdos mais sistematizados, horários menos flexíveis, um programa a cumprir, liberdade da criança na escolha de atividades, realização de tarefas com vistas a mostrar aquisições e avaliação do rendimento entre outras (CONTINI, 2000). Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(4) 130. Queixas escolares: que Educação é essa que adoece?. Isto posto, observa-se então que a família passou a não ser mais o único contexto em que a criança tem oportunidade de experienciar e ampliar o seu repertório como sujeito de aprendizagem e desenvolvimento, logo, há de se reconhecer a importância da escola enquanto instituição social-educacional. Contudo deve se atentar para o fato de que a presença da escola na vida da criança não se sobrepõe à presença e participação da família, são instâncias distintas com papéis sociais complementares. Em se tratando da escola como um sistema educacional de ensino formal, a sua funcionabilidade demanda um conjunto de ações no âmbito político, técnico-científico, administrativo e pedagógico. No âmbito político são ações voltadas ao apoio financeiro e também medidas de governo que discutam e estabeleçam decisões de como a educação brasileira pode melhorar. No âmbito técnico-científico é essencial oferecer uma formação contínua, para os professores, como também é preciso que as universidades promovam pesquisas com vistas a melhorarem a prática pedagógica dos professores. Em relação ao âmbito administrativo é preciso ações voltadas para a estruturação dos serviços, gestão e prática pedagógica. No âmbito pedagógico há de se formular proposta pedagógica centrada na necessidade de cada um e, quando necessário, ter a ajuda de uma equipe multidisciplinar (BRASIL, 1996). Nesse sentido há de se perguntar: as quantas andam efetivamente o papel de cada instância dentro desse sistema educacional formal? Se a dinâmica do funcionamento desse sistema decorre da articulação desses segmentos, qual desses setores não está em sintonia com o todo dada a condição de ensino público atual? A quem se deve atribuir tal desajuste? Quais são as medidas de ajustes que estão sendo tomadas? O que revela a grande demanda de escolares existentes nos consultórios das clínicas-escola de psicologia, psicopedagogia e clínica-médica psiquiátrica? Quais as circunstâncias subjacentes aos mais variados tipos de transtornos e distúrbios em escolares em voga na atualidade? As soluções medicamentosas servem para quem e para quê? Afinal têm sido os escolares os principais geradores do desequilíbrio na dinâmica do ensino ou são apenas os agentes vitimizados alcançados pelo caos? Enfim, são essas e outras questões que merecem ser mais exploradas e discutidas às claras, tanto pela comunidade política, acadêmica e educacional, como pela sociedade em geral. Vale ressaltar que nesse artigo discutirei de forma suscinta alguns dos questionamentos mencionadas, pois há de se reconhecer a amplitude e desdobramentos do assunto e qualquer tentativa de esgotá-lo culminará num reducionismo e empobrecimento.. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(5) Maria Eufrásia de Faria Bremberger. 2.. 131. FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA Ao longo dos séculos, a função social da escola tem estado a mercê de responder as necessidades de cada época. Considerando que o objeto de atividade dessa instituição criada e reconhecida pela sociedade é a educação, faz-se alguns esclarecimentos inicias sobre esse conceito para prosseguirmos na nossa discussão. Segundo Saviani (2003) a educação é um fenômeno social e universal, vista em qualquer sociedade como imprescindível à sua manutenção e perpetuação. Constituída por um conjunto de saberes , é uma atividade humana necessária à convivência dos seus membros entre si e ao seu funcionamento que implica na relação de ensinar e aprender. A educação está presente nos mais variados espaços de convívio social e engloba o processo de socializaçao e endoculturação, que diz respeito ao processo permanente de aprendizagem de uma cultura. Logo, a educação torna-se um ato de inscrição do sujeito na sociedade e na cultura, por meio da transmissão de conhecimentos, assimilação de valores, experiências e demais elementos culturais que tecem a vida social. A relação da educação, com a educação formal institucionalizada adveio de certa maneira do sistema de clericalização da educação, via presença da Igreja, na educação dos leigos, durante a Idade Média, que por sua vez gerou um grande impacto no curso da história da educação formal (ARIÈS, 1981). Para Gonzalez (2002), em se tratando de educação há de se observar os desdobramentos desse conceito que abrange entre outros: a educação religiosa, a educação familiar, a educação carismática, a educação filosófica, a educação literária, a educação musical, a educação política e a educação especializada. Ao longo da história da sociedade, podem-se identificar três sistemas de educação: a educação do homem culto; a educação carismática de dominação e a educação de domínio racional e burocrático. A autora menciona que em cada época um determinado tipo de educação era mais valorizado pelas diferentes organizações políticas, quais sejam: Patrimonialismo; Feudalismo; Tradicionalista e Capitalista. Na atualidade cujo sistema capitalista impera, predomina a educação de domínio caráter racional-legal, do qual a burocracia assume sua maior expressão, necessitando, então, de indivíduos especializados e profissionalmente informados. Ainda que haja uma discussão presente sobre a formação do homem culto versus a formação do especialista, nas sociedades capitalistas, é fato notório que o modelo educacional brasileiro foi concebido sob a plataforma de uma educação de domínio racional e burocrático, nos. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(6) 132. Queixas escolares: que Educação é essa que adoece?. meandros do movimento político denominado neoliberal, cujo eixo norteador segue os princípios do sistema capitalista (GONZALEZ, 2002). Constituída desses princípios ideológicos nas suas bases, a escola é tomada hoje como um local de transmissão de conhecimentos e dos valores culturais bem como um espaço de preparo da criança para desempenhar o papel de adulto ativo nas estruturas sociais.. Assim. as. metas. gerais. da. escola. envolve:. busca. do. conhecimento,. desenvolvimento das habilidades sociais, comunicação, condutas pró-sociais, relações afetivas, formação da identidade pessoal, promoção da autonomia, entre outras atividades. São propostas a se desenvolver por meio de seu currículo formal que consiste da transmissão do saber científico, da educação individual ou coletiva, do grau de estruturação do ensino, dos métodos, dos níveis de atividade, como também via currículo informal que corresponde à: influência dos professores, dos pares, forma e a qualidade das relações, clima sócio-afetivo da classe e da escola. Enfim, todas essas experiências, vivências e ações derivadas do ambiente escolar geram um grande impacto no desenvolvimento da criança, seja na dimensão cognitiva, emocional, relacional e social. Logo, a escola enquanto uma instituição relacionada à constituição da subjetividade social do indivíduo acaba sendo uma instância promotora tanto de saúde pedagógica, quanto de saúde social e saúde psicológica (GONZÁLEZ REY, 2004a; CONTINI, 2000).. 3.. A DISSEMINAÇÃO DO SABER NA ESCOLA NA FIGURA DO PROFESSOR Dentro desse espaço circulam e frequentam vários agentes e usuários quais sejam: alunos, pais, responsáveis, corpo docente, equipe pedagógica, equipe-técnica administrativa, entre outros, que são colaboradores na arte de ensinar. Em se tratando da figura do professor há de se observar inicialmente que esse desempenha dois papéis sociais distintos nesse ambientes, porém ambos complementares: um em relação à escola e outro em relação ao aluno. Quanto a escola ele atua tanto como um funcionário como também como um colega. Em relação ao aluno ele é um mediador do conhecimento, estimula a aprendizagem, direciona as atividades, estabelece o clima em sala de aula, busca manter o controle. Em suma é o agente que visa a aquisição de conhecimentos, a formação de valores, atitudes e interesses com vistas ao mundo social.. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(7) Maria Eufrásia de Faria Bremberger. 133. Em face de tal incumbência, há de se considerá-lo como uma figura de autoridade na medida em que seu ato profissional contempla duas forças: torna-se um “substituto” dos pais e um “representante” dos adultos da sociedade. Diante do papel que o professor ocupa nesse espaço e na sociedade, a sua formação profissional é de suma importância. As práticas pedagógicas por ele desenvolvidas, qualquer que seja a área, devem ser subsidiadas por um conjunto de saberes cujo repertório de conhecimentos há de contemplar: conteúdo, programa, conhecimento sobre o educando, contexto, valores, fundamentos filosóficos e históricos como também conter saberes docentes que envolvam o saber curricular, saber disciplinar, saber científico-pedagógico, saber experiencial, saber das crianças e de si mesmo, da cultura em geral (GAUTHIER, 1998). Todo esse preparo é imprescindível à atuação docente face a potencialidade a ser despertada na pessoa com a qual ele se relacionará, em todas as suas dimensões. As pesquisas oriundas do campo da neurociência têm nos mostrado o quão grandioso é a capacidade do ser humano. Desde a década de 90, têm feito descobertas em que afirmam o quanto as experiências do homem, desde pequeno, ajudam a formar a sua arquitetura cerebral com reflexos na vida adulta, graças ao número de conexões que o cérebro infantil possui em relação ao cérebro do adulto. Ao nascer a criança tem cerca de 100 bilhões de células cerebrais que é o dobro de neurônios de que vai precisar. Esse “estoque” reserva de neurônios é visto como uma margem de segurança para seu perfeito desenvolvimento, uma vez que, a maioria dessas células terá poucas ligações feitas pelas sinapses, pois a produção dessas pontes vai depender tanto dos estímulos externos, quanto da figura do professor onde há de se observar como esse se desempenha (BARTOSZECK, A.B.; BARTOSZECK, F.K., no prelo). A psicologia, enquanto ciência tem contribuído significativamente para essa leitura da força do desenvolvimento do homem mediado pelo processo educacional. Há um investimento maciço nessa área nos últimos 40 anos, por pesquisadores da abordagem denominada Psicologia Genética, cujas produções visam fornecer embasamento para as práticas pedagógicas. Tem como representantes: as teses do biólogo Jean Piaget (18961908); os trabalhos de Lev Semenovich Vigotski (1896-1934) e, mais, recentemente a produção de Henri Wallon (1879-1962). Os trabalhos dos referidos estudiosos ganharam amplitude no campo da pesquisa educacional (COSMO, 2006). Assim, se as instituições responsáveis por promover esse desenvolvimento, tal como a escola é considerada hoje, não estiver à altura de esse Ser em ascensão,. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(8) 134. Queixas escolares: que Educação é essa que adoece?. comprometerá de forma significativa a inscrição da criança na sociedade em face de tantas oportunidades perdidas de aprender.. 4.. EDUCAÇÃO E SAÚDE: FENÔMENOS QUE SE INTER-RELACIONAM Partindo do princípio que a escola pode ser considerada como uma entidade social promotora de saúde, suscita então alguns questionamentos: Afinal, quais as implicações das práticas educativas pomovidas na escola que afetam a saúde de seus frequentadores? E que tipo de saúde é essa que a educação nesse espaço formal pode e deve promover? Inicialmente torna-se necessário esclarecemos conceitalmente o que podemos entender por saúde dentro de uma perspectiva psicológica, à semelhança da definição do conceito de educação. Segundo González Rey (2004a), o conceito de saúde deve ser considerado mais um processo do que um produto, sendo que tal processo, em seu funcionamento, se desenvolve mediante múltiplos mecanismos alternativos, nos quais integra componentes genéticos, congênitos, somáticos, sociais e psicológicos. Dessa forma aponta três aspectos básicos importantes para compreensão da saúde, quais sejam: bem-estar que corresponde a sentir-se motivado para a vida e com interesses definidos em relação às pessoas e atividades; autocontrole, que pressupõe ter hábitos saudáveis e desenvolver atividades concretas; e capacidade para responder aos desafios do momento de modo a desenvolver as suas capacidades biológicas, psicológicas e sociais. Destaca o autor que a saúde não é ausência de doença, mas um funcionamento integral, cuja expressão emerge de uma fonte plurideterminada no qual se incorporam elementos climáticos, geográficos, físicos, culturais, sociais e subjetivos. Dentro dessa perspectiva não se pode atribuir tal prática somente às instituições de saúde, pois na medida em que o processo saúde insere a dimensão social, isso implica reconhecer que além das demais instituições tais como: família, centros de saúde, instituições religiosas e espaços desportivos, já que uma das instituições essencialmente relacionada ao desenvolvimento social e promotora de saúde é a escola (GONZÁLEZ REY, 2004a). Corrobora com tal perspectiva Contini (2000), quando menciona que a escola, na qualidade de uma instituição social, é um espaço vital para a promoção da saúde e que essa possui uma relação íntima como o processo educativo. Promover saúde é antes de tudo educar para um modo de vida diferente, em que as atividades desenvolvidas pelos. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(9) Maria Eufrásia de Faria Bremberger. 135. alunos possibilitem o favorecimento ao seu desenvolvimento, seu bem estar, à sua condição de se tornar um construtor da sua própria história e da sua cidadania. Além disso, a escola é um dos lugares mais significativos da vida da criança ou do jovem, pois é nesse ambiente que elas passam mais da metade de seu tempo diário. Nesse espaço elas ampliam os relacionamentos interpessoais, a rede de contatos sociais, entra em contato com uma série de conhecimentos que são vivenciados (in) diretamente, proporcionando-lhes uma compreensão do mundo em que estão inseridas. Esse espaço está estreitamente relacionado com a formação pessoal e a constituição subjetiva da criança, que por sua vez pode impulsionar de forma positiva ou não para a configuração de sua saúde (GONZÁLEZ REY, 2004a; REIS; WERNNER, 2003). Logo, segundo os autores, há de se considerar a educação e a saúde como fenômenos estreita e mutuamente imbricados. Reafirmam que o desenvolvimento humano e a educação são dois componentes de uma mesma esfera, pois se o primeiro trata da concepção do que é o ser humano e como ele se constitui, a educação torna-se a atividade que concretiza essa constituição. No entanto, temos presenciado muitas vezes nesse espaço um cenário que beira ao caos, relações de atritos, violência, desrespeito, fracasso, adoecimento, atos criminosos extremos como vandalismo, roubo, briga, depredação, extorsão dentre outros. São as chamadas “violências simbólicas, verbais, morais, psicológicas” praticadas pelas instâncias e agentes que lá se encontram sejam de forma direta, indireta. São atos de violência que se manifesta via diretores com pouca versatilidade e habilidade de mediação, professores autoritários e dotados de poucos saberes docentes, jovens professores descrentes, professores mais velhos desanimados, conteúdos curriculares descontextualizados, práticas disciplinares distintas, estruturas funcionais e relacionais precárias, enfim fatos denominados como violência do ensino, ressalta Abramovay (2002). Em suma, ao analisar a dinâmica de funcionamento de uma escola que tem levado ao adoecimento de seus agentes e apresentado falhas no cumprimento do seu papel social, não basta centralizar para uma só versão ou focalizar atos criminosos extremos manifestados a olhos vistos, numa perspectiva reducionista, ao contrário, há de se lançar um olhar, ampliado para todos os elementos subjacentes e promotores que mantêm essa fornalha de conflitos. Essa violência escolar se torna ainda mais perversa, pois a escola, enquanto segmento de mediação social do privado para o público tem sido um veículo da violência de classe, da exclusão, da discriminação, da negligência, da relação aversiva ao ato de estudar disseminado entre os estudantes, resultando no fracasso escolar dos seus Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(10) 136. Queixas escolares: que Educação é essa que adoece?. escolares favorecendo dessa forma para o adoecimento da autonomia, cidadania, responsabilidade e protagonismo social. São práticas psicologicamente violentas na medida em que as relações interpessoais desse espaço se desenvolvem numa dinâmica de poder, humilhação e coisificação. Poder esse que se traduz na situação de resolver pelo outro, de decidir, mandar fazer, dar ordens, ameaçar; humilhação que consiste no ato de ridicularizar e desaprovar o outro e coisificação na maneira de tratar o outro com desprezo, desvalorização, não atendendo às suas necessidades (ABRAMOVAY, 2002). Agrava-se ainda mais a situação quando os problemas oriundos desse ambiente são por vezes solucionados de forma descolada da realidade daquele espaço, no encaminhamento às clínicas-escola psicológicas ou centros educacionais e, de forma imprudente, geralmente, pela via da medicalização. Medicalização, segundo Moysés (20008) é o processo de transformar e interpretar questões sociais e humanas em biológicas. Portanto, estão lidando com questões relativas as queixas escolares e os casos de fracassos escolares como se patologia s fossem. Essa crença de que as dificuldades para aprender são decorrentes de uma doença tem sustentado a indústria dos diagnósticos sendo os distúrbios de déficit de atenção e hiperatividade ou TDAH os mais conhecidos na atualidade. Esses diagnósticos em função de responderem as angústias sejam por parte dos professores e pais e as expectativas de cura face ao uso de medicamentos acabam por sucumbí-los e aliená-los ainda mais dos reais fatores subjacentes dessa problemática. Essa lógica medicalizante praticada na atualidade com os escolares, em geral, está servindo às soluções de conflitos de caráter eminentemente social, contudo essa solução imediatista poderá gerar um efeito danoso a nossa juventude já que as pesquisas revelam os efeitos e possibilidades de dependência e risco de abuso de drogas aos usuários dessa medicalizacão precoce.. 5.. QUEIXAS ESCOLARES E SEUS ADOECIMENTOS Pesquisas realizadas por Scortegagna e Levandowski (2004) e Melo e Perfeito (2006) apontam que a grande incidência de queixas escolares decorrem principalmente de problemas de aprendizagem, quais sejam: dificuldades de aprendizagem, dificuldades cognitivas, dificuldades na leitura, dificuldades na escrita, dificuldades na resolução de cálculos, dificuldades na alfabetização, dificuldade de compreensão, dificuldade na expressão oral e escrita, lentidão para aprender, falta de atenção e concentração, esquecimento, problemas psicomotores. Há também outras queixas oriundas de. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(11) Maria Eufrásia de Faria Bremberger. 137. problemas de comportamento, problemas emocionais e outros problemas relacionados a questões escolares. Os problemas de comportamento giram em torno da falta de disciplina, agressividade, brigas, rebeldia, revolta hiperatividade, agitação, desobediência, teimosia, desorganização, apatia, cansaço, isolamento, silencio prolongado, mentira, roubo entre outros. Em relação aos problemas emocionais trata-se de falta de adaptação ao ambiente, insegurança, medos, nervosismo, ansiedade, tristeza, depressão, auto-estima baixa, imaturidade,. dependência,. ciúme,. emotividade,. vergonha,. timidez,. inibido,. desmotivação, problemas de relacionamentos e outros. Já os outros problemas relacionados a questões escolares centralizada em problemas de fala, gagueira, imaturidade neurológica, deficiência mental e outros problemas de ordem somática, apontam as pesquisadoras. Diante desse repertório de queixas, tem havido uma grande preocupação entre os especialistas e pesquisadores da educação em razão desses problemas estarem sendo abordados e tratados dentro de uma perspectiva da medicalização e psicologização cujo olhar se volta eminentemente para a criança. Não se trata de advogar um discurso contrário a essas abordagens, muito pelo contrário, trata-se das expectativas e promessas atribuídas a essas modalidades principalmente quando se tomam crianças como vertente central da problemática do ensino. É notório, conforme visto, que ao se falar de queixa escolar remetemo-nos imediatamente a figura do aluno. Ora, se a queixa é escolar, por acaso a escola só se faz pelo aluno? Por que não trazer à tona todos os agentes que lá se encontram? Se o aluno tem dificuldade de aprender de um lado, por outro lado alguém também não está com dificuldade de ensinar, afinal o ensino escolar não pressupõe uma relação de ensino e aprendizagem? Diante dessas indagações deparamo-nos com um cenário contemporâneo conflituoso duelado entre os dois principais agentes de maior visibilidade desse espaço, o professor e o aluno. Enquanto os alunos atribuem os problemas aos professores, esses por sua, vez afirmam que o fracasso escolar deve-se a problemas decorrentes dos alunos e suas famílias. Problemas esses de ordem emocional, neurológica, como também de ordem biológica e de desnutrição. É um cenário de mútuas críticas e acusações que têm sido travadas por essas duas figuras há algum tempo. (ABRAMOVAY, 2002). Contudo, se lançarmos nosso olhar e nossa escuta somente para essas instâncias mais explícitas e vistas, corremos o risco de uma postura superficial, reducionista e individualista dos problemas das queixas. Faz-se necessário entender e compreender o Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(12) 138. Queixas escolares: que Educação é essa que adoece?. que esse fenômeno das queixas escolares está tentando dizer-nos. Afinal uma postura de surdez ou cegueira escamoteia as demais forças que atravessam esse campo e que de certa forma estão produzindo esses efeitos de paralisia, de desgaste, de violência e de adoecimento, favorecendo, dessa forma, uma brecha para a inserção de uma abordagem assentada nos moldes da medicalização e psicologização para entender e resolver os problemas de queixas escolares de modo que a sociedade responderá arduamente por essa solução “fast food” no futuro.. 6.. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Concebendo que um sistema educacional se articula dentro de uma política integrada que envolve a esfera política, técnico-científica, administrativa e pedagógica, é notório na atualidade o quanto essas instâncias estão deficientes, logo, centralizar as queixas escolares atribuindo a um só agente desse espaço, ou seja, o aluno é fazer uma leitura rasa dessa dinâmica educacional como também é uma prática de ocultamento de toda uma infra-estrutura, que podemos diagnosticar como doente dada a sua falta de competência de promover aquilo para qual foi proposta, a arte de ensinar e não a arte de adoecer. Portanto, diante do que se apresenta, há de se pressupor as quantas andam os desdobramentos das práticas de promoção de saúde dentro deste contexto. Logo, nos deparamos com uma grande questão contraditória da função social desse espaço. Se vivemos numa sociedade letrada e do conhecimento, na qual o saber formal é um dos instrumentos de legitimidade desse sujeito nessa sociedade por que a instituição incumbida para tal atividade não alcança seu propósito? O que a escola está produzindo efetivamente de fato além das queixas escolares? Por que a abordagem alicerçada numa plataforma de psicologização e medicalização tem sido chamada com intensidade na resolução dos problemas escolares? A quem e para quem a educação da rede de ensino público hoje está atendendo? Onde estão as políticas públicas do ensino? Porque as políticas compensatórias têm estado tão presentes na atualidade? São indagações lançadas aos desbravadores de uma busca de ensino com qualidade e que devem nortear o pensar e o fazer de qualquer profissional inserido nesse meio, pois não podemos perder de vista que uma população que goza de saúde educacional, social, política, moral e cidadã, dentro de um estado democrático, não se submete às mazelas e desmandos do estado e não aceita ser corrompida pelas misérias das políticas compensatórias cujas propostas mostram o quão ineficiente é o estado em assegurar os direitos civis de sua população.. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

(13) Maria Eufrásia de Faria Bremberger. 139. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, M. Escola e Violência. (org.). Brasília : UNESCO, UCB, 2002. ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2.ed. Rio de Janeiro: LTC, 198 1. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei Federal n.º 9.394/96. Brasília: MEC/SEF, 1996. BARTOSZECK, A.B.; BARTOSZECK, F.K. Neurociência dos seis primeiros anos: Implicações Educacionais. Revista Arpia, Departamento de Fisiologia, Univ. Fed. do Paraná. artigo no prelo. Disponível em: <http:// www.sitedaescola.com> . Acesso em: set. 2009. CONTINI, M.L.J. Discutindo o conceito de promoção de saúde no trabalho do psicólogo que atua na educação. Psicologia: ciência e profissão, Brasília, v.20, n.2, p.46-59, 2000. COSMO, N.C. As contribuições da Psicologia da Educação para a escola: uma análise das produções científicas da ANPed e da ABRAPEE. 2006. 245 f. Dissertação (Mestrado em Educação) não publicada [mimeo]. UFMS, Campo Grande/MS, 2006. GAUTHIER, C. Ensinar: ofício estável, identidade profissional vacilante. In: GAUTHIER, C. Por uma teoria da pedagogia. Ijuí: Editora Unijuí, p.11-23, 1998. GONZALEZ, W.R.C. A educação à luz da teoria sociológica weberiana. UNESA, 2002. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/25/minicurso/educacaoteoriaweberiana.doc>. Acesso em: maio 2008. GONZÁLEZ REY, F. Personalidade, Saúde e Modo de Vida (Cap. 1). São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004a. MELO, S.A.; PERFEITO, H.C.C.S. Características da população infantil atendida em triagem no período de 2000 a 2002 numa clínica-escola. Estudos de Psicologia de Campinas, v.23, n.3, p.239249, 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php>. Acesso em: set. 2009. MOYSÉS, M.A.A. A medicalização da educação infantil e no ensino fundamental e as políticas de formação docente: a medicalização do não-aprender-na-escola e a invenção da infância anormal. In: 31º Reunião Anual da Anped, 2008. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/sessoes_especiais.htm>. Acesso em: maio 2011. REIS, C.L.; WERNNER, A.B. Escolarização e Saúde Mental. Revista Centro de Ensino Superior de Catalão, ano V, n.8, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.cesuc.br/revista/ed.3/SAÚDE MENTAL.pdf>. Acesso em: out. 2006. SAVIANI, D. Sobre a natureza e especificidade da educação. In: Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8.ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003. p. 11-22. SCORTEGAGNA, P.; LEVANDOWSKI, D.C. Análise dos encaminhamentos de crianças com queixa escolar da rede municipal de ensino de Caxias do Sul. Interações, v.9, n.18, p.127-152, dez. 2004. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org/scielo >. Acesso em: set. 2009. Maria Eufrásia de Faria Bremberger Mestre em Psicologia (PUC-Campinas). Psicoterapeuta clínica infanto-juvenil. Consultora Escolar e Docente do curso de Psicologia da Anhanguera Educacional - unidade Jundiaí.. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139.

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