______________________________________________________________________ PN 4975.03-51; Ag.: Tc. Gondomar, 2º J. (2083.03.2TBGDM);
Ag.e: o Conservador do Registo Predial de Gondomar; Ag.o2: Carmindo dos Santos Cardoso,
Rua do Túnel, 43/45, 4510-152 Jovim.
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Em Conferencia no Tribunal da Relação do Porto
I. Introdução:
(a) Discordância da decisão que mandou inscrever acção pauliana no registo predial. (b) Da sentença recorrida:
(1) Nos termos do art. 3a Cód. Reg. P., estão sujeitas a registo as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de alguns dos direitos referidos no artigo anterior,
ou seja, direitos reais ou equiparados;
(2) E estabelece o art. 2/1u que estão sujeitos a registo quaisquer outras restrições ao direito de propriedade e quaisquer outros encargos sujeitos por lei a registo;
(3) Se é verdade que, de um ponto de vista conceptual, podemos afirmar que a
acção de impugnação pauliana tem natureza pessoal, não afectando a validade e eficácia do acto impugnado em termos absolutos, art. 610 CC, com o registo e ao ser conferido ao A. o direito à restituição e à prática de actos de conservação da garantia patrimonial mesmo permanecendo o bem no património do adquirente, constrange-se a normal liberdade de disposição de que o proprietário goza, designadamente através da penhora e posterior venda do bem ou bens em causa;
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Vistos: Des. Paiva Gonçalves (1580); Des. Marques Peixoto (1612).
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(4) Entendo, pois, que não existem razões para que, com base no argumento da
natureza pessoal da acção pauliana, e no disposto no art. 3 Cód. Reg. P., se afaste a registabilidade da acção: procedendo esta, o A. tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse e pode executá-los no património do adquirente, e praticar actos de conservação da garantia patrimonial autorizados pela lei, art. 616 CC3;
(5) Ora, tanto o direito à restituição como a prática de actos de conservação são
enquadráveis no art. 2/1u Cód. Reg. P., para o qual remete o art. 3/1 a do mesmo diploma: têm efeitos sobre a disponibilidade do adquirente relativamente aos bens, restringindo-a, a acção a ser registada para garantia da restituição e conservação ditas4;
(6) No fundo assegura a transparência da real situação do imóvel, o que permite a
um novo adquirente ficar a coberto da situação de poder vir a ser executados em que ao efectuar a transacção nada fizesse adivinhar tal possibilidade;
(7) E essa faculdade, alcançada com a procedência da acção de impugnação
pauliana, de o bem transmitido poder ser executado no património de terceiro adquirente, sem prejuízo da validade da transacção, confere-lhe uma incidência
real substantiva da qual decorre a possibilidade do registo, art. 2/1u e 3/1 Cód.
Reg. P.: o A. fica resguardado contra uma eventual alienação que o R. leve a cabo na pendência do pleito, enquanto, sem o registo, acaso obtenha ganho de causa, se quiser reagir contra uma nova alienação dos bens só poderá fazê-lo por via de uma nova acção de impugnação pauliana; ...a acção de impugnação pauliana é susceptível de registo.
II. Matéria assente:
(1) O A. intentou acção de impugnação pauliana contra Maria Rosa dos Santos Barbosa Silva e outros;
(2) Requereu o registo dessa acção na Conservatória do Registo predial de Gondomar que o recusou;
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Citou Ac. STJ, 01.06.28, CJ/STJ, II/143 ss: o legislador, embora não pretendendo anular a alienação
como que a paralisa (certo enfraquecimento lhe chama Menezes Cordeiro, tolerância lhe chama Vaz Serra) os seus efeitos por virtude da impugnação.
(3) O recurso hierárquico foi depois indeferido;
(4) Seguiu então a presente impugnação contenciosa, decidida em sentido contrário, na 1ª instância.
III. Cls./Alegações:
(a) A acção de que se pede o registo é uma acção pauliana [tem hoje no nosso direito carácter pessoal e escopo indemnizatório, e da sua procedência resultam apenas efeitos meramente obrigacionais, limitando-se a eliminar, através da responsabilização do terceiro que de má fé se locupletou (adquirente) o dano sofrido pelo credor impugnante, como consequência do acto impugnado, que no mais fica intacto, arts. 610/613 CC]5;
(b) Só estão sujeitos a registos os facto jurídicos taxativamente enumerados na lei (tenham ou não carácter real), art. 2 Cód. Reg. P., e os outros sujeitos por lei a registo, art. 2/1u;
(c) Ou seja, neste campo vigora o princípio da taxatividade ou do numerus
clausus, o que se compreende, porque se se deixasse à subjectividade dos
Autores a possibilidade de inscrição a possibilidade de inscrição de outros factos, tudo redundaria em decréscimo da certeza e segurança registrais;
(d) As acções paulianas não estão sujeitas a registo predial6; (e) A decisão recorrida infringe os arts. 1, 2 e 3 do Cód. Reg. P.;
(f) Deverá ser revogada e substituída por acórdão que determine a irregistabilidade da acção.
IV. Contra-alegações: prescindidas7.
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Citou em abono Ac. RE, 02.04.24, CJ (2002), II/275 ss: de um ponto de vista pragmático e teleológico,
dos fins publicitários do registo e da segurança do comércio jurídico dos imóveis é de admitir a registabilidade da acção.
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Citou em abono Henrique Mesquita, in RLJ, 128, pp. 222/224.
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Citou em abono Ac. STJ, 01.02.13, PN 00A3684, http://www.dgsi.pt/jstj; Ac. RP, 00.05.25, PN 9931605, id.: a impugnação pauliana é uma acção pessoal com escopo indemnizatório (e não uma acção
de declaração de nulidade ou de anulação) cuja procedência não afecta a validade dos actos de alienação realizados pelo devedor e apenas confere ao credor impugnante o direito de obter do terceiro adquirente, à custa dos bens que adquiriu, a quantia necessária à satisfação do seu crédito; não cabe assim no elenco das acções que a lei sujeita a registo; Ac. RP, 00.11.09, PN 0031362, id.: ...a imp0ugnação pauliana não está sujeita a registo, devendo este ser recusado; Ac. RP, 00.11.18, PN
0050375,id.; Ac. RP 00.06.19, PN 0050372, id.: a impugnação pauliana, invocada por via de excepção,
não está sujeita a registo na Conservatória de Registo Predial; Ac. RC 00.06.06, PN 424/00, id.; Ac. RC,
V. Posição do MP8:
(a) A acção pauliana é uma acção de natureza pessoal ou abrigacional, que tem em vista obter, na medida do interesse do demandante, a restituição dos bens alienados para efeito de satisfação do direito de crédito sobre o devedor alienante;
(b) As acções sujeitas a registo, nos termos do art. 3/1a Cód. Reg. P. são as que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a
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Nas alegações do recurso contencioso, o Ap.o citou em abono da sua posição contrária: Ac. STJ, 0106.28, CJ, IX (2001), II/143 ss; Ac. RC 02.02.28, CJ, XXVII (2002), I/40 sg.; Ac. RE, 02.04.24, CJ XXVII (2002), II/275 ss. Apresentou as seguintes conclusões:
(a) É dominante a corrente jurisprudencial que embora admitindo como irrecusável a natureza pessoal e indemnizatório da impugnação pauliana, decide pela possibilidade de registo da acção;
(b) Os seus efeitos em relação à alienação e à propriedade do bem alienado, designadamente ao conferir ao credor o direito à restituição limitado à medida do seu interesse e à prática dos actos de conservação da garantia patrimonial, enquadram-se nos arts. 2/1u e 3/1a Cód. Reg. P.: limitam o direito de propriedade em face do credor impugnante, determinando uma ineficácia relativa e superveniente do acto por declaração judicial;
(c) ...
(d) Dos pontos de vista pragmático e teleológico dos fins publicitários do registo e d segurança do comércio jurídico dos imóveis, é de retirar a registabilidade da acção, que desde logo obsta ao registo definitivo de qualquer transmissão posterior da propriedade, art. 92/1a Cód. Reg. P., protegidos assim os interesses de qualquer ulterior adquirente potencial e assegurada a transparência da real situação do imóvel;
(e) ...
(f) A acção de impugnação pauliana, sendo embora uma acção pessoal, tem pois uma incidência real substantiva ao incidir sobre um determinado prédio e ao facultar que, sem prejuízo da validade da transacção, o bem transmitido seja executado no património de terceiro adquirente, e decorre desta incidência real a possibilidade do seu registo, art. 3/1a e 2/1u cits.
(g) [Em suma,] ...o acto impugnado envolve um certo enfraquecimento do direito, pois os bens
transmitidos passam a responder pelas dívidas do alienante, na medida do interesse do credor, e só com o registo da acção o A. pode fazer valer este seu direito contra o subadquirente ou aquele a favor do qual houver oneração do bem pelo adquirente.
(h) ...
(i) ...a seguir-se a posição da não registabilidade, o A. ficaria muito menos protegido se o adquirente
transmitisse o bem exequível para terceiro de boa fé, ou ver-se-ia obrigado a perseguir sem descanso os sucessivos adquirentes para obter contra eles o mesmo efeito que requereu na primitiva acção;
(j) O art. 613/1b CC permite a impugnação contra as transmissões posteriores, mas exige que haja má
fé do alienante e do posterior adquirente, no caso de a nova transmissão revestir carácter oneroso;
(k) Ora, os efeitos que a impugnação projecta sobre a disponibilidade do adquirente quanto aos bens
imóveis só com o registo e inerente publicidade podem ser garantidos, só assim a acção ganha plena utilidade para o A.: o legislador não haveria de querer que o alienante e adquirente que transmitem dolosamente um bem com o fim de impedir a satisfação de um direito do credor, pudessem conseguir tirar verdadeiro conteúdo prático à impugnação;
(l) ...
(m) E tratando-se a pauliana de uma acção constitutiva, que vai interferir na eficácia do acto de
transmissão, tem o credor utilidade manifesta em proceder ao registo, justamente com o fim de se acautelar contra actos de alienação a favor de terceiros de boa fé, art. 613 CC.
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modificação ou a extinção de alguns dos direitos reais ou equiparados previstos no art. 2 do mesmo diploma;
(c) Entre os direitos susceptíveis de registo, nos termos desta última disposição, poderão incluir-se direitos inerentes a imóveis que não possuem natureza real;
(d) O direito do credor impugnante, ainda que possa entender-se como um encargo ao direito de propriedade, não se enquadra na previsão do art. 2/1u Cód. Reg. P., por não se encontrar especialmente prevista, nesse caso, a sujeição a registo;
(e) A inscrição registral da acção pauliana, a admitir-se, importaria um efeito de oponibilidade de carácter substantivo, afectando os actos de transmissão posteriores, ainda não registados, e independentemente do preenchimento dos requisitos da oponibilidade definidos no art. 613 CC;
(f) A acção pauliana não está por conseguinte sujeita a registo. VI. Recurso: pronto para julgamento, nos termos do art. 705 CPC.
VII. Sequência:
(a) Os argumentos das duas teses em confronto9 ficaram sintetizados no relato das posições de todos os intervenientes. Convencem-nos os motivos da sentença de 1ª instância10 e a demonstração tanto desta como das alegações do Ap.o, peça que apresentou no Tribunal de Gondomar11. Na verdade, a específica natureza da acção de impugnação pauliana, recortada nos arts. 610/613 ss CC, confere-lhe ainda assim uma incidência real substantiva, utilizando o conceito da sentença (que exprime afinal a ineficácia relativa e superveniente do acto por declaração judicial), subsumível ao dispositivo dos arts. 2/1u e 3/1 Cód. Reg. P.: não há entorse ao princípio do nunmerus clausus registral. Deste modo, a acção de impugnação pauliana pode e deve ser sujeita a registo predial.
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Quanto à tese contrária à sentença de 1ª instância, vd. principalmente V. e notas 5 e 6.
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Vd. I.(b).
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(b) Por conseguinte, vistos os artigos de lei citados, vai a sentença de 1ª instância confirmada, recusada esta Apelação.