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Professora, eu amo ler: narrativas cotidianas de práticas de leitura.

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Academic year: 2021

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Professora, eu amo ler: narrativas cotidianas de práticas de leitura.

Autor(Wilza Lima dos Santos); Co-autor (Raphael Pelosi Pellegrini);

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro willprofartes@yahoo.com.br

raphaepellegrini@gmail.com

Se nascer devendo E crescer querendo E ainda sim não se vender (Nação Zumbi)

Introdução

A realidade de muitas crianças/jovens da escola pública perpassa por estas frases poéticas da música da Nação Zumbi. Em muitas das capturas nos cotidianos da educação básica foi possível perceber esse sentimento muito presente na escrita/narrativa destes jovens. Assim, a partir das narrativas de professorxs e de bolsistas de iniciação à docência1 o presente trabalho visa desnaturalizar e desconstruir os discursos hegemônicos que definem os espaçostempos da educação básica pública como lugares de ausência. Dessa forma, assumindo uma perspectiva política-epistemológica do sul (SANTOS, 2010), buscamos por meio da sociologia das ausências produzir presenças expandindo o tempo presente de práticas e narrativas que retiram do abismo epistemológico sujeitos praticantespensantes dos cotidianos das

1 As narrativas de bolsistxs de iniciação a docência foram produzidas a partir dos relatos das práticas em

docência no âmbito do Projeto de Iniciação a Docência - Pibid Unirio que ocorrem em escolas de rede pública do município do Rio de Janeiro.

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escolas. Nesse sentido, apuramos nossos sentidos em busca de produzir uma percepção sensível as múltiplas camadas de vozes das salas de aula no que tange as práticas de leitura e escrita desses sujeitos das escolas.

Por meio das narrativas de formação - já que assumimos as práticas da sala de aula como percurso sem fim e com isso re/des/tecem saberes constituídos deslocando os praticantes de seus lugares (CERTEAU, 1994) estabelecidos - capturamos pistas, indícios (GINZBURG, 1989) de outras práticas de alunxs da educação básica que ocupam espaços (CERTEAU, 1994) produzindo sentidos na/pela/com a linguagem. Assim, ao assumir como compromisso a busca por coabitar os espaços das práticas de leitura e escrita dos alunxs fazendo com esses (CERTEAU, 19994), foi possível capturar, a partir de uma perspectiva ecológica (SANTOS, 2010b) dos saberes, movimentos que desconstroem os discursos hegemônicos que se dão sobre os jovens estudantes da educação básica. Nessas vozes constituidoras de linhas abissais, xs alunxs são seres que não habitam os espaços de leitura e escrita. Nesses discursos cotidianos ouvimos que “elxs não querem nada, só querem saber do celular, ler que é bom nada”; “quero morrer bem antes desta geração touch envelhecer. O que será de nós?”; “eles não lêem porque não gostam de pensar, querem tudo pronto”. Tais discursos, subalternizadores e abissalizantes, ultrapassam as imaginárias fronteiras da escola e ganham força nas muitas vozes da sociedade. Nesse sentido, o presente trabalho se volta às vozes dos praticantes dos cotidianos escolares e busca, nesse tecido denso, desabissalizar tais práticas “invisíveis” evitando o enorme desperdício de experiências produzidas nas salas de aula da educação básica.

Professora, eu amo ler...

- Professora, eu amo ler, qualquer coisa serve, só não leio mais porque a biblioteca da escola está sempre fechada e meu pai sempre fala que já gasta dinheiro demais comigo, não dá ficar

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comprando livro todo mês. O que senhora puder fazer para me ajudar, eu ficaria muito feliz. (Nicole2, 3º ano do curso normal) - Na verdade eu não gostaria de ganhar livro, eu gostaria de ver um sonho meu realizado, colocar livros para empréstimo ou doação em alguns pontos de ônibus pela cidade, nos barcos, nas praças da cidade, no refeitório da escola. Era isso que eu gostaria de ganhar. Queria contaminar as pessoas com isso. (Júlia, 1º ano do curso normal)

- Eu gostaria de ganhar/receber livros e revistas sobre a triste realidade das pessoas. Coisas que falem de preconceito, de tudo não é só de negro não, dos homossexuais, da escravidão, coisas de verdade, sem essa coisa de amor e felicidade eterna.(Juh, 1º ano do curso normal)

Uma cena comum ao longo do ano letivo foi o rodízio de livros na turma do 7º ano. Em uma determinada ocasião, minutos antes da aula começar, quando todos já estavam sentados em suas cadeiras, um livro foi erguido no ar seguido de um grito animado: “Terminei!! Quem vai levar?”. Tomada pela curiosidade, atrasei a aula por alguns momentos para perguntar o que estava acontecendo ali. Um dos alunos me informou que se tratava de uma espécie de rodízio: um aluno comprava o livro, lia e passava para os outros. (Clara, bolsista Pibid)

Mesmo distantes no tempo e no espaço, os relatos dos alunxs, sejam eles da educação básica ou superior, capturam práticas experienciadas por muitos que habitam os espaçostempos das escolas: nossos alunxs lêem com voracidade impressionante. Seus objetos de leitura se mostram, nos espaços das conversas despretenciosas, móveis: dos quadrinhos ao facebook, passando por blogs e mesas de bestsellers das principais livrarias brasileiras. Por que então as práticas de leitura não contaminam, como afirma Júlia, as vozes da sociedade, mesmo invadindo os hábitos dos sujeitos das escolas?

SANTOS (2007) nos fornece algumas pistas para entender esse descompasso a partir da sua definição de epistemicídio. Para o sociólogo, ao reduzir a realidade o discurso hegemônico constitui-se como uma monocultura, desacreditando tanto povos como práticas alternativas. Nesse sentido, tudo que é diverso deixa de existir ou ter

2 Nicole, Júlia e Juh são alunas do Colégio Estadual Doutor Artur Vargas, localizada no município de

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relevância. No que tange as práticas de leitura, tal movimento de subalternização dos saberes sujeitos da educação básica pública se dá pela desvalorização dos objetos de leitura e consequentemente de seus “não leitores”. Os alunxs não lêem porque seus interesses de leitura rompem com definições específicas de leitura, fazendo os clássicos da literatura ficarem muitas vezes de lado frente às novas formas de se narrar uma história.

Na contramão dessa perspectiva de produção de não existências, encontramos uma incomensurável diversidade de práticas de leitura que desobedecem hierarquias e produzem sentidos singulares para cada texto. Nas conversas e nos rodízios de livros, como captura a bolsista Clara, os alunos negociam suas leituras e encontram brechas para trocarem e validarem seus livros. Nesse sentido, suas práticas, silenciosas e astutas, jogam com as leituras “obrigatórias” produzindo outros fios que, aos seres capturadas, reforçam a diversidade e complexidade dos sujeitos dos cotidianos escolares.

COUTO (2011, pg. 88), ao trabalhar etimologicamente o sentido da palavra ler, puxa outro fio para a construção de uma ideia de leitura abissalizante epistemicida. Para o autor:

A palavra “ler” vem do latim legere e queria dizer “escolher”. Era isso que faziam os antigos romanos quando, por exemplo, seleccionavam entre os grãos de cereais. A raiz etimológica está bem patente no nosso termo “eleger”. Ora o drama é que hoje estamos deixando de escolher. Estamos deixando de ler no sentido da raiz da palavra. Cada vez mais somos escolhidos, cada vez mais somos objecto de apelos que nos convertem em números, em estatísticas de mercado.

Ao assumir uma ideia reducionista de leitura, que apaga as escolhas individuais classificando tais narrativas como histórias sem valor, o ato de ler perde os sentidos associados à sua raiz etimológica tornando-se mais uma forma de normatizar e excluir os sujeitos que negociam com outras narrativas. Traça-se uma linha daquilo que se define como objetos de leitura e consequentemente constitui-se zonas de não leitura.

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Nesse sentido, assumimos que para os discursos hegemônicos tais zonas de não leitura constituem-se também como zonas de não saber, tanto no que tange as narrativas produzidas nesses espaços, como também os sujeitos que re/des/tecem sentidos a partir de tais histórias. Nesses lugares (CERTEAU, 1994) se constitui a impossibilidade da copresença entre as diversas leituras produzidas pelos alunxs.

Conclusão

Ainda que muitas das leituras produzidas nos múltiplos espaçostempos da educação básica sejam subalternizadas por lógicas monocultoras e epistemicidas que produzem ausências no que tange as práticas de leitura, de maneira astuta e gazeteira muitas práticas de saber se constituem nos espaços escolares. Assim, a partir de uma percepção atenta e principalmente da adoção de um compromisso político-epistemológico de legitimação do outro que vise produzir diálogos justos cognitivamente, foi possível capturar narrativas de práticas de leitura que desconstroem o discurso subalternizador corrente de que os jovens, em especial aqueles que habitam os espaços escolares da rede pública de ensino, não leem. Nesse sentido, o presente trabalho mergulha nos cotidianos escolares afim de produzir uma sociologia das ausências (SANTOS, 2012) reempoderando os sujeitos leitores da escola como sujeitos de saber, revertendo a lógica que os define pela ausência.

Em suas narrativas foi possível capturar pistas não só alguns de seus hábitos de leitura como também seus desejos de aproximação com os livros. Assim, em consonância com Couto (2011), percebemos que suas práticas de leitura jogam com as lógicas de valor atribuídos aos textos escritos, parecendo colocar em primeiro plano o sentido de leitura muitas vezes subalternizado. Nossos alunos escolhem suas leituras a partir de seus desejos, não se importando com gêneros, formatos ou meios, tornando-se leitores vorazes das múltiplas narrativas do mundo, sejam elas vindas do facebook, whatsapp, ou da mitologia grega.

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Bibliografia

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994

COUTO, Mia. E se Obama fosse africano. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 OLIVEIRA, Inês Barbosa de. O currículo como criação cotidiana. Petrópolis: DP et Alii, 2012

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das letras, 1989.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a teoria crítica e reinventar a

emancipação social. São Paulo: Boitempo, 2007.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do

Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010b. p. 23-71.

SANTOS, Boaventura de Sousa. "Para Uma Sociologia Das Ausências E Uma Sociologia Das Emergências*." Revista Crítica De Ciências Sociais, no. 63 (12, 2012): 237-80. doi:10.4000/rccs.1285.

Referências

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