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Solitário ou Solidário Profª Drª Sylvia Leser de Mello

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Academic year: 2021

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Solitário ou Solidário

Profª Drª Sylvia Leser de Mello

Desde que os modos mais tradicionais do trabalho desapareceram, ou se restringiram, em conseqüência de mudanças na forma da organização econômica da sociedade, ou seja, o aparecimento da indústria e das máquinas, concentradas nas fábricas, também os trabalhadores foram obrigados a mudar seu modo de trabalhar. Embora numa fábrica muitos operários trabalhem juntos, cada qual executa sua tarefa solitariamente.

Aqueles que tiveram a experiência, por exemplo, da agricultura praticada em conjunto com a família ou com os vizinhos próximos, entendem o que estou tentando explicar: embora cada um tenha o seu trabalho, nenhuma das pessoas do grupo está sozinha. Na verdade, trabalham juntos. Ainda é possível reencontrar esse espírito que anima um grupo quando observamos um grupo de vizinhos e amigos, na cidade, que se junta para terminar a laje de uma casa: é uma forma antiga de ajuda mútua que aqui sobrevive – o mutirão.

A indústria não concentra apenas os homens em um mesmo lugar – a fábrica- mas concentra também algo visível apenas nos seus efeitos: o capital. De início o capital era um acumulo de dinheiro (ou de bens) nas mãos de uma só pessoa. Esta possuía o dinheiro necessário para montar uma fábrica de tecidos, por exemplo. Comprava os teares e os fios necessários, mas faltava-lhe, ainda, quem pudesse dar vida, quer às máquinas, quer ao material, transformando –os em tecido. Quem faz a união dos fios com as máquinas, promovendo a transformação, é o trabalhador, um homem ou mulher que agindo, através da sua vontade, sobre a matéria, a transforma. Repetir que os

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consciência de que somos capazes de agir sobre uma matéria informe dando-lhe forma, segundo a nossa vontade e concepção. O trabalhador

sabe como misturar os fios nos teares e sabe como move-los para fabricar o tecido. Ele sabe fazer o tecido – ele conhece o procedimento para fabricar o tecido. Quando o dono do capital – e da fábrica - contrata um trabalhador, ele contrata esse conhecimento e mais a habilidade e a força necessárias para por em prática o conhecimento, fabricando o tecido. A esse conjunto dá-se um nome - força de trabalho.

Um tecido é, deste modo, a união da matéria com a capacidade do trabalhador de dar-lhe forma.(É possível continuar com o exemplo do tecido para chegar à costureira que lhe dá o seu formato final.).

De início o capitalista contratava trabalhadores que dominassem o processo todo de fabricação do tecido, desde a escolha do fio, a tintura e a tessitura. Gradativamente, esse processo, e os conhecimentos que faziam parte do todo, foram sendo separados: um trabalhador se encarrega de preparar os fios, outro os tinge, outro os tece. Cada um deles ganha em rapidez, mas perde em conhecimento. O efeito mais visível da divisão do trabalho é o aumento na produção, o aumento da riqueza produzida. Mas, por que o trabalhador também não enriquece nesse processo?

Porque estamos contando uma história fora da História. Porque não estamos falando das condições concretas em que se dá a compra e a venda da força de trabalho.

Agora vamos falar do capital, ou melhor, desta figura mítica que é o capitalista. Ele sabe fazer o tecido, ou seja, ele detém o conhecimento técnico indispensável para a fabricação?

Na maior parte dos casos, não. Ele, porém, é o possuidor do dinheiro, do capital, que vai unir as peças necessárias para a fabricação: as máquinas

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(que custam dinheiro), a matéria prima, os fios, (que também custam dinheiro) e a força de trabalho. Todo o dinheiro que ele coloca na fábrica tem que ser remunerado, ou seja, ele deve ganhar não sobre o trabalho que realiza, mas sobre o dinheiro que ele emprega.

Há uma coisa extraordinária com o trabalho humano: ele é capaz de produzir muito mais do que o necessário para a sua própria sobrevivência e reprodução. Por exemplo, um operário pode produzir 20 metros de pano por um dia de 8 horas de trabalho, embora 10 metros fossem o suficiente para que ele ganhasse para a sua sobrevivência, ou seja, ele poderia trabalhar apenas 4 horas. O cálculo do pagamento (da compra) da força de trabalho tem a ver com a necessidade da reprodução dela (um pouco a idéia do salário mínimo), mas como o capitalista não trabalha, a remuneração do capital empregado por ele sai dos 10 metros produzidos a mais pelo trabalhador nas 4 horas de trabalho a mais que ele é obrigado a cumprir. O trabalhador tem que estender o seu trabalho além do que lhe seria necessário para garantir a sua sobrevivência para remunerar o capital envolvido no processo. Assim, numa fábrica onde três operários fabricam, em 8 horas de trabalho, 60 metros de tecido, o capital é remunerado com a metade do produto do trabalho. O trabalho do trabalhador tem mais valor do que lhe é pago por ele, porque o processo de transformação que a matéria sofre acrescenta valor a ela. Não usamos nem máquinas nem fios para vestir. Usamos tecidos e é este que é comprado e vendido. Mas não é vendido por quem o fabricou e sim pelo dono da fábrica, o capitalista. O valor que o trabalho acrescentou à matéria não reverte para o trabalhador em sua integridade. No exemplo que estamos usando 50% do valor é apropriado pelo capitalista, como remuneração não pelo seu trabalho, mas como remuneração do dinheiro. Essa remuneração tem o nome de lucro.

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Esse modo de funcionamento do sistema capitalista é um dos motivos pelos quais estamos conversando com vocês sobre o cooperativismo e a auto-gestão. Portanto, reservem a idéia do valor que o trabalho acrescenta às coisas. Reservem também a idéia de que quem comprou as máquinas e a matéria prima comprou também, exatamente como uma mercadoria, a força de trabalho dos homens.

Quando lutamos pelo trabalho para garantir a nossa sobrevivência nem sempre temos muita clareza sobre essa luta. Conhecemos, é claro, a nossa necessidade: temos que comer e dar comida aos nossos filhos temos que nos proteger nosso corpo com as roupas e com um teto para aparar o sol e chuva, segurar o calor e expulsar o frio. Essas necessidades representam o mínimo de tudo o que precisamos. Por exemplo, o trabalho e a luta que ele representa só é possível quando temos saúde. Na sociedade moderna é indispensável saber ler e escrever para ter um pouco mais de domínio sobre as coisas que nos cercam, e esse conhecimento também ajuda no trabalho, nos dando, também, acesso a um trabalho melhor. Assim, as nossas necessidades não são apenas nossas, de cada indivíduo, mas têm raiz na sociedade em que vivemos. Nem é preciso dizer isso a vocês. A experiência da necessidade é de cada um, mas ela é, também, coletiva. Quando alguém tem fome sou capaz de entender o que desejaria ter para mitigar essa necessidade, porque também é uma necessidade minha. Compartilhamos essa experiência, assim como compartilhamos a experiência da satisfação. A mãe que dá de mamar ao seu filho percebe quando ele tem fome e quando o bebê está satisfeito. Quem conhece o desconforto que, às vezes, ronda a habitação na favela, sabe que não está

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sozinho nesse desconforto, pois a chuva cai em todas as casas e o frio penetra em todos os lugares do mesmo modo.

Essa experiência demonstra para nós que não estamos sozinhos. Pelo contrário, nossa vida decorre entre outros homens e mulheres, com outros. Mesmo quando nos sentimos absolutamente sozinhos, a experiência da solidão é, mesmo ela, compartilhada com outros homens e mulheres. Por exemplo, um grupo de desempregados à procura de emprego ou em busca do salário desemprego. Cada um que ali está sofre o desemprego solitariamente, mas O DESEMPREGO, ou A FALTA DE TRABALHO, é uma realidade que se apresenta não apenas como um fenômeno social, mas também como um fenômeno que pode ser compreendido EM CADA UMA DAS SOCIEDADES EM QUE OCORRE E EM CADA MOMENTO DA HISTÓRIA DESSAS SOCIEDADES.

Nesse momento temos que desenvolver com vocês um outro pensamento importante: se estivermos em um grupo de desempregados em busca de trabalho, e o número de postos de trabalho é menor do que o nosso cada um de nós é um concorrente. Competimos pelo posto de trabalho. A competição isola ainda mais o trabalhador, e, ao mesmo tempo, enfraquece o grupo de trabalhadores. Há uma relação, por exemplo, entre o salário que é oferecido e o número de pessoas interessadas em ocupar o posto de trabalho.

Referências

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