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ENSINO DE HISTÓRIA, CURRÍCULO DECOLONIAL E EXPERIÊNCIAS ANTIRRACISTAS NOS ESPAÇOS FORMATIVOS: CABELO E CORPO COMO SÍMBOLOS DA IDENTIDADE NEGRA

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1 Mestranda no Programa de Pós Graduação em Educação Étnico-Racial/UFSB gislany_costa@hotmail.com ² Prof. Dr. no Programa de Pós Graduação em Educação/UFBA milton.ferreira@fsb.edu.br

ENSINO DE HISTÓRIA, CURRÍCULO DECOLONIAL E EXPERIÊNCIAS ANTIRRACISTAS NOS ESPAÇOS FORMATIVOS: CABELO E CORPO COMO

SÍMBOLOS DA IDENTIDADE NEGRA

Gislany Nascimento Costa ¹ Milton Ferreira da Silva Junior²

RESUMO

O currículo da escola básica brasileira foi e continua sendo influenciado pela epistemologia colonial de valorização da cultura europeia, em prejuízo das cosmovisões dos povos colonizados. Conforme essa premissa, realizou-se um projeto de discussões à luz da Educação Intercultural. Objetivou-se construir um currículo decolonial usual segundo uma desconstrução do currículo euro-USA-centrado habitualmente praticado. Tentaram-se romper certos silenciamentos de vozes subalternizadas que muito contribuíram para a formação da sociedade e da cultura regional, quiçá brasileira. O Projeto Estética Afro-brasileira, desenvolvido no Colégio Modelo de Itabuna, é uma ação de intervenção do mestrado do PPGER/ Ensino das Relações Étnico-raciais/UFSB e propôs a discussão de temas relacionados à diversidade cultural no Brasil, às relações étnicos-raciais e o combate aos diversos tipos de preconceitos na sociedade brasileira. A metodologia utilizada foi a leitura, a discussão e a produção de textos. O referencial teórico utilizado, balizador das discussões e escrita, foram textos de diversos autores que versam acerca do empoderamento negro na escola, bem como trata de questões raciais ainda tão impregnadas na sociedade contemporânea e seu percurso histórico. Os alunos do Ensino Médio das séries 2º e 3º anos, com a orientação da professora de História, autora deste trabalho, construíram perguntas sobre várias questões pertinentes a estética afro-brasileira. Desde a aceitação de si, preconceitos, gastos com cosméticos, uso de produtos químicos, tempo na arrumação do cabelo. Após uma nova ressignificação e autoaceitação, outra ação foi desempenhada como um ensaio fotográfico dos alunos que se identificaram com o projeto. Compreenderam-se as dificuldades no resgate da cultura e o sentimento de pertencimento

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afro-brasileiro inerentes a uma aceitação do corpo e do cabelo crespo, na escolha dos acessórios, da maquiagem, dos trajes, das pinturas artísticas, dos turbantes e das tranças. Logo, diante de certas evidências extrapoláveis a outros contextos interculturais, proponho, nesse relato de experiência, uma discussão sobre como desdobrar novas experiências, no espaço formativo escolar, pautadas num currículo decolonial, a partir das criativas e autocríticas vivências/resistências locais, em detrimento do conhecimento europeizante ainda hegemônico e posto como universal. É relevante a promoção de mais subsídios para uma educação antirracista, de respeito às diferenças interculturais que formam o povo brasileiro.

Palavras chave: Ensino de história, Currículo Decolonial, Identidade Negra, Projeto Estética Afro-brasileira.

INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira é historicamente construída sob alicerces interculturais, haja vista a formação do povo que teve na sua ancestralidade a presença de indígenas, europeus e africanos, formando um caldeirão cultural, por conta das misturas das etnias que compõem o povo brasileiro. Entretanto, os africanos eram tratados como seres inferiores, dada a condição de escravizados por aqueles que os arrancaram de sua pátria para, em terras brasileiras, serem submetidos aos desmandos dos brancos detentores do poder vigente. E essa estrutura ideológica social ainda permanece arraigada atualmente no discurso colonialista que perpassa por muitas instituições sociais, inclusive está presente no espaço escolar, pois a “escravidão, a perversidade do regime escravista materializou-se na forma como o corpo negro era visto e tratado. A diferença impressa nesse mesmo corpo pela cor da pele e pelos demais sinais diacríticos serviu como mais um argumento para justificar a colonização” (LINO, 2002, p. 42).

Sendo assim, urge a necessidade de se tratar de temas como branquitude, cultura, interculturalidade, decolonialidade, euro-USA-centrismo, empoderamento, globalização, identidade cultural, dentre outros no espaço escolar, buscando verticalizar para a realidade dos discentes, que por vezes, são atropelados por um discurso culturalmente homogêneo, fundamentado em uma supremacia da branquitude, em detrimento ao que não se enquadra a esses padrões estabelecidos e engessados, os quais regem a sociedade brasileira.

Por isso, esse trabalho tem por objetivo geral propiciar reflexões sobre a ressignificação da herança africana no cotidiano escolar preconceituoso na sociedade regional e, talvez,

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brasileira, bem como favorecer a desconstrução de alguns estereótipos geradores de sofrimentos, em diversos momentos do processo escolar, das alunas e dos alunos afro-brasileiros, pois ainda há um processo violento de comparação, partindo da exaltação à branquitude, como sendo o belo, o perfeito, o modelo a ser seguido.

É bastante relevante que a escola seja um espaço de diálogo sobre os processos interculturais que circundam e compõem a sociedade contemporânea, para que o percurso educacional esteja também embasado em uma concepção intercultural, cujas diferenças não se constituem como problema, entretanto se tornam uma fonte inesgotável de riquezas, a fim de fomentar o diálogo entre os diversificados grupos socioculturais, promovendo assim, justiça social, com bases na igualdade de oportunidades na diversidade.

Para tanto, buscamos, através de diálogos, pesquisas, relatos e por fim uma exposição de feitos realizados pelos discentes, tratar de temas tão relevantes no que diz respeito ao empoderamento dos afrodescendentes na escola, para que compreendessem a importância da cultura de seus ancestrais, que se faz tão presente nas atitudes, modos de vida, alimentação, vestuário, tratamento dado ao cabelo, dentre outros, analisando como a sociedade se comporta no que tange à supremacia da branquitude em prejuízo às culturas que não se enquadram aos padrões estabelecidos, sobretudo à cultura afrodescendente.

É nesse cenário que emerge o empoderamento como meio eficaz de transformação pessoal e coletiva, uma vez que as pessoas enquanto, partícipes ativas de seus contextos sociais, vão descobrindo suas potencialidades, no que diz respeito a gerenciar sua vida, as intervenções sociais, as mudanças de comportamento, sendo mobilizadores de seus pares numa trajetória de atuação enquanto cidadãos. Eis a importância de uma educação intercultural nas instituições de ensino, pois tende a fomentar as capacidades recônditas dos indivíduos, que por vezes, foram silenciados por uma hegemonização e homogeneização da cultura e sociedade pertencentes.

DEIXEM QUE EU SEJA EU... ESCOLA O LUGAR DA INTERCULTURALIDADE

Seja eu Seja eu Deixa que eu seja eu E aceita O que seja seu (Marisa Monte, Beija eu)

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O trecho da música “Beija eu” interpretada por Marisa Monte foi escolhida como mote para iniciar esse texto porque representa o anseio de muitos jovens negros: serem aceitos como realmente são. Muitos são os que sofrem preconceitos por conta dos traços étnicos que apresentam, a saber, a cor da pele, o cabelo, os lábios e nariz e isso os leva a negarem sua identidade, a não se amarem, a não se aceitarem. Essa negação da identidade tem origem em casa, quando muitos pais repetem os discursos que ouviram ao longo dos anos, de que negro não é bonito, que é preciso alisar o cabelo, fato mencionado no texto literário de autoria de Cristiane Sobral intitulado “Pixaim”. Nesse texto, a personagem principal, uma criança negra, se vê forçada pela vizinha e pela mãe a alisar seus cabelos crespos, numa tentativa de branqueamento, de negação dos traços negros.

Foi a comparação dos sinais do corpo negro (como o nariz, a boca, a cor da pele e o tipo de cabelo) com os do branco europeu e colonizador que, naquele contexto, serviu de argumento para a formulação de um padrão de beleza e de fealdade que nos persegue até os dias atuais. Será que esse padrão está presente na escola? A existência de um padrão de beleza que prima pela “brancura”, numa sociedade miscigenada como a nossa, afeta ou não a nossa vida nas diferentes instituições sociais em que vivemos? Essas representações estão presentes na escola? Como? (LINO, 2002, p.42).

Como professora de História que leciona em uma escola pública há cerca de 18 anos, tenho observado que muitos alunos não conseguem se olhar no espelho, não se acham bonitos, outros ainda reproduzem comentários racistas e preconceituosos, praticando bullying. Como compreendo que o exercício docente é uma prática política que gera mudança ou continuidade dos problemas sociais, tenho buscado intervir nessa realidade para mudá-la. Para tanto, apresento personalidades negras que foram importantes na história do Brasil, as quais não são mencionadas na história oficial, textos literários de autores negros que problematizam o racismo, que defendem a identidade negra e textos teóricos que possibilitem o despertar da consciência crítica quanto às questões raciais, porque:

A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como elementos constitutivos do universal. Nesta ótica, as diferenças são ignoradas ou consideradas um “problema” a resolver (CANDAU, 2011, p.241).

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Tais ações de intervenção docente se fazem necessárias porque, como diz Francisco Júnior (2008, p.398), “há muito tempo se fala e escuta sobre igualdade social, étnico-racial e direitos iguais a todos. Contudo, a realidade social impregnada, não por acaso, em nossa atual sociedade está distante desse discurso”. Essa distância é fruto de distorções históricas, de teorias que propunham a supremacia de algumas “raças” e do mito da igualdade racial no Brasil. Essa igualdade nunca existiu, batalhamos para que ocorra, contudo, ao longo da história, a palavra diferença e inferioridade andavam e andam juntas.

É valido pontuar que o conceito de raça, construído pelos europeus no século XV, foi usado de forma discriminatória para classificar os seres humanos no século XVII. Contudo, uma das primeiras manifestações de racismo remonta à Antiguidade, mais precisamente a uma fala de Aristóteles. Para o filósofo “alguns povos estariam destinados ao trabalho duro e forçado por nascerem mais fortes, enquanto outros, mais débeis e capacitados intelectualmente, deveriam exercer o governo e dominação sobre os primeiros” (FRANCISCO JÚNIOR, 2008, p.399).

A noção de raça, portanto, é uma concepção ideológica, social, usada ao longo da história para justificar o domínio de um povo sobre outro, bem como para justificar as diferenças salariais. No processo de colonização não só do Brasil, como de outros países, os brancos europeus precisavam de um argumento muito forte para justificar suas ações, por isso, principiaram:

Por um lado, a codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados na ideia de raça, ou seja, uma supostamente distinta estrutura biológica que situava a uns em situação natural de inferioridade em relação a outros. Essa ideia foi assumida pelos conquistadores como o principal elemento constitutivo, fundacional, das relações de dominação que a conquista exigia. Nessas bases, consequentemente, foi classificada a população da América, e mais tarde do mundo, nesse novo padrão de poder. Por outro lado, a articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, em torno do capital e do mercado mundial (QUIJANO, 2005, p.117).

Nota-se que os colonizadores, os brancos europeus, precisavam justificar o porquê de invadirem terras alheias, delas se apossarem, manterem o controle e dominarem as riquezas. Era preciso naturalizar o que não era natural: a suposta supremacia branca. As diferenças raciais eram o motivo, eram os fatores fenotípicos que os colocavam acima dos nativos. Desse modo, a pirâmide hierárquica tinha no topo os brancos, depois os mestiços e, por último, os nativos.

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Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova id-entidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus.

É importante observar que esse conceito de raça vai justificar todo processo de trabalho na América, determinando funções que poderiam ser exercidas por nativos, outras só por mestiços e algumas exclusivas dos brancos. Havia diferença também na remuneração, isto é, brancos sempre recebiam mais.

Desse modo:

As novas identidades históricas produzidas sobre a ideia de raça foram associadas à natureza dos papéis e lugares na nova estrutura global de controle do trabalho. Assim, ambos os elementos, raça e divisão do trabalho, foram estruturalmente associados e reforçando-se mutuamente, apesar de que nenhum dos dois era necessariamente dependente do outro para existir ou para transformar-se (QUIJANO, 2005, p.118).

Essa naturalização do domínio dos brancos expandiu-se para toda população mundial e, por conta disso, novas identidades históricas foram se constituindo. Assim, ao grupo dos brancos europeus acrescentou-se os amarelos e oliváceos e a branquitude passou a ser sinônimo de trabalho assalariado e altos cargos nas colônias. Por conta disso, “o controle de uma forma específica de trabalho podia ser ao mesmo tempo um controle de um grupo específico de gente dominada” (QUIJANO, 2005, p.118).

Diante do exposto, percebe-se que, descontruir uma concepção preconceituosa e instaurar uma educação antirracista demanda muito mais que uma lei, há que se investir em cursos de formação de professores para que estes, alicerçados teoricamente, possam discutir com os alunos conceitos chave, tais como “identidade negra, raça, etnia, racismo, etnocentrismo, preconceito racial, discriminação racial e democracia racial” (LEITE; BARDUNI FILHO, 2013).

Necessário se faz desconstruir a visão eurocêntrica, colonialista, que apaga a cultura dos povos dominados, que os subjuga e se faz presente e dominante mesmo após a emancipação das colônias. No caso da sociedade brasileira, essa visão ainda perdura, pois conforme afirma Ailton Krenak (2017, p.3), a sociedade brasileira é extremamente segmentada e repleta de

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“caleidoscópio de critérios para descriminar, que vai desde o tamanho do nariz ou do pé, à altura ou à cor”. Por isso, é preciso adotar uma prática docente decolonialista, ou seja,

[...] uma práxis baseada numa insurgência educativa propositiva – portanto, não somente denunciativa – em que o termo insurgir representa a criação e a construção de novas condições sociais, políticas, culturais e de pensamento. Em outros termos, a construção de uma noção e visão pedagógica que se projeta muito além dos processos de ensino e de transmissão de saber, que concebe a pedagogia como política cultural (OLIVEIRA, CANDAU, 2010, p.28).

Essa concepção de educação propositiva é o que estou tentando implementar na escola pública onde leciono. Para tanto, provoquei os alunos a pensarem nas questões raciais e estéticas por meio de dois textos literários: Pixaim, de Cristiane Sobral e o poema “Me gritaran negra”, de Victoria Santa Cruz. Após o debate desses textos, alguns questionamentos surgiram: o que significa ser negro no Brasil? Por que muitas pessoas, inclusive famosas, tentam branquear-se? O que seria identidade negra e o que a caracteriza?

Após esse processo, os alunos dos 2º e 3º anos do ensino médio leram os artigos “Pensando com a cabeça na Terra” de Ailton Krenak; “Em direção a uma nova definição de estereótipos: teste empírico do modelo num primeiro cenário experimental” de autoria de Pereira, Modesto e Matos (2012) e “Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural? de Nilma Gomes (2002). Através desses textos, os estudantes puderam repensar o modo como viam a si mesmos bem como puderam compreender que estereótipos correspondem ao sistema de crenças compartilhadas socialmente acerca das características homogêneas que indivíduos de um mesmo povo ou categoria social supostamente apresentam e que determinam padrões de conduta, porque na escola temos, por vezes, ainda temos vivenciado:

[...] uma violenta assepsia epistêmica e cultural da sociedade. O OUTRO é instituído enquanto o anti-modelo que não possui as condições de ser, de produzir e de viver civilizadamente sem a ajuda (favor) DAQUELE que É. O OUTRO vive a condição de empréstimo, ao não ser e não ter, somente cabendo-LHE reconhecer-se como o NÃO-SER e obedecer ÀQUELE que É. (SILVA, 2014, p. 206).

A turma foi organizada em grupos para leitura, discussão e fichamento dos textos teóricos lidos. Após a discussão, os alunos que demonstraram interesse participaram de uma Oficina de Estética para aprenderem sobre como usar adereços de origem africana e como se

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maquiarem. A oficina foi encerrada com uma sessão de fotos, as quais foram exibidas na Feira de Ciências da Escola.

Essa oficina foi ministrada por mim, professora de História, no dia 16 de outubro de 2019, e contou com a parceria de egressos da escola pública onde leciono. Júlia Portela orientou os meninos e meninas acerca do uso de turbantes, cuidados capilares para usar o cabelo crespo, maquiagem. O ensaio fotográfico, por sua vez, foi realizado por Marcus Sousa, Melissa Rocha e Leila Costa. Foi uma teia de ex-alunos participando da oficina com muito carinho e uma forma de retribuir à escola pública, em um ato de cidadania, o que dela receberam após cursarem o ensino médio.

Os resultados da oficina podem ser observados na fala dos participantes:

Participar do projeto foi a melhor coisa da minha vida. gostei muito porque estar ao lado de outras pessoas que também precisavam do empoderamento me ajudou muito pois eu tinha insegurança ao sair na rua por causa do cabelo, então depois do projeto me sinto empoderada ando pelas ruas livre com meus cabelos Black Power (Participante 1)

Até hoje não entendo porque fiquei com vergonha da minha beleza, antes da oficina ao olhar minhas fotos eu tinha vergonha, agora eu me sinto maravilhosa. O Ensaio foi maravilhoso com pessoas educadas e pacientes. A cada comentário me fortalecia mais e mais (Participante 2).

Nota-se que após todo processo metodológico de leitura literária, leitura teórica, discussão, os alunos foram convidados a repensar o discurso sobre a beleza negra, a repensar o modo como se viam, a olhar para frente, a se olhar e se orgulhar de ser quem é, aceitando seus traços étnicos, seu corpo. E ao verem o ensaio fotográfico exibido na escola durante a Feira de Ciências, sendo admirado por visitantes, professores e os demais alunos da escola, serviu para construir a autoestima desses alunos. Acredito que a palavra empoderamento descreve o sentimento construído nesses alunos. Enfim, essa oficina evidenciou que é possível adotar uma prática docente antirracista, valendo-se de um arcabouço teórico para esse fim e com atividades simples e sem custos.

CONSIDERAÇÕES

Esse projeto, pensado de modo interdisciplinar, contou com a ativa participação dos discentes, os quais, após a leitura do aporte teórico, perceberam-se como protagonistas no processo de construção da própria história, uma vez que, imersos em uma cultura patriarcal,

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colonial e homogênea, sentiram-se impelidos a propagar, para o mundo, suas vivências e experiências enquanto afrodescendente, cuja cultura, por vezes tão desprezada e insultada, é muito diversificada e rica, nos saberes, sabores, religiosidade, atitudes, vestuário, usos do cabelo, dentre outros aspectos.

O que fica claro para todos os participantes é a importância de a escola ser esse espaço de diálogo e de incubadora de novos olhares acerca do outro, a fim de dar voz àqueles que foram silenciados, promovendo uma educação intercultural, primando para os questionamentos sobre a colonialidade que nos é imposta desde sempre, através da visão hegemônica que excluí os que não se enquadram nos padrões estabelecidos pela ideologia euro-USA-centrista.

A representatividade importa muito e por isso, a exposição das fotografias no momento da Feira de Ciências do Colégio Modelo, bem como as oficinas de penteado afros em cabelo crespo, uso de acessórios, de maquiagem, de trajes, das pinturas artísticas, dos turbantes e das tranças favoreceram para o despertar da identidade adormecida, e por que não dizer, silenciada desses jovens, que cresceram entendendo que a sua representação corporal é ruim, não está dentro dos padrões impostos, não tem representatividade. Descontruir esses errôneos conceitos, pautados no processo de colonialidade, é papel fundamental da escola, pois esse é, por natureza, o lugar da pluridiversidade, podendo romper com um currículo engessado e embranquecido, fomentando uma educação com conceito intercultural.

Para tanto, foi satisfatório demais o protagonismo dos discentes, o que deixou claro o retrato da avidez de se tratar desses temas no âmbito escolar, haja vista tantos anos de propagação de um currículo engessado, que valoriza o “politicamente correto” dentro da ótica colonial, na qual o homem branco, heterossexual e ocidental (GROSFOGUEL, 2009) é sempre privilegiado e portanto, o modelo a ser seguido. As ações aqui propostas romperam, por algum tempo, essa situação “neocolonial”.

Resta saber se haverá uma longa duração (Braudel, Ferdinand, 1978 a/b, 2016; MARQUESE; SILVA JÚNIOR). Conforme OLIVEIRA e CANDAU (2010), a colonialidade refere-se a um padrão de poder resultante do colonialismo e que se refere a questões laborais, conhecimento e autoridade que se estabelecem a partir do conceito de raça. É a colonialidade que embasa, sustenta uma depreciação da mão de obra negra e indígena, o que dificulta ou limita acesso ao saber, assim como também discrimina traços estéticos. Resta acompanhar os egressos e detectar indícios de uma longa duração para tal reafirmação étnico identitária.

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REFERÊNCIAS

BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais: a Longa Duração. In: BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1978a [1958], p. 41-77.

BRAUDEL, Fernand. Sobre uma Concepção de História Social. In: BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1978b [1959], p. 161-176.

BRAUDEL, Fernand. O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II. Volume 1. São Paulo: Edusp, 2016 [1949].

CANDAU, Vera Maria Ferrão. Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas pedagógicas. Currículo sem fronteiras. Rio de janeiro: PUC , v. 11, n.2 , p. 240 -255, 2011.

FRANCISCO JÚNIOR, Wilmo Ernesto. Educação antirracista: reflexões e contribuições possíveis do ensino de ciências e de alguns pensadores. Ciência & Educação, v. 14, n. 3, p. 397-416, 2008.

GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural? Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 21, p. 40-51, Dec. 2002.

GROSFOGUEL, Ramón. Para decolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009.

KRENAK, Ailton. Pensando com a cabeça na Terra. In: Anais da VI Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. 2017

Disponível em:< https://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/download/2641/2385/> Acesso em 07 de set. 2019

LEITE, Alessandro da Silva; BARDUNI FILHO, Jairo. Algumas considerações sobre a educação antirracista nas séries iniciais do ensino fundamental. Instrumento: R. Est. Pesq. Educ. Juiz de Fora, v. 15, n. 1, p. 47-54, jan./jun. 2013.

MONTE, Marisa. Beija eu. 1991. Rio de Janeiro: EMI. 3:15 min.

OLIVEIRA, Luís Fernandes de; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogia decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil. Educação em Revista, Belo Horizonte, v.26, n.01, p.15-40, abr. 2010.

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PEREIRA, Marcos Emanoel; MODESTO, João Gabriel; MATOS, Marta Dantas. Em direção a uma nova definição de estereótipos: teste empírico do modelo num primeiro cenário experimental. Psicologia e Saber Social, 1(2), 2012.

QUIJANO, ANIBAL. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-130

SANTA CRUZ, Victoria. Me gritaram negra.

Disponível em: < https://feminismo.org.br/me-gritaram-negra-poema-de-victoria-santa-cruz/18468/

Acesso em 07.set. 2019

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Disponível em :< https://cristianesobral.blogspot.com/2011/01/pixaim-conto-de-cristiane-sobral.html Acesso em 07.set. 2019

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