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INTERFACE ENTRE A SOCIOLINGUÍSTICA E A DIALETOLOGIA

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INTERFACE ENTRE A SOCIOLINGUÍSTICA E A

DIALETOLOGIA

Bruna Fernanda S. de Lima-Padovani (UFPA)1

nandawinawa@gmail.com

Romário Duarte Sanches (UFPA) 2

duarte.romrio@gmail.com

RESUMO: Este trabalho objetiva apresentar os conceitos fundamentais e o arcabouço

teórico-metodológico que sustentam a Sociolinguística e a Dialetologia. Serão feitas algumas reflexões acerca das contribuições dessas áreas da linguística para a descrição da linguagem humana. Para discussão dos pressupostos teórico-metodológicos da sociolinguística e da dialetologia, adotaram-se Labov ([1972] 2008) e Radtke e Thun (1998). O termo Sociolinguística aparece relacionado às pesquisas de William Labov como resposta à incapacidade do formalismo linguístico no tratamento da mudança linguística. Assim, a Sociolinguística tem por objeto de estudo os padrões de comportamentos linguísticos observáveis dentro de uma comunidade de fala e os formaliza analiticamente por meio de um sistema heterogêneo, constituído por unidades e regras variáveis. A partir da década de 70, observa-se que as pesquisas em sociolinguística vêm se desenvolvendo bastante, suas contribuições à ciência da linguagem são inegáveis, especificamente ao campo da dialetologia. O termo Dialetologia aparece antes mesmo da própria linguística se configurar enquanto ciência. Já a geografia linguística ou geolinguística, método da dialetologia, surge com os estudos de Georg Wenker (1881), na Alemanha, e de Julles Gilliéron (1902), na França. Após o surgimento da Sociolinguística, novos modelos científicos foram propostos para se tentar explicar a variação linguística de forma coerente e sem deixar lacunas. Com isso a dialetologia tradicional foi sendo aprimorada e atualmente dispõe de um novo modelo ou método geolinguístico, denominado por Radtke e Thun (1998) de Dialetologia pluridimensional. Este modelo corresponde à inserção de dimensões sociais e linguísticas, além da geográfica.

PALAVRAS-CHAVE: Sociolinguística; Dialetologia; Variação.

ABSTRACT: This paper presents the basic concepts and the theoretical and methodological framework

supporting the sociolinguistics and dialectology. Will be made some reflections about the contributions of these linguistic areas for the description of human language. To discuss the theoretical and methodological assumptions of sociolinguistics and dialectology, were adopted Labov ([1972] 2008) and Radtke and Thun (1998). The term sociolinguistic appears related to research William Labov in response to the inability of linguistic formalism in the treatment of linguistic change. Thus, sociolinguistics object is to study the patterns of behavior linguistic observed in a speech community and analytically formalized by means of a heterogeneous system, consisting of units rules and variables. From the 70, it is observed that research in sociolinguistics have been developing well, his contributions to the science of language are undeniable, specifically to the field of dialectology. The term dialectology appears even before language itself is set up as a science. Already linguistic geography or geolinguistic, method of

1 Doutoranda em Letras, com ênfase em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Federal do Pará (UFPA).

2 Doutorando em Letras, com ênfase em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Letras da

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dialectology, comes up with the studies of Georg Wenker (1881), in Germany, and Julles Gilliéron (1902) in France. After the emergence of sociolinguistics, new scientific models have been proposed to try to explain the linguistic variation in a consistent manner and without leaving gaps. Thus the traditional dialectology was being improved and now has a new model or geolinguistic method, called by Radtke and Thun (1998) dialectology multidimensional. This model corresponds to the inclusion of social and linguistic dimensions, as well as geographic.

KEYWORDS: Sociolinguistic; Dialectology; Variation.

1 Introdução

O interesse pelo estudo sistemático da diversidade de usos da língua e a evidência de certa preocupação universal com as diferenças dialetais perpassam a história dos povos em todos os momentos, ora como simples constatação, ora como instrumento político auxiliar a luta, ora como mecanismo de descrição das línguas, até, finalmente, assumir-se como estudo sistemático, com objeto próprio e metodologia definida (CARDOSO, 2010).

Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo, com base na sociolinguística e na dialetologia, apresentar discussões acerca dos pressupostos conceituais e metodológicos fundamentais para a análise da diversidade linguísticas das línguas. Buscaremos explicar a contribuição dessas áreas da linguística para o estudo da linguagem humana, focalizando, especificamente, a descrição e análise da variação linguística.

O artigo se subdivide em quatro partes. A primeira seção situa a sociolinguística e a teoria da variação, apresentando um panorama acerca do surgimento dessa área da línguistica, bem como os seus aspectos teórico-metodológicos; a seção seguinte tem como objetivo apresentar um breve percurso histórico da dialetologia e seu método geolinguístico; em seguida, mostraremos a contribuição da sociolinguística para os estudos atuais que culminaram no surgimento da dialetologia pluridimensional. Por fim, apresentaremos a relevância desses ramos da linguística para o estudo das diferenças dialetais presente nas línguas do mundo.

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2 Sociolinguística

A Sociolinguística é uma das subáreas da linguística que apresenta um campo muito vasto, e pode ser usada para descrever várias maneiras diferentes de estudar a linguagem. Esse ramo da linguística estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção linguística. A sociolinguística se faz presente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando principalmente os empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo (MOLLICA, 2013). A língua é uma instituição social e, portanto, não deve ser estudada como uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional da cultura e da história das pessoas que a utilizam. Segundo Meyerhoff (2006), a sociolinguística pode realizar pesquisas envolvendo diferentes abordagens, tais como: (i) a maneira como os falantes individuais usam a linguagem; (ii) como as pessoas usam a linguagem de forma diferente em diferentes cidades ou regiões (variação); e (iii) como uma nação decide quais línguas serão reconhecidas em tribunais ou na educação (políticas linguísticas). Além dessas pesquisas que a autora aponta, podemos considerar também como interesse da sociolinguística (iv) pesquisas relacionadas ao contato entre as línguas; (v) questões relativas ao surgimento e extinção de línguas; (vi) multilinguismo; e (vii) mudança linguística.

Apesar da sociolinguística ter diferentes temas de investigação, uma coisa que une todos os estudiosos da área é o interesse em compreender de que modo os indivíduos usam a linguagem. Em outras palavras, os sociolinguistas não estão apenas interessados em documentar as diferentes linguagens, mas também querem responder perguntas como: Quem usa essas diferentes formas ou variedades linguísticas? Eles são conscientes da sua escolha? Por que algumas formas ou línguas se impõem sobre outras? Existe alguma relação entre as formas em fluxo em uma comunidade de falantes? Que tipo de informação social atribuímos a diferentes formas em uma língua

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ou diferentes variedades linguísticas? Quando podemos mudar ou controlar a linguagem que usamos? A partir das repostas encontradas a estas perguntas o linguista pode demonstrar que a variação é previsível e determinada por fatores linguísticos e/ou extralinguísticos.

Diante disso, Meyerhoff (2006) afirma que, inevitavelmente, algumas pesquisas sociolinguísticas têm mais a dizer sobre as questões sociais, e outras pesquisas sociolinguística têm mais a dizer sobre as questões linguísticas, mas o que torna o trabalho de alguém distintamente sociolinguístico será o fato de que, independentemente da sua ênfase, ele tem algo a dizer sobre ambos: tanto sobre a estrutura linguística quanto a estrutura social.

A seguir, veremos as circunstâncias que presidiram o surgimento da sociolinguística.

1.1 O Advento da Sociolinguística

Segundo Meyerhoff (2006), o século XIX foi um momento particularmente bom na história do estudo da variação regional na linguagem. Alguns grandes projetos foram iniciados na Europa, alguns dos quais continuaram vigentes no século XX. Um dos primeiros e ambiciosos exemplos, foi o Atlas Linguística de la France ou "Alf", como é comumente chamado. Este projeto foi iniciado por Jules Gilliéron e a coleta de dados foi realizada por Edmond Edmont que, de bicicleta ao redor da França, parando em pequenas aldeias, entrevistou falantes mais velhos e perguntou-lhes qual a palavra local para uma série de itens de vocabulário e, em seguida, observou atentamente a pronúncia local de diferentes palavras. Edmont foi treinado para usar um sistema consistente para transcrever as pronúncias regionais, e em cada ponto de seu trabalho de campo ele administrou o mesmo questionário.

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Esta padronização de métodos foi um avanço importante, pois permitiu comparações completas e confiáveis a serem feitas entre diferentes localidades. Em termos de delimitação conceitual, esse ramo da linguística ficou conhecido como dialetologia. A dialetologia tem por tarefa identificar e mapear as fronteiras entre as diferentes variedades, com base em sua distribuição espacial. Os resultados das pesquisas de dialetos são traçados em mapas, proporcionando, assim, um atlas que demonstra, por exemplo, as mudanças da pronúncia de determinadas palavras. Além disso, os atlas apresentam como essas mudanças se movem através do espaço físico. A distribuição de diferentes formas - pronúncias ou padrões de frases - pode ser mostrada com diferentes símbolos, sobrepostos ao mapa da região. Os mapas produzidos por Gilliéron e Edmont, a partir de seu trabalho de campo, mostram a interação entre espaço geográfico e linguagem. Mas a dialetologia regional pode ser usada para fazer mais do que simplesmente documentar onde as pessoas usam uma forma ou outra (veremos esse assunto em mais detalhes nas seções subsequentes).

Segundo Meyerhoff (2006), alguns linguistas perceberam que o nível de detalhe em muitos dos atlas poderia ser usado para informar sobre a teoria linguística. Além disso, os linguistas descobriram que uma variante regional se cruza com uma gama de funcionalidades não linguísticas. Assim, destacamos a importância de fatores não-linguísticos para a descrição das línguas.

Meillet (1921 apud LABOV 2008 [1972]), procurando uma explicação para as mudanças linguísticas na França, afirmou que toda modificação na estrutura social acarreta uma mudança nas condições nas quais a língua se desenvolve e que, portanto, a história das línguas é inseparável da história da cultura e da sociedade. Por sua vez, os dialetólogos que trabalhavam no Linguistic Atlas of the United States and Canada, na década de 1930, passaram a incorporar informações sociais, além das geográficas, para o levantamento dos dialetos (CEZARIO e VOLTRE, 2012).

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Entretanto, apenas na década de 1950, o termo Sociolinguística surge pela primeira vez, mas somente se desenvolve como uma área da Linguística com a publicação dos trabalhos apresentados em um congresso realizado em 1964, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), organizado por William Bright (1966). O organizador apresentou os trabalhos sob o título Sociolinguistics, em que define e caracteriza essa área de estudo. Os trabalhos apresentados nesse congresso partiam da hipótese de que a Sociolinguística deve demonstrar a covariação sistemática das variações linguísticas e sociais. Ou seja, relacionar as variações linguísticas observáveis em uma comunidade às diferenciações existentes na estrutura dessa mesma sociedade. A proposta inicial da área era identificar um conjunto de fatores socialmente definidos, com os quais se supõe que a diversidade linguística esteja relacionada.

Segundo narrativa de Meyerhoff (2006), o primeiro estudo de fato sobre dialeto social foi realizado no verão de 1961, em Martha’s Vineyard, uma ilha ao largo da costa de Massachusetts, no nordeste dos Estados Unidos. Martha’s Vineyard era uma espécie de “playground” de verão para as pessoas que vivem a maior parte do ano nos EUA continental. Em 1961, William Labov era um daqueles visitantes de verão. Em 1963, publica um estudo em que analisa a comunidade da ilha de Martha’s Vineyard, destacando o papel decisivo dos fatores sociais na explicação da variação linguística3.

Labov consegue evidenciar a relação entre fatores como idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude ao comportamento linguístico manifesto na fala dos indivíduos da ilha, mais concretamente, à pronúncia de determinados fones do inglês. Em 1964, Labov realiza um estudo sobre a estratificação social do inglês em Nova York, a partir do qual fixa um modelo de descrição e interpretação do fenômeno linguístico no contexto social de comunidades urbana – conhecido como Sociolinguística Variacionista ou Teoria da Variação, de grande impacto na linguística contemporânea, e à qual se dedica a próxima seção.

3 A Ilha de Martha’s Vineryard foi escolhida como laboratório para uma investigação inicial dos padrões

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1.2 Sociolinguística Variacionista

Considerando que a atividade humana da linguagem se caracteriza pela

constante variação e pela mudança linguística, podemos considerar que vários são os

fatores que influenciam no uso de variantes distintas dentro de uma comunidade de fala. Em geral, sempre há algum elemento, se não linguístico, sociocultural que determina a escolha que os falantes fazem de uma forma ou estrutura. A conjugação entre esses dois aspectos tem sido foco de interesse da Sociolinguística Variacionista, que tem como um dos seus princípios o pressuposto de que a variação linguística constitui fenômeno universal e presume a existência de padrões de uso das formas linguísticas alternativas denominadas variantes.

A perspectiva variacionista procura, basicamente, verificar de que modo fatores de natureza linguística e extralinguística estão correlacionados ao uso de variantes nos diferentes níveis da gramática de uma língua, assim como compreender de que modo a variação é regulada. A abordagem variacionista baseia-se em pressupostos teóricos que permitem observar as regularidades e a sistematicidade por trás do aparente “caos” da comunicação. O interesse principal da Sociolinguística Variacionista é desvendar como a heterogeneidade, ou seja, a variação linguística, se organiza, se localiza, além de descrever, regional e socialmente, as variedades de uma língua. Além disso, ela procura demonstrar como uma variante se implementa ou desaparece da língua.

O termo variante é usado para identificar uma forma que é utilizada ao lado de outra em uma determinada língua, sem que haja mudança no significado. Tarallo (1986) comenta que a um conjunto de variantes dá-se o nome de variável linguística. Essas variáveis subdividem-se em variáveis dependentes e independentes. A variável dependente é o fenômeno que se objetiva estudar; por exemplo, a concordância entre verbo e sujeito. Esta pode se realizar por meio de duas variantes, duas alternativas possíveis e semanticamente equivalentes. Por exemplo, a marca de concordância no verbo ou a ausência da marca de concordância. Portanto, as variantes seriam as formas

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que estão em competição: a presença ou a ausência da regra de concordância verbal. A variante é a realização efetiva de uma variável (MEYERHOFF, 2006, p. 8). O uso de uma ou outra variante é influenciado por fatores linguísticos (estruturais) ou sociais (extralinguísticos). Tais fatores constituem as variáveis independentes.

Segundo Mollica (2013), podemos descrever as variedades linguísticas a partir de dois parâmetros básicos: a variação geográfica e a variação social. A primeira está relacionada às diferenças linguísticas distribuídas no espaço físico. A segunda, por sua vez, está ligada a um conjunto de fatores de natureza extralinguística relacionados à identidade dos falantes e com a organização sociocultural da comunidade de fala como, por exemplo, classe social, idade, sexo, situação ou contexto social e etc. Assim, tradicionalmente, concebe-se uma ecologia linguística do ponto de vista horizontal, com a formação de comunidades geográficas com base em marcadores regionais; e, do ponto de vista vertical, com gerações de padrões por meio de indicadores sociais.

Alkmim (2007) comenta que podemos observar a coexistência de um conjunto de variedades linguísticas; entretanto, essa coexistência não se dá no vazio, mas no contexto das relações sociais organizadas e fortemente marcadas por motivações emanadas da própria estrutura sociocultural de cada comunidade.

Fasold (1996) julga também importante observarmos que as variantes não estão associadas exclusivamente a um grupo ou outro. Um determinado grupo pode usar uma variante com relativa frequência, podendo reconhecer uma outra forma. O contato entre falantes de comunidades distintas favorece a entrada de uma nova forma linguística dentro de uma comunidade de fala. Trudgill (1980, apud FASOLD, 1996) exemplifica isso citando jovens que deixam a comunidade onde nasceram para viverem, por um ou dois anos, em uma cidade diferente e, depois de algum tempo, voltam para o lugar de origem. Segundo esse autor, a introdução de uma inovação linguística em um ‘ponto central’ por falantes jovens que se movem geograficamente é uma das questões na análise da variação.

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Nesse sentido, vale lembrar a forte relação entre variação e mudança linguística, pois, toda mudança é o resultado de algum processo de variação (ainda que o inverso não seja verdadeiro), em que coexistem na comunidade de fala as duas formas: a substituta e a substituída. Para Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968], p. 125), nem toda variabilidade na estrutura linguística envolve mudança; mas todas as mudanças envolvem a variabilidade.

Deve ficar claro que as mudanças procedem de modo gradual durante substanciais períodos de tempo, e estão refletidas na difusão de isoglossas (linhas que limitam áreas com as mesmas características dialetais) por áreas do espaço geográfico (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006 [1968], p. 126); elas atingem partes da língua e não o seu conjunto.

Faraco (2005, p. 35) comenta que qualquer parte da língua pode mudar, desde aspectos da pronúncia até aspectos de sua organização semântica e pragmática. Todos esses domínios estão sujeitos a mudanças, sendo que cada uma delas pode ser diferencialmente aceita, resultando na variação. Ele conclui dizendo que não se pode esquecer que, sendo a língua um sistema de sistemas, as mudanças envolvem muitas vezes, não um aspecto específico, mas um conjunto de mudanças correlacionadas.

No percurso histórico se evidencia que a substituição de uma forma por outra passa por diferentes estágios, isto é, há uma etapa em que uma forma coexiste com outra; em seguida há uma “luta” entre elas; por fim, há o desaparecimento de uma para a implementação da outra, ou manutenção de ambas, mas com significados distintos.

Nesse sentido, temos que ter em mente, ao tratar de mudança linguística, que ela não ocorre no vácuo, nem ao acaso, sem destino. As mudanças de uma língua ao longo do tempo seguem parâmetros; ou seja, iniciada a mudança, há um movimento cadenciado no processo, atingindo de maneira sistemática todas as suas ocorrências (em

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um mesmo contexto linguístico, mesmo período de tempo, mesma língua ou variedade de uma língua), o que caracteriza a mudança linguística como relativamente regular.

Além disso, Duarte e Paiva (2003) comentam que o fato das línguas passarem por mudanças no tempo é algo que pode ser percebido de diversas maneiras. Uma delas está associada às diferenças linguísticas entre gerações. O comportamento linguístico de cada geração reflete uma etapa da língua, com os falantes mais jovens introduzindo novas formas alternantes que, gradativamente, substituirão aquelas que caracterizam o léxico dos mais velhos.

As autoras apontam para o fato de que as diferenças de efeito associadas às diferenças de faixa etária, embora permitam suspeitar da existência de movimentos no sistema, não podem ser tomadas como indicadores indiscutíveis e conclusivos de mudança. Se a mudança se processa no seio de uma comunidade linguística, ela envolve, a par de diferenças entre grupos etários, associações com outros parâmetros de organização social, como classe social, sexo e, na maioria dos casos, estilo de fala. Ou seja, os fatores linguísticos e sociais estão intimamente inter-relacionados no desenvolvimento da mudança linguística (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006 [1968], p. 126).

Portanto, é a associação entre as diferenças linguísticas geracionais junto com as diferenças sociais entre os indivíduos de uma comunidade de fala que permitem observar a maneira como a mudança linguística se processa no seio de uma comunidade de fala. Desse modo, entendemos que a língua faz parte de uma sociedade que a utiliza, a influencia e é influenciada por ela. Assim, Labov (2008 [1972]) considera, então, que não devemos parar no que é estritamente linguístico se queremos explicar quais forças agem na língua, podemos e devemos incluir o modo como a língua está inserida na sociedade, pois cada variedade é resultado das peculiaridades das experiências históricas e socioculturais do grupo de fala.

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1.3 Aspectos metodológicos da sociolinguística

A pesquisa sociolinguística tem como ponto de partida o objeto de estudo para então construir o modelo teórico (CEZARIO e VOLTRE, 2012, p. 149). O objeto se constitui a partir do uso da língua falada em situações naturais/espontâneas. Além disso, trabalha-se com o falante-ouvinte real, em situações reais de linguagem. O sociolinguísta deve levantar um número significativo de dados por meio de gravações4 com um número considerável de informantes.

Os informantes escolhidos devem ser aqueles nascidos e criados na comunidade a ser estudada ou aqueles que aí vivem desde os cinco anos de idade. O ideal é que se formem células de dados com o mesmo número de informantes. Para proceder com este método, é necessário dividir os colaboradores em “células” compostas, cada uma, de indivíduos com as mesmas características sociais (SILVA, 2013, p. 121). Por exemplo, se for escolhida como objeto de estudo apenas a variável classe social, pode-se ter, em uma célula, 5 homens e, na outra, 5 mulheres5 e a amostra poderá ser de 10 indivíduos. Se acrescentarmos a variável faixa etária, por exemplo, e dividirmos essa variável em três fatores correspondendo às faixas etárias: I (jovens), II (adultos) III (idosos), já teremos que ter: cinco homens e cinco mulheres na faixa etária I, cinco homens e cinco mulheres na faixa etária II e cinco homens e cinco mulheres na faixa etária III, totalizando 30 colaboradores.

Há um sistema simples para construir essas células. Codificam-se os fatores e faz-se uma análise combinatória para saber antecipadamente o número de informantes necessários para o desenvolvimento do estudo, multiplicam-se os fatores. No caso, temos 2 gêneros (homem (H) e mulher (M)) x 3 faixas etárias ( FE-I, II e III), que somam 6 células. A construção dessas células pode ser melhor visualizada no esquema a seguir:

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Hoje todos os tipos de produção linguística são gravados.

5 O número apropriado de falantes em cada célula é cinco (LABOV, 1987). Entretanto, há pesquisas que

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FE-I FE-I

H FE-II M FE-II

FE-III FE-III

A Sociolinguística também trabalha com dados estatísticos. Segundo Fasold (1984) a estatistística é, em parte, uma ferramenta na análise linguística. Os números são apenas o ponto de partida para o linguista fazer sua análise. Para o autor, o mais importante na utilização de dados estatísticos é a possibilidade de testar suas hipóteses. O linguista precisa selecionar os fatores importantes a partir de sua experiência, e de seu conhecimento sobre a teoria e sobre a o fenômeno em questão. Depois, de acordo com os resultados preliminares de sua pesquisa, fará os cruzamentos de fatores. Fasold (1984) afirma que o tratamento estatístico dos dados é um conjunto de procedimentos que permite ao pesquisador estabelecer a validade dos procedimentos que foram discutidos. Portanto, os dados estatísticos servem para comprovar, refutar e reconstruir hipóteses.

1.4 Contribuições da sociolinguística à descrição das línguas

Uma das contribuições da Sociolinguística à descrição e explicação de fenômenos da linguagem humana foi conseguir medir o número de ocorrência de usos de uma variante e, sobretudo, fazer previsões sobre as principais tendências de uso em relação a essa variante.

Com seus estudos pautados na produção real da linguagem, a sociolinguística também oferece subsídios para a área do ensino, haja vista que os sociolinguistas afirmam que os dialetos das classes desfavorecidas não são inferiores ou insuficientes. Os sociolinguistas postulam que esses dialetos são estruturados com base em regras

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gramaticais diferentes das regras do dialeto padrão. Desse modo, oferecem importante contribuição na luta contra o preconceito linguístico, ao descrever o padrão real da linguagem.

Além disso, a Sociolinguística também vem dando uma valiosa contribuição às pesquisas em línguas indígenas. Como sabemos, no território brasileiro, existe cerca de 150 línguas indígenas (MOORE, GALUCIO e GABAS JR., 2008). Diante disso, é de fundamental importância conhecer as línguas, bem como a situação sociolinguística e os aspectos histórico-culturais dos povos indígenas do Brasil, reconhecendo, assim, o caráter multilíngue e pluricultural do país.

A sociolinguística tem o papel fundamental de levar a sociedade a compreender, respeitar e aceitar a diversidade de uso, entendendo que o sistema linguístico é complexo.

Na sequência, apresentaremos de forma breve o percurso histórico da dialetologia.

3 Dialetologia

No contexto do surgimento da dialetologia, Cardoso (2010) afirma que em fins do século XVIII foi o momento em que os dialetos se tornaram, de maneira constante, objeto da atenção dos linguistas. Os trabalhos referentes à dialetologia são numerosos, mas é somente no século XIX que começam a ser traçados com eficácia os rumos desse novo campo de investigação da linguagem, com o que se concebe, como seu método específico, a geografia linguística ou geolinguística.

Os estudos dialetológicos, propriamente ditos, iniciam-se num momento da história, no século XIX, em que a individualidade geográfica de cada região estava resguardada seja pelo isolamento decorrente da frágil rede de estradas, seja pela dificuldade de comunicação, ou ainda, pela inexistência de meios tecnológicos que permitissem a interação à distância entre as áreas (CARDOSO, 2010). Muitos dos

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trabalhos dialetais resultaram da preocupação com o resgate de dados e a documentação dos diferentes estágios da língua.

A dialetologia tem dois momentos fundamentais que marcam seu campo de investigação: o primeiro refere-se ao levantamento de dados da realidade alemã feito por Georg Wenker (1881) em fins do século XIX; e o segundo foi a recolha sistemática de dados dialetais para o Atlas Linguístico da França (ALF), obra organizada por Julles Gilliéron (1902).

De acordo com Dubois (2006), o atlas de Wenker objetivou documentar a realidade dos usos que se registram na Alemanha, reunindo dados de 40.736 localidades, com um total de 44.251 respostas coletadas, sem, porém, atentar para o controle sistemático de variáveis sociais. Conforme Cardoso (2010), nessa primeira tentativa, observa-se a ausência do controle de variáveis socioculturais dos informantes e reflete as dificuldades advindas de uma coleta de dados feita por correspondência, ou seja, não observadas in loco.

Por mais imperfeitas que tenham sido essas pesquisas, os mapas de Wenker fizeram aparecer como evidente que os dialetos locais não estavam mais próximos das formas antigas do que a língua standard (língua de prestígio). Os primeiros resultados só foram publicados em 1881, em Estrasburgo, constituindo o primeiro fascículo de um conjunto de seis cartas, duas fonéticas e quatro morfológicas. Por meio disso, Dubois (2006) mostra que a obra de Wenker foi recebida com entusiasmo, mas a lentidão com que se processou o seu desenvolvimento carregou fortes críticas, como a elaboração de apenas seis cartas em vinte anos.

Em relação ao Atlas Linguístico da França (ALF) de Gilliéron, Dubois (2006) afirma que tal atlas tinha por objetivo assentar sobre bases sólidas o estudo dos patoás galo-romanos. Gilliéron elaborou um questionário de aproximadamente 1500 frases e palavras usuais que dava o essencial dos sistemas lexicais, fonéticos, morfológicos e mesmo sintáticos. Esse questionário devia fazer surgirem os arcaísmos e os neologismos, a flexão dos pronomes, as conjugações, e entre outros elementos.

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Conforme Dubois (2006), Julles Gilliéron, em 1887, inicia a coleta de dados para o ALF realizado com a ajuda do governo francês, de 1902 a 1910. Gilliéron elegeu um único inquiridor, Edmond Edmont. Para Cardoso (2010), este foi um homem dotado de uma grande inteligência natural e de uma excelente aptidão para captar a variação fonética dos sons e para transcrevê-las com uma exatidão espantosa. E. Edmont tinha recebido uma formação fonética e devia percorrer 630 pontos antecipadamente fixados. Em cada ponto ele deveria passar dois dias e interrogar um informante único, o mais apto a responder ao questionário. Os resultados eram, em seguida, transpostos por J. Gilliéron num mapa do país galo-romano.

A pesquisa de Gilliéron exigiu quatro anos (1897-1901) e a obra foi publicada, volume por volume, perto de 1910. O atlas de Gilliéron foi o começo, propriamente dito, da aplicação de uma geografia linguística em que tal experiência foi aproveitada por todos os pesquisadores de atlas posteriores, em todos os países, no qual se procedeu a esse tipo de pesquisa.

Como toda obra grandiosa, o atlas de Gilliéron sofreu numerosas críticas, sobretudo, acusando seu questionário de ser incompleto, pois omitia palavras de extremo interesse para os estudos linguísticos, além de não levar em conta as diferenças socais, etc. Para Dubois (2006), a obra de Gilliéron, apesar de recebida com reservas por alguns linguistas da época, pôs na ordem do dia a discussão da complexidade do fenômeno linguístico tanto na perspectiva sincrônica como diacrônica e teve o mérito de marcar o início da aplicação do método da geografia linguística como rigor científico.

Sobre a delimitação conceitual de dialetologia e geolinguística, encontram-se algumas concepções. Há autores que consideram a dialetologia como uma ciência e a geolinguística como um método da mesma. Para Ferreira e Cardoso (1994), a dialetologia é tratada com uma ciência que surgiu nos fins do século XIX, e que demonstra, até os dias de hoje, um maior interesse pelos dialetos regionais, rurais e sua distribuição e intercomparação.

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Dubois (2006), numa definição, ainda, de dialetologia tradicional, afirma ser uma disciplina descritiva:

O termo dialetologia, usado às vezes como simples sinônimo de geografia linguística, designa a disciplina que assumiu a tarefa de descrever comparativamente os diferentes sistemas ou dialetos em que uma língua se diversifica no espaço, e de estabelecer-lhe os limites. Emprega-se também para a descrição de falas tomadas isoladamente, sem referência às falas vizinhas ou da mesma família (DUBOIS, 2006, p. 185).

Outras definições estão sendo muito utilizadas em pesquisas que visam a elaboração de atlas linguísticos, os principais precursores dessa nova linha de pensamento são Edgar Radke e Harald Thun (1998; 2000). Estes autores aprimoram a dialetologia tradicional ou areal, trazendo novas contribuições teórico-metodológicas à área. Digamos que eles “inauguram” uma nova fase dos estudos dialetais, denominado de Dialetologia Pluridimensional (DP).

Cardoso (2010) compartilha dessas novas ideias e aprimora a definição de dialetologia considerando-a como um ramo dos estudos linguísticos que assume a tarefa de identificar, descrever e situar os diferentes usos em que uma língua se diversifica, conforme a sua distribuição espacial, sociocultural e cronológica.

3.1 Métodos geolinguístico e os atlas linguísticos

Sobre a definição de geolinguística, considera-se a parte da dialetologia que se ocupa em localizar as variações das línguas umas com relação às outras. Dubois (2006) diz ser o estudo das variações na utilização da língua por indivíduos ou grupos sociais de origens geográficas diferentes.

A partir disso, assumimos a definição mais atual dada por Cardoso (2010), tratando a geolinguística com um método da dialetologia para localizar espacialmente as variações das línguas umas em relação às outras, podendo situar socioculturalmente cada um dos falantes considerados.

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De acordo com Iordan (1962), a geolinguística passou a ser considerada como uma área de interesse dos estudos linguísticos somente no final do século XIX e início do século XX, na Europa Ocidental. A partir de então, expandiu-se para outros continentes, bem como a América Latina.

No Brasil, quando se fala em Dialetologia e Geolinguística, é importante salientar alguns autores renomados que deram início a esses estudos. Ferreira e Cardoso (1994) destacam, em especial, os trabalhos de Amadeu Amaral, Antenor Nascentes, Serafim da Silva Neto e Nelson Rossi. Estes foram os primeiros dialetólogos que impulsionaram novos estudos na área e principalmente na elaboração de inúmeros atlas linguísticos de maior e menor domínio. Vale ressaltar as pesquisas que têm como pressupostos teóricos e metodológicos da dialetologia, e que resultaram e resultam em atlas linguísticos ou em uma coleção de cartas/mapas linguísticos.

Assim, listamos abaixo algumas informações, extraídas do artigo de Romano (2013), sobre os atlas linguísticos publicados, não-publicados e os em andamento.

Tabela 01: Atlas Linguísticos Brasileiros ATLAS LINGUÍSTICOS PUBLICADOS ATLAS LINGUÍSTICOS NÃO-PUBLICADOS ATLAS LINGUÍSTICOS EM ANDAMENTO

Atlas Prévio dos Falares Baianos (1963) Atlas Linguístico do Paraná II (2007) Atlas Geossociolinguístico do Pará Esboço de um atlas linguístico de Minas Gerais (1977) Atlas Linguístico do Amazonas (2004) Atlas Linguístico de Rondônia Atlas Linguístico da Paraíba (1984)

Micro Atlas Fonético do Estado do Rio de Janeiro

(2008)

Atlas Linguístico do Rio de Grande do Norte Atlas Linguístico de Sergipe I e II (1987/2005) Atlas Semântico-Lexical do Estado de Goiás (2012)

Atlas Linguístico do Mato Grosso Atlas Linguístico do Paraná (1994) - Atlas Linguístico do Espírito Santo Atlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul (2002/2011)

(18)

Atlas Linguístico Sonoro do Pará (2004)

- Atlas Linguístico do Brasil Atlas Linguístico do

Mato Grosso do Sul (2007) - - Atlas Linguístico do Ceará (2010) - - Atlas Linguístico do Brasil vol. I e II (2014) - -

Fonte: Elaborada pelos autores.

A partir dos atlas linguísticos já publicados, não-publicados e aqueles que ainda estão em andamento, torna-se imprescindível não referenciar a um dos maiores projetos, dialetal e geolinguístico, firmados no Brasil, e que segundo Callou (2010), foi um projeto cogitado há mais de 50 anos, no entanto, colocado em prática a partir de 1996. Trata-se do Atlas Linguístico do Brasil - ALiB.

O ALiB é um dos projetos macros de dialetologia e geolinguística que nasce em meio às discussões anteriores e de pesquisas já realizadas de renomados linguistas. O momento mais importante e que deu impulso para a construção do ALiB, segundo Aguilera e Altino (2012), foi o Seminário Caminhos e Perspectivas para a

Geolinguística no Brasil realizado na Universidade Federal da Bahia em 1996.

Conforme as autoras, esse espaço foi favorável à construção do projeto, pois reuniu pesquisadores no campo da dialetologia e da sociolinguística, contando com a presença dos autores de atlas linguísticos já publicados, até àquela época.

Após 17 anos, o Atlas Linguístico do Brasil já se encontra publicado, parcialmente, pois até o momento foram publicados dois volumes (vol. 1. Introdução e vol. II. Cartas Linguísticas 1). O lançamento do ALiB aconteceu no III Congresso

Internacional de Dialetologia e Sociolinguística, realizado na Universidade Estadual de

(19)

4 Contribuições da sociolinguística à dialetologia

Desde o surgimento da sociolinguística de Labov ([1972] 2008), a geolinguística ampliou o seu campo de observação e análise, que até então se restringia ao registro da variação diatópica (espacial)6, passando a controlar variáveis sociais mais complexas, tais como a variação diastrática (classe social), variação diafásica (escolaridade), variação diagenérica (sexo), variação diageracional (faixa etária), dentre outras.

A partir da inserção dos pressupostos teórico-metodológicos da sociolinguística, a delimitação conceitual tanto da sociolinguística quanto da dialetologia (geolinguística) passa a ser problemática. Para tanto, ressalta-se, conforme Ferreira e Cardoso (1994), que dois aspectos fundamentais estão na gênese da dialetologia: 1) o reconhecimento das diferenças ou das igualdades que a língua reflete; e 2) o estabelecimento das relações entre as diversas manifestações linguísticas documentadas ou entre elas e a ausência de dados registrados, circunscritos a espaços e realidades prefixados.

A dialetologia considera, a partir de então, fatores extralinguísticos, inerentes aos falantes, com certa confluência de objetivos aos da sociolinguística. Ambas as disciplinas perseguem a variação e mantêm o controle de variáveis diversas, cujo, segundo Ferreira e Cardoso (1994), o objetivo maior é o estudo da diversidade linguística:

Na verdade, definir objetivo e metas dos vários ramos da ciência da linguagem, como aliás em qualquer ciência, é sempre muito difícil porque são fluidos ou pouco nítidos esses limites, mais fluidos e pouco nítidos se tornam quando se fala de dialetologia e sociolinguística que têm – ambas – como objetivo maior o estudo da diversidade da língua dentro de uma perspectiva sincrônica e concretizado nos atos de fala. (FERREIRA; CARDOSO, 1994, p. 19).

Silva-Corvalán (1988) destaca que o aspecto diverso da língua faz com que essas duas disciplinas se confundam:

6 Denominada de dialetologia tradicional.

(20)

Sociolinguística e dialetologia se tem considerado até certo ponto sinônimas uma vez que ambas as disciplinas estudam a língua falada, o uso linguístico e estabelecem as relações que existem entre certos traços linguísticos e certos grupos de indivíduos. Assim como a sociolinguística, a dialetologia reconheceu desde cedo a existência da heterogeneidade linguística. (SILVA-CORVALÁN, 1998, p. 08).

Em termos gerais, entende-se que a dialetologia e a sociolinguística são duas perspectivas de observação e análise linguística que não se opõem, mas que se encontram e se completam. Callou (2010) afirma que a metodologia da dialetologia tradicional rural sofreu adaptações para dar conta da análise linguística nos grandes centros urbanos, vindo esta dialetologia urbana a confundir-se com a sociolinguística.

Conforme Radtke e Thun (1998), a dialetologia areal (tradicional) e a sociolinguística são disciplinas historicamente separadas, confundem-se com a geolinguística aprimorada chamada de dialetologia pluridimensional, compreendida como parte da ciência geral da variação linguística e das relações entre variantes e variedades, de um lado, e falantes, de outro.

Ressalta-se a diferença entre dialetologia tradicional e dialetologia pluridimensional. A primeira representa a pesquisa por meio de atlas linguísticos que mapeiam somente o uso linguístico puro representado geograficamente. A segunda objetiva combinar o aspecto geográfico, predominante na dialetologia tradicional, com o aspecto social da língua, neste caso cita-se a interface entre dialetologia e sociolinguística.

Radtke e Thun (1998) ao proporem o status de ciência geral da variação à dialetologia pluridimensional, partem do princípio de que a variação deve se estender ao espaço tridimensional, ou seja, a partir da superfície bidimensional horizontal da dialetologia e o eixo vertical da sociolinguística, devem formar o espaço variacional tridimensional da dialetologia. Para eles, a dialetologia pluridimensional deve analisar todos os planos (níveis de a – v; zonas parciais dos níveis; pontos das respostas: A – N; fragmentos dos pontos: grupos e indivíduos e todas as relações). Sendo assim, eles

(21)

acreditam que esse programa (dialetologia pluridimensional) passa a ser o ideal para descrição completa e ordenada do polimorfismo linguístico e de sua relação com os falantes. Segue abaixo o modelo de dialetologia pluridimensional descrito acima.

Figura 01 - Modelo da Dialetologia Pluridimensional

Fonte: RADTKE e THUN (1996).

Vale lembrar que a denominação de dialetologia pluridimensional e relacional (RADTKE; THUN, 1996; 1998; 2000) é nomeada por outros como geolinguística multidimensional (CARDOSO, 2010), geossociolinguística (RAZKY, 2003) ou sociodialetologia (GUY, 2012).

Este princípio plural e social, presente nas várias denominações para dialetologia pluridimensional, fundamenta-se no modelo que engloba um conjunto de dimensões

(22)

proposto por Thun (1998), a saber: a) diatópica (variação geográfica); b) diastrática (variação por classe social); c) diageracional (variação pela faixa etária); d) diagenérica (variação por genêro); e) dialingual (variação por meio do contato linguístico); f) diafásica (variação por meio do grau de formalidade da língua); e entre outras dimensões.

Observa-se que por muito tempo a dialetologia (tradicional) estava preocupada com a distribuição geográfica dos dialetos - um dos fenômenos mais recorrentes nesses tipos de pesquisas era a proposição de isoglossas, que delimitavam dialetos ou falares próprios de uma determinada região.

Os primeiros atlas linguísticos publicados, produtos de pesquisas geolinguísticas, traziam em sua metodologia esta preocupação com a dimensão geográfica, apesar de em alguns deles, como no Atlas Linguístico da França, ser possível observar as variantes sociais a partir do exame do perfil dos informantes. Esses atlas, porém, apresentam uma visão monodimensional da língua, uma vez que estavam focados apenas na dimensão diatópica (geográfica).

4.1 Atlas linguísticos pluridimensionais

A partir do modelo variacional de Radtke e Thun (1996; 1998; 2000), os autores classificam os atlas linguísticos em monodimensionais, bidimensionais e pluridimensionais. Para eles, os atlas monodimensionais estariam focados na dimensão espacial, por isso, permitem a identificação do uso da língua dentro de uma determinada área geográfica. Os atlas bidimensionais, por outro lado, além da dimensão geográfica, contemplariam outra dimensão: diagenérica ou diageracional normalmente. Já os atlas pluridimensionais focalizariam além da dimensão geográfica duas ou mais dimensões sociais: diastrática, diageracional, diagenérica, diafásica, etc.

Seguindo esses novos rumos da dialetologia e da geolinguística, para elaboração de atlas linguísticos, surgiram alguns projetos de atlas pluridimensionais no Brasil,

(23)

como mostra Guedes (2012), para citar alguns: Atlas Linguístico Sonoro do Pará (2004); Atlas Linguístico do Amazonas (2004); Atlas Linguístico do Mato Grosso do Sul (2007); Atlas Linguístico do Paraná II (2007); e tantos outros.

Acrescentando às informações dispostas na pesquisa de Guedes (2012), somam-se mais dois projetos de atlas pluridimensionais: o Atlas Linguístico do Brasil (2014) e o segundo é o Atlas Linguístico do Amapá. Este último, ainda em fase de elaboração, objetiva, conforme Sanches (2015), apresentar uma descrição do falar amapaense no que tange aos aspectos fonético-fonológicos e semântico-lexicais, considerando 10 localidades do estado, na tentativa de traçar o perfil geossociolinguístico do falar amapaense por meio de um atlas linguístico pluridimensional.

É importante ressaltar que a metodologia utilizada para elaboração do atlas do Amapá, se deu com o aprimoramento da dialetologia e da geolinguística contemporânea, que diante dessa nova perspectiva pluridimensional da língua, podem ser acrescidos outras dimensões e parâmetros intra e extralinguísticos que antes não eram considerados. Assim, acredita-se que com as contribuições e avanços, mesmo que mínimas e graduais, para a ciência da linguagem, possamos um dia compreender a complexidade da língua, que vai além de seu aspecto estrutural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como toda área do conhecimento a Sociolinguística e a Dialetologia oferecem diferentes modelos teórico-metodológicos para a análise da variação e da mudança linguística. Nesse sentido, este trabalho buscou descrever a maneira como essas subáreas da linguística abordam a variação e a mudança e também como instrumentalizam suas análises. Concluímos que estes ramos da linguística são teoricamente coerentes e metodologicamente eficazes para a descrição das línguas, pois, eles concebem a linguagem como um instrumento de interação social, uma vez que, seu interesse de investigação linguística vai além da estrutura gramatical. A sociolinguística e a Dialetologia (pluridimensional) não pensam apenas a língua, mas consideram os

(24)

fatores sociais, culturais e históricos, buscando, além do contexto linguístico, a motivação para os fatos da língua.

REFERÊNCIAS

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Recebido Para Publicação em 22 de maio de 2016. Aprovado Para Publicação em 30 de agosto de 2016.

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