CONTROLE DA DENSIDADE DE DEFEITOS EM LiNbO3
PELA AÇÃO DE UMA ATMOSFERA ALTAMENTE OXIDANTE
C. C. Escudeiro, V. Bouquet, E. R. Leite, E. Longo, J. A. Varela*
Dept. de Química - LIEC, UFSCar, Caixa Postal 676, 13 565-905 São Carlos - SP, Brasil * Instituto de Química, UNESP, Caixa postal 355, 14884-970 Araraquara - SP, Brasil
RESUMO
O método dos precursores poliméricos (Pechini) foi utilizado para preparar pós e filmes finos de LiNbO3. Este composto vem sendo sintetizado por métodos físicos altamente
sofisticados e custosos e com baixa reprodutividade quanto ao crescimento epitaxial. Para eliminar a alta densidade de defeitos (vacâncias do O2) dos filmes e do pó, foram efetuados
tratamentos térmicos em atmosfera de O2. Este tratamento decompõe o material orgânico e
promove uma síntese com baixa densidade de defeitos. Substratos de safira orientados (001) foram utilizados para deposição dos filmes. Antes da deposição, realizada por "dip coating", alguns dos substratos foram tratados termicamente sob atmosfera ambiente e sob fluxo de O2.
A difração de raios-X mostrou que os filmes tratados sob ar e sob fluxo de O2 se apresentaram
altamente orientados. A influência do O2 é marcante na microestrutura dos filmes e está ligada
ao crescimento dos grãos, como revelaram as análises dos pós por BET. O pré-tratamento do substrato influenciou o tipo de crescimento, devido a uma reestruturação da superfície como mostrou o estudo por Microscopia de Força Atômica.
PALAVRAS-CHAVE: niobato de lítio, Pechini, filmes finos, crescimento epitaxial
ABSTRACT
The polymeric precursor method (Pechini) was used to prepare LiNbO3 powders and
thin films. Highly sophisticated physical methods were already used to prepare this material but are expensive techniques with low reproducibility for the epitaxial growth. In order to
eliminate the high density of defects (O2 vacancies) in films and powders, heat treatments
under O2 flow were performed. This type of heat treatment decomposes the organic material
and promotes a synthesis with low density of defects. Oriented (001) sapphire substrates were used for thin film deposition. Before the deposition, performed by "dip coating", some substrates were heat treated under air or oxygen flow. The X-ray diffraction showed that the films treated under air or oxygen flow were highly oriented. The oxygen flow strongly influenced the film microstructure and is connected to grain growth, as revealed the powder BET analyses. The pre-treatment of the substrate influenced the nature of the growth (random or oriented growth) due to a surface restructuring as showed the study by Atomic Force Microscopy.
KEYWORDS: lithium niobate, Pechini, thin films, epitaxial growth
1. INTRODUÇÃO
O niobato de lítio apresenta propriedades eletroópticas e piezoelétricas interessantes [1]. Por isso, esse material ferroelétrico é um bom candidato para a fabricação de vários dispositivos óticos e acústicos tais como guias de onda, moduladores de fase, moduladores de amplitude e filtros acústicos [2]. Para as aplicações, os filmes finos são cada vez mais requeridos porque permitem a miniaturização e a integração dos dispositivos.
Neste trabalho, o niobato de lítio foi preparado por método químico, baseado no processo Pechini [3]. Este consiste na polimerização de citratos metálicos, utilizando-se o ácido cítrico para quelar os cátions numa solução aquosa. A adição ulterior do etilenoglicol leva à formação de um éster, e a polimerização, promovida pelo aquecimento da mistura, resulta em uma resina homogênea na qual os íons metálicos são uniformemente distribuídos na matriz orgânica. A partir desta resina (mistura dos precursores poliméricos) podem ser preparados pós bem como soluções de deposição para obtenção de filmes [4,5].
O objetivo deste trabalho foi estudar a influência de um pré-tratamento do substrato antes da deposição e a influência da atmosfera utilizada durante o tratamento térmico dos filmes precursores sobre as características estruturais e microestruturais dos filmes finais.
2. EXPERIMENTAL
- Preparação da resina
A Figura 1 resume o procedimento de obtenção da solução de deposição e do pó de LiNbO3. Preparou-se separadamente uma solução de citrato de lítio e uma solução de citrato
de nióbio. A quantidade de ácido cítrico foi determinada pela razão molar (AC:metal) e foi fixada a (3:1). As soluções foram aquecidas a T ~ 80 ºC e agitadas até a dissolução total dos reagentes e obtenção de soluções bem transparentes. As duas soluções cítricas foram, depois, misturadas (a T~80 ºC sob agitação magnética). O etilenoglicol, cuja quantidade foi determinada pela razão (AC:EG) igual a 40:60 (em massa), foi adicionado só no final do processo. A mistura obtida foi, depois, aquecida a T ~ 90 – 110 ºC. A partir dessa mistura de
precursores poliméricos, foi preparada uma solução de deposição e pós de LiNbO3. Para
obtenção dos pós, uma parte da resina foi tratada a 300 ºC durante 4 horas (obtenção do carvão) seguido de um tratamento térmico variando de 400 ºC a 650 ºC por 1 hora sob ar ou sob fluxo de O2. A solução de deposição foi obtida com ajuste da viscosidade da resina
restante adicionando uma quantidade controlada de água (viscosidade ajustada a 10 cP).
Figura 1: Fluxograma da preparação do pó e da solução de deposição pelo método dos precursores poliméricos.
H2O + ácido cítrico + Li2CO3 (80ºC) H2O + ácido cítrico +Nb(OH)5(80ºC) Mistura Resina Etilenoglicol Secagem a 90 - 100ºC Pó Solução de deposição Tratamento térmico Ajuste da viscosidade
- Preparação dos filmes
Foram utilizados substratos de safira orientados (001) pré-tratados ou não, antes da deposição, a 1000 ºC durante 4h em ar ou sob fluxo de O2. Os filmes precursores, depositados
por dip coating, foram tratados a 300 ºC -4h + 550 ºC - 1h sob ar ou sob fluxo de O2.
-Técnicas de caracterização
As caracterizações estruturais foram realizadas por Difração de Raios X (DRX) usando a configuração " θ-2θ ". No caso de filmes orientados, foram realizados "rocking curves" em torno do pico (006) do LiNbO3. O valor FWHM (largura a meia altura do pico) foi
determinado por ajuste das curvas usando uma aproximação gaussiana. A morfologia de superfície foi estudada por Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) e Microscopia de
Força Atômica (AFM). A rugosidade RRMS, calculada matematicamente pela média
geométrica (RMS = "Root mean Square"), foi determinada para áreas de 1µm x 1µm. As propriedades ópticas dos filmes foram estudadas por espectrofotometria no UV-visível e por elipsometria. O tamanho dos grãos dos pós obtidos após os diferentes tratamentos térmicos foi calculado a partir da área superficial determinada por B.E.T. (Brunauern S., Emmett P.H. & Teller E - Adsorption of gases in multimolecular layer).
3. RESULTADOS
3.1 Influência da superfície do substrato
A Figura 2 ilustra os difratogramas DRX dos filmes depositados sobre substratos pré-tratados ou não antes da deposição.
Substrato Filme (006) LiNbO3 (006) Al2O3 (012) (104) (110) (b) (a)
Pode ser observado que o filme depositado sobre o substrato pré-tratado se apresenta policristalino (todos os picos característicos do LiNbO3 são observados) enquanto a outra
amostra apresenta uma orientação preferencial segundo o eixo C (apenas o pico 006 do
LiNbO3 foi observado). Para tentar explicar esses resultados, foi observado por AFM a
superfície de substratos antes e depois de tratamentos a 1000o C -4h sob ar ou sob fluxo de O2.
Foi observada a presença de estrias ordenadas para os substratos não tratados como mostra a Figura 3a. Essas estrias podem ser características de substratos vicinais [6]. Após tratamento, as estrias foram atenuadas (no caso de um tratamento sob O2) ou desapareceram (no caso de
um tratamento sob ar) devido a uma reestruturação da superfície para reduzir a energia da mesma durante o tratamento térmico (Figura 3b). Como o desacordo de rede entre o niobato de lítio e a safira é relativamente grande (8%), o filme pode se orientar na mesma direção que o substrato apenas por ancoragem sobre os defeitos do substrato. Portanto, o desaparecimento de estrias, devido à reestruturação de superfície, levou a obtenção de filmes policristalinos.
a)
b)
3.2. Influência da atmosfera usada durante o tratamento térmico dos filmes
Os filmes precursores tratados termicamente sob ar ou sob fluxo de O2 e que foram
depositados sobre substratos não pré-tratados antes da deposição, apresentaram um crescimento orientado segundo o eixo C. Por outro lado, o tipo de atmosfera influenciou a microestrutura dos filmes, como mostra a Figura 4. O filme tratado sob fluxo de oxigênio apresentou uma microestrutura mais densa e com uma superfície mais lisa (Figura 5).
a) b)
Figura 4: Micrografias de MEV obtidos para os filmes tratados (a) sob ar (b) sob O2
a) b)
(a) RRMS = 2,10 nm (b) RRMS = 1,38 nm
Figura 5: Imagens de AFM obtidos para os filmes tratados (a) sob ar e (b) sob O2
430nm 430nm
3.3. Estudo do tamanho do grão dos pós
Para entender melhor a influência de uma atmosfera altamente oxidante na microestrutura dos filmes, foi calculado o tamanho dos grãos dos diferentes pós a partir da área superficial (determinada por BET) e da equação (1):
D BET = 6 (1)
ρLiNbO3• SBET
D BET : Tamanho do grão (cm)
ρLiNbO3: Densidade do material (g/cm3)
SBET : Área de superfície do grão (cm2/g)
Pela análise da Figura 6, observou-se que o tamanho do grão é menor, no intervalo de temperatura entre 400 à 450 ºC, quando o pó é tratado sob atmosfera de oxigênio do que sob atmosfera ambiente. Isto se deve ao fato de que, no respectivo intervalo de temperatura, o oxigênio ajudou a eliminar mais rapidamente o material orgânico. Nota-se que os pós obtidos para esses tratamentos se apresentaram amorfos. A partir de 450 ºC, para qual a fase de LiNbO3 já está cristalina, o tamanho do grão do pó tratado sob fluxo de O2 apresentou-se
maior do que o do pó tratado sob atmosfera ambiente. A atmosfera altamente oxidante poderia diminuir o número de defeitos na superfície do grão, o que facilita o crescimento do mesmo. No caso de um filme, a diminuição de defeitos na superfície dos grãos, devido ao uso de uma atmosfera oxidante, pode levar a uma microestrutura final mais densa.
Figura 6: Tamanho de partículas do pó tratado a diferentes temperaturas sob ar ou sob fluxo de O2
4 00 4 50 5 00 5 50 6 00 6 50 0 1 00 2 00 3 00 4 00 5 00 tratado sob ar tratado sob O2 T a m anho dos g rãos ( n m )
Finalmente, os filmes tratados sob fluxo de O2 e depositados sobre substratos não
pré-tratados antes da deposição apresentaram uma orientação segundo o eixo C de alta qualidade como mostrou o "rocking curve" realizado em torno do pico (006) do LiNbO3 (Figura 7).
Figura 7: "Rocking curve" em torno do pico (006) do LiNbO3
O pico muito fino com FWHM = 0.08º revela um alto grau de orientação. Nota-se que este valor está de acordo com os valores da literatura [7,8]. Por outro lado, pode ser observado que o "rocking curve" apresenta uma base larga, revelando a existência de uma região mais distorcida que poderia ser localizada na interface filme-substrato, devido ao grande desacordo de rede (8%) entre o niobato de lítio e a safira.
Além da alta orientação, esses filmes apresentaram boas propriedades ópticas tais como uma alta transmissão (> 70%) na região 350-800 nm e um índice de refração próximo
ao do monocristal de LiNbO3 (n = 2.27), o que confirma que os filmes são densos,
homogêneos e estequiométricos [9,10].
4. CONCLUSÃO
Filmes finos de LiNbO3 foram preparados pelo método dos precursores poliméricos.
Um pré- tratamento do substrato de safira resultou na reestruturação da superfície que levou à obtenção de filmes policristalinos. O tratamento térmico dos filmes sob fluxo de O2 levou a
filmes mais densos e lisos do que filmes tratados sob ar, devido ao controle da densidade de defeitos dos mesmos. Filmes tratados sob fluxo de O2 e depositados sobre substratos não
pré-tratados antes da deposição apresentaram um crescimento orientado segundo o eixo C, uma
microestrutura densa e lisa (RRMS < 2nm), o que é importante para as aplicações, e
propriedades ópticas próximas do monocristal de LiNbO .
(006) LiNbO3
REFERÊNCIAS
[1] R.S. Weis, T.K. Gaylord, Appl. Phys. A37, 191 (1985)
[2] M.M. Abouelleil, F.G. Leonberger, J. Am. Ceram. Soc. 72 (8), 1311 (1989) [3] M.P. Pechini, U.S. patent 3,330,697 (1967)
[4] V. Bouquet, E. Longo, E.R. Leite, J.A. Varela, J. Mater. Res. 14 (7), 3115 (1999) [5] V. Bouquet, E.R. Leite, E. Longo, J.A. Varela, J. Eur. Ceram. Soc. 19, 1447 (1999) [6] M. Yoshimoto, T. Maeda, T. Ohnishi, H. Koinuma, O. Ishiyama, M. Shinohara, M. Kubo,
R. Miura, A. Miyamoto, Appl. Phys. Lett. 67 (18), 2615 (1995)
[7] K. Nashimoto, H. Moriyama, E. Osakabe, Jpn. J. Appl. Phys. 35, Part 1 (9B), 4936 (1996) [8] S.Y. Lee, R.S. Feigelson, J. Cryst. Growth 186, 594 (1998)
[9] N. H. Hur, Y. K. Park, D. H. Won, K. No, J. Mater. Res. 9 (4), 980 (1994) [10] S. Ono, S. Hirano, J. Am. Ceram. Soc. 80(10), 2533 (1997)
[11] S.Takada, M. Ohnishi, H. Hakawa, and N. Mikushiba, Appl. Phys. Lett. 24, 490 (1974) [12] N. Fujimura and T. Ito; J. Cryst. Growth, 115, 821 (1991)
[13] H. Tamada, A Yamada and M. Saitoh, J. Appl. Phys., 70 [5], 2536 (1991) [14] A. Yamada, H. Tamada, and M. Saitoh, J. Appl. Phys. Lett. 61(24), 2848 (1992) [15] A. Yamada, H. Tamada, and M. Saitoh, J. Cryst. Growth, 132, 48 (1993)
[16] D. K. Fork and G.A. Anderson, Appl., Phys. Lett, 63 (8), 1029 (1993)
[17] P. Aubert, G. Garry, R. Bisaru and J.G. Lopez, Appl. Surf. Science, 86, 144 (1995) [18] S. Hirano and K. Kato, Advanced Ceram. Mater. 3, 503 (1998)