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4. Os antibacilares e as suas principais reacções adversas

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Academic year: 2021

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1. Introdução

Ao longo dos anos, os progressos alcançados pela Medicina, no que à terapêutica diz respeito, possibilitou sucessos no tratamento de diversas patologias, nomeadamente no âmbito das doenças infecto-contagiosas.

No caso do tratamento da tuberculose, a maioria dos fármacos ainda hoje mais utilizados, e que continuam a ter uma grande eficácia, têm já algumas décadas de vida (o último dos grandes fármacos antituberculosos a ser descoberto, foi a rifampicina, em 1966). Neste caso, a melhoria do combate à doença tem-se centrado numa melhor cobertura sanitária, em que a identificação do maior número possivel de casos contagiosos e o seu tratamento correcto e atempado é um factor central.

O aumento de casos tratados leva, inexoravelmente, a um aumento de reacções adversas (RA) aos fármacos utilizados. Dadas as características do Mycobacterium tuberculosis, é necessário recorrer a um esquema de tratamento com múltiplos fármacos (cada um com potencial para provocar RA) e por um periodo de tempo alargado (igual ou superior a 6 meses); estes factores favorecem a possibilidade de aparecimento destas reacções, que se registam entre 6% e 8% dos casos.

2. Definição de reacção adversa a fármacos

Esta situação é definida como o aparecimento de qualquer efeito prejudicial e indesejável que ocorre nas doses habitualmente usadas no Homem, para a profilaxia, diagnóstico e tratamento de doenças, ou para a modificação de funções biológicas.

Desta definição, se infere a exclusão das reacções associadas a sobredosagem de fármacos.

3. O doente infectado pelo VIH

Nos doentes infectados pelo VIH, as RA à rifampicina, como, aliás, a outros fármacos metabolizados por N-acetilação (sulfamidas, dapsona, etc.), as RA são cerca de 10 vezes mais frequentes do que na população geral. A desregulação imunológica nestes doentes, nomeadamente o aumento policlonal nas imunoglobulinas séricas, favorece a formação de anticorpos específicos face aos haptenos. Por outro lado, os níveis reduzidos de glutatião hepático provocados pelas variadas terapêuticas profiláticas utilizadas nesta população, podem contribuir para este fenómeno, ao promoverem, como via de metabolização alternativa, a oxidação dos fármacos pelo citocromo p450. Os metabolitos oxidados apresentam maior ligação às proteínas séricas, facilitando o fenómeno de haptenização.

Nesta população, a incidência de RA cifra-se entre 18% e 44%. Num estudo recente efectuado na Serviço de Infecciologia Respiratória do Hospital de Pulido Valente, a rifampicina foi, efectivamente, o fármaco antituberculoso mais frequentemente implicado no aparecimento de RA no decurso do tratamento de tuberculose em doentes internados, independentemente do grau de imunossupressão, da apresentação clinica da tuberculose, e da presença, ou não, de patologia oportunística associada.

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Os fármacos utilizados para o tratamento da tuberculose, podem-se dividir em fármacos de 1ª

linha (mais eficazes e menos tóxicos) e de 2ª linha.

Descrevem-se, em seguida, as RA mais frequentemente observadas com os vários antibacilares.

4.1.

Antibacilares de 1ª linha

4.1.1. Isoniazida

A RA mais frequentemente observada é a neuropatia periférica, sensitiva, relacionada com o mecanismo de inibição competitiva da piridoxina, pela isoniazida. Surge em cerca de 2% dos casos, sendo mais frequente nas grávidas, alcoólicos, diabéticos, desnutridos e nos acetiladores lentos. Previne-se administrando piridoxina (10 a 40 mg/dia).

A hepatotoxicidade pode aparecer em até 3% dos casos, em virtude do efeito do metabolito da isoniazida, a acetil-hidrazida, que é hepatotóxico. A incidência desta RA está relacionada com a idade, sendo de 0.35% até aos 35 anos, e atingindo os 3% acima dos 50 anos de idade. É também mais frequente nos alcoólicos e nos doentes com hepatopatia prévia. Esta RA é potenciada pela rifampicina, pois esta é um potente indutor enzimático, acelerando a conversão da isoniazida no seu metabolito tóxico.

A interrupção da isoniazida deve ser efectuada se surgir sintomatologia de hepatite ou se as transaminases aumentarem mais do que 5 vezes o normal. De referir que, em cerca de 1/4 dos doentes, observa-se uma elevação ligeira , inicial e transitória das transaminases, que não deve levar à suspensão do fármaco, e que representa a resposta de adaptação aos metabolitos tóxicos deste antibacilar.

Outra RA frequente é a reacção cutânea de hipersensibilidade, que ocorre em cerca de 2% dos casos. em geral sob a forma de eritema generalizado ou exantema maculopapular.

4.1.2. Rifampicina

Apresenta uma incidência de RA perto dos 5% dos casos, com maior frequência nos doentes infectados pelo VIH. As RA mais observadas são a intolerância gástrica (azia, náuseas, vómitos, epigastralgias). Nos doentes sujeitos a esquemas intermitentes (bi ou trissemanal, actualmente não utilizados em Portugal), pode aparecer um quadro pseudogripal, após alguns meses de tratamento.

A hepatotoxicidade é mais frequente com a associação com a isoniazida, como atrás se referiu.

Outras RA frequentes incluem as erupções cutâneas, maculopapulares e pruriginosas.

Raramente, podem ocorrer alterações hematológicas (anemia hemolítica, leucopénia, púrpura) e renais (necrose tubular aguda) que obrigam à suspensão definitiva do fármaco.

4.1.3. Pirazinamida

A RA mais observada é a presença de hiperuricémia, fenómeno praticamente universal, e secundário à inibição que este fármaco provoca na excreção de uratos. É, em geral, assintomática, e não necessita de tratamento.

A hepatotoxicidade é potenciada pela associação isoniazida/rifampicina. Deve ser administrada com muito cuidado nos doente com hepatopatia alcoólica ou outra.

Os doentes diabéticos podem experimentar uma maior dificuldade no controle das

glicémias.

A erupção cutânea é igualmente frequente, com clínica semelhante à provocada pelos antibacilares já descritos.

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A RA mais temida é a nevrite óptica, mais frequentemente observada quando se utilizam doses elevadas (3% dos casos com doses superiores a 25 mg/Kg peso). A 1ª manifestação é uma alteração na acuidade cromática, com dificuldade na percepção do verde/vermelho e que evolui, se não se suspende o fármaco, para a cegueira. Por esta razão, é mandatório um inquérito oftalmológico no início do tratamento. Dada a impossibilidade de cooperarem neste inquérito, não se deve administrar este fármaco nas 1ª e 2ª infâncias.

4.1.5. Estreptomicina

A ototoxicidade é frequente quando se administra uma dose total superior a 90 gramas, ao longo do tratamento. É provocada pela lesão do 8º par craniano. a lesão vestibular é mais frequente e precoce do que a coclear, manifestando-se por um quadro de zumbidos e vertigens. Esta situação é facilitada nos doentes idosos, nos desidratados e nos doentes com insuficiência renal crónica. É devido ao grande potencial de ototoxicidade no feto, que este fármaco está contraindicado na gravidez.

A estreptomicina apresenta também um assinalável risco de nefrotoxicidade, que pode manifestar-se por lesão tubular proximal, com proteinúria e cilindrúria. Deve ser usada com muita precaução em doentes insuficientes renais.

4.2. Antibacilares de 2ª linha

4.2.1. Canamicina, amicacina, capreomicina

Apresentam RA em todo semelhantes à estreptomicina.

4.2.2. Etionamida

A RA mais frequentes é a intolerância gástrica (náuseas, vómitos) devido ao intenso sabor sulfuroso deste fármaco, principal responsável pelo abandono da terapêutica.

Pode também provocar alterações do sistema nervoso central (SNC) (diplopia, vertigens, cefaleias, alucinações, depressão, etc.).

A hipoglicémia é rara mas pode ser grave, pelo que há que ter especial cuidado com a sua utilização nos doentes diabéticos.

Pode também surgir hepatotoxicidade (1a 2% dos casos), sendo mais frequente nos doentes alcoólicos ou com hepatopatia prévia.

4.2.3. Ofloxacina/ciprofloxacina

Também no caso das quinolonas, é a intolerância gástrica (náuseas, vómitos) a RA mais frequente (5% dos casos).

Em 1% a 3% das situações, podem ocorrer alterações neurológicas (vertigens, cefaleias, etc.)

As erupções cutâneas podem também ocorrer.

Pelo seu potencial em lesar as cartilagens, as quinolonas não devem ser administradas antes dos 16-18 anos de idade.

4.2.4. Cicloserina

As RA mais observadas com este medicamento, são as alterações neurológicas, com o aparecimento de cefaleias, tremores, letargia e, até, convulsões. Pode também provocar alterações

psiquiátricas, como o aparecimento ou o agravamento de psicoses, com tendências suicidas, em

especial em doentes com antecedentes psiquiátricos, nos quais a sua utilização deve ser extremamente cautelosa, evitando-se a sua utilização, se possível, em doentes epilépticos e

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alcoólicos. A piridoxina, na dose de 100 mg/dia, parece diminuir a incidência destas alterações neuropsiquiátricas.

4.2.5. PAS

Até 1/3 dos doentes submetidos a este fármaco podem registar RA. As mais frequentemente observadas são as alterações gastrointestinais (náuseas, vómitos, diarreia). Pode também registar-se o aparecimento de hepatotoxicidade e de reacções cutâneas de hiperregistar-sensibilidade.

4.2.6. Tiacetazona

Não utilizada em Portugal, é aqui mencionada pelo facto de estar expressamente

contraindicada nos doentes infectados pelo VIH, já que foi responsável pelo aparecimento de

vários casos de síndroma de Steven-Johnson nesta população.

5. Abordagem das reacções adversas aos antibacilares

Para um melhor controle das RA. é necessário:

Educar o doente, para que este tenha conhecimento das eventuais RA que possam sobrevir, e

saiba quais a s atitudes a tomar perante elas. Observação clínica periódica do doente.

Monitorização laboratorial frequente, em especial a avaliação da função hepática, com maior

premência nos dois primeiros meses de tratamento, altura em que se verificam a maior parte das reacções de hepatotoxicidade.

A OMS sugere a seguinte abordagem das RA aos antibacilares (tabela I):

TABELA I

Controle das RA aos antibacilares(de 1ª linha), baseado na sintomatologia (*)

Reacções adversas Responsável Atitude a tomar

Manifestações gastrointestinais Rifampicina Etambutol

Administrar após as refeições ou antes de deitar Artralgias Pirazinamida Ácido acetil salicílico Sensação de queimadura nos pés Isiniazida Piridoxina (100-200 mg/dia) Coloração alaranjada dos fluidos

orgânicos Rifampicina Não alterar

Prurido/Exantema Todos, sobretudo aminoglicosídeos Suspender até desaparecimento dos sintomas. Reintrodução sequencial. Diminuição da audição Estreptomicina Suspender

Vertigens/Nistagmo Estreptomicina Suspender

Icterícia Todos, excepto Estreptomicina e Etambutol

Suspender até desaparecimento dos sintomas. Reintrodução sequencial. Vómitos, confusão (suspeita de

hepatite)

Todos, excepto Estreptomicina e Etambutol

Testes de função hepática. Suspender até desaparecimento dos sintomas. Reintrodução sequencial, se hepatite.

Perturbações visuais Etambutol Suspender

Perturbações gerais, incluindo choque e púrpura

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Manifestações hematológicas Rifampicina Suspender Manifestações renais Rifampicina

Estreptomicina

Suspender

Gota Pirazinamida Alopurinol

Ácido acetil salicílico (*) Adaptado de WHO/TB/97

Na prática clinica, a RA mais frequente com que nos deparamos é a intolerância gástrica, em geral resolvida com a introdução de antieméticos e/ou de moduladores da secreção gástrica ou, mais raramente, tendo que recorrer a uma posologia repartida após as refeições.

• No entanto, as RA que mais frequentemente nos põem maiores problemas e nos obrigam à suspensão dos esquemas terapêuticos, são, sem dúvida, as reacções cutâneas de hipersensibilidade eas hepáticas. Só após o desaparecimento da sintomatologia, é lícito tentar a reintrodução dos antibacilares, que é feita de maneira sequencial e progressiva, nas duas situações, como adiante se mostra (Tabelas II e III):

TABELA II

Esquema de reintrodução de antibacilares após reacção cutânea de hipersensibilidade (*)

Fármaco Suspeição 1º dia 2º dia 3º dia

ISONIAZIDA Menos provável 50 mg 300 mg 300 mg

RIFAMPICINA 75 mg 300 mg dose total

PIRAZINAMIDA 250 mg 1 g dose total

ETIONAMIDA 125 mg 375 mg dose total

CICLOSERINA 125 mg 250 mg dose total

ETAMBUTOL 100 mg 500 mg dose total

PAS 1 g 5 g dose total

ESTREPTOMICINA/ AMINOGLICOSÍDEOS

Mais provável 125 mg 500 mg dose total (*) Adaptado de Girling

TABELA III

Esquema de reintrodução de antibacilares após reacção hepática (*)

Fármaco 1º dia 4º dia 7º dia

ISONIAZIDA 50 mg 300 mg

RIFAMPICINA 75 mg 300 mg dose total

PIRAZINAMIDA 250 mg 1 g dose total

(*) Adaptado de BTS Guidelines-98

6. Conclusões

• Em virtude da necessidade de se terem de efectuar esquemas terapêuticos com múltiplos fármacos para um correcto tratamento da tuberculose. o aparecimento de reacções adversas é frequente (6% a 8%).

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• Nos doentes infectados pelo VIH que cumprem esquemas de tratamento antituberculoso, a incidência de RA aumenta grandemente (18% a 44%).

• É fundamental um conhecimento das principais RA, tanto do médico como do doente, afim de se assistir a uma correcta abordagem destas reacções.

• As monitorizações clinica e laboratorial periódicas são uma prática recomendada para um reconhecimento atempado destas situações.

• Das reacções adversas potencialmente graves, as cutâneas e as hepáticas são as mais frequentes, obrigando à suspensão dos antibacilares até ao desaparecimento da RA e, posteriormente, a uma reintrodução sequencial e progressiva do esquema terapêutico.

Referências

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