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A materialidade do trabalho religioso: um estudo sobre o neopentecostalismo da Igreja Bola de Neve

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Academic year: 2021

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UNESP

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP

MANUELA LOWENTHAL FERREIRA

A materialidade do trabalho religioso: um estudo sobre o

neopentecostalismo da Igreja Bola de Neve

ARARAQUARA – SP 2016

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MANUELA LOWENTHAL FERREIRA

A materialidade do trabalho religioso: um estudo sobre o

neopentecostalismo da Igreja Bola de Neve

Defesa de Mestrado apresentado ao Programa Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras - UNESP/Araraquara.

Linha de pesquisa: Trabalho e Movimentos Sociais

Orientador: Maria Orlanda Pinassi

ARARAQUARA – SP 2016

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FOLHADEAPROVAÇÂO

Data da defesa: ____/____/____

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Orientador: Maria Orlanda Pinassi - LD

Universidade Estadual de São Paulo

André Ricardo Souza – Pós-Dr.

Universidade Federal de São Carlos

Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho- Dr.

USP

Local: Universidade Estadual Paulista

Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara

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AGRADECIMENTOS

A elaboração desta dissertação, embora tenha exigido grande tempo de trabalho solitário, dependeu também da ajuda de muitas pessoas importantes, sem as quais esta atividade teria sido mais exaustiva e minha vida teria sido menos leve e feliz.

Agradeço imensamente à minha família pelo apoio emocional, pelo incentivo constante, pela ausência de desconfiança no meu trabalho e por sempre acreditarem em mim, assim como pela ajuda financeira. Em especial à minha mãe, pessoa a qual me influenciou muito em relação ao interesse pela área de ciências humanas, pelo amor aos livros e ao trabalho intelectual. E a meu pai por me fazer uma pessoa reflexiva acerca do mundo, da vida e da religião.

Agradeço aos meus amigos e companheiro, que sempre foram muito compreensivos em relação à importância acadêmica e pessoal deste trabalho, sempre me ajudando no que fosse possível.

À Professora Maria Orlanda, que me acolheu como orientanda em meio a um Mestrado conturbado. Ao professor André Ricardo que me inspirou imensamente com sua visão sensível e atenta sobre a Sociologia da Religião. À Edu, pelo apoio e incentivo no estudo da igreja Bola de Neve, também por seus ótimos artigos que me proporcionaram uma perspectiva desconstruída acerca do tema.

E a todos que participaram deste período e contribuíram, mesmo que indiretamente, para a realização deste trabalho.

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“A ciência sem a religião é manca, religião sem a ciência é cega”.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 5

CAPÍTULO 1 – (NEO) PENTECOSTALISMO E A IGREJA BOLA DE NEVE... 18

1.1 O “Neo” Pentecostalismo ... 23

1.2 Doutrina neopentecostal ... 31

1.3 A igreja Bola de Neve ... 35

CAPÍTULO 2 – A RACIONALIZAÇÃO DA FÉ E O MERCADO ... 53

2.1 A religião e a vida material... 56

2.2 A racionalização da religião e o retorno ao sagrado ... 64

2.3 Função e Forma do Trabalho religioso no capitalismo atual...70

2.4 Trabalho Manual e Intelectual...72

2.5 Discussão ... 74

2.6 Trabalho Improdutivo e Trabalho Produtivo ... 81

CAPÍTULO 3- O TRABALHO RELIGIOSO ... 85

3.1 A burocracia do trabalho religioso e a Constituição ... 85

3.2 Religião, religiosidade, instituição e jurisprudência ... 93

3.3 A institucionalização do sagrado ... 108

3.4 A teoria da escolha racional e o novo paradigma da religião ... 113

CONCLUSÃO ... 119

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RESUMO

Este estudo busca compreender como é realizado o trabalho religioso no interior da igreja neopentecostal Bola de Neve, gerando um discurso que se desenvolve com base em uma determinada reprodução ideológica, a qual se materializa e se insere na cadeia produtiva. Dessa forma, a pesquisa busca caracterizar este trabalho, identificando como esta atividade e doutrina se articulam com a vida e os valores do modo de produção capitalistas, a partir da análise do discurso da Teologia da Prosperidade.

Palavras-Chave: Discurso – Neopentecostalismo – Igreja Bola de Neve - Trabalho

religioso.

ABSTRACT

This study seeks to understand how religious work is done within the Pentecostal church Bola de Neve (Snow Ball Church), generating a discourse that is developed based on a particular ideological reproduction, which materializes and it is included in the production chain. Thus, the research seeks to characterize this work by identifying how this activity and doctrine are linked with life and capitalist values, from the discourse analysis of the Prosperity Theology.

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa consiste na investigação sobre como o discurso religioso gerado no interior das igrejas neopentecostais se pauta em uma determinada reprodução ideológica, a qual se materializa através da produção imaterial do trabalho executado dentro das Instituições neopentecostais. A partir da investigação do discurso ideológico religioso, busca-se identificar como se articula tal extensão de doutrinas metafísicas religiosas minuciosamente detalhadas até o campo prático-social, compreendendo o cotidiano como espaço na qual os fiéis dessas igrejas adaptam o comportamento às práticas cotidianas, racionalizando e naturalizando as contradições e circunstâncias e reproduzindo a ideologia dominante. Outro nível desta reflexão se faz em como a ideologia especificamente religiosa é em si mesma material, e não apenas reflexo da realidade, mas parte integral dela. Parte imprescindível deste estudo consiste também na análise reflexiva acerca da nova forma de experienciar o sagrado na atual sociedade, assim como as possíveis compreensões de uma nova configuração da religião a partir de diversos estímulos em uma sociedade de caráter estritamente consumista e mercadológico, pautado por imagens e pela imediaticidade das relações, constituindo um circuito específico de circulação de bens materiais e símbolos mediados pelo dinheiro.

É necessário identificar como tais elementos são ligados para formar processos discursivos em relação a um contexto ideológico, e como o discurso oculta as estruturas colocadas, assim como o poder é inserido na linguagem de modo a obscurecer a agência concreta de um evento social, de maneira conveniente aos interesses ideológicos dominantes. A ideologia pode forjar representações em um discurso que é recebido como natural e inevitável, pois os interesses particulares, em última instância, apresentam um vínculo orgânico com aquilo que se relacionam, e tem vínculo direto com o processo pelo qual os interesses de determinados tipos são ocultados, racionalizados, universalizados, legitimados em nome do poder político e da manutenção da ordem social. No caso das igrejas neopentecostais, o discurso reproduzido no interior de seus templos se articula a partir da apropriação da experiência do sujeito para atingir um nível de consciência prática, construindo uma identidade comum entre os frequentadores, porém retirando todo impulso coletivo social e a concepção de construção da história. A transformação

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atribuída ao sujeito individual e à sua fé, gera “tipos ideais” artificialmente construídos e não sujeitos coletivos reais. A pesquisa se atenta à “Teologia da Prosperidade”, e ao discurso que incentiva o sucesso material através da fé e da devoção. Nesse sentido, o dinheiro adquire importante papel mediador nas práticas religiosas neopentecostais.

O trabalho em questão fornece um serviço espiritual em troca de uma quantia de dinheiro que se transmuta na forma de dízimo, este trabalho não produz nenhum objeto quantificável, porém incorpora posicionamentos que transcendem a crença religiosa, se materializando em práticas cotidianas. De alguma forma o discurso religioso apresenta uma força que reproduz e reforça a ordem da estrutura social e da divisão do trabalho, tendo sua existência fora da objetividade que a criou.

Para desenvolver tal investigação, foi necessário se precaver em não perder a dimensão sócio-histórica e socioeconômica do período específico, assim como situar o tema dentro dos principais movimentos políticos e suas necessidades ideológicas e intelectuais, além de compreendê-lo entre as teorias e práticas científicas da área, e as filosofias referentes à sua função reguladora no complexo das atividades humanas. Sendo também necessário identificar o objeto em seu ambiente teórico e histórico, para que se possa apontar as determinações materiais e culturais que existem em suas raízes, juntamente com suas consequências práticas para o futuro, da construção do qual a ideologia tem um importante papel a desempenhar. Pois sem reconhecer a determinação das ideologias por sua época, a estrutura permanecerá ininteligível.

A partir do levantamento histórico do desenvolvimento das Instituições neopentecostais no Brasil, juntamente a uma análise teórica e crítica acerca do tema, busco aqui identificar o caráter e a estrutura interna das concepções, e assim compreender o momento histórico atual e os fenômenos que manifestam a produção e a reprodução da realidade das estruturas sociais, mostrando a partir disso, os interesses que movem as relações concretas entre os homens, e entre os homens e o mundo em que habitam. Parte do procedimento metodológico consiste também na análise discursiva através da pesquisa de campo atuante no interior do templo neopentecostais Bola de Neve da cidade de Araraquara-SP, a fim de coletar elementos que serão posteriormente estudados teoricamente, e utilizados para a conclusão deste estudo.

Considerando que o trabalho religioso utiliza meios para obter uma finalidade: através de estratégias e técnicas bem desenvolvidas, visando a atração dos fiéis e o recolhimento do dízimo para a manutenção e sustento da instituição, é de fato, uma

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atividade que exige dispêndio de energia, força física e mental. Sendo assim necessário o questionamento sobre “qual mercadoria esse trabalho produz?” Nesse sentido, seria possível quantificar/calcular exatamente o valor embutido e agregado a esta mercadoria? Essas foram as perguntas que nortearam inicialmente a pesquisa, porém, tais questionamentos tomaram outra direção no decorrer do estudo.

Com base no levantamento teórico acerca da nova Sociologia da Religião, relacionando-a a Sociologia do Trabalho, juntamente com a pesquisa de campo, foi observado que a questão central se volta sobre a caracterização do trabalho religioso e sua dimensão prática: o produto final é a reprodução das estruturas sociais vigentes e o reforço de determinado sistema de símbolos e significados que permitem certo estilo de vida, visão de mundo e modos de agir e pensar coerentes com a lógica de mercado e ideologia de consumo. A análise foi realizada com o devido cuidado de não a reduzir a uma teoria economicista do capitalismo, e vinculando-o a uma dinâmica e efervescência cultural na qual a atividade religiosa compõe.

Tais conclusões nos fornecem elementos para problematizar a força material que a Igreja Bola de Neve apresenta, utilizando o caso para compreender questões mais abrangentes sobre a nova função e forma da igreja em nossa sociedade e a sua relação com as demais esferas do complexo social. Foi proposto:

1) Analisar o trabalho religioso, seu caráter, sua estrutura, organização interna e o discurso da Igreja Bola de Neve, unidade de Araraquara-SP, identificando a atividade realizada nesta instituição, a fim de compreender como este trabalho atinge a dimensão prática da vida dos frequentadores, quais são seus interesses particulares e de grupos e sua relação com a lógica mercantil, com o âmbito econômico e as motivações mobilizadas.

2) Entender como o trabalho religioso é visto pela constituição enquanto uma atividade que não gera nenhum produto material, porém, se articula com o modo de produção capitalista, participando de um mercado religioso.

Considerando, portanto, que a religião é um fenômeno social estudado como fato histórico no sentido de que é examinado como momento social específico de um determinado contexto. Exerce assim uma dupla função de definir a si mesmo e ao mesmo tempo definir esse todo. Nesse sentido, é possível entender a religião como um momento específico de uma dada circunstância real, viabilizada através das

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manifestações empíricas e atuantes cujas instituições religiosas exercem. A religião enquanto conservação e permanência não é interessante à sociologia, mas sim a religião em transformação, como possibilidade de ruptura em todo o seu processo de interação à vida “profana”, ao sistema econômico e em seu aspecto de mudança cultural e ideológica.

A forma de vida capitalista denominada como neoliberal se transmuta para além da esfera econômica, afetando diretamente o modo de vida das pessoas e transformando tudo em mercadoria, onde qualquer indivíduo pode facilmente adquirir por meio da troca. A partir do momento em que a religião se intelectualizou, com técnicas próprias de manutenção, se racionalizando e criando um corpo especializado na gestão dos bens de salvação, passou a ser recompensada e a gerar ao seu redor um espaço de disputa. Isto só demonstra que a religião vem se fortalecendo a cada ano, contrariando o que muitos autores das Ciências Sociais e alguns intelectuais que observavam a modernidade afirmavam: a religião tendia a acabar diante do avanço científico/tecnológico e o nível de complexificação social. O que ocorreu, foi exatamente o contrário, o sagrado voltou a desempenhar um papel dominante na vida das pessoas, sendo também uma necessidade moral.

A partir disto, será utilizada a concepção de que este fenômeno é fruto da história materialista que herdamos. Considera-se aqui que a religião é uma forma de ideologia, uma realidade social e histórica, a qual faz parte da produção espiritual de um povo, incluindo a produção de ideias, consciência e representação, que são em sua essência condicionadas por uma produção material, provinda das relações sociais.

Portanto, não haveria de ser diferente, uma religião que se tornou tão adepta desta sociedade, não estar vinculada a uma produção material e mercadológica, porém, a questão primordial deste estudo se pauta em compreender como se procede a atividade realizada no interior da instituição neopentecostal e como ela se insere na sociedade e principalmente de que forma a força simbólica se materializa a partir dos interesses de alguns grupos. Considerando que o âmbito simbólico é necessário e primordial para se manter a esfera material, observa-se uma correlação entre as estruturas sociais e as estruturas de pensamento, na qual é estabelecida através de sistemas simbólicos, e a religião é um dos principais e mais eficazes meios de manutenção da realidade, sendo um dos aparelhos de produção simbólica institucionalizados.

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A pesquisa busca identificar a categoria de “organização do trabalho” no interior da Igreja Neopentecostal Bola de Neve, unidade de Araraquara-SP. A partir da abordagem de uma organização social complexa que implica um processo de trabalho, relações de trabalho e método de gestão com seus elementos específicos. Nesse caso, é utilizado o conceito de “trabalho” num sentido geral colocado principalmente por Karl Marx (2008): “trabalho” é toda ação, processo ou atividade social organizada que media, regula e controla o metabolismo do homem com a natureza. Será utilizada também a perspectiva de Pierre Bourdieu (2007), a qual considera a religião como uma esfera que se tornou relativamente independente das outras esferas, porém que mantém vínculos particulares, instaurando-se um campo religioso com estruturas e relações que funcionam através de profissionais especializados em virtude de uma eficácia simbólica que tem condições econômicas como linhas condutoras.

No caso das organizações religiosas, trata-se da mediação, regulação e controle da segunda natureza, isto é, a natureza histórica e cultural. Para Hegel, a segunda natureza é tudo aquilo que o espírito objetivo enquanto homem põe por meio de sua própria criação. Portanto, a cultura, as instituições, o direito e a história não são da ordem da natureza física, estática, mas do Espírito ativo que busca seu aperfeiçoamento no tempo (HEGEL, 2001). Por isso, o “trabalho da fé” executado nas igrejas como organizações sociais complexas é o trabalho que faz a mediação, controle e regulação do homem com a sua natureza espiritual. Uma vez que a cultura só existe efetivamente sob a forma de símbolos e seus respectivos significados, e de onde provém sua eficácia própria, a percepção dessa realidade construída que a cultura produz e abrange, está dissociada de sua função política e de interesses particulares.

Nesse sentido, o presente estudo vincula o fenômeno do mercado de novas agências religiosas com o desenvolvimento de setores que envolvem trabalhos não materiais e que expõe o alto nível de desenvolvimento da sociabilidade humana, na qual derivam tais formas de trabalho que fogem daquelas típicas e convencionais e criam a necessidade de reformulações e a reexaminação de teorias que exigem novas interpretações, além da exigência de uma nova percepção em relação ao sagrado e sua experiência. A pesquisa se detém em analisar essa forma de expressão religiosa como manifestação de um fenômeno que expressa a sociedade como um todo, relacionando-o a questões mais amplas e contextualizando o objeto estudado de acordo com o atual momento histórico, social, econômico e cultural. Porém, não se trata de considerar a

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religião como mero reflexo, e sim como expressão cultural de uma sociedade que se vê imersa em relações produtivistas e guiadas pela lógica de consumo.

No entanto, compreende-se aqui que o estudo da realidade multicultural das sociedades complexas que desenvolveram processos de modernização implica a necessidade de um recorte do objeto na forma de estudo de caso. Nesse sentido, usa-se como estratégia metodológica a escolha de um caso para que seja possível interpretar o todo. A escolha se fez pela Igreja Bola de Neve, devido seu perfil diferenciado, ilustrando uma representação da nova forma de se experienciar o sagrado na vida moderna, assim como a chamada “espetacularização” (DEBORD, 1997) da vida e das formas de se relacionar com o mundo. Busca-se a partir deste método compreender o tema de forma mais abrangente, e desenvolver uma ideia nova acerca desta temática, assim como elaborar uma suposta conclusão que contribua cientificamente para o debate.

Parte essencial deste estudo se baseia em estar constantemente atento a não perder a dimensão sócio-histórica e socioeconômica do período específico, assim como contextualizar o tema dentro dos principais movimentos políticos e suas necessidades ideológicas e intelectuais, além de situá-lo entre as teorias e práticas científicas da área, e as filosofias referentes à sua função reguladora no complexo das atividades humanas e culturais. Foi também necessário identificar o objeto em seu ambiente temático e estabelecer diálogos com diversas orientações teóricas, para que se possa apontar as determinações materiais e culturais que existem em suas raízes, juntamente com suas consequências práticas para o futuro, construção na qual a ideologia tem um importante papel a desempenhar. Considera-se aqui a necessidade de desenvolver um trabalho conceitual que permita a articulação com a contextualização da teoria social a partir de uma metodologia pluridisciplinar vinculada a realidade social (CARIA, 2003).

O termo ideologia é utilizado neste estudo no sentido de um conjunto de ideias/visão de mundo que expressam diretamente as condições materiais de existência e as legitimam (LUKÁCS, 2003), vinculando ao conceito de hegemonia de Antônio Granmsci (2002), na qual há dispositivos hegemônicos que submetem os indivíduos a poderes dominantes através do consentimento, e geralmente atuam através de instituições. A partir disto, a abordagem em relação à ideologia na qual é tratada nesta pesquisa diz respeito ao discurso proferido no interior da Igreja Bola de Neve, no sentido de quais elementos são ligados para formar processos discursivos em relação

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com um determinado contexto social, ou seja, como a forma de se estabelecer uma comunicação está relacionada com a base material da vida social através de processos de construção do discurso.

Nas igrejas Neopentecostais, há a construção de um recurso narrativo (CORTEN, 1996) que delimita determinado campo de contingência (LACLAU; MOUFFE, 1985; MENDONÇA, 2003) através da memória (HALBWACHS, 2006) e das representações coletivas (DURKHEIM, 1970) existentes no campo evangélico, como a estrutura práticas, modos de vida, conduta e formas de compreender o mundo e as suas relações. Esta organização de fatores constitui um determinado “espírito” que mobiliza uma forma de se estar na sociedade. Para tanto, os cultos buscam elaborar um discurso pautado nesta intencionalidade, por vezes nebulosa e oculta, na qual se viabiliza através do “espetáculo” (culto).

Os cultos realizados nas igrejas neopentecostais são caracterizados especialmente por uma estética, onde há toda uma preparação e produção do ambiente, criando um “clima” onde os participantes entram em contato com estímulos diversos que proporcionam sensações e experiências associadas à “benção” e à presença de Deus. No caso específico da igreja delimitada na pesquisa, a Bola de Neve apresenta toda uma preparação prévia e detalhada para que os cultos sejam realizados adequadamente de acordo com a proposta jovem e “descolada”, envolvendo uma nova forma de experienciar o sagrado, vinculada diretamente a uma específica estética religiosa e uma estética corporal que ganham a forma particular de uma vivência emocional.

O culto desta igreja será tratado e cuidadosamente analisado a partir da compreensão da nova configuração da experiência do sagrado na sociedade contemporânea, no tocante às relações de tempo/espaço, vivência/imaginário, espírito/matéria, seus símbolos e o caráter de espetáculo a partir do fenômeno, compreendendo a construção da fé como parte simbólica da história, sendo ela mesma constituinte da produção espiritual e material de um povo, na qual não está deslocada da vida material e cotidiana. Sendo assim, o fenômeno religioso é a expressão de ideias de um determinado tempo histórico, revelando a sua essência a partir de uma análise dialética das circunstâncias reais. O fenômeno religioso está intimamente ligado à história dos povos, é fruto do passado e das interações do presente, assim como afirma Marx:

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Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sobre aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como pesadelo o cérebro dos vivos. É justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram em seu auxílio os espíritos do passado (MARX, 2003, p. 17)

A partir desta concepção que norteia a pesquisa, a teoria aparece como sendo a estrutura da pesquisa, ou seja, é a base que nos oferece suporte para a compreensão e análise do material coletado empiricamente. Considera-se aqui que a teoria, enquanto metodologia é um instrumento/ferramenta essencial para orientar e direcionar a pesquisa, sendo ela um recurso utilizado para compreender o plano do real. Os levantamentos bibliográficos utilizando teses, artigos científicos, documentos, livros relacionados à temática, entre outros, nos proporciona fundamentos para se pensar a temática em questão, além dos pressupostos para se questionar o objeto de estudo, sempre com a perspectiva voltada para a problemática inicial e o objeto proposto. A teoria indica também como proceder ao estudo, como analisar os dados e o que se levar em consideração do material coletado.

Dessa forma, parte relevante desta investigação se faz por análise teórica, porém para que a teoria seja comprovada é necessária sua contestação através da prática. Por este motivo, a presente pesquisa propõe uma aproximação de forma crítica da teoria com a prática, considerando que ambas as análises são complementares para que seja possível a realização de um estudo científico fundamentado, estruturado e que traga elementos para se pensar o futuro na prática. Boaventura Santos (1987) reafirma a necessidade de uma ciência implicada no social, como instrumento de superação e transformação das circunstâncias reais.

Ainda segundo este autor, há a urgência de se extinguir as divisões entre conhecimentos legítimos e não legítimos, superiores e inferiores, entre formas científicas e não científicas de verdade, considerando que todas as formas de se produzir conhecimento podem ser consideradas verdadeiras, exercitando a superação do monopólio da verdade (SANTOS, 2003). Dessa forma, não se pretende neste estudo estabelecer uma imposição científica, mas ao contrário, elaborar uma análise que

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considere acima de tudo a intersubjetividade, através de uma profunda reflexão acerca do universo do outro a partir de uma perspectiva de totalidade social. Segundo este debate, Telmo Caria nos acrescenta:

Admitimos que todos os procedimentos de recolha e tratamento de dados são possíveis desde que subordinados à preocupação de compreender o outro, através da reflexividade do investigador para racionalizar a posição social de cientista e para relativizar as suas origens culturais de cidadão. (CARIA, 2003, p. 7)

Com base nesta perspectiva, a pesquisa apresenta caráter estritamente multidisciplinar, pois considera-se aqui que fenômenos sociais devem ser compreendidos dentro de um complexo orgânico. Nesse sentido, a religião de forma alguma se encontra desvinculada de outras dimensões sociais. Para tanto, o estudo perpassa em diversas áreas, como os estudos sobre a institucionalização da religião, de que forma as igrejas se encaixam na Constituição Brasileira e nos direitos trabalhistas. Os autores essenciais para a Sociologia da Religião, como Peter Berger (1984) e Pierre Bourdieu (2007) formaram um pilar para o desenvolvimento da análise deste estudo. Sendo utilizada também, a bibliografia que trata da relação entre a religião, mercado, política e teorias econômicas, com os autores norte-americanos: Warner (1993), Finke (1998) e Iannaccone (1993), Stark (1993) e brasileiros e latino-americanos como Alejandro Frigerio (2000), Ricardo Mariano (1999), Antônio Flávio Pierucci (2006), e Reginaldo Prandi (1996), André Ricardo Souza (2007). Além da utilização fundamental dos autores clássicos que abordam e relacionam de alguma forma a religião e a sociedade, como Émile Durkheim (1970) Max Weber (2001) e Karl Marx (2008), assim como autores que abordam o tema sobre a produção ideológica, como Lukács (1979), Gramsci (2002) e Meszáros (2004).

Porém, sem perder a concepção de que por trás de todos estes processos, há a questão da fé e da subjetividade que envolve indivíduos e particularidades, esta também é uma questão de igual importância, porém devido a necessidade de se estabelecer um recorte para que seja possível desenvolver uma dissertação de mestrado, foi preciso reduzir a abordagem e estabelecer um objeto de estudo. Porém, a pesquisa perpassa de forma essencial também pela Antropologia e seus debates acerca da cultura, da religião

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e construção simbólica, na qual compreende a religião como uma síntese de diversas questões complexas, estruturais, políticas, culturais e morais.

O primeiro capítulo se debruça no contexto na qual surgem as igrejas pentecostais e posteriormente as denominações neopentecostais no Brasil. O capítulo traz questões como o processo de secularização do Estado com a igreja Católica e o fim da hegemonia católica, cujas consequências tornaram o campo religioso brasileiro um espaço de diversidade religiosa (até certo ponto), criando também uma determinada competição entre as instituições que resultaram em um mercado de bens de salvação. É neste contexto que surge a Igreja Bola de Neve e sua necessidade em sobressair dentre as outras igrejas.

O segundo capítulo traz o levantamento bibliográfico acerca de autores que tratam do tema “instituições”. A questão da institucionalização da religião é abordada nesse sentido de forma a relacioná-la ao fenômeno religioso contemporâneo e a concepção de que a religião é um empreendimento humano, assim como ao desenvolvimento do sistema econômico no que envolve a produção cultural e espiritual em conjunto com o desenvolvimento material das forças produtivas, assim como suas diversas facetas e possíveis imbricações. Nessa parte da pesquisa, é discutida também a questão do retorno do sagrado: de que modo a modernidade não extinguiu a religião, mas ao contrário, as religiões cresceram e se fortaleceram, através de uma ressignificação.

O capítulo discute também a questão da proximidade do neopentecostalismo com o mundo material, através de uma análise da Teologia da Prosperidade e do caso da Igreja Bola de Neve. A proximidade da BDN com a cultura do consumo e o acompanhamento da lógica de trocas econômicas é discutida nesse capítulo, sendo identificado um sistema de produção e circulação de bens simbólicos que se define como um sistema de relações que são de fato objetivas, na qual cumprem a função econômica de reprodução de capital e difusão de mercadorias. O debate central deste capítulo se faz em torno da questão: a mesma atividade que produz as relações econômicas, também produz a religião, sendo que a relação entre os dois produtos é sempre dialética. E, caminhando para o terceiro capítulo, é abordada a questão do caráter empresarialmente racional na qual a Bola de Neve se caracteriza, identificando um trabalho atuante organizado no interior de seus templos.

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O terceiro e último capítulo busca analisar a atuação do trabalho religioso e a sua forma jurídica, conceituando e caracterizando esta atividade. Este capítulo pretende identificar as relações trabalhistas existentes e a forma como as leis enquadram esta atividade na constituição e quais são os direitos e os deveres dos pastores e dos “trabalhadores da fé”. Posteriormente, será feita uma breve análise da teoria da escolha racional e sua realidade prática, na qual busca aplicar leis econômicas para a compreensão do fenômeno religioso.

Desta forma, após a pesquisa bibliográfica, coleta de dados teóricos e organização deste material, o segundo momento se constitui pela observação empírica do objeto de estudo na forma de pesquisa de campo. Considera-se aqui necessária a constante aproximação do universo a que se deseja compreender, sempre com grande atenção às questões subjetivas referentes ao “outro”, ou seja, adentrar no sentido atribuído por aqueles indivíduos que participam de determinada realidade, considerando sempre a identidade, a subjetividade e a história do outro, sem tratar os indivíduos como objetos estáveis e passíveis de análise. A relativização é uma ferramenta importante neste processo, porém, não cabe aqui a ausência de objetivos, uma vez que a pesquisa se pauta em uma hipótese. Porém, o fenômeno é sempre provocado por diversas variáveis, e estas podem levar a outras conclusões que não a estabelecida primeiramente. Portanto, a hipótese pode ser direcionada para outras concepções e isso não significa a falha do estudo.

Em relação à pesquisa de campo, o objetivo fundante neste momento do estudo foi investigar e compreender como atua o discurso ideológico no âmbito da Igreja Bola de Neve. Parte do procedimento metodológico consiste, pois, na análise discursiva de material recolhido através da pesquisa de campo junto aos membros atuantes no interior do templo neopentecostal da igreja escolhida da cidade de Araraquara-SP, sendo utilizado também o material adquirido na pesquisa de conclusão de curso, também acerca da Igreja Bola de Neve, na cidade de Marília-SP.

A principal proposta é estabelecer uma coexistência entre a linguagem da teoria e a realidade de um determinado contexto e ambiente, considerando tal fenômeno de vínculo econômico com a religião como uma efervescência cultural deste determinado período histórico, considerando toda a sua complexidade. Por este motivo, a ênfase em uma pesquisa multidisciplinar que articula teoria e experiência se faz presente. A etnografia, nesse sentido tem papel importante para a aproximação do ambiente

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estudado e seus atores e agentes, sem se limitar a uma redução aos recursos teóricos. A pesquisa etnográfica, portanto, nos proporciona tal relação, como afirma Caria:

Caso procuremos uma definição consagrada de etnografia, podemos arriscar dizer que se trata de uma forma de investigação que recolhe dados com a preocupação de compreender a (i) racionalidade do outro, o outro cultural, o outro submisso, o outro iletrado (...) Entenda-se que compreender o outro supõe contrariar a representação social (inclusive científica) de que os dominados e os “estranhos” seriam indignos, menores, inferiores, isto é, seriam atores incapazes de se construírem de modo autônomo no plano cognitivo e cultural. Tal orientação assenta na ideia de que a objetividade científica não depende de uma posição de imparcialidade explicativa. (CARIA, 2003. p. 4)

Neste sentido, busca-se pensar a si próprio na relação com o outro. Pois é na fronteira entre o senso comum e o saber científico que se pode construir uma reflexão voltada para uma concepção de igualdade e emancipação humana. Compreende-se aqui que a objetividade das Ciências Sociais não é um ato de neutralidade, mas sim uma ferramenta de transformação que carrega todo o compromisso e urgência que as circunstâncias sociais e históricas trazem, dessa forma, a ciência deve ser inevitavelmente crítica, de um modo consciente e que se aproxime da forma mais eficaz da realidade e proponha mudanças.

Telmo Caria, em seu texto “A reflexividade e a objetivação do olhar sociológico”, aponta que as Ciências Sociais enquanto uma matriz de problemas ideológicos-metodológicos não pode proceder de forma neutra, uma vez que não há coleta de dados empíricos que não carregue também pressupostos e objetivos que se visa contestar ou comprovar. Segundo o autor, este posicionamento tem, por sua vez, um risco de se atribuir aos fatos sociais apenas aquilo que o investigador busca refutar, em uma tendência teoricista que despreza os aspectos dinâmicos da construção de conhecimento:

A alternativa seria a de promover o ecletismo no uso dos instrumentos tecnológicos de recolha de dados e a de promover a integração da teoria na reflexão metodológica (...). Esta teorização supõe conceber a dialética observador/observado como uma relação socialmente estruturada, isto é, uma relação social de investigação. (CARIA, 1999. p. 7)

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Assim, a alternativa proposta é aqui acolhida e utilizada como base metodológica, no sentido de estar sempre atento aos aspectos relacionais, intersubjetivos e interativos do trabalho de campo. A reflexão epistemológica e metodológica visa considerar a pesquisa científica como uma relação social de fato que deslumbra a utilização do conhecimento científico futuramente.

Dessa forma, a pesquisa busca desenvolver uma análise crítica com base teórica a fim de compreender o fenômeno que vincula a religião e o sistema econômico. A religião vinculada à materialidade do mundo transcende a o que seria a princípio mera crença, alcançando a dimensão de um complexo cultural variado, criativo e efervescente que merece mais do que nunca um estudo detalhado. Não se limitando a um estudo teoricista e economicista, embora considerando de extrema necessidade a contextualização social, a pesquisa tem como objetivo também compreender essas novas formas de se experenciar o sagrado neste determinado período histórico, na qual todas as formas de se relacionar com a vida entram também na dinâmica mercantil. Compreender estes fenômenos é também compreender uma parte do sentido da história. Porém, o modelo teórico a ser seguido não deve ser estático e dogmático, pois o real é um processo em constante movimento.

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CAPÍTULO 1 – (NEO) PENTECOSTALISMO E A IGREJA BOLA

DE NEVE

Para realizar este estudo e compreender a complexidade da Igreja Bola de Neve, sua relação com a sociedade contemporânea e a sua atuação interna e externa, assim como o fenômeno neopentecostal no Brasil se faz necessário uma intensa contextualização do processo de constituição do cenário religioso brasileiro e sua dinâmica particular. Este capítulo se iniciará com esse retorno histórico, posteriormente caracterizando a doutrina neopentecostal, para se debruçar detalhadamente ao tema central da pesquisa: a Igreja Bola de Neve, na qual corresponderá à sigla BDN.

Nos últimos vinte anos, o campo religioso na América Latina, e em específico no Brasil, sofreu mudanças consideráveis, que vêm ocorrendo até os dias atuais. Uma determinada heterogeneização intensa passou a ganhar cenário entre as religiões. Trata-se de um processo de diversificação de igrejas que começou a ganhar força no início do século XIX com a chegada dos protestantes no Brasil, e cresceu ao longo do século XX, sendo hoje um fenômeno nunca visto antes na história. Para compreender o atual campo religioso brasileiro, o estudo da história das religiões se faz necessário para se considerar o processo que entre o período colonial e imperial resultou na formação de um sistema de crenças, hábitos, práticas, símbolos que compõem princípios básicos da esfera religiosa brasileira, considerando suas continuidades e rupturas.

Analisar o fenômeno religioso brasileiro implica considerar o processo que entre os períodos colonial e imperial resultou na formação de um sistema de crenças, práticas e símbolos que constitui um repertório básico do campo. Em relação à vida pública em contraposição a uma religiosidade da vida privada, formou-se um sistema cultural de crenças extremamente individualizadas. Como nos demonstra Arnaldo Huff Júnior em seu artigo sobre trânsito religioso:

No que tange às relações entre religião e política no Brasil, uma primeira consideração a ser feita é a de que no curso da separação formal entre Igreja e Estado, na entrada do período republicano, a religião não foi simplesmente relegada à esfera privada como aconteceu em processos de modernização na Europa. Como bem sublinhou Paula Montero (2006) a partir de Habermas, feita não é entre esfera estatal e Igreja, mas sim entre uma esfera pública do Estado, uma esfera privada da sociedade e uma esfera burguesa ou sociedade civil. (HUFF, Arnaldo. 2009).

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Isto, associado ao fato de que a identidade brasileira se desenvolveu em meio a negligência de órgãos públicos, crises constantes de representatividade políticas e governamentais e o enfraquecimento de ações coletivas, fez a religião crescer e ganhar um determinado caráter de acolhimento social, aparecendo como o único lugar da sociedade na qual há alguma forma de amparo e conforto, sendo assim um espaço que proporciona ao indivíduo deslocado de seu coletivo um sentimento de pertencimento, cujos laços são estabelecidos em meio à turbulenta dinâmica social individualista, fragmentada e fragmentária.

O campo religioso brasileiro teve como parte importante do processo de constituição uma intensa hibridação. Isso pode traduzir a particular situação atual. Houve inicialmente um grande fluxo entre a religião católica e as crenças e práticas indígenas e africanas. No mesmo período (século XVI e século XVIII) houve a chegada dos protestantes, a princípio eram os luteranos (1824) seguidos pelos metodistas (1836), congregacionais (1855), presbiterianos (1859), os batistas (1881), episcopais (1898) (MENDONÇA e VELASQUES FILHO, 1890, p.27-26). Mais adiante, vieram os kardecistas que apresentaram influência fundamental, como a crença que relaciona o mundo material e o mundo espiritual. Essa noção de religião vinculada ao mundo material é hoje uma perspectiva muito presente entre as formas de religiosidade brasileiras, como veremos mais adiante. O que possibilita essa dinâmica entre o mundo espiritual e o mundo material é uma comunicação de sistemas simbólicos, onde tudo é possível a partir da religião.

A formação de diversas vertentes pentecostalistas e neopentecostalistas com influências católicas e afro-brasileiras (apesar de romperem com o universo tradicional ao longo do tempo) coabitam e perpassam os tempos, se adaptando e se transformando em conjunto com outros âmbitos sociais, de forma que se mantém e crescem cada vez mais, quebrando os paradigmas que afirmavam o fim da religião na sociedade contemporânea. A religião não somente não acabou, como hoje vêm aparecendo através de diversas facetas que envolvem dês da política até a moda, mercado, marketing, mídia, apresentando perfis até então impensáveis, como por exemplo, confessionários online1 e até mesmo sites de “pornô-gospel”.2

1 Retirado de <http://igrejadavidauniversal.blogspot.com.br/p/confessionario-online-confissoes.html> em

10/03/2016.

2

Retirado da web site: http://www.genizahvirtual.com/2012/01/sex-shop-de-jesus-faleci-na-noticia.html em 09/06/2015.

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A Igreja Bola de Neve é uma dessas igrejas que surge a partir do fim da hegemonia católica e o início do pluralismo religioso. A Bola de Neve desenvolveu diversas características próprias que buscam tornar a igreja um diferencial entre as outras. Há em sua constituição diversos ministérios que atuam como grupos de apoio, assistência social, orientação profissional, projetos culturais na cidade, venda de roupas da grife da igreja, entre outros, como veremos adiante. Ou seja, há um deslocamento da experiência religiosa para outras áreas da vida social, mudando seu papel, forma, função e se vinculando diretamente à cadeia produtiva. A autora Daniele Hervieu-Léger afirma que a Sociologia da Religião passou da religion perdue (tese sobre o fim da religião) para a religion partout (a religião em toda parte): “(...) as religiões tendem a se apresentar como matéria-prima simbólica, maleável, que pode dar lugar a reaproveitamentos diversos, segundo o interesse dos grupos que a exploram” (HERVIU-LÉGER, 1999, p. 59).

Há uma correspondência entre as estruturas sociais e as estruturas mentais, na qual se estabelece através de sistemas de estrutura simbólica (BOURDIEU, 2007). E, se tratando da religião na sociedade contemporânea, as relações se estabelecem a partir de símbolos também econômicos, na qual se configuram em relações de consumo. A religião passa a se intercalar com as demais esferas, incluindo em sua organização o uso de elementos racionais, e consequentemente, políticos.

Em meio a todos esses processos, foi se constituindo no Brasil uma grande diversidade, liberdade e circulação de igrejas, que passam a oferecer inúmeras formas de bens religiosos e se associam à lógica de livre mercado. Diante deste quadro, há o surgimento rápido de novas organizações religiosas que não param de crescer. Essas novas igrejas tomaram o domínio do campo simbólico da sociedade, sendo estudadas por expressarem um fenômeno nunca visto antes, elas se diferenciam das doutrinas tradicionais e mobilizam ao seu redor milhares de pessoas em busca de soluções que vão desde questões espirituais até questões materiais.

A religião ganha então outro contorno e formato, assim como uma nova função de elaborações simbólicas, sendo estas apropriadas e organizadas para fins que não os religiosos, assumindo símbolos, motivos, rituais, práticas, linguagens, imaginários e valores do sistema capitalista de produção. Ao fazer uso de elementos ideológicos para se manterem, se fortalecem e fortalecem as bases na qual a economia se apoia, criando uma única lógica e um sistema de símbolos e linguagem. A igreja não oferece somente

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proteção divina, mas os frequentadores realizam também um acordo financeiro com Deus. Através do ritual o pastor é como se fosse um detentor da ideologia capitalista presente no cotidiano neoliberal. Há uma mercantilização da religião que se apoia em uma espécie de relativismo ético na qual tudo pode ser feito sem julgamentos, afinal não há critérios para se estabelecer o que é religião e o que é mercado.

As igrejas neopentecostais são as principais agentes neste novo campo religioso, dominando diversos âmbitos da vida social. Elas constituem a “Indústrias da Fé”, na qual arregimentam um vasto contingente de crentes, utilizando para isso um grande aparato organizacional de templos e força de trabalho composta por ministros de confissão religiosa (pastores) e serviçais dos rituais religiosos.

Em conjunto com o número de novas instituições religiosas, cresce também de forma constante o campo de disputa entre essas organizações religiosas, assim como a oferta de novos serviços para atrair grupos sociais ainda não contemplados pelos empreendimentos religiosos, excluídos das igrejas tradicionais ou não adequados a elas. O desenvolvimento de um mercado próprio, vinculado a ritos e cultos religiosos apresenta características peculiares, em relação a qualquer outro meio comercial, e se mostra estritamente ligado à lógica da livre concorrência de mercado. Há uma intensa competitividade e comercialização do sagrado, transformando a fé em mercadoria. Isto abre espaço para igrejas que se moldam de acordo com o público a que desejam atrair, utilizando-se de estratégias comerciais e mercadológicas. Essa imensa expansão das igrejas evangélicas no Brasil, cria uma necessidade de se desenvolverem técnicas próprias para se manterem e sobressaírem em seu meio, elaborando em seu interior complexas formas de trabalho a serem executados por fiéis voluntários ou por terceirizados.

Há toda uma organização prévia, e assim como qualquer outra atividade que oferece um determinado tipo de serviço deve planejar com antecedência suas ações, a igreja também realiza este momento de trabalho anterior, durante e após os cultos, colocando seus planos e estratégias em prática. Ou seja, há um trabalho atuante desenvolvido no interior dos templos, na qual é proporcionado aos fiéis experiências e vivências que não são sentidas em outros locais cotidianos. É um espaço onde os indivíduos se sentem livres para expressarem suas emoções sem a repressão social, funcionando como um momento de desabafo. As igrejas neopentecostais compõem seus

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cultos estabelecendo uma relação entre religião, lazer, excitação de sentidos, fuga da realidade e bem-estar imediato. É esse o produto a ser oferecido.

A questão que surge diante disto (na qual norteia nossa discussão) é: a religião não pode ser vista desvinculada de uma totalidade social, portanto, ao observarmos o caráter de uma religião estamos diante de um fenômeno social na qual expressa de alguma forma a sua essência e o seu oposto. A questão primordial, então, não é a religião em si, mas o porquê há essa imensa procura: o motivo principal é pela fuga do sofrimento. O sofrimento expressa situações reais de um mundo material que envolve indivíduos, logo, sociedades. Portanto, um fenômeno religioso como este, na qual cresce rapidamente abrangendo cada vez mais milhões de pessoas na América Latina, pode vir a expressar problemas sociais advindos de uma crise cuja dimensão é imensamente maior.

Mas, por que a procura é pelas igrejas pentecostais? Busca-se saber os motivos deste crescimento no Brasil nos últimos anos. Alguns autores arriscam afirmar que entre diversos motivos, este fato se dá principalmente pelo enfraquecimento de religiões tradicionais e a separação do Estado e da igreja, na qual provocou o fim da hegemonia católica e abriu espaço para outras denominações.

Segundo alguns autores da Sociologia da Religião como Ricardo Mariano (2001) e Pierucci (1996), destacam entre os diversos elementos que podem estar envolvidos no enfraquecimento da igreja católica, há alguns pontos que consideram relevantes: a discordância da doutrina e sua inadequação em relação à vida contemporânea: como a fragilidade diante de questões como o aborto, o divórcio, o uso de preservativos, assim como a recriminação do consumo e do ganho material, ou seja, as religiões tradicionais não mais contemplam as necessidades espirituais e materiais de seus fiéis no mundo contemporâneo e da sociedade capitalista, o que abre espaço para a concretização de novas possibilidades religiosas, assim como lógicas de organização simbólicas.

De acordo com pesquisas na área de Sociologia da religião no Brasil, a maioria das pessoas que abandona a doutrina torna-se, em seguida, protestante. Existem raros casos de pessoas que deixam a religião para se tornarem ateus, ou algum seguimento desvinculado de instituições religiosas. O protestantismo, por sua vez, exerce todo um trabalho ativo por parte dessa nova geração de pastores que se especializam em atrair pessoas insatisfeitas espiritualmente, e com extrema necessidade de acolhimento divino

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para que possam ter forças para manter esperanças. O neopentecostalismo atualmente já é considerado um fenômeno eclesiástico por seu enorme crescimento na América Latina. Apesar de ter templos espalhados por todo o Brasil, têm como centro de expansão o Rio de Janeiro (PRANDI, 1999; JARDILINO, 1997).

1.1 O “Neo” Pentecostalismo

A imensa variedade de formas de ser pentecostal, de se interpretar a Bíblia, se adaptar à sociedade contemporânea, manifestar a doutrina em hábitos, costumes, vestimentas, posicionamentos ideológicos, entre outros elementos, levou a necessidade de se definir as igrejas pentecostais.

São inúmeras as denominações que buscam definir e caracterizar as novas formas das igrejas pentecostais de se comportarem e atuarem. Entre as conceituações, podemos destacar: pentecostal de terceira onda (FRESTON, 1994), pentecostal de cura divina (MENDONÇA, 1992), pentecostal autônoma (BITTENCOURT,1994), neopentecostal (ORO; 2003 e MARIANO, 1999), pós-pentecostal (SIEPIERSKI, 1997), neopentecostal de supergeração (MARANHÂO Fº., 2010).

A primeira vertente pentecostal no Brasil é chamada pentecostalismo de primeira onda (FRESTON, 1994), ou pentecostalismo clássico (MARIANO, 1999) e seria o período entre 1910 e 1959, que acompanhou desde a “implantação da Congregação Cristã do Brasil (São Paulo, 1910) e da Assembleia de Deus (Belém, 1911), até sua difusão por todo o país” (MARIANO, 1999, p. 30). Essas igrejas apresentavam como características marcantes o uso da glossália3 a recriminação de certos comportamentos e costumes considerados profanos e mundanos e a crítica a outras religiões como o catolicismo, o espiritismo e principalmente religiões de matriz afro-brasileiras.

O chamado pentecostalismo de segunda onda se diverge da primeira principalmente em relação à visão de mundo secularizada, na qual houve maior aproximação de certas igrejas ao mercado e à mídia, na qual muitas igrejas passaram a comercializar produtos, se midiatizar (com o uso de meios de comunicação de massa como a rádio e a televisão), realizar eventos como shows e promover encontros

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religiosos. Houve de fato uma ressignificação da manifestação religiosa e a forma de se ser religioso no mundo secularizado.

Outro elemento de igual importância a ser observado, é o fato de que a corrente pentecostal, que era um movimento considerado como sendo de modo geral uma “renovação das igrejas” tradicionais, passou a se fragmentar, gerando diversas ramificações com doutrinas diferentes (FRESTON, 1994), que passaram a concorrer entre si.

A partir deste contexto, passam a surgir novas denominações que lidam de forma ainda mais diferente na relação entre religião e mundo. Seria o pentecostalismo de terceira onda. A dificuldade aparece pela inviabilidade de encaixar diversas igrejas em apenas dois campos da tipologia essencialmente pentecostais: “pequenas seitas” e “igrejas de mediação” como ressalta o sociólogo Ricardo Mariano (1999).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não distingue dentre as religiões evangélicas nenhuma vertente, portanto, a denominação “religião evangélica” abrange alguns seguimentos como pentecostais, neopentecostais, entre outras, segundo a nomenclatura vigente. Segundo o IBGE, em 2000, as igrejas evangélicas contam com 26, 184, 981 de adeptos no Brasil, o que equivale a 15,42% da população brasileira. Em 1990, 8,98% da população brasileira era evangélico, o que equivale a 13.189,284 fiéis, sendo que 65,1% desses evangélicos eram pentecostais e neopentecostais. Durante a década de 1990, a velocidade de crescimento da Igreja Evangélica foi quatro vezes maior que a da população brasileira. Atualmente, a partir dos dados do IBGE, ela se encontra em torno dos 19% da população brasileira, ou seja, mais de 36 milhões de fiéis.

Ao mesmo tempo, cresceu o contingente de “trabalhadores da fé”, ministros de confissão religiosa e serviçais dos rituais evangélicos que organizam o trabalho da fé nas igrejas evangélicas no Brasil. A partir deste contexto, surgem diversas formas complexas de trabalho, divisão de trabalho e organização no interior dos templos pentecostais e neopentecostais, acarretando em “carreira” eclesiástica. Observe o gráfico a seguir:

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(GRÁFICO 01)

O neopentecostalismo é visto como um fenômeno dentro do âmbito religioso, apresentando uma expansão gradativa e constante. As igrejas neopentecostais expressam grande diversidade de atividades religiosas e empresarias, utilizando recursos próprios da modernidade para se difundirem, dessa forma dominam grande parte da mídia com programas teológicos. Seus discursos semelhantes a uma terapia de “autoajuda” contêm elementos da psicologia que funcionam como atração para pessoas cansadas de doutrinas rigorosas e rígidas, que se baseavam em proibições e regras. Ao contrário, a maioria das neopentecostais oferece acolhimento, através de uma postura mais “aberta”, realista e terrena.

Uma das principais características das igrejas neopentecostais é a adoção do modelo de organização empresarial que está presente em praticamente todas as instituições neopentecostais, expressando sua maior distinção enquanto vertente diversa do pentecostalismo, em ruptura com os tradicionais sectarismos e ascetismos pentecostais. Passam a utilizar muitos elementos racionais, como o que Weber se refere (2001), para aumentar sua participação no mercado, que no caso é um mercado religioso. As igrejas neopentecostais apresentam em seu discurso o incentivo a uma vida aqui e agora, visando à prosperidade e a vitória profissional e pessoal. Em determinados cultos incentivam o trabalho empreendedor e o desenvolvimento individual no trabalho,

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ou seja, apresentam grande participação motivacional na vida de pessoas muitas vezes sem percepções de novas possibilidades.

Há grandes investimentos em atividades empresariais, políticas, culturais, assistenciais, e estão cada vez mais influenciando as outras vertentes de igrejas evangélicas devido a seu imenso sucesso e aumento do número de fiéis. Essas igrejas oferecem “ajuda espiritual”, pois afirmam que o fracasso seria coisa do Diabo, desprezando-se a origem histórica e material destas necessidades e demandas. Um exemplo disto é uma afirmação que R. R. Soares e Edir Macedo, dois dos principais protagonistas de igrejas evangélicas, fizeram sobre a extensão da “ação demoníaca” no Brasil “Agindo na religião, são os culpados pelo fato de o Brasil não ser um país bem mais desenvolvido” (MACEDO,1988).

Deus é colocado como terapeuta e a igreja como mediadora. Os problemas sociais são transferidos para o campo espiritual. Sob essa ótica, os cultos neopentecostais podem ser tidos como um momento de fuga das circunstâncias e contradições reais, em que vivências e experiências transcendentais que proporcionam sensações de bem-estar e alívio são oferecidas ao fiel e servem a ele como um momento de felicidade nas quais muitos não experienciam no seu cotidiano devido a exploração no trabalho, as situações de precariedade e necessidade material, além da insegurança da vida contemporânea.

A busca religiosa ganha então um novo contorno, é a busca por um meio de inserção na vida contemporânea globalizada, no mercado de trabalho cada vez mais excludente, e acima de tudo é a busca pela ascensão social (ORO, 2003). A ascensão social não diz respeito somente ao ganho econômico, mas há toda uma construção ideológica sobre um imaginário econômico que promove a competição, criando esquemas de pensamento de mercado. São os valores de uma ética profissional postulada pelo mercado livre neoliberal que se aloja no país principalmente nos anos 1990.

A década de 1990 é caracterizada pela imposição da nova ordem neoliberal no Brasil, com consequências intensas na vida dos brasileiros. A adoção do modelo neoliberal no Brasil começou com o ex-presidente Fernando Collor de Melo e continuou com Fernando Henrique Cardoso. Práticas como a diminuição da presença do Estado na economia, aumento da iniciativa privada, com prioridades para a mobilização empresarial dos recursos produtivos e o desimpedimento da comercialização interna e externa. A taxa de desemprego aumentou consideravelmente devido aos ajustes

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neoliberais que desestruturaram o mercado de trabalho, instaurando a precarização, a flexibilidade das relações de trabalho no Brasil, assim como uma considerável deterioração dos mecanismos de proteção social contra o desemprego e a miséria, intensificando problemas que já datam de uma condição precária de existência das contradições sociais históricas. Cresce também a insegurança social e o medo nas grandes metrópoles brasileiras.

Concomitantemente, criam-se mecanismos para manter e fortalecer uma ideologia baseada em valores econômicos. A mídia é voltada para produzir e reproduzir esse imaginário. Há toda uma ideia de incentivo e interesse econômico, na qual é promovido “ensinamentos de sucesso” (BOLSTANSKI e CHIAPPELO, 1999) que passam a ideia de esforço individual e mérito próprio.

Diante deste contexto incerto da “década neoliberal”, complexificam-se as relações e o nível de sociabilidade, intensificando-se também as crises individuais e subjetivas. As formas de produzir e reproduzir a vida se diversificam, surgindo também novas formas de consumo material e simbólico, na qual envolve as maneiras de experienciar a religião. Esse cenário cria mudanças internas no campo religioso, como o surgimento de igrejas de diferentes denominações que passam a oferecer soluções para enfrentar os problemas pessoais decorrentes dos sacrifícios impostos à população pelas mudanças sociais ocorridas na “década neoliberal”. Os indivíduos passam a procurar instituições que contemplem suas necessidades espirituais e as oriente diante da situação de precariedade social. A igreja como esfera simbólica da sociedade se apresenta como produtora e ao mesmo tempo produto. Como podemos observar nos escritos de Karl Marx sobre a religião, na qual consideramos aqui ainda atual:

A angústia religiosa é ao mesmo tempo a expressão da dor real e o protesto contra ela. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, tal como o é o espírito de uma situação sem espírito. É o ópio do povo (MARX, 2010; p. 304).

Para Marx, a religião expressa também um protesto e resistência do oprimido contra a angústia existencial, que advém em última instância da miséria material. A igreja, embora tenha se submetido à racionalização burocrática na qual envolve metas, estratégias, meios de maximizar seus benefícios e alcançar de forma eficaz seus objetivos, é hoje o local onde os indivíduos podem se refugiar dessas relações, encontrando abrigo emocional. As igrejas mais do que nunca apresentam o sentido de

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uma comunidade com laços fortes e estáveis, que une e fortalece um grupo, como uma comunidade da fé que protege os indivíduos do que Durkheim (1970) chamaria de anomia social.

Peter Berger (1984) sustenta também a perspectiva que considera a religião como uma ferramenta de integração moral da sociedade, cuja função primordial se perdeu e se degenerou. As principais críticas que essa teoria recebe é a de que essa análise do comportamento dos indivíduos é insuficiente, pois não considera os valores dos indivíduos (Hechter, 1997) adquiridos a partir de um contexto social (Sherkat, 1997) e tampouco considera o status, a mobilidade social e as normas grupais (Shertak e Wilson, 1995). O que ocorre é que, de fato, há um pluralismo religioso que possibilita uma maior diversidade de religiões que passam a competir entre si, essa competição acarreta em uma dinâmica de mercado que abrange uma complexa rede de relações e que oferta e possibilita diferentes formas de se relacionar com o sagrado na sociedade contemporânea.

A mudança no papel e função da igreja na esfera social tem influência no processo pelo qual setores da sociedade e da cultura se subtraem à dominação das instituições e símbolos religiosos tem relação direta com uma determinada secularização da consciência. Porém, essa secularização ocorre no plano burocrático principalmente, ocorrendo que os vestígios de uma concepção religiosa de mundo permanecem fortes e cada vez mais presentes.

A questão central é o porquê as pessoas buscam a religião atualmente, pois o fenômeno de “reencantamento do mundo” não é um movimento dissociado de outras questões, expressa necessidades materiais que são buscadas em igrejas. A crítica aqui se faz não em relação à religiosidade e sim sobre a forma como algumas igrejas pentecostais, e principalmente neopentecostais, se apropriam do contexto de crise social, utilizando a aflição de pessoas e famílias a seu favor.

Utilizam a imagem de Jesus Cristo, relacionando-a aos problemas terrenos, e através de métodos psicológicos incentivam a busca da prosperidade na terra, o desenvolvimento profissional e o ganho de bens materiais, atribuindo a Deus todo sucesso individual. Esta é a chamada “teologia da prosperidade”. Segundo Mariano, “a posse, a aquisição e exibição de bens, a saúde em boas condições e a vida sem maiores problemas ou aflições são apresentados como provas da prosperidade do fiel” (MARIANO, 1999).

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Porém, este quadro mudou. Atualmente, as neopentecostais apresentam uma expansão que vai além das “classes desprivilegiadas”, atingindo também as “classes médias”. Além da promessa de ascensão social que busca disseminar nas novas gerações, os discursos neopentecostais ajudam a desenvolver e a recuperar nos fiéis a autoestima e a auto segurança, sem deixar de relacioná-las ao divino. Porém, em comparação com doutrinas mais tradicionais, essa vertente apresenta uma desmistificação de mitos e maior racionalização.

As neopentecostais apresentam uma enorme diversidade em relação ao perfil de fiéis, envolvendo jovens e grupos sociais que até então não participavam de nenhum segmento religioso. Há uma inserção neopentecostal entre inusitados estratos e grupos sociais, como artistas e atletas, que aproveitam sua influência dentro da mídia para divulgar e glorificar a doutrina de suas respectivas igrejas, gerando grande influência sobre seus fãs. A grande preocupação com imagens e aparências mostra o caráter fetichista4 dessas novas doutrinas, que se baseiam na imediaticidade dos fatos, na urgência dos resultados como principal motivação. A superficialidade das questões a serem trabalhadas e superadas demonstra que as novas igrejas compartilham e incentivam a dinâmica rápida e fugaz da vida contemporânea. A partir disto é possível identificar uma recusa da história, retirando dos indivíduos toda possibilidade de transformação real e depositando as expectativas em fatores externos, sobrenaturais, abstratos e desvinculados.

O espaço que as igrejas neopentecostais ocupam nas rádios e na televisão - e atualmente na internet - é um fator determinante para a manutenção de sua influência sobre as pessoas. De forma acessível, propagam sua doutrina e se inserem na vida das pessoas de maneira sutil e discreta, de forma que os indivíduos tem contato com a religião dentro de casa, confortavelmente, e assim tornam o ato religioso como algo imerso em seu cotidiano. Transformar o culto na religião do dia útil é naturalizar as práticas religiosas inserindo-as na vida cotidiana, é o mesmo que aprisionar o indivíduo ao imediato, ao fenômeno, gerando uma pseudoconsciência, assim o alienando do todo. O caráter diário de um determinado ato o torna muitas vezes imutável, concreto, inflexível, pois “(...) a cotidianidade é o mundo fenomênico em que a realidade se manifesta de certo modo e ao mesmo tempo se esconde” (KOSIK, 1986, p. 72).

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Conceito utilizado por Karl Marx (2008) sobre como as mercadorias passam a ganhar autonomia sobre a vida dos indivíduos.

Referências

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