Coleção Cátedra
coordenada por gabriele Cornelli • Platão: A construção do conhecimento
José Gabriel Trindade Santos • Introdução à “filosofia pré-socrática”
André Laks
• A filosofia antes de Sócrates: Uma introdução com textos e comentário Richard D. McKirahan
• Fílon de Alexandria Francesca Calabi • Introdução à filosofia do mito
Introdução à filosofia do mito
luc Brisson
Segunda edição, revista e aumentada
I
título original: Introduction à la philosophie du mythe, I. Sauver les mythes segunda edição revista e atualizada
© librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 2005 http:// www.vrin.fr
isBn 2-7116-1761-0
tradução: José Carlos Baracat Junior direção editorial: Claudiano Avelino dos Santos assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes diagramação: Ana Lúcia Perfoncio revisão: Caio Pereira
Tiago José Risi Leme
capa: Marcelo Campanhã impressão e acabamento: Paulus
© Paulus – 2014 Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 • São Paulo (Brasil) Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5087-3700 www.paulus.com.br • editorial@paulus.com.br ISBN 978-85-349-3917-1 1ª edição, 2014
coleção com apoio: coleção com apoio: Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Brisson, luc
introdução à filosofia do mito / luc Brisson;[tradução José carlos Baracat Junior]. – 2. ed rev. e aum. – são Paulo: Paulus, 2014. – (Coleção cátedra)
título original: introduction à la philosophie du mythe. ISBN 978-85-349-3917-1
1. Filosofia - História 2. Filosofia - Introduções 3. Mito I. Título. II. Série.
14-02414 cdd-109 Índices para catálogo sistemático:
SumárIo
aPrEsEntação da colEção ... 9 adVErtÊncia do tradutor ... 11 introdução ... 15 MŶTHOS E PHILOSOPHÍA ... 19 1. A comunicação do memorável em uma civilização oral ... 202. a intervenção da escrita e suas consequências ... 23
2.1. a crítica do discurso poético ... 25
2.2. a aparição da “história” e da “filosofia” ... 27
2.2.1. a “história” ... 28
2.2.2. a “filosofia” ... 28
a atitudE dE Platão antE o mito ... 35
1. Platão etnólogo ... 36
1.1. o mito como fato de comunicação... 36
1.2. mito e imitação ... 39 1.3. Mito e persuasão ... 41 2. Platão filósofo ... 42 2.1. a inferioridade do mito ... 42 2.1.1. o mito é um discurso ... 43 2.1.2. O mito é um discurso inverificável ... 43 2.1.3. O mito é um discurso não argumentativo ... 51 2.2. a utilidade do mito ... 54 2.3. Outros tipos de discursos qualificados como “mitos” por Platão ... 55
aristÓtElEs E inÍcio da EXEGEsE alEGÓrica ... 59
1. a tragédia ... 60
2. a alegoria ... 63
2.1. Breve história das origens da alegoria ... 64
6 sumário
Estoicismo, EPicurismo, noVa acadEmia ... 79
1. nossa fonte: o De natura deorum de cícero ... 80
2. a interpretação alegórica de inspiração estoica e as críticas que ela suscitou ... 84
2.1. a doutrina estoica sobre os deuses no De natura deorum ... 85
2.1.1. os antecedentes dessa doutrina ... 87
2.1.2. os prolongamentos dessa doutrina ... 88
2.2. a crítica epicurista ... 93
2.3. A crítica dos acadêmicos ... 95
PitaGorismo E Platonismo ...103
1. contexto histórico ...103
1.1. a transformação do ensino da filosofia ...104
1.2. uma nova maneira de interpretar os mitos ...107
2. interpretação mistérica dos mitos no platonismo dos primeiros séculos do império ...111
2.1. fílon de alexandria ...112
2.2. Plutarco de Queroneia ...115
2.2.1. Princípio de interpretação dos mitos ...116
2.2.2. um exemplo: o De Iside et Osiride ...119
2.3. Numênio e Crônio ...127
2.4. Plotino ...132
2.4.1. teoria do mito ...132
2.4.2. interpretação dos mitos ...134
2.4.2.1. a totalidade do sistema ...134
2.4.2.2. o domínio da alma ...140
2.5. Porfírio ...144
2.6. Jâmblico ...151
a Escola nEoPlatÔnica dE atEnas ...161
1. Platão é um teólogo ...163
2. A concordância entre a teologia de Platão e as outras teologias ...166
2.1. os Oráculos caldeus ...171
2.2. as Rapsódias órficas ...174
2.3. Os poemas homéricos: Ilíada e Odisseia ...183
BiZÂncio E os mitos PaGãos ...193
1. o ensino ...194
1.1. os degraus inferiores do ensino ...195
1.2. o ensino superior ...195
3. A interpretação dos mitos ...205 3.1. Eustácio ...206 3.2. Tzetzes ...209 3.3. Pselo ...212 3.3.1. Inspiração estoica ...214 3.3.2. Inspiração neoplatônica ...216 3.4. Pléton ...218
a idadE mÉdia ocidEntal ...223
1. a sobrevivência da mitologia ...223
1.1. o folclore ...224
1.2. a arte ...224
1.3. A cultura clássica ...225
2. a interpretação, condição dessa sobrevivência ...226
2.1. A tradição literária ...227
2.1.1. a interpretação histórica e o evemerismo ...227
2.1.2. interpretação física ...231
2.1.3. Interpretação moral ...233
2.1.4. síntese ...236
2.2. ilustração ...236
a rEnascEnça ...239
1. a persistência da idade média ...240
2. a originalidade da renascença ...241
2.1. os textos ...242
2.1.1. Editores, tradutores e comentadores ...242
2.1.1.1. Homero ...242
2.1.1.2. os egípcios ...246
2.1.1.3. A Eneida de Virgílio ...249
2.1.1.4. as Metamorfoses de ovídio ...252 2.2. Mitógrafos e antiquários ...255 2.2.1. os mitógrafos ...256 2.2.2. Os antiquários ...261 3. As interpretações ...265 3.1. Interpretação histórica. O evemerismo ...266 3.2. Interpretação física. A alquimia ...269
3.3. Interpretação moral e metafísica. a filosofia ...272
conclusão ...283
8 indEX locorum ...291 indEX nominum...301 indEX rErum ...307 tErmos GrEGos ...309 sumário
APrESENTAÇÃo dA colEÇÃo
a
Coleção
Cátedra deriva seu nome da Cátedra UNESCO
Archai: as origens do pensamento ocidental
, que quis
em-prestar a esta coleção sua filosofia de trabalho e sua sensibilidade
para os estudos das origens do pensamento ocidental.
A UNESCO, patrocinando o Grupo Archai como sua Cá-tedra, e tornando-a membro da rede unitWin da UNESCO
Chairs
, reconheceu o impacto científico de suas diversas
ativida-des. De fato, Archai atua há mais de uma década como centro de
consolidação de pesquisas, organização de cursos e seminários,
e publicação de livros e revistas, com forte atuação no âmbito
nacional e internacional, procurando construir uma abordagem
interdisciplinar que permita fazer compreender a filosofia antiga
em seu contexto político, econômico, religioso e literário.
Em parceria com a Paulus, editora renomada e de grande
alcance no mercado editorial brasileiro, a coleção visa
disponi-bilizar, para um público brasileiro de especialistas e
interessa-dos, cada dia mais amplo e exigente, monografias, comentários,
traduções, compêndios e obras temáticas que explorem o vasto
campo do pensamento ocidental em suas origens greco-romanas.
Gabriele Cornelli
d
iretor da Coleção CátedraCoordenador da Cátedra UNESCO Archai www.archai.unb.br
AdVErTÊNcIA do TrAduTor
t
endo em vista que as traduções de textos gregos e
lati-nos frequentemente refletem escolhas e interpretações
pessoais, e não desejando desrespeitar as feitas pelo autor do
li-vro, traduzi todos os textos citados por ele a partir das traduções
francesas fornecidas no livro, mantendo aqui e ali um olho nos
originais gregos e latinos.
a fim de tornar o livro mais acessível para o leitor não
espe-cializado, evitei o emprego, corrente no original, das abreviações
e das siglas nos títulos de obras antigas e de publicações
científi-cas citadas. Essas obras importantes, entretanto, aparecem aqui
citadas da seguinte forma:
– DK
: Hermann diehl e Walter Kranz, Die Fragmente der
Vorsokratiker
, 6ª edição, Berlim, Weidmann, 1952.
– SVF
: Hans von arnim, Stoicorum Veterum Fragmenta, leipzig,
teubner, 1902-1905.
– Patrologia Latina
e Patrologia Grega: respectivamente,
Jean--Paul migne, Patrologiae Cursus Completus, Series Latina e
Patrologiae Cursus Completus
, Series Graeca, Paris,
impri-merie Catholique, 1844-1866.
as transliterações de palavras gregas seguem as normas da
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC), por serem mais
adequadas à língua portuguesa do que o sistema de Émile
Ben-veniste, empregado por luc Brisson, que se destina ao francês.
Algumas poucas obras da bibliografia secundária citadas
pelo autor foram traduzidas para o português; indiquei as
tradu-12
ções entre colchetes, após a referência original. Para a
literatu-ra primária, porém, ainda que uma parcela muito pequena dela
tenha sido traduzida para o nosso idioma, preferi não fornecer
nenhuma indicação, dado que, por vezes, há mais de uma tra-dução: indicar todas seria muito trabalhoso, indicar apenas uma
seria injusto.
José Carlos Baracat Junior
Professor de língua e literatura Gregas da universidade federal do rio Grande do sul advertência do tradutor
Para Jean Pépin
Este livro foi iniciado em 1987, a pedido da Wissenschaftli-che Buchgesellschaft, como primeiro tomo de uma obra
intitu-lada Einführung in die Philosophie des Mythos, cujo segundo tomo
tem por autor christoph Jamme. Problemas de saúde e, em
se-guida, dificuldades ligadas à tradução do tomo primeiro para o
alemão atrasaram a publicação. o tamanho da demora explica
por que a versão francesa apresenta certo número de diferenças
menores em relação à versão alemã.
desejo agradecer catherine Joubaud, Jean-marie flamand
e minha filha anne Brisson, que contribuíram, de maneiras
di-versas, para a realização desta obra. achim russer, o tradutor
alemão deste livro, ajudou-me a precisar meu pensamento em
vários pontos; sou-lhe muito grato por isso.
dedico este livro a Jean Pépin, cujos trabalhos sobre o mito
foram para mim uma fonte de inspiração constante.
INTroduÇÃo
t
odo indivíduo consciente de ser herdeiro de uma
cul-tura que remonta à Grécia antiga conhece em seus
múltiplos detalhes o mito de Édipo e é tocado pelos revezes que
atingem o herói e sua filha antígona, embora encontre bastante
dificuldade ao trazer à sua memória um acontecimento político
importante que ocorreu há alguns anos apenas e do qual a mídia
muito falou.
como, então, explicar que uma narrativa cujas origens é
impossível retraçar, e que durante gerações foi objeto de uma
transmissão oral antes de constituir a intriga de tragédias
repre-sentadas no século V a.c. em uma cidade minúscula, atenas,
ante um número restrito de espectadores, ainda possa, no final
deste século marcado por uma intensa atividade racional no
do-mínio da ciência sobretudo, excitar a imaginação e apresentar
um poder de evocação tão potente que suscite emoções e
sen-timentos por demais fortes e por demais profundos, a ponto de
inspirar novas obras artísticas e até mesmo fundar a psicanálise?
tal é a questão à qual tenta responder este livro, que se situa
num plano decididamente histórico.
Este livro descreve como, ainda que houvesse de ser
elimi-nado pelos historiadores, pelos filósofos e pelos teólogos, o mito
foi “salvo” pela alegoria, que permitia associar a verdades
profun-das as narrativas mais escandalosas e os detalhes mais absurdos.
depois de ter sido submetido pelos primeiros
“historiado-res” e, sobretudo, pelos primeiros “filósofos”, a uma crítica
radi-16
introdução
cal, contemporânea ao aparecimento da escrita, o mito, que re-cebeu seu nome apenas nesse momento, tornou-se o objeto de
uma reintegração progressiva e cada vez mais global no campo
da história e no da filosofia, por meio desse instrumento
inter-pretativo chamado “alegoria”, que ao longo dos séculos
apre-sentou várias faces: moral, física, psicológica, histórica e mesmo
metafísica.
a alegoria, rejeitada por Platão, que, entretanto, não
re-nunciou ao mito, e praticada com muita reserva e prudência por
aristóteles, permitiu que os Estoicos associassem as principais
figuras da mitologia grega a virtudes, aos elementos (fogo, ar,
água, terra), a faculdades e mesmo, nisso seguindo Evêmero, a
seres humanos divinizados em razão de grandes serviços
pres-tados ao gênero humano. os Epicuristas e os filósofos que se
afirmavam da nova Academia ridicularizaram essa prática que
consistia em reduzir os deuses a simples seres humanos e
mes-mo a realidades materiais comuns e triviais, e eles denunciaram
a tendência de transformar poetas antigos em historiadores ou
filósofos ignorantes de si mesmo. Essa hostilidade, talvez,
desa-celerou o movimento, mas não o deteve.
na aurora de era cristã, com efeito, se desenvolveu com
for-ça ainda maior uma corrente alegórica original enraizada nessa
convicção. os mitos e os mistérios devem ser considerados dois
meios complementares utilizados pela divindade para revelar a
verdade às almas religiosas. os mitos trazem essa revelação por
intermédio de narrativas, ao passo que os mistérios a
apresen-tam sob a forma de dramas. nesse contexto, o poeta é
conside-rado um iniciado, ao qual foi revelada uma verdade pertencente
a outro nível da realidade e que é por ele transmitida de modo
a ser acessível a apenas um pequeno número de pessoas dignas
dela. Esse modo de transmissão implica o emprego de um
dis-curso codificado, um disdis-curso de duplo sentido, que se
inscre-ve na esfera do segredo, na qual tudo se encontra expresso por
enigmas e por símbolos. o poeta não é mais, consequentemente,
um filósofo ignorante de si, mas um teólogo que se esforça para
transmitir com prudência uma verdade à qual a filosofia permite
um acesso direto.
Para oporem-se à escalada de poder do cristianismo, depois
de sua dominação como religião de Estado, os neoplatônicos
lançaram mão de todas as suas forças para estabelecer um
acor-
do completo entre a doutrina platônica considerada uma “teo-logia” e todas as outras teologias gregas, as que se encontravam
em Homero, Hesíodo, orfeu e nos Oráculos caldeus.
o aparecimento do cristianismo e, sobretudo, sua
domina-ção complicaram os dados do problema. de agora em diante,
o mito não devia apenas estar de acordo com a história e com
a filosofia, mas também evitar chocar-se diretamente contra os
dogmas da igreja. um novo esforço de adaptação e, então, de
in-terpretação foi consentido de início pelos Pais da igreja e, depois,
pelos pensadores e pelos artistas no mundo bizantino e ao longo
da idade média latina.
o resgate não foi tranquilo nesses períodos turbulentos,
quando a transmissão do saber não era coisa fácil. Mas ele foi
real, tanto que a renascença recebeu como herança um tesouro
de narrativas e de representações, cuja forma verdadeira ela se
pôs a restituir com fervor e talento.
ao assegurar, constantemente, sua adaptação e sua
inter-pretação ao contexto de sua recepção, a alegoria, que por isso
não pode ser rebaixada ao nível de um fenômeno marginal e um
pouco ridículo, permitiu ao mito sobreviver. É a história desse
resgate que é descrita aqui, uma história cuja imensa
engenhosi-dade e incrível flexibiliengenhosi-dade só podem ser admiradas.
mas por que ser assim feroz para assegurar uma
verdadei-ra sobrevivência a mitos tão antigos e tão estverdadei-ranhos em muitos
pontos? Talvez porque nem a razão nem uma fé nova soube-ram exprimir melhor do que esses mitos algo completamente
particular e irredutível no âmago do coração dos seres huma-nos, que, de geração em geração, não cessaram de transformar,
sem perceber, uma mesma herança cultural oriunda da Grécia
antiga.
18
introdução